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BBC Brasil 2019 (Áudio/Vídeo+CC), Ação militar na Venezuela? O que explica a cautela do governo Bolsonaro

Ação militar na Venezuela? O que explica a cautela do governo Bolsonaro

[Feb 28, 2019].

Os Estados Unidos têm repetido que não descarta uma intervenção armada na Venezuela, mas Brasil e outros países da América Latina já deixaram claro que não veem a força militar como caminho para tentar tirar Nicolás Maduro do poder.

"Advogamos pela não intervenção. Portanto, continuaremos com a pressão diplomática, política, econômica para que se chegue a uma solução na Venezuela".

Eu sou Nathalia Passarinho, repórter da BBC News Brasil em Londres, e ouvi uma série de especialistas e militares para elencar cinco pontos essenciais que explicam a cautela do governo brasileiro.

E lá no fim eu destaco o que um professor de Oxford citou como uma oportunidade para Jair Bolsonaro.

Primeira razão para a cautela - O Brasil historicamente se opõe a ações militares sem o aval da ONU.

Nesse caso específico, qualquer ação seria resultado da pressão do governo de Donald Trump.

Segundo especialistas com quem eu conversei, uma estratégia seria evocar o princípio da responsabilidade de proteger.

É uma cláusula da ONU que permite intervenção estrangeira se o governo do país se omitir quanto à prática de crimes contra a humanidade, crimes de guerra, genocídio e limpeza étnica.

A questão é que dificilmente o Conselho de Segurança da ONU aprovaria isso, ou seja, entenderia que esses critérios estão presentes no caso da Venezuela, apesar da gravíssima crise econômica e humanitária.

Tem também um elemento adicional: a Rússia, integrante do Conselho de Segurança e aliada de Maduro, provavelmente vetaria uma proposta de intervenção militar na Venezuela.

Ou seja, a aprovação no Conselho de Segurança seria muito improvável.

Só lembrando aqui: cinco membros do Conselho de Segurança têm poder de veto: Estados Unidos, Reino Unido, França, Rússia e China.

Sem esse aval da ONU, o apoio de países como o Brasil e a Colômbia seria importante para dar legitimidade a uma ação comandada pelos Estados Unidos.

Veja só o que me disse o professor Oliver Stuenkel, da FGV.

"O apoio brasileiro seria importante para os EUA, mais por uma questão simbólica. Para dizer: A região nos apoia nisso. Estamos alinhados com os interesses da vizinhança".

Mas não seria nada fácil arrancar esse tipo de apoio do Brasil, justamente porque o nosso país tem uma longa tradição na política externa de não intervir militarmente em outros países, principalmente sem o aval da ONU.

Segundo motivo de cautela: o precedente que uma ação militar no nosso continente abriria.

No caso da Venezuela, militares e diplomatas acreditam que permitir que os Estados Unidos liderem uma operação militar seria abrir uma brecha arriscada.

Potências estrangeiras poderiam intervir em outros países da América Latina no futuro, inclusive no Brasil.

Uma terceira questão mais secundária, mas também destacada como relevante pelos meus entrevistados é o local estratégico desse possível conflito.

A nossa fronteira com a Venezuela fica em área de Floresta Amazônica, região que obviamente atrai a atenção internacional.

As forças armadas não gostariam de ver tropas estrangeiras circulando por lá.

Quarto motivo de cautela que vem sendo manifestada principalmente pelos militares do governo é o custo econômico e a perda de vidas.

Nunca dá para saber como e quando uma guerra vai terminar.

Ou seja, se o Brasil participasse de um conflito armado na Venezuela poderia ter que deixar tropas brasileiras por lá por meses ou anos.

Lembra quando os Estados Unidos derrubaram o regime de Saddam Hussein, no Iraque, em 2003?

Foi tudo muito rápido: a operação de derrubada do governo durou um mês.

Quem se lembra da estátua do Saddam Hussein sendo derrubada por uma multidão em Bagdá?

Outras impactantes imagens dele sendo encontrado dentro de um buraco que serviu de esconderijo.

Ele foi julgado e executado.

Mas aquele primeiro mês vitorioso foi só o início de uma longa presença americana no Iraque.

Faz 16 anos que os soldados chegaram lá e lá continuam.

Além do custo econômico que o Brasil teria se a intervenção se arrastasse, haveria muito provavelmente possíveis perdas de vidas tanto de venezuelanos quanto de brasileiros.

O quinto fator de cautela do Brasil é o equilíbrio regional.

Um eventual apoio do Brasil a uma ação militar sem um consenso de países sul-americanos poderia gerar conflitos diplomáticos e desconfiança na região.

O maior conflito armado da América do Sul foi a Guerra do Paraguai, no século 19, quando o Brasil, Argentina e Uruguai formaram a Tríplice Aliança contra o Paraguai.

O conflito resultou na morte de mais de dois terços da população masculina paraguaia.

A memória dessa guerra continua bem viva entre os paraguaios.

Eu conversei com o general da reserva Eduardo Schneider, que foi adido militar no Paraguai e atuou em missões da ONU no Haiti.

Vamos ouvir o que ele disse.

"País vizinho vai estar lá sempre. A conjuntura muda, e daqui a 50, 100 anos, ele vai estar lá. E esses precedentes ficam. Então, nos temos que manejar isso com muito cuidado e muito maturidade".

Esses foram cinco pontos principais destacados pelos especialistas com quem conversei para tentar entender o que está por trás dessa postura menos bélica e mais cautelosa, principalmente dos integrantes militares do governo.

Agora eu destaco aqui um outro elemento interessante das entrevistas: a oportunidade que o presidente Jair Bolsonaro teria em meio a essa crise, em se lançar como um mediador nas negociações para uma transição de governo na Venezuela.

Foi isso que me disse o professor de Relações Internacionais de Oxford, David Doyle.

Bom, eu perguntei se haveria mesmo essa possibilidade de o Brasil reivindicar esse papel, considerando as críticas feitas, principalmente na campanha, não só contra Nicolás Maduro, mas também contra todo o governo venezuelano.

Doyle disse que sim.

Ele argumenta que o nosso país é o maior da região e tem uma enorme fronteira com a Venezuela e seria o ator mais óbvio para esse papel quando se consideram, por exemplo, os interesses internacionais que a crise tem despertado.

Eu explico: como vocês sabem, a Venezuela meio que se tornou um palco de um remake da antiga Guerra Fria, que opunha Estados Unidos e Rússia.

Agora também com uma participação coadjuvante da China.

Uma solução mediada por uma potência regional, sem participação desses atores externos, daria credibilidade ao processo.

Daí surge a oportunidade de liderança do Brasil.

Segundo David Doyle, para Bolsonaro seria uma maneira de o presidente brasileiro mostrar que tem uma estratégia de política externa.

Mostrar que considera importante o equilíbrio regional e ainda mostrar um papel construtivo para seus críticos no Brasil.

A professora americana Jennifer McCoy, autora do livro "Mediação Internacional na Venezuela", destacou mais um ponto importante.

Ela acha que o melhor caminho para uma solução negociada, pacífica, seria excluir os Estados Unidos de qualquer negociação.

Bom, é um xadrez complicado que a gente vai continuar acompanhando em detalhes para você ficar por dentro.

E se você tiver qualquer pergunta, é só escrever aqui que a gente lê tudo e pode abordar num próximo vídeo.

Até mais!


Ação militar na Venezuela? O que explica a cautela do governo Bolsonaro Militärische Maßnahmen in Venezuela? Wie erklärt sich die Zurückhaltung der Regierung Bolsonaro? Military action in Venezuela? What explains the caution of the Bolsonaro government ¿Acción militar en Venezuela? Qué explica la cautela del gobierno de Bolsonaro ベネズエラで軍事行動?ボルソナロ政権が警戒する理由とは? Військові дії у Венесуелі? Чим пояснюється обережність уряду Болсонаро

[Feb 28, 2019].

Os Estados Unidos têm repetido que não descarta uma intervenção armada na Venezuela, mas Brasil e outros países da América Latina já deixaram claro que não veem a força militar como caminho para tentar tirar Nicolás Maduro do poder. Die Vereinigten Staaten haben wiederholt erklärt, dass sie eine bewaffnete Intervention in Venezuela nicht ausschließen, aber Brasilien und andere lateinamerikanische Länder haben bereits deutlich gemacht, dass sie militärische Gewalt nicht als Mittel zur Entmachtung von Nicolás Maduro ansehen.

"Advogamos pela não intervenção. Portanto, continuaremos com a pressão diplomática, política, econômica para que se chegue a uma solução na Venezuela".

Eu sou Nathalia Passarinho, repórter da BBC News Brasil em Londres, e ouvi uma série de especialistas e militares para elencar cinco pontos essenciais que explicam a cautela do governo brasileiro.

E lá no fim eu destaco o que um professor de Oxford citou como uma oportunidade para Jair Bolsonaro.

Primeira razão para a cautela - O Brasil historicamente se opõe a ações militares sem o aval da ONU.

Nesse caso específico, qualquer ação seria resultado da pressão do governo de Donald Trump.

Segundo especialistas com quem eu conversei, uma estratégia seria evocar o princípio da responsabilidade de proteger.

É uma cláusula da ONU que permite intervenção estrangeira se o governo do país se omitir quanto à prática de crimes contra a humanidade, crimes de guerra, genocídio e limpeza étnica.

A questão é que dificilmente o Conselho de Segurança da ONU aprovaria isso, ou seja, entenderia que esses critérios estão presentes no caso da Venezuela, apesar da gravíssima crise econômica e humanitária.

Tem também um elemento adicional: a Rússia, integrante do Conselho de Segurança e aliada de Maduro, provavelmente vetaria uma proposta de intervenção militar na Venezuela.

Ou seja, a aprovação no Conselho de Segurança seria muito improvável.

Só lembrando aqui: cinco membros do Conselho de Segurança têm poder de veto: Estados Unidos, Reino Unido, França, Rússia e China.

Sem esse aval da ONU, o apoio de países como o Brasil e a Colômbia seria importante para dar legitimidade a uma ação comandada pelos Estados Unidos.

Veja só o que me disse o professor Oliver Stuenkel, da FGV.

"O apoio brasileiro seria importante para os EUA, mais por uma questão simbólica. Para dizer: A região nos apoia nisso. Estamos alinhados com os interesses da vizinhança".

Mas não seria nada fácil arrancar esse tipo de apoio do Brasil, justamente porque o nosso país tem uma longa tradição na política externa de não intervir militarmente em outros países, principalmente sem o aval da ONU.

Segundo motivo de cautela: o precedente que uma ação militar no nosso continente abriria.

No caso da Venezuela, militares e diplomatas acreditam que permitir que os Estados Unidos liderem uma operação militar seria abrir uma brecha arriscada.

Potências estrangeiras poderiam intervir em outros países da América Latina no futuro, inclusive no Brasil.

Uma terceira questão mais secundária, mas também destacada como relevante pelos meus entrevistados é o local estratégico desse possível conflito.

A nossa fronteira com a Venezuela fica em área de Floresta Amazônica, região que obviamente atrai a atenção internacional.

As forças armadas não gostariam de ver tropas estrangeiras circulando por lá.

Quarto motivo de cautela que vem sendo manifestada principalmente pelos militares do governo é o custo econômico e a perda de vidas.

Nunca dá para saber como e quando uma guerra vai terminar.

Ou seja, se o Brasil participasse de um conflito armado na Venezuela poderia ter que deixar tropas brasileiras por lá por meses ou anos.

Lembra quando os Estados Unidos derrubaram o regime de Saddam Hussein, no Iraque, em 2003?

Foi tudo muito rápido: a operação de derrubada do governo durou um mês.

Quem se lembra da estátua do Saddam Hussein sendo derrubada por uma multidão em Bagdá?

Outras impactantes imagens dele sendo encontrado dentro de um buraco que serviu de esconderijo.

Ele foi julgado e executado.

Mas aquele primeiro mês vitorioso foi só o início de uma longa presença americana no Iraque.

Faz 16 anos que os soldados chegaram lá e lá continuam.

Além do custo econômico que o Brasil teria se a intervenção se arrastasse, haveria muito provavelmente possíveis perdas de vidas tanto de venezuelanos quanto de brasileiros.

O quinto fator de cautela do Brasil é o equilíbrio regional.

Um eventual apoio do Brasil a uma ação militar sem um consenso de países sul-americanos poderia gerar conflitos diplomáticos e desconfiança na região.

O maior conflito armado da América do Sul foi a Guerra do Paraguai, no século 19, quando o Brasil, Argentina e Uruguai formaram a Tríplice Aliança contra o Paraguai.

O conflito resultou na morte de mais de dois terços da população masculina paraguaia.

A memória dessa guerra continua bem viva entre os paraguaios.

Eu conversei com o general da reserva Eduardo Schneider, que foi adido militar no Paraguai e atuou em missões da ONU no Haiti.

Vamos ouvir o que ele disse.

"País vizinho vai estar lá sempre. A conjuntura muda, e daqui a 50, 100 anos, ele vai estar lá. E esses precedentes ficam. Então, nos temos que manejar isso com muito cuidado e muito maturidade".

Esses foram cinco pontos principais destacados pelos especialistas com quem conversei para tentar entender o que está por trás dessa postura menos bélica e mais cautelosa, principalmente dos integrantes militares do governo.

Agora eu destaco aqui um outro elemento interessante das entrevistas: a oportunidade que o presidente Jair Bolsonaro teria em meio a essa crise, em se lançar como um mediador nas negociações para uma transição de governo na Venezuela.

Foi isso que me disse o professor de Relações Internacionais de Oxford, David Doyle.

Bom, eu perguntei se haveria mesmo essa possibilidade de o Brasil reivindicar esse papel, considerando as críticas feitas, principalmente na campanha, não só contra Nicolás Maduro, mas também contra todo o governo venezuelano.

Doyle disse que sim.

Ele argumenta que o nosso país é o maior da região e tem uma enorme fronteira com a Venezuela e seria o ator mais óbvio para esse papel quando se consideram, por exemplo, os interesses internacionais que a crise tem despertado.

Eu explico: como vocês sabem, a Venezuela meio que se tornou um palco de um remake da antiga Guerra Fria, que opunha Estados Unidos e Rússia.

Agora também com uma participação coadjuvante da China.

Uma solução mediada por uma potência regional, sem participação desses atores externos, daria credibilidade ao processo.

Daí surge a oportunidade de liderança do Brasil.

Segundo David Doyle, para Bolsonaro seria uma maneira de o presidente brasileiro mostrar que tem uma estratégia de política externa.

Mostrar que considera importante o equilíbrio regional e ainda mostrar um papel construtivo para seus críticos no Brasil.

A professora americana Jennifer McCoy, autora do livro "Mediação Internacional na Venezuela", destacou mais um ponto importante.

Ela acha que o melhor caminho para uma solução negociada, pacífica, seria excluir os Estados Unidos de qualquer negociação.

Bom, é um xadrez complicado que a gente vai continuar acompanhando em detalhes para você ficar por dentro.

E se você tiver qualquer pergunta, é só escrever aqui que a gente lê tudo e pode abordar num próximo vídeo.

Até mais!