Garota de Ipanema, O ARRANJO #3 (English subtitles)
"Tom, e se você fizesse agora uma canção
que possa nos dizer, contar o que é o amor"
"Olha, Joãozinho, eu não saberia
sem Vinícius pra fazer a poesia"
"Para essa canção se realizar quem dera o João para cantar"
"Ah, mas quem sou eu? Eu sou mais vocês
Melhor se nós cantássemos os três"
Assim era apresentada a música Garota de Ipanema
lançada no show "Um Encontro" no Restaurante Au Bon Gourmet, em Copacabana, em 1962
O show juntou no palco, pela primeira e única vez,
Tom Jobim, Vinícius de Moraes e João Gilberto,
ou seja, o triunvirato da Bossa Nova
E ainda contou com a participação do grupo vocal Os Cariocas
Eu sou Flávio Mendes, músico e arranjador, e esse é o canal O ARRANJO
Tom Jobim gostava de falar que Garota de Ipanema
é a segunda música mais executada no mundo
atrás apenas de Yesterday, dos Beatles
mas ele falava: eles são 4 e cantam em inglês
É a canção que botou o Brasil, o Rio e Ipanema no imaginário universal
com um Brasil que poderia ter sido e nunca foi
E pensar que tudo isso começou com uma adolescente
passando na frente de um bar indo pra praia
É um belo enredo: dois homens de meia idade,
um poeta e diplomata e um compositor,
estão tomando um chope num bar de Ipanema, a uma quadra da praia
Numa tarde eles olham uma menina passando em direção ao mar
O poeta comenta: "Olha que coisa mais linda!"
No que o compositor completa: "mais cheia de graça!"
E os dois, inebriados pela chama da inspiração,
pegam guardanapos e começam a escrever ali uma música
e, chopes depois, nasce um clássico da música universal
Nada disso é verdade
Sim, tinha a moça, Helô Pinheiro,
Ela ia em casa, botava o maiô, a gente olhava mais
e ela ia tomar banho de mar, e tal
Eu ia pra praia, parava ali naquele bar, ficava tomando chope e daí corria em casa e fazia:
Tom compôs a música em casa, no piano
e entregou pro poeta fazer a letra
E não foi tão fácil,
surgiu até uma chamada "Menina que passa", que não vingou
O que ninguém sabia
era que Garota de Ipanema seria a última canção
com a assinatura Tom Jobim e Vinícius de Moraes
E que saideira!
Uma parceria iniciada em 1956, apenas 6 anos antes,
chegava ao fim deixando uma série de clássicos da música brasileira e universal
A versão de Garota de Ipanema que vamos analisar
é do disco The Composer of Desafinado, plays,
gravado em Nova York em 1963
O crítico Pete Welding, da renomada revista Down Beat
escreveu sobre o disco:
"Se o movimento da Bossa Nova tivesse produzido apenas esse disco
ele já estaria plenamente justificado
e eu lamento que não posso dar mais de 5 estrelas pra esse disco"
As versões em inglês das músicas de Tom Jobim
às vezes mudavam as suas melodias
e Garota de Ipanema é um exemplo disso
Notem como a melodia em portuguêas, a original,
tem mais notas na melodia do que a versão em inglês
Na versão instrumental a melodia fica ainda mais simples
É uma das melodias de Tom em que ele produz o máximo do sentido
com o mínimo de variação musical,
mas palavras do músico e estudioso Luz Tatit
Podemos ver, esquematicamente,
como as estruturas melódicas vão se repetindo
nas primeiras partes da música
"Olha que coisa mais linda, mais cheia de graça,
é ela menina que vem e que passa
num doce balanço, caminho do mar"
Se na primeira parte a estrutura rítmica da melodia é mais intensa,
na parte B temos um contraste
A melodia passa a ser mais espaçada,
com mais espaço entre as notas, um ritmo menos intenso
Interessante perceber que nas palavras que Vinícius de Moraes escreveu
essa diferença também fica clara na letra
naquele jogo perfeito entre música e letra
que caracteriza uma grande canção
Na primeira parte o poeta está observando a moça,
as suas características físicas, o seu caminhar
Ele está descrevendo o que ele vê: ela vem e passa,
com seu corpo dourado, num balanço a caminho do mar
Já na segunda passa, com a melodia mais espaçada,
ele se volta pra dentro dele, dos seus sentimentos
"Porque estou tão sozinho e tudo é tão triste?"
Quando volta a melodia mais ritmada
volta o olhar para a moça e seu caminhar:
quando ela passa o mundo se enche de graça
Em 1963, Jobim com 36 anos,
tem a chance de gravar o seu primeiro disco como solista
Com o sucesso da Bossa Nova nos EUA,
principalmente depois do famoso concerto no Carneggie Hall,
que apresentou os músicos brasileiros
e sua bossa para o mundo,
a gravadora Verve contrata Jobim
para gravar o disco The Composer of Desafinado, plays
Pros arranjos o produtor Creed Taylor sugeriu o alemão Claus Ogerman,
Não sem causar espanto no Tom
que achava que um arranjador alemão
ia fazer a música dele virar uma marcha de banda prussiana
Não foi o que aconteceu,
e Ogerman se tornou um dos grandes arranjadores de Bossa Nova
tendo trabalhado com Jobim por quase 20 anos
O departamento de marketing da gravadora
achou melhor que Jobim aparecesse como violonista
e não tocando piano, o seu instrumento principal
Eles queriam uma imagem de "latin lover"
e achavam que o violão era o instrumento principal para ele aparecer tocando
Carlos, você escreveu a música, eu sei,
o que realmente significa Garota de Ipanema?
Bem, a garota de Ipanema, Andy,
é uma garota muito bonita que tem lá na praia
se vc visse você iria ficar louco
Todo mundo vai tomar banho de mar
e ela é tão bonita, mas bonita mesmo
Você iria gostar muito dela
Bom
Você quer tocá-la?
Mas foi a forma de ele tocar o piano economicamente,
chamado de "Piano de um dedo"
que chamou atenção dos críticos
A orquestração segue o padrão que foi desenvolvido pelo Tom Jobim ainda no Brasil
nos primeiros discos de João Gilberto
Nessa gravação a base é formada por piano,
baixo, violão e bateria,
e com complemento de flauta e cordas,
sempre com muita economia
Tom tinha muita preocupação com o swing da bateria,
fundamental para o samba,
então nos discos que ele gravou nos EUA
ele preferia ter sempre um baterista brasileiro o acompanhando
Nesse disco foi o Edison Machado que gravou
A forma de Garota de Ipanema é AABA,
sendo que o último A tem um final ligeiramente diferente
pra concluir a canção
A introdução tem oito compassos com o violão
e os violinos tocando duas notas numa região mais aguda do instrumento
Depois entram a flauta e o piano que seguem apresentando o tema na parte A
A flauta e o piano estão em uníssono, tocando juntos a melodia
com o piano fazendo acordes ao mesmo tempo
Na repetição temos um contracanto dos violinos na região grave do instrumento
em movimentos cromáticos, ou seja,
as notas andando de meio em meio tom
A melodia agora é apresentada pelos violinos
com comentários do piano tocando uma nota de cada vez
o tal "one finger piano"
No final da parte B o piano agora faz a melodia,
sempre tocando uma nota por vez
E as cordas, agora com os cellos,
fazem o apoio harmônico
Esses primeiros arranjos que Claus Ogerman escreveu para o Tom,
se comparados com os arranjos futuros
são especialmente econômicos
É sempre o mínimo do mínimo
Tom Jobim nunca foi um pianista de jazz, improvisador
Quando nos discos ele tinha um momento de solo
sempre parece que ele desenvolve uma melodia digamos, alternativa,
para aquela sequência harmônica
Nessa variação da parte B temos o piano tocando uma variação da melodia,
o mesmo ritmo, com notas diferentes
E uma linha de violinos fazendo uma melodia de contraponto
No fim da parte B, a flauta se junta ao piano em uníssono,
ou seja, tocando as mesmas notas,
em uma frase com sentido descendente e saltos bem interessantes
Agora no último A a flauta está sozinha apresentando a melodia uma oitava acima,
bem na região aguda
E para encerrar as cordas fazem uma cama harmônica no grave
E o piano, de novo como one finger,
faz comentários bem sutis
Bom, esse é o canal O ARRANJO
Se você curtiu dá um like no vídeo, se inscreve no canal,
e até uma próxima, muito obrigado
"Tom, e se você fizesse agora uma canção
que possa nos dizer, contar o que é o amor"
"Olha, Joãozinho, eu não saberia,
sem Vinícius pra fazer a poesia"
"Para essa canção se realizar
quem dera o João para cantar"
"Ah, mas quem sou eu?
eu sou mais vocês,
melhor se nós cantássemos os três"