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O Assunto (*Generated Transcript*), 15.06.23 - As igrejas evangélicas e a comunidade LGBT+

15.06.23 - As igrejas evangélicas e a comunidade LGBT+

No mesmo mês, marchas diferentes.

Glória, glória!

O Senhor é Deus!

Glória, glória!

O Senhor é Deus!

O Brasil canta!

O Senhor é Deus!

E São Paulo!

O Senhor é Deus!

Baby, eu já cansei de me esconder

Eles não vão vencer, tem nada a dizer

Ninguém vai poder querer nos dizer como amar

Quando fica em evidência um discurso pela aceitação e pela inclusão.

Muito orgulho estar ao lado dele, que é o amor da minha vida, eu tenho certeza disso.

Hoje é um dia de celebrar, de comemorar e de lutar pelas nossas causas.

É importante a gente conscientizar as pessoas que o amor ao próximo é o que nos faz viver.

É importante a gente conscientizar as pessoas que o amor ao próximo, independente de qual crença ele tenha, de qual opção sexual ele tenha, é muito importante.

E também a reação a esse discurso.

O mês do orgulho, eu considero que hoje é o mês que Deus mais repugna na humanidade.

Porque só a expressão orgulho é a expressão que mais provoca a Deus, irrita a Deus e Deus condena.

Deus não está com os orgulhosos.

O pensamento, claro, não é unânime na comunidade evangélica e está muito longe de ser majoritário.

O debate é difícil, cada vez mais interditado, mas a divergência existe e resiste.

Ninguém vai para o céu porque é hétero, ninguém vai para o inferno porque é gay.

Não é esse o critério de salvação.

É Jesus, é o sangue de Jesus, é a nossa experiência com Jesus.

Da redação do G1, eu sou Nathuzaneri e o assunto hoje é

A relação das igrejas evangélicas com a comunidade LGBT+.

Um episódio para entender como são as igrejas que recebem pessoas de todas as orientações e identidades

e como esse movimento lida com o campo mais conservador da comunidade evangélica.

Para isso, dois convidados.

O pastor Hermes Carvalho Fernandes, da Igreja Reina, no Rio de Janeiro.

Ele também é psicólogo, teólogo e autor do livro

Homossexualidade, da Sombra da Lei à Luz da Graça.

E Felipe dos Anjos, pastor e doutorando em Ciências da Religião na Universidade Metodista de São Paulo.

Quinta-feira, 15 de junho.

Pastor, a sua voz é uma das poucas dentro da comunidade evangélica

que combate abertamente o preconceito contra pessoas LGBT+.

O que o levou a atuar por essa causa e até escrever um livro sobre isso?

O que fez a virada na minha vida, digamos assim, eu já era pastor há oito anos

quando Deus me presenteou com uma filha com necessidades especiais, uma filha deficiente.

O que fez com que eu revisitasse uma série de conceitos teológicos

e começasse a olhar para alguns segmentos sociais com um olhar mais empático.

Começou ali, mas de maneira ainda muito incipiente.

Posteriormente eu ingressei numa faculdade de psicologia,

o que me ajudou muito a compreender a condição humana

e me fez reavaliar boa parte dos meus posicionamentos teológicos.

E na clínica psicológica, para vocês terem uma ideia,

o meu primeiro paciente foi um pastor de uma igreja tradicional,

casado e que estava em crise com a sua sexualidade.

A partir daí eu comecei a atender muitas pessoas em situação parecida,

tanto pastores quanto filhos de pastores,

como eu acredito que pelo menos 90% dos meus pacientes

vem desse contexto, deste mundo evangélico.

E isso me fez buscar entender um pouco mais

e fazer pontes entre o que a psicologia me dizia

e o que eu encontrava nas escrituras sagradas.

Qual foi minha surpresa ao perceber que todo preconceito

que há em torno do assunto advém de uma interpretação equivocada

de algumas poucas passagens da Bíblia.

Quais delas, por exemplo?

São pelo menos três as principais delas,

que são Levíticos 18, 22, que diz

com o homem não te deitarás como se fosse mulher,

isso é uma abominação para Deus.

Primeiro aos Coríntios 6, 10, onde o apóstolo Paulo

enumera ali uma espécie de lista daqueles que não entrariam

no reino de Deus e entre os alí elencados

nós encontramos numa tradução tendenciosa da Bíblia

o termo sodomita e o termo efeminado.

Quando na verdade no original as palavras usadas por Paulo

não dizem respeito à orientação sexual.

Ele está falando de pessoas de caráter frouxo,

que é o termo malakoi e que foi traduzido como efeminado

e Paulo está falando de prostitutos cúlticos.

E o outro texto também muito usado é o de Romanos,

no capítulo primeiro, onde Paulo fala que

pelo fato dos homens não desejarem conhecer a Deus,

Deus os entregou a uma disposição mental reprovável

e ele diz de sorte que as mulheres, contrariando a sua natureza,

buscam outras mulheres e os homens outros homens.

Só que o contexto em que Paulo está falando sobre isso

não é, ele não está falando de homossexualidade

ou de homoafetividade, ele está falando das festas

dedicadas ao Deus Dionísio, também chamado Baco,

os chamados bacanais, onde as pessoas se entregavam

a um prazer desenfreado e não se importando nem mesmo

com a sua própria orientação sexual.

E é isso que Paulo está combatendo, a desumanização,

o fazer do outro um mero objeto de prazer,

sem amor, sem afeto.

Agora, nós não encontramos em toda a Bíblia Sagrada

uma única passagem que fale diretamente sobre homoafetividade.

Eu já li o que eu podia sobre teologia de homossexualidade

ou homoafetividade, os textos do Novo Testamento,

eu não consigo mais ver como eu via lá atrás,

mas eu não tenho como não estender a mão da comunhão

e abrir os braços de fraternidade, de acolhimento e dizer

vocês são os meus irmãos, bem-vindos à comunidade.

Não tenho mais como.

Aí eu fui num pequeno grupo da igreja que não gostou e tal,

eu fui lá esclarecer, aí uma senhora disse assim

eu só quero um pastor que deixe claro o que é,

deixe claro o pecado.

Eu falei qual o pecado?

Eu posso deixar claro o pecado de não registrar

os funcionários que trabalham na sua casa?

Eu posso deixar claro os pecados de sonegação do seu marido?

Que pecados nós estamos falando?

É só do gay que nós estamos falando?

Jesus em momento algum combateu a homoafetividade,

muito pelo contrário.

Há até um caso muito interessante de um centurião romano

que veio em busca de cura por um criado seu

que estava enfermo quase à morte.

E a palavra no grego traduzida como criado

era uma palavra usada inclusive com referência

àqueles escravos que prestavam favores sexuais aos seus senhores.

E em momento algum Jesus questionou a orientação sexual

daquele centurião, não fez qualquer juízo moral

porque viu que ele de fato se importava com o bem-estar

do seu criado.

Lembrando que aquela era uma sociedade escravocrata.

Jesus simplesmente o curou, não o condenou.

Agora é interessante também notar que a Bíblia contém

cerca de dois mil versos falando sobre justiça social

e apenas três que supostamente estariam falando de homossexualidade.

Por que a igreja evangélica dá tanta importância

àquilo que Deus sequer menciona

enquanto dá tão menos importância

àquilo em que Deus realmente se importa?

Agora pastor, o senhor está à frente de uma igreja

que já tem cinco décadas de existência,

me corrija se eu estiver errada, e agora tem cerca de mil fiéis.

Pode nos contar por favor o que aconteceu

quando a igreja se tornou afirmativa, ou seja,

quando passou a receber pessoas de diferentes orientações sexuais

e identidades de gênero.

Houve alguma consequência para a igreja?

O que aconteceu nesse momento?

Na verdade a denominação a que eu sirvo

ela começou em 91, mas onde ela está hoje

antes havia uma outra denominação, a que nós pertenciamos.

Então ela é uma dissidência da antiga denominação.

Nós chegamos a ter cerca de 10 mil membros e 130 congregações.

Era uma denominação tipicamente neopentecostal.

Quando nós começamos a pregar um evangelho de inclusão,

nós sofremos muitas baixas, muitos não entenderam a nossa proposta.

Hoje nós estamos reduzidos a cerca de 10 congregações e mil membros.

Entretanto, eu não trocaria o que nós estamos vivendo hoje

pelo que nós vivemos décadas atrás.

Por quê?

Porque cada pessoa que é acolhida, que é tocada por esse evangelho

é uma vida preciosíssima.

As pessoas que deixaram a nossa igreja

simplesmente foram para outras igrejas com discurso conservador.

Agora, aquelas que nós acolhemos, para onde iriam?

Quais são as igrejas hoje dispostas a acolher essas pessoas?

Eu tive duas semanas atrás uma experiência que me marcou assim

Para sempre, após a pregação, diante de mim estava um casal,

um homem trans, que chorava copiosamente durante toda a pregação.

Ao término dela, ele se aproximou de mim com uma pulseira de couro,

tentando colocá-la no meu braço, mas a pulseira não cabia

e ele insistia, eu constrangido, sem saber por que ele estava fazendo aquilo.

De repente, ele olha e diz, pastor, essa pulseira tem um significado

muito especial para mim, porque ela pertencia ao meu melhor amigo,

homem trans, que na semana passada tirou a vida.

Se ele houvesse ouvido o que eu ouvi aqui hoje, ele estaria vivo.

Ele não teria dado cabo da vida.

Quanto vale isso, gente?

De que adianta eu arrastar multidões com teologia de prosperidade?

De que adianta arrastar multidões com esse conservadorismo doentio,

com esse fundamentalismo que tão mal faz a alma humana?

Eu sinceramente prefiro ser execrado, como muitas vezes sou nas redes sociais,

por não entenderem a nossa proposta, mas salvar aqueles que,

aos olhos de boa parte da Igreja Evangélica, não têm salvação,

a menos que abra mão da sua orientação sexual.

Pastor, muito impressionante esse relato que o senhor acabou de fazer.

Eu agradeço muito a sua participação aqui no assunto e desejo um bom trabalho para o senhor.

Obrigado, foi um prazer estar aqui com vocês. Sucesso!

Espera um pouquinho que eu já volto para falar com Felipe dos Anjos.

Pastor Felipe, o que explica o surgimento dessa frente mais progressista entre os evangélicos?

Quais os fatores você considera decisivos, por exemplo,

para encontrar e agregar essas pessoas que se sentiam isoladas e até alijadas da Igreja?

Bom, Natuza, há pouquíssimo tempo atrás, em termos históricos,

os evangélicos eram uma população minoritária no país.

Em 2010, de acordo com o censo, 86% da população se identificava como cristã.

A população católica, então, encolheu e os evangélicos saltaram de 22% em 2010

para 31% em 2019, segundo o Datafolha.

Os evangélicos não só cresceram, como se pluralizaram.

Dentro dessa minoria em crescimento, chamada evangélica,

vimos a emergência, então, de muitas outras minorias,

teológicas, sociais, raciais, sexuais, culturais e políticas.

Em que, pese às muitas tentativas de se produzir uma certa unidade dentro desse campo,

os evangélicos se pluralizaram.

E dentro dessa pluralização, nós assistimos, então, à emergência de grupos progressistas,

de muitos grupos progressistas que foram empoderados, em certo sentido,

a partir da emergência, especialmente, da internet,

que possibilitou o reconhecimento, a identificação, o encontro

e a criação de um certo laço social dentro desse progressismo.

Dos mais de 210 milhões de brasileiros,

os evangélicos representam aproximadamente 30% da população.

Agora, a gente está falando, portanto, pelo cenário que você nos descreve,

um cenário de uma divisão, claro.

O grupo progressista bastante minoritário, ao que parece,

e um campo conservador bastante hegemônico.

Eu fico imaginando e queria te perguntar como é que é o espelho disso nas famílias, por exemplo.

Como essa divisão entre evangélicos progressistas e conservadores tem afetado,

se tem afetado, as famílias da comunidade evangélica, especialmente as famílias cristãs, claro.

É verdade que, hegemonicamente, o campo evangélico é conservador

e mais do que isso, Natuza, nos últimos anos nós temos assistido

uma espécie de radicalização desse conservadorismo,

na direção, inclusive, de posições extremistas, fundamentalistas.

É preciso que se diga que é verdade.

O campo majoritário é hegemônico numa perspectiva de radicalização.

Os evangélicos constituem um grupo muito heterogêneo.

Tem gente, inclusive, de esquerda nos grupos evangélicos, na Baixada Fluminense,

vários grupos que acompanham, entre batistas,

mas o bofonarismo se organizou um partido evangélico,

ou seja, um grupo evangélico que era muito fragmentado e que se concentrava no bofonarismo.

Porém, dentro desse campo, como disse, tem surgido muita pluralidade, muita diversidade.

Só que essa diversidade em si, essa pluralidade em si,

ela não pode ser tratada como o objeto ou o motivo das divisões no interior da igreja

e nem mesmo como motivo das divisões no interior das famílias.

Porque o que causa a divisão, Natuza, é mais a postura violenta

que é adotada pelas lideranças religiosas contra essa diferença,

contra essa diversidade, do que a própria existência da diversidade.

No Brasil, se critica político, se critica governadores,

presidente da república, se critica membros do judiciário,

criticam católicos, evangélicos, Deus, diabo e sei lá o quê.

Se criticar a prática homossexual é homofobia. Vai ver se eu tô na esquina!

Nós assistimos nas igrejas e também nas famílias uma certa radicalização

que vai tratando a diferença como crime, a diferença como pecado,

a diferença como doença, a diferença como perigo.

E aí as lideranças religiosas, e isso vai se refletir na família,

vai tratando essa diferença como se ela tivesse que ser expurgada da comunidade.

Quase como um organismo tratando um conjunto de células adoecidas

que devem ser imunizadas, imunizar o organismo contra a diferença.

Isso tem acontecido nas igrejas, isso tem acontecido nas famílias,

não sem resistência, não sem a produção de muita criatividade,

de muita beleza e de muitas formas novas de viver a espiritualidade.

Mas é verdade sim que no interior das igrejas, no interior da família,

a gente tem visto a diferença ser tratada como crime, impureza,

e isso gera violência, isso gera divisão.

Pastor, eu te ouvia falando e por um lado o meu raciocínio

ia para um campo de maior abertura.

Bom, então a gente chega num momento em que há no campo evangélico

igrejas mais progressistas.

Por outro lado, no fim da tua fala, me deu a impressão

de que as igrejas desse campo conservador majoritário

me parecem mais fechadas do que nunca a aceitação desses fiéis.

Me explica, por favor, essa interpretação de um lado a abertura

e de outro fechamento, as igrejas hoje desse campo conservador

estão mais fechadas devido aos movimentos sociais e políticos

dos últimos tempos?

Nessa conjuntura pós-2013 para cá, o que nós temos assistido

é uma aproximação entre os setores mais conservadores

da igreja evangélica e uma extrema direita política

que vai se apropriando das ideias, das teologias, dos rituais,

das práticas internas ao campo religioso e radicalizando esse campo.

Quantos tentam nos deixar de lado dizendo que o Estado é laico?

O Estado é laico, mas nós somos cristãos.

Ou para plagiar a minha querida Maris, nós somos terrivelmente cristãos

e esse espírito deve estar presente em todos os poderes.

Com isso, o tema da sexualidade e a diversidade de gênero

vai sendo tratada com cada vez mais violência também dentro das igrejas

porque esse é um tema central para a extrema direita política,

para a extrema direita cultural no Brasil.

Então a aliança entre esses dois campos, o campo conservador

e fundamentalista religioso e a extrema direita cultural,

a extrema direita brasileira, vai também gerando mais violência

na direção dessa diferença e dessa diversidade dentro do campo religioso.

Então eu diria, Natuza, que o que explica um certo recrudescimento

do fundamentalismo dentro das comunidades evangélicas

é uma aliança com a extrema direita cultural e política no Brasil.

Então nessa conjuntura após 2013, à medida que os temas de gênero e sexualidade

vêm sendo tratados no Brasil com cada vez mais discriminação,

intolerância e violência, a igreja vai repetindo esse tratamento

nas suas práticas, na sua teologia e na maneira, digamos assim,

de produzir a comunidade.

Então, digamos, se a comunidade política bolsonarista

se organiza a partir de um ódio à diferença,

a comunidade religiosa que é aliançada a esse espectro político

vai também agindo, e a partir da teologia e da prática pastoral,

com essa mesma postura de ódio, de discriminação e de intolerância.

Então é verdade, as igrejas têm se tornado cada vez mais violentas

a essa diferença e talvez como resistência e reação

têm surgido muitas pequenas comunidades de fé

produzindo as suas próprias experiências,

produzindo as suas próprias comunidades para dar conta da espiritualidade

sem estar necessariamente vinculada a esse fundamentalismo religioso

e esse fundamentalismo e radicalismo político.

Pastor Felipe, muito obrigada pela participação,

muito obrigada pelas explicações todas.

Eu que agradeço. Sucesso a todos e todas.

Um dos áudios que você ouviu neste episódio é do Portal Terra.

Este foi o assunto podcast diário disponível no G1, no Globoplay

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Comigo na equipe do assunto estão Mônica Mariotti,

Amanda Polato, Tiago Aguiar, Luiz Felipe Silva,

Tiago Kaczorowski, Gabriel de Campos, Nayara Fernandes e Guilherme Romero.

Eu sou Ana Tuzaneri e fico por aqui. Até o próximo assunto.

Legendas pela comunidade Amara.org


15.06.23 - As igrejas evangélicas e a comunidade LGBT+ 15.06.23 - Evangelische Kirchen und die LGBT+ Gemeinschaft 06.15.23 - Evangelical Churches and the LGBT+ Community

No mesmo mês, marchas diferentes.

Glória, glória!

O Senhor é Deus!

Glória, glória!

O Senhor é Deus!

O Brasil canta!

O Senhor é Deus!

E São Paulo!

O Senhor é Deus!

Baby, eu já cansei de me esconder

Eles não vão vencer, tem nada a dizer

Ninguém vai poder querer nos dizer como amar

Quando fica em evidência um discurso pela aceitação e pela inclusão.

Muito orgulho estar ao lado dele, que é o amor da minha vida, eu tenho certeza disso.

Hoje é um dia de celebrar, de comemorar e de lutar pelas nossas causas.

É importante a gente conscientizar as pessoas que o amor ao próximo é o que nos faz viver.

É importante a gente conscientizar as pessoas que o amor ao próximo, independente de qual crença ele tenha, de qual opção sexual ele tenha, é muito importante.

E também a reação a esse discurso.

O mês do orgulho, eu considero que hoje é o mês que Deus mais repugna na humanidade.

Porque só a expressão orgulho é a expressão que mais provoca a Deus, irrita a Deus e Deus condena.

Deus não está com os orgulhosos.

O pensamento, claro, não é unânime na comunidade evangélica e está muito longe de ser majoritário.

O debate é difícil, cada vez mais interditado, mas a divergência existe e resiste.

Ninguém vai para o céu porque é hétero, ninguém vai para o inferno porque é gay.

Não é esse o critério de salvação.

É Jesus, é o sangue de Jesus, é a nossa experiência com Jesus.

Da redação do G1, eu sou Nathuzaneri e o assunto hoje é

A relação das igrejas evangélicas com a comunidade LGBT+.

Um episódio para entender como são as igrejas que recebem pessoas de todas as orientações e identidades

e como esse movimento lida com o campo mais conservador da comunidade evangélica.

Para isso, dois convidados.

O pastor Hermes Carvalho Fernandes, da Igreja Reina, no Rio de Janeiro.

Ele também é psicólogo, teólogo e autor do livro

Homossexualidade, da Sombra da Lei à Luz da Graça.

E Felipe dos Anjos, pastor e doutorando em Ciências da Religião na Universidade Metodista de São Paulo.

Quinta-feira, 15 de junho.

Pastor, a sua voz é uma das poucas dentro da comunidade evangélica

que combate abertamente o preconceito contra pessoas LGBT+.

O que o levou a atuar por essa causa e até escrever um livro sobre isso?

O que fez a virada na minha vida, digamos assim, eu já era pastor há oito anos

quando Deus me presenteou com uma filha com necessidades especiais, uma filha deficiente.

O que fez com que eu revisitasse uma série de conceitos teológicos

e começasse a olhar para alguns segmentos sociais com um olhar mais empático.

Começou ali, mas de maneira ainda muito incipiente.

Posteriormente eu ingressei numa faculdade de psicologia,

o que me ajudou muito a compreender a condição humana

e me fez reavaliar boa parte dos meus posicionamentos teológicos.

E na clínica psicológica, para vocês terem uma ideia,

o meu primeiro paciente foi um pastor de uma igreja tradicional,

casado e que estava em crise com a sua sexualidade.

A partir daí eu comecei a atender muitas pessoas em situação parecida,

tanto pastores quanto filhos de pastores,

como eu acredito que pelo menos 90% dos meus pacientes

vem desse contexto, deste mundo evangélico.

E isso me fez buscar entender um pouco mais

e fazer pontes entre o que a psicologia me dizia

e o que eu encontrava nas escrituras sagradas.

Qual foi minha surpresa ao perceber que todo preconceito

que há em torno do assunto advém de uma interpretação equivocada

de algumas poucas passagens da Bíblia.

Quais delas, por exemplo?

São pelo menos três as principais delas,

que são Levíticos 18, 22, que diz

com o homem não te deitarás como se fosse mulher,

isso é uma abominação para Deus.

Primeiro aos Coríntios 6, 10, onde o apóstolo Paulo

enumera ali uma espécie de lista daqueles que não entrariam

no reino de Deus e entre os alí elencados

nós encontramos numa tradução tendenciosa da Bíblia

o termo sodomita e o termo efeminado.

Quando na verdade no original as palavras usadas por Paulo

não dizem respeito à orientação sexual.

Ele está falando de pessoas de caráter frouxo,

que é o termo malakoi e que foi traduzido como efeminado

e Paulo está falando de prostitutos cúlticos.

E o outro texto também muito usado é o de Romanos,

no capítulo primeiro, onde Paulo fala que

pelo fato dos homens não desejarem conhecer a Deus,

Deus os entregou a uma disposição mental reprovável

e ele diz de sorte que as mulheres, contrariando a sua natureza,

buscam outras mulheres e os homens outros homens.

Só que o contexto em que Paulo está falando sobre isso

não é, ele não está falando de homossexualidade

ou de homoafetividade, ele está falando das festas

dedicadas ao Deus Dionísio, também chamado Baco,

os chamados bacanais, onde as pessoas se entregavam

a um prazer desenfreado e não se importando nem mesmo

com a sua própria orientação sexual.

E é isso que Paulo está combatendo, a desumanização,

o fazer do outro um mero objeto de prazer,

sem amor, sem afeto.

Agora, nós não encontramos em toda a Bíblia Sagrada

uma única passagem que fale diretamente sobre homoafetividade.

Eu já li o que eu podia sobre teologia de homossexualidade

ou homoafetividade, os textos do Novo Testamento,

eu não consigo mais ver como eu via lá atrás,

mas eu não tenho como não estender a mão da comunhão

e abrir os braços de fraternidade, de acolhimento e dizer

vocês são os meus irmãos, bem-vindos à comunidade.

Não tenho mais como.

Aí eu fui num pequeno grupo da igreja que não gostou e tal,

eu fui lá esclarecer, aí uma senhora disse assim

eu só quero um pastor que deixe claro o que é,

deixe claro o pecado.

Eu falei qual o pecado?

Eu posso deixar claro o pecado de não registrar

os funcionários que trabalham na sua casa?

Eu posso deixar claro os pecados de sonegação do seu marido?

Que pecados nós estamos falando?

É só do gay que nós estamos falando?

Jesus em momento algum combateu a homoafetividade,

muito pelo contrário.

Há até um caso muito interessante de um centurião romano

que veio em busca de cura por um criado seu

que estava enfermo quase à morte.

E a palavra no grego traduzida como criado

era uma palavra usada inclusive com referência

àqueles escravos que prestavam favores sexuais aos seus senhores.

E em momento algum Jesus questionou a orientação sexual

daquele centurião, não fez qualquer juízo moral

porque viu que ele de fato se importava com o bem-estar

do seu criado.

Lembrando que aquela era uma sociedade escravocrata.

Jesus simplesmente o curou, não o condenou.

Agora é interessante também notar que a Bíblia contém

cerca de dois mil versos falando sobre justiça social

e apenas três que supostamente estariam falando de homossexualidade.

Por que a igreja evangélica dá tanta importância

àquilo que Deus sequer menciona

enquanto dá tão menos importância

àquilo em que Deus realmente se importa?

Agora pastor, o senhor está à frente de uma igreja

que já tem cinco décadas de existência,

me corrija se eu estiver errada, e agora tem cerca de mil fiéis.

Pode nos contar por favor o que aconteceu

quando a igreja se tornou afirmativa, ou seja,

quando passou a receber pessoas de diferentes orientações sexuais

e identidades de gênero.

Houve alguma consequência para a igreja?

O que aconteceu nesse momento?

Na verdade a denominação a que eu sirvo

ela começou em 91, mas onde ela está hoje

antes havia uma outra denominação, a que nós pertenciamos.

Então ela é uma dissidência da antiga denominação.

Nós chegamos a ter cerca de 10 mil membros e 130 congregações.

Era uma denominação tipicamente neopentecostal.

Quando nós começamos a pregar um evangelho de inclusão,

nós sofremos muitas baixas, muitos não entenderam a nossa proposta.

Hoje nós estamos reduzidos a cerca de 10 congregações e mil membros.

Entretanto, eu não trocaria o que nós estamos vivendo hoje

pelo que nós vivemos décadas atrás.

Por quê?

Porque cada pessoa que é acolhida, que é tocada por esse evangelho

é uma vida preciosíssima.

As pessoas que deixaram a nossa igreja

simplesmente foram para outras igrejas com discurso conservador.

Agora, aquelas que nós acolhemos, para onde iriam?

Quais são as igrejas hoje dispostas a acolher essas pessoas?

Eu tive duas semanas atrás uma experiência que me marcou assim

Para sempre, após a pregação, diante de mim estava um casal,

um homem trans, que chorava copiosamente durante toda a pregação.

Ao término dela, ele se aproximou de mim com uma pulseira de couro,

tentando colocá-la no meu braço, mas a pulseira não cabia

e ele insistia, eu constrangido, sem saber por que ele estava fazendo aquilo.

De repente, ele olha e diz, pastor, essa pulseira tem um significado

muito especial para mim, porque ela pertencia ao meu melhor amigo,

homem trans, que na semana passada tirou a vida.

Se ele houvesse ouvido o que eu ouvi aqui hoje, ele estaria vivo.

Ele não teria dado cabo da vida.

Quanto vale isso, gente?

De que adianta eu arrastar multidões com teologia de prosperidade?

De que adianta arrastar multidões com esse conservadorismo doentio,

com esse fundamentalismo que tão mal faz a alma humana?

Eu sinceramente prefiro ser execrado, como muitas vezes sou nas redes sociais,

por não entenderem a nossa proposta, mas salvar aqueles que,

aos olhos de boa parte da Igreja Evangélica, não têm salvação,

a menos que abra mão da sua orientação sexual.

Pastor, muito impressionante esse relato que o senhor acabou de fazer.

Eu agradeço muito a sua participação aqui no assunto e desejo um bom trabalho para o senhor.

Obrigado, foi um prazer estar aqui com vocês. Sucesso!

Espera um pouquinho que eu já volto para falar com Felipe dos Anjos.

Pastor Felipe, o que explica o surgimento dessa frente mais progressista entre os evangélicos?

Quais os fatores você considera decisivos, por exemplo,

para encontrar e agregar essas pessoas que se sentiam isoladas e até alijadas da Igreja?

Bom, Natuza, há pouquíssimo tempo atrás, em termos históricos,

os evangélicos eram uma população minoritária no país.

Em 2010, de acordo com o censo, 86% da população se identificava como cristã.

A população católica, então, encolheu e os evangélicos saltaram de 22% em 2010

para 31% em 2019, segundo o Datafolha.

Os evangélicos não só cresceram, como se pluralizaram.

Dentro dessa minoria em crescimento, chamada evangélica,

vimos a emergência, então, de muitas outras minorias,

teológicas, sociais, raciais, sexuais, culturais e políticas.

Em que, pese às muitas tentativas de se produzir uma certa unidade dentro desse campo,

os evangélicos se pluralizaram.

E dentro dessa pluralização, nós assistimos, então, à emergência de grupos progressistas,

de muitos grupos progressistas que foram empoderados, em certo sentido,

a partir da emergência, especialmente, da internet,

que possibilitou o reconhecimento, a identificação, o encontro

e a criação de um certo laço social dentro desse progressismo.

Dos mais de 210 milhões de brasileiros,

os evangélicos representam aproximadamente 30% da população.

Agora, a gente está falando, portanto, pelo cenário que você nos descreve,

um cenário de uma divisão, claro.

O grupo progressista bastante minoritário, ao que parece,

e um campo conservador bastante hegemônico.

Eu fico imaginando e queria te perguntar como é que é o espelho disso nas famílias, por exemplo.

Como essa divisão entre evangélicos progressistas e conservadores tem afetado,

se tem afetado, as famílias da comunidade evangélica, especialmente as famílias cristãs, claro.

É verdade que, hegemonicamente, o campo evangélico é conservador

e mais do que isso, Natuza, nos últimos anos nós temos assistido

uma espécie de radicalização desse conservadorismo,

na direção, inclusive, de posições extremistas, fundamentalistas.

É preciso que se diga que é verdade.

O campo majoritário é hegemônico numa perspectiva de radicalização.

Os evangélicos constituem um grupo muito heterogêneo.

Tem gente, inclusive, de esquerda nos grupos evangélicos, na Baixada Fluminense,

vários grupos que acompanham, entre batistas,

mas o bofonarismo se organizou um partido evangélico,

ou seja, um grupo evangélico que era muito fragmentado e que se concentrava no bofonarismo.

Porém, dentro desse campo, como disse, tem surgido muita pluralidade, muita diversidade.

Só que essa diversidade em si, essa pluralidade em si,

ela não pode ser tratada como o objeto ou o motivo das divisões no interior da igreja

e nem mesmo como motivo das divisões no interior das famílias.

Porque o que causa a divisão, Natuza, é mais a postura violenta

que é adotada pelas lideranças religiosas contra essa diferença,

contra essa diversidade, do que a própria existência da diversidade.

No Brasil, se critica político, se critica governadores,

presidente da república, se critica membros do judiciário,

criticam católicos, evangélicos, Deus, diabo e sei lá o quê.

Se criticar a prática homossexual é homofobia. Vai ver se eu tô na esquina!

Nós assistimos nas igrejas e também nas famílias uma certa radicalização

que vai tratando a diferença como crime, a diferença como pecado,

a diferença como doença, a diferença como perigo.

E aí as lideranças religiosas, e isso vai se refletir na família,

vai tratando essa diferença como se ela tivesse que ser expurgada da comunidade.

Quase como um organismo tratando um conjunto de células adoecidas

que devem ser imunizadas, imunizar o organismo contra a diferença.

Isso tem acontecido nas igrejas, isso tem acontecido nas famílias,

não sem resistência, não sem a produção de muita criatividade,

de muita beleza e de muitas formas novas de viver a espiritualidade.

Mas é verdade sim que no interior das igrejas, no interior da família,

a gente tem visto a diferença ser tratada como crime, impureza,

e isso gera violência, isso gera divisão.

Pastor, eu te ouvia falando e por um lado o meu raciocínio

ia para um campo de maior abertura.

Bom, então a gente chega num momento em que há no campo evangélico

igrejas mais progressistas.

Por outro lado, no fim da tua fala, me deu a impressão

de que as igrejas desse campo conservador majoritário

me parecem mais fechadas do que nunca a aceitação desses fiéis.

Me explica, por favor, essa interpretação de um lado a abertura

e de outro fechamento, as igrejas hoje desse campo conservador

estão mais fechadas devido aos movimentos sociais e políticos

dos últimos tempos?

Nessa conjuntura pós-2013 para cá, o que nós temos assistido

é uma aproximação entre os setores mais conservadores

da igreja evangélica e uma extrema direita política

que vai se apropriando das ideias, das teologias, dos rituais,

das práticas internas ao campo religioso e radicalizando esse campo.

Quantos tentam nos deixar de lado dizendo que o Estado é laico?

O Estado é laico, mas nós somos cristãos.

Ou para plagiar a minha querida Maris, nós somos terrivelmente cristãos

e esse espírito deve estar presente em todos os poderes.

Com isso, o tema da sexualidade e a diversidade de gênero

vai sendo tratada com cada vez mais violência também dentro das igrejas

porque esse é um tema central para a extrema direita política,

para a extrema direita cultural no Brasil.

Então a aliança entre esses dois campos, o campo conservador

e fundamentalista religioso e a extrema direita cultural,

a extrema direita brasileira, vai também gerando mais violência

na direção dessa diferença e dessa diversidade dentro do campo religioso.

Então eu diria, Natuza, que o que explica um certo recrudescimento

do fundamentalismo dentro das comunidades evangélicas

é uma aliança com a extrema direita cultural e política no Brasil.

Então nessa conjuntura após 2013, à medida que os temas de gênero e sexualidade

vêm sendo tratados no Brasil com cada vez mais discriminação,

intolerância e violência, a igreja vai repetindo esse tratamento

nas suas práticas, na sua teologia e na maneira, digamos assim,

de produzir a comunidade.

Então, digamos, se a comunidade política bolsonarista

se organiza a partir de um ódio à diferença,

a comunidade religiosa que é aliançada a esse espectro político

vai também agindo, e a partir da teologia e da prática pastoral,

com essa mesma postura de ódio, de discriminação e de intolerância.

Então é verdade, as igrejas têm se tornado cada vez mais violentas

a essa diferença e talvez como resistência e reação

têm surgido muitas pequenas comunidades de fé

produzindo as suas próprias experiências,

produzindo as suas próprias comunidades para dar conta da espiritualidade

sem estar necessariamente vinculada a esse fundamentalismo religioso

e esse fundamentalismo e radicalismo político.

Pastor Felipe, muito obrigada pela participação,

muito obrigada pelas explicações todas.

Eu que agradeço. Sucesso a todos e todas.

Um dos áudios que você ouviu neste episódio é do Portal Terra.

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