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PESSOA, Fernando - Poema em linha reta

PESSOA, Fernando - Poema em linha reta

Poema em linha reta

Fernando Pessoa (Álvaro de Campos)

Nunca conheci quem tivesse levado porrada. Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.

E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil, Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita, Indesculpavelmente sujo, Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho, Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo, Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas, Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante, Que tenho sofrido enxovalhos e calado, Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda; Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel, Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes, Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar, Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado Para fora da possibilidade do soco; Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas, Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.

Toda a gente que eu conheço e que fala comigo Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho, Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia; Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia! Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam. Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil? Ó príncipes, meus irmãos,

Arre, estou farto de semideuses! Onde é que há gente no mundo?

Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?

Poderão as mulheres não os terem amado, Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!

* E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído, Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?

Eu, que venho sido vil, literalmente vil, Vil no sentido mesquinho e infame da vileza. *

PESSOA, Fernando - Poema em linha reta PESSOA, Fernando - Gedicht in einer geraden Linie PESSOA, Fernando - Poem in a straight line PESSOA, Fernando - Poema en línea recta ПЕССОА, Фернандо - Поема в прямій лінії

Poema em linha reta Straight Poem

Fernando Pessoa (Álvaro de Campos) Fernando Pessoa (Álvaro de Campos) Фернандо Пессоа (Альваро де Кампос)

Nunca conheci quem tivesse levado porrada. Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo. Alle meine Bekannten waren Meister in allem.

E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil, Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita, Indesculpavelmente sujo, Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho, Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo, Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas, Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante, Que tenho sofrido enxovalhos e calado, Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda; Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel, Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes, Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar, Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado Para fora da possibilidade do soco; Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas, Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo. And I, so many times cheap, so many times dirty, so many times vile, I, so many times irresponsibly parasitic, inexcusably dirty, I, who so many times haven't had the patience to take a bath, I, who so many times have been ridiculous, absurd, who have publicly wrapped my feet in the carpets of labels, who have been grotesque, petty, submissive and arrogant, who have suffered beatings and kept quiet, who, when I haven't kept quiet, have been even more ridiculous; I, who have been comical to hotel maids, I, who have felt the wink of freight boys, I, who have made financial disgraces, borrowed without paying, I, who, when the time for the punch came, have crouched out of the possibility of the punch; I, who have suffered the anguish of ridiculous little things, I see that I have no equal in all this world.

Toda a gente que eu conheço e que fala comigo Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho, Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia; Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia! Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam. Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil? Ó príncipes, meus irmãos,

Arre, estou farto de semideuses! Onde é que há gente no mundo?

Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?

Poderão as mulheres não os terem amado, Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!

*** E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído, Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?

Eu, que venho sido vil, literalmente vil, Vil no sentido mesquinho e infame da vileza. ***