OLHOS DA CARA
-Dona Amanda, apareceu uma emergência. -Isso.
-A senhora já sabe? -Já.
Pois é. A galera alterou de novo o horário do meu Squash.
Se eu não for agora, eu perco a quadra.
Olha, a senhora dispensa os pacientes, fala que eu tô em cirurgia, sei lá.
D. Amanda, é impressão minha ou tem alguém gemendo na recepção?
É, um moço que passou mal no ponto de ônibus
e consegui chegar aqui na clínica.
(puta que o paru!)
Doutor!
Eu tô achando que é derrame, doutor Rogério.
Nossa, dona Amanda, a senhora virou médica?
-Magina, doutor Rogério. -Então faz o seu que eu faço o meu.
Gente, olha, me desculpem,
mas hoje não tem mais condições de ter atendimento.
Por favor, me acompanhem.
Olha, o senhor fique tranquilo que eu vou cuidar bem do senhor, tá?
-O senhor tá me ouvindo? -Tô.
-Qual o seu nome? -Paulo.
Paulo, quero que você conte tudo. O senhor tava no ponto de ônibus,
passou mal e resolveu entrar na minha clínica, exato?
Foi.
Por que não chamou a ambulância dali mesmo, Paulo?
Não tô conseguindo respirar.
Conseguir lembrar o nome do plano de saúde o senhor consegue?
Calma.
Olha, eu tô levando uma raquete só.
Se ela não levar a dela, vai ficar sem dupla.
"Eu tô levando uma raquete só."
"Se ela não levar a dela, vai ficar sem dupla."
Olha, o senhor fique tranquilo
que o socorro será dado conforme é previsto por lei.
Mas se o seu plano de saúde puder cobrir,
melhor pra nós dois, certo, Paulo?
Doutor, eu não tenho plano de saúde.
Então o senhor prefere consulta particular?
Doutor, o meu braço tá doendo. Eu acho que não vou conseguir...
-Doutor, a minha cabeça! -Concentra, Paulo!
Paulo, eu tô falando com você. É muito importante que você responda.
-Qual a sua profissão? -Eu sou pintor.
Paulo.
Eu quero que você seja sincero.
Você acha que se você se livrar desse derrame,
que por incrível que pareça, a dona Amanda tinha razão.
Danadinha essa dona Amanda!
Isso é um derrame.
Você acha que com todas essas sequelas,
o senhor vai conseguir trabalhar
-e pagar uma fisioterapeuta? -Eu tô desempregado.
Sim, mas tem a sua esposa.
-Ela é doméstica. -Ela é o quê?
Doméstica.
Tá.
Paulo, vamos ser coerentes?
Olha, você não vai mais conseguir andar,
falar, trabalhar... Meu amigo...
-Hoje é seu dia de sorte! -Por que, doutor?
Paulo!
Oh, Paulo! Você não acredita!
Acabaram de me ligar da Brasilândia!
Olha que coincidência, rapaz!
Queimaram os olhos do Fernandinho Jacaré no ácido!
Em resumo,
tão precisando de duas córneas, urgente!
E tão pagando 30 paus pelo par de olhos, Paulo!
Paulo, meu amigo, vamos pensar aqui!
Você não vai mais falar, andar, trabalhar.
Vai querer enxergar pra quê?!
Doutor, a minha cabeça, ela tá doendo, doutor!
Paulo, dor de cabeça você vai ter depois
com o tanto de despesa que vai aparecer!
Olha, só essa consulta é 900 contos.
Nossa, doutor. O senhor tá me cobrando os olhos da cara.
É basicamente isso.
Dona Amanda.
Vê um dormonid e um anticoagulante pro paciente
e encaminha ele pra sala de cirurgia.
Eu não quero ser fura-olho de ninguém,
mas pintou um pepino e vai melar meu Squash.