Autenticidade: a coragem de ser quem você é | Mari Palma | TEDxSaoPaulo (1)
Transcriber: Andrea Portela Revisor: Elena Crescia
Quando eu passei no meu primeiro emprego, um estágio na TV Globo,
eu lembro que eu contei para meus pais
e claro, eles ficaram super felizes. Parabéns! Aquela coisa...
Mas eu lembro que, uma das primeiras coisas
que minha mãe me disse foi: filha, ok.
Você passou no seu primeiro emprego, então, agora a gente precisa sair
para comprar roupa de trabalhar.
Eu nunca tinha trabalhado na vida,
Eu pensei, que será essa tal roupa de trabalhar?
o que tem errado com a minha roupa?
E aí a gente pegou e foi para o shopping e eu falei: está bom mãe,
então vamos lá, comprar essa roupa de trabalhar.
E aí eu lembro que a gente chegou no shopping,
e aí minha mãe começou a sair atrás de camisa social, calça social, salto,
e eu só olhando né? Está bem, ela sabe o que está fazendo.
Eu preciso começar a trabalhar.
Então vamos seguir isso, e aí, a gente foi para o provador.
Aí no provador eu colocando aquelas roupas que eu nunca tinha colocado,
e aí eu lembro que começou a provocar uma comoção no provador
com outras mulheres que estavam lá.
Minha mãe claro, super orgulhosa, contando para todo mundo...
ai, minha filha passou na Globo.
Ela vai começar a trabalhar e aí, as pessoas olhando para mim
com aquela roupa de trabalhar, falando: Nossa você está linda!
desse jeito eu tenho certeza que vai dar tudo certo,
você vai ser uma grande profissional.
Como se, por colocar aquela roupa,
como se por se vestir daquela maneira,
já fosse certeza de que eu seria competente,
de que eu seria uma grande profissional, de que eu teria uma carreira maravilhosa.
De certa maneira, eu também acreditei naquilo.
Por muito tempo.
Então eu acreditei, que eu precisava me vestir daquela maneira
porque o jeito que eu me vestia, talvez não seria suficiente
se eu quisesse crescer como profissional.
Então eu lembro que, eu comecei a minha carreira,
sendo quem as pessoas achavam que eu deveria ser,
mas não sendo quem eu era de verdade.
E aí eu lembro que eu fui trabalhar,
meu primeiro dia...
super desconfortável com aquela roupa.
Era como se eu não me encaixasse ali dentro, de certa maneira.
Então eu estava no ônibus, de salto,
com camisa suando, aquele calor..
e aí meio desconfortável, eu não sabia direito
como ficar com a roupa e tal...
Mas eu fui.
Nesse, eu fui...
passou muito tempo. Anos e anos,
da Mari fantasiada de algo que ela achava que precisava ser
para alcançar alguma coisa,
e não da Mari sendo a Mari de verdade.
E é muito curioso, porque por muito tempo,
eu fui trabalhar de salto, era assim que meus amigos me conheciam.
Mas não era como eu me vestia normalmente. Eu queria estar ali,
fantasiada de profissional competente,
mesmo que fosse contra quem eu sou de verdade.
Trabalhando na Globo, eu fui convidada então para participar de um projeto,
que seria o G1 em um minuto.
E aí me convidaram para fazer um piloto desse projeto.
Mari, a gente precisa que você venha amanhã
para fazer um piloto. Eu não sabia direito o que era, e tal...
E a gente precisa que você venha. É um piloto de vídeo,
para você ser apresentadora de um projeto em rede nacional.
Falei: nossa! O que que eu fiz?
Corri para a seção credibilidade do meu armário, digamos assim...
Peguei todas as roupas que eu achava que me faziam parecer séria
com credibilidade e tal...
Cheguei arrasando no dia,
e aí eu lembro que um dos meus chefes olhou para mim
e falou assim: “não Mari, a gente não quer você assim.
A gente quer você de verdade.”
E aí, sabe, eu olhei de baixo para cima, assim, falei: “sério?”
Aí ele falou: “sério, nesse projeto
a gente quer que você seja de verdade, a gente quer você com suas roupas,
a gente quer você falando do jeito que você fala.”
Aí eu falei “nossa! Será?”
Enfim, voltei para casa,
coloquei as minhas camisetas de banda, de série e tal,
vesti a minha roupa. Sem a fantasia.
E aí eu comecei naquele desafio, naquele projeto,
com uma sensação um pouco complexa dentro de mim,
porque, ao mesmo tempo que eu estava muito feliz,
porque eu tinha de certa maneira me libertado daquela caixa,
que eu achei por muitos anos
que eu precisava entrar, que precisava estar.
Mas ao mesmo tempo,
eu estava com muito medo da rejeição.
Porque a gente passa a vida inteira
tentando ser aceito, a gente passa a vida inteira
tentando pertencer a algum grupo.
E dentro da minha fantasia profissional
eu pertencia, de certa maneira, a algum grupo.
Eu estava ali, como profissional competente.
Então sem aquela proteção, digamos assim,
eu estava sem nenhum muro
entre mim e o público.
Isso me assustava, eu tinha muito medo da rejeição.
Eu tinha medo de confirmar aquilo, que por muito tempo eu acreditei,
que eu não seria suficiente.
Como uma menina de piercing, tatuagem aparente no braço,
camiseta de série, de banda,
pode entrar na televisão falando de política, economia,
eu não vou acreditar no que ela diz.
E olha só que curioso...
eu mesma caí nessa armadilha.
Eu, no começo do projeto,
também acreditei que eu não merecia falar
sobre esses assuntos mais complexos, mais densos,
por causa do jeito que eu me vestia.
Então, eu comecei esse projeto totalmente desacreditada em mim.
Só que eu fui. De novo. Fechei o olho e eu fui.
E foi o começo de uma jornada que me fez entender
o poder dessa palavrinha que a gente escuta hoje bastante,
que é autenticidade.
Eu lembro que no começo do G1 em 1 minuto,
uma senhorinha ligou na redação
no meio do dia assim, e ela falou para o meu chefe:
“pede pra essa menina tirar esse arame do nariz,
porque não tem nada a ver com ela.”
E eu lembro que meu chefe desligou, dando risada,
aí eu olhei para ele e falei, “que foi chefe?” Ele falou:
“ah, ligou uma senhora aqui falando
para você tirar esse arame do nariz.”
Aí eu virei para ele e falei assim: “Eu tiro?”
Aí ele: “não, não tira.”
E eu parei e falei: “nossa, tá bom.”
E aqui eu acho muito importante dizer o seguinte,
não foi de um dia para o outro que eu simplesmente acordei
e falei: “quer saber? Eu vou desafiar o sistema,
vou contra todos os códigos, todos os obstáculos que existem,
eu vou passar por tudo isso, vou colocar minha camiseta de banda,
vou aparecer na televisão e o povo que lute.” Não.
Eu tive uma oportunidade, e eu tenho total consciência
da sorte que eu tive de ter pessoas no meu caminho,
que viram algo em mim, que eu mesma não conseguia enxergar.
Que viam que a Mari
podia sim ser suficiente.
A Mari, de verdade.
E não só as pessoas com quem eu trabalhava enxergaram isso.
O público também começou a enxergar o poder dessa autenticidade,
porque o medo que eu tinha de ser rejeitada,
ele meio que ficou para trás.
Porque as pessoas começaram a se identificar comigo, de certa maneira.
Então, nas minhas redes sociais, que, né,
eu colocava ali fotos da minha família,
do meu cachorro e tal...
Eu tinha, sei lá, 300, 400 seguidores,
esse número começou a subir.
subir, subir, subir,subir,
e aí as pessoas começaram a me seguir, a me mandar mensagem.
Eu falei: “Nossa existe um movimento aqui!
Tem alguma coisa acontecendo aqui que não estou entendendo direito que é.
E a maioria das mensagens dizendo que se identificavam comigo
que se viam em mim,
ou mães e avós dizendo que viam as filhas e netas em mim,
os filhos e netos.
Alunos de jornalismo dizendo: “Mari, eu quero fazer jornalismo
e falei para o meu pai que eu quero fazer uma tatuagem
ele disse para mim que jamais vou ser jornalista assim,
hoje eu pego a sua foto, mostro aqui para ele
e falo, ó, ela está lá, eu também posso.”
Uma vez em um evento,
eu encontrei uma menina
que disse que foi ao evento só para conversar comigo.
E aí quando ela me viu, ela pegou na minha mão
e ela tremia assim, começou a chorar.
Aí eu falei: “que aconteceu? Está tudo bem?”
Aí ela falou: “eu queria te agradecer.”
Aí eu falei:“por quê?”
Ai ela falou:“eu faço engenharia, e eu me visto
de um jeito que as pessoas questionam.
As pessoas falam de como eu me visto e vendo você fazendo o que você faz,
fazendo o que você faz, com brilho no olho.
Algo que você ama.
Isso me dá força para resistir, para seguir em frente.
E esse tipo de retorno que começou a aparecer,
me deu uma força absurda, assim, para continuar.
Me fez entender que sim, eu poderia ser suficiente.
Me fez entender que tinha valor
na Mari, de verdade.
E olha que curioso, a gente precisa muitas vezes,
que a outra pessoa valide a gente,
para a gente acreditar em quem a gente é.
Geralmente parte do outro né? Na pessoa olhar para você e falar:
“eu gosto de você assim. Legal, Continue.”
Se a pessoa de repente falar o contrário,
você vai se questionar, vai duvidar de quem você é.
Então eu continuei, eu resisti, por causa de todo esse apoio
que eu tive inicialmente, que foi um apoio que me fez entender
o poder da autenticidade.
Então, eu percebi que eu não precisava mais recorrer à seção credibilidade
do meu guarda roupa,
porque a credibilidade estava em mim,
não no jeito que eu me vestia.
Eu podia sim ser competente.
Eu podia falar de política, economia. Eu podia fazer tudo isso
usando piercing, fazendo tatuagem e de camiseta e tênis.
Isso não me fazia menos competente.
Perceber isso foi muito transformador,
não só para a minha carreira, mas para a minha vida também.
Porque eu comecei a perceber, como muitas vezes
a gente limita a gente mesmo
e limita o outro.
Então alguém que tem coragem de ser de verdade,
alguém que tem coragem de assumir o jeito que se veste,
de falar do jeito que fala.
Muitas vezes, a gente tem um olhar cruel
sobre essa pessoa, ne?
E isso também significa um olhar cruel sobre a gente mesmo.
Então eu percebi o poder que esse movimento de autenticidade pode ter,
para tudo. Para as nossas relações, para a nossa profissão,
não só para a gente, para todo mundo.
E eu entendi que muitas vezes, a gente pode ser a barreira,
para o outro ser de verdade. Então, que a gente não seja essa barreira.
Que a gente não seja mais um obstáculo.
Porque, já tem tanto obstáculo né?
Impedindo e dizendo para a gente que a gente não é suficiente.
Entâo, que a gente não seja mais um obstáculo para o outro.
Agora, a gente fala tanto sobre a autenticidade.
A gente fala tanto sobre essa coragem,
esse processo que ao mesmo tempo que é tão difícil, é tão gostoso...
Por que é tão difícil fazer isso?
Porque isso significa derrubar um muro.
E quando você derruba esse muro,
a recepção pode ser positiva, mas ela pode ser muito negativa também.
E eu não estou dizendo aqui que eu só tive elogio,
que as pessoas me amaram 100%, não.
Eu tive muita reação negativa a isso.
Pessoas dizendo que eu não merecia estar naquele lugar,
falando de política, economia.
Pessoas me chamando de estagiária,
por causa do jeito que eu me visto,
sendo que eu já tinha quase 10 anos de carreira
e sendo que eu trabalhava muito.
Apesar de eu estar um minuto na televisão,
eu juro que o trabalho é maior do que isso.
Também aconteceu o contrário, pessoas dizendo:
“ela só está aí por causa da camiseta”.
Eu coloco uma camiseta e um tênis, eu vou na frente da câmera,