NÃO DÁ MAIS
Se quiser uma bala, uma água, o senhor
-pode me falar que tem aqui, tá? -Ah. Não, tá, tudo bem.
O ar-condicionado está na temperatura ideal?
-Está ótimo, está tudo ótimo. -Coisa boa.
-Gostei foi dessa música aí. -Ah, é gostosa de ouvir, né?
-Muito. -É boa, eu gosto também.
-Isso aí é Rádio MEC? -Não, é uma composição minha.
Quando eu tocava no Municipal,
isso acho que foi em 2007... o concerto que eu fiz.
-Você é pianista? -Eu era, né?
Não dá mais para viver de música clássica no Brasil, não.
-É. -É, deve ser difícil mesmo.
Você não pensou em tocar outras coisas?
Não, eu toquei. Eu toquei muito tempo com o Sorriso Maroto.
-Ah, você toca pagode! -Tocava, né?
Não dá para viver mais de pagode no Brasil mais, não.
Ah, está ruim para todo mundo.
Ah, é. Não está fácil para ninguém, não.
Será que eu posso carregar meu celular?
Ah, lógico! Não precisa nem de fiozinho, não.
-Só encostar nele que funciona. -Mas é um carregador de contato?
É de contato. Olha, bota aqui. Pronto, já está carregando.
-Não, não pode ser. -É.
-Meu amigo, isso é muito moderno! -Moderno nada!
Em 97, quando eu inventei isso,
que eu estava dando aula na USP, de elétrica,
-pessoal nem sabia o que era ainda. -Ah, você é engenheiro?
Era, né? Não dá para mais viver de engenharia no Brasil mais, não.
Rapaz! Você pode ficar rico com isso, hein?
Não dá para mais viver de inventar coisa no Brasil, não.
Também, o senhor tem muito filho, né?
Deve ser por isso. Olha quanta criança!
Não, não é filho, não. Essas são as crianças que eu salvei.
Salvou? Onde?
-Não, que eu curei, que eu operei. -Sim.
Eu não entendi por quê. Você é...
-Você é médico? -Era, né?
Não dá mais para viver de neurocirurgião no Brasil mais, não.
-Dá não? -Ah, dá não, dá não.
Nossa. Aí agora tem que dirigir Uber, né?
Não, não sou Uber, não!
Dá para viver de Uber no Brasil mais, não. Tá doido?
Ah, é? Então o quê que o senhor está fazendo?
Eu estou parando aqui
e pedindo para o senhor sair rapidinho,
ir no caixa eletrônico ali, tirar todo o teu dinheiro e trazer para mim.
Tá? Vamos lá. Eu tenho teu endereço,
teu telefone, então não adianta fugir, não. Vamos lá.
Pode ir. Por favor.
Greg! Ai, que loucura!
A gente... Não tá mole, não!
A gente tem que fazer de tudo, de tudo!
Você quer ouvir o quê? Um rock?
Música blues, jazz? Novos Baianos?
Quê que você quer? Bossa nova?
Eu tenho tudo aqui para te oferecer!
-Água... -Tem uma aguinha?
Tem água, tem bala,
tem refrigerante, drinks, tem tudo aqui!
-Tem champanhe? -Tem champanhe, tem tudo.
O que você quiser, Greg!