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Flavio Mendes (Bossa Nova), Hô-ba-la-lá, O ARRANJO #8, (English subtitles)

Hô-ba-la-lá, O ARRANJO #8, (English subtitles)

Rio de Janeiro, 1957, Roberto Menescal está em casa, na casa dos pais,

que estão comemorando 25 anos de casados

Ele está meio que fazendo o papel de porteiro, recebendo os convidados

Ele, e todos os homens estão de terno,

mas toca a campainha e é um cara de camisa de manga curta, que pergunta:

Você é o Menescal? Você tem um violão aí?

Menescal: "Eu digo tenho, mas quem é você?

Ele fala: Não, rapaz, a gente não pode tocar um pouco?

Eu digo: tem uma festa aqui em casa

tá todo mundo aqui

Ele olhou e falou, ih, rapaz, muita gente... mas não tem um lugarzinho que a gente possa tocar violão?

Eu digo, tem o meu quarto, mas quem é você?

Vamos lá, eu te digo"

O estranho pega o violão, faz uma levada diferente e começa a cantar

Menescal já tinha ouvido a música e já conhecia de nome o cara:

você é o João Gilberto?

Largou a festa dos pais na hora, trocou a roupa social e saiu com João

Durante dois dias inteiros ele levou João Gilberto de casa em casa para mostrá-lo aos seus amigos

No fim desse périplo, Menescal começa a entender:

esse cara é uma espécie de feiticeiro, que usa o carisma dele pra envolver quem está em volta

Achou que deveria tomar cuidado,

mas já era tarde demais

Eu sou Flávio Mendes, músico e arranjador, esse é O ARRANJO, sejam bem-vindos

Os jovens da zona sul carioca dos anos 1950 foram os primeiros a ocupar e usar as praias de forma completa:

eles nadavam, pescavam, praticavam esportes na agua e na areia, e, principalmente,

usavam a praia como ponto de encontro

Menescal: "A gente chegava do colégio e ia direto pra praia pra jogar um futebolzinho,

e namorar, claro, e tocar violão de noite

Então nós usamos ela bastante, até para a nossa arte"

As letras das músicas brasileiras que faziam sucesso nessa época,

no estilo Samba Canção, não combinavam com esse modo de vida

Menescal: "Você olhava pra gente com 18, 19 anos,

'Ninguém me ama, ninguém me quer', não pode

'Se eu morresse amanhã de manhã não faria falta a ninguém'"

Eram, em geral, dramáticas, mais próximas de quem vivia na noite, no escuro das boates

Jobim: "Tinha um bolero, no meu tempo, que se chamava suicídio

No final do disco, era um disco de 78, o sujeito contava uma tragédia tão grande

que no final se ouvia o estampido de um tiro, possivelmente de revólver"

O aparecimento de João Gilberto, a forma como ele tocava mesmo canções antigas,

foi como se se materializasse tudo o que eles vinham procurando

Com o disco Chega de Saudade, tudo foi modificado, pra sempre

João Gilberto nasceu em Juazeiro, no interior da Bahia, numa família musical

Seu pai, Juveniano, e seu tio Jerônimo tocavam instrumentos de sopro

na Banda Filarmônica 15 de Março

João aprendeu violão aos 14 anos, num método antiquado,

mas foi o suficiente para ele se acompanhar,

formar um grupo vocal com amigos e abandonar os estudos

Com 18 anos se muda pra Salvador,

e com a ajuda de alguns primos bem relacionados, vira cantor de rádio, na Rádio Sociedade

Mas não fica muito tempo por lá: em menos de um ano, em 1950, já está desembarcando no Rio,

convidado para participar de um grupo vocal profissional, os Garotos da Lua

Como crooner desse grupo vocal ele grava os seus primeiros discos

Não durou muito tempo no grupo, ele já tinha fama de excêntrico

e já faltava a alguns compromissos profissionais

Saiu do grupo para se lançar numa carreira solo, chegou a lançar duas músicas,

mas o seu estilo de cantar, à moda de Orlando Silva, já naquela época, em 1952, soava antiquado

Ouvidas hoje, essas faixas em nada lembram o João Gilberto que conhecemos

Por volta de 1955, sem trabalho e sem dinheiro,

João passa um tempo fora do Rio, em Porto Alegre e em Diamantina,

e durante esse período desenvolve um estilo seu, próprio, de cantar e tocar violão

Quando ele volta pro Rio, em 1957, ele já é um artista pronto pra revolucionar a música brasileira,

mas pouca gente se lembrava dele, foi quase uma volta à estaca zero

Só quando ele reencontrou o seu amigo Edinho, do Trio Irakitan, que a sua vida começou a mudar

Edinho lhe falou de um jovem de 20 anos que morava em frente ao lugar onde o grupo ensaiava

que já tocava uns acordes diferentes, como os que João tinha passado a tocar

Esse garoto, Roberto Menescal,

costumava acompanhar os ensaios do trio Irakitan pelo prazer de aprender com músicos mais experientes

Num desses ensaios, Edinho comenta com Menescal que um antigo amigo dele, João Gilberto,

tinha uma música muito boa e diferente, e cantou Hô-ba-la-lá

E depois João Gilberto procurou o Menescal e eles saíram pela cidade

Menescal: "Tirei o paletó e a gravata e saí levando o João Gilberto pra tudo quanto era lado,

Copacabana, todo lugar, levando o João Gilberto pras pessoas o conhecerem"

Dentre os amigos que Menescal apresenta para João está Chico Pereira,

fotógrafo das capas de discos na gravadora Odeon

Quando Chico Pereira ouve João Gilberto ele diz logo: "Cara, você precisa gravar”

e como ele trabalhava na Odeon, ele sugere apresentá-lo a um jovem diretor da gravadora,

Antônio Carlos Jobim

João e Tom já se conheciam há muitos anos, mas no tempo em que João esteve fora do Rio,

o amigo, que era pianista de boates e inferninhos,

tinha se tornado um compositor e arranjador conhecido, um homem influente nas gravadoras

João foi procurar Tom no mítico apartamento da rua Nascimento Silva 107, em Ipanema

Tom já sabia que ele estava de volta e achou natural que ele o procurasse

João pegou o violão e tocou as suas duas composiçoes, Hô-ba-la-lá e Bim Bom

O modo de João cantar era muito diferente, soava como um instrumento, limpo, sem vibrato,

mas o que impressionou Jobim foi a forma dele tocar violão

Ele sequer se lembrava que João tocava, não o associava ao instrumento,

mas aquela batida era inovadora, e Tom logo percebeu

Era uma forma de tocar samba que simplificava, decantava a batida do samba,

e fazia tudo parecer moderno

Tom convence seu chefe na Odeon, Aloysio de Oliveira,

a gravar um compacto com João Gilberto cantando Chega de Saudade e Bim Bom

O próprio Tom fica responsável pelos arranjos desse e do compacto seguinte,

Desafinado e Hô-ba-la-lá

Com o sucesso desses compactos João enfim grava em 1959 o disco Chega de Saudade,

aquele disco que mudou tudo

Nas palavras do músico e escritor Túlio Ceci Villaça,

as duas composições de João Gilberto que ele grava em Chega de Saudade,

Bim Bom e Hô-ba-la-lá, sao irmãs gêmeas

Nenhuma das duas podem ser consideradas sambas, e embora a bossa nova seja basicamente samba,

talvez João Gilberto quisesse mostrar que a bossa nova não é só samba

As letras, também de João Gilberto, a princípio não dizem nada:

uma onomatopeia, uma auto referência e uma referência ao coração

Essa é a letra de Bim Bom e a de Hô-ba-la-lá não é diferente

Hô-ba-la-lá eh um beguine,

um ritmo da América Central próximo do bolero ou de uma rumba um pouco mais mais lenta,

que teve o seu auge nos anos 1930, disseminado pela canção Beguin the Beguine, de Cole Porter

Mas porque João Gilberto escreveu e gravou uma música num ritmo que não existia há mais de 20 anos,

e porque essa gravação foi tão revolucionária,

talvez explique a magia do violão e do canto de João

O compacto simples que reuniu Desafinado de um lado e Hô-ba-la-lá de outro

foi todo gravado num único dia, em 10 de novembro de 1958,

nos estúdios da gravadora Odeon, na Cinelândia, Rio de Janeiro

Falando assim parece que a gravação foi simples

Mas segundo Andre Midani, diretor da Odeon na época,

só Desafinado levou 13 takes pra ser gravado

O nivel de estresse entre João e o produtor e arranjador do disco, Tom Jobim, estava muito alto

E isso porque na gravação de Desafinado tocavam apenas João,

a bateria de Milton Banana e um naipe de cordas

Para Hô-ba-la-lá, a pedido de João, foram acrescentados a percussão de Guarany e um trio vocal,

formado por Milton, Acyr e Eduardo, praticamente a formação da época dos Garotos da Lua,

o conjunto vocal que tinha trazido João Gilberto de Salvador, já há entao longos 8 anos antes

É essa gravação de Hô-ba-la-lá que eu vou analisar nesse vídeo

A forma de Hô-ba-la-lá é AABA,

e nessa gravação a música acontece duas vezes

Tem também uma modulação, uma mudança de tom na repetição da música

O tom inicial é mi bemol, mas sobe para sol bemol, uma terça menor acima, para a entrada do coro

A introdução, de 4 compassos, tem o próprio João fazendo uma melodia, com uma onomatopeia

A primeira intervenção é da flauta,

fazendo uma melodia sobre 4 acordes para a repetição da parte A

Logo depois aparece o piano,

com um timbre de piano de armário, no agudo

O timbre do piano tem algo de nostalgia,

de passado, não tem nada de moderno,

Esses comentários com o piano oitavado,

ou seja, tocando as mesmas notas uma oitava acima,

seguem com esse ar de nostalgia

Na passagem para a parte A3 o trombone aparece pela primeira vez,

como a voz mais importante de um naipe com piano e flauta

Para a modulação temos acordes no piano agora numa região mais grave

Na repetição temos a primeira intervenção dos violinos,

numa frase com sentido ascendente,

numa região mais aguda do instrumento

Agora o sentido da frese de violinos se inverte, é descendente

Uma resposta com o piano em oitavas

Naipe com piano, flauta e trombone

e os violinos numa nota aguda

Piano fazendo uma resposta tocando uma nota de cada vez

E o piano vai subindo o mesmo acorde em oitavas

Bom, esse foi O ARRANJO, se você gostou dá um like, se inscreve no canal,

e até a próxima, muito obrigado

- Se o encontrarmos estamos bem

- Quem?

- Tom Jobim

- Quem é?

- O famoso músico, ele compôs as músicas do filme Orfeu Negro

- E o que ele te fez?

- Segredo meu

- Tom como você está? Sou Inês da Silva

Nós nos conhecemos em Lisboa, se lembra?

Se lembra, não é?

Está bem, estamos te esperando

Ligará para Bonfá, um outro músico, e para um amigo

Passarão pra nos levar para a praia, vamos ficar bonitas

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