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TED Português, O universo fake que alimenta as fake news | Alexandre Botão | TEDxPorto (1)

O universo fake que alimenta as fake news | Alexandre Botão | TEDxPorto (1)

Tradutor: Margarida Ferreira Revisora: Isabel Vaz Belchior

Quando eu me mudei para Portugal

eu decidi reservar um apartamento provisório

para poder procurar com calma um local definitivo.

Lá no Brasil, eu vi fotos do sítio pela Internet

mas eu não conseguia ver a cozinha.

Então, eu mandei uma mensagem ao dono e perguntei:

"Não consigo ver a cozinha. Está equipada?

E ele respondeu: "Sim, claro, está equipada.

"Tem frigorífico, tem máquina de café, tem até varinha mágica".

"Varinha... o quê, meu querido?

Para toda a gente aqui, esse é um diálogo que parece perfeitamente normal, eu sei.

Para mim, que nunca vim morar em Portugal,

varinha mágica é exclusivamente isso.

E a única coisa que me veio à mente naquele momento, foi:

"Se tem de facto uma dessas, o preço até que nem está mau".

(Risos)

Eu vou ser sincero com vocês.

Eu demorei um pouco mais de tempo do que devia para perceber

que varinha mágica só podia ser outra coisa.

Eu mudei-me para o apartamento

e usei a varinha mágica, que era um ótimo produto.

Não fazia magia, mas fazia sumo "detox".

Eu gostei tanto que, quando fui para um apartamento definitivo,

eu decidi comprar uma.

Na busca por uma varinha mágica, eu fiz o que qualquer pessoa faz:

foi pesquisar o produto na Internet.

Uma das coisas que é possível notar nesta imagem

são as estrelinhas em baixo do produto e o número ao lado das estrelinhas.

Isso indica que o produto foi avaliado por alguém,

e o número é a quantidade de pessoas que fizeram a avaliação.

Muita gente confia nessas avaliações,

para definir se compra ou não.

Se houver a seguinte avaliação,

uma estrelinha: "Não compre essa varinha mágica,

"eu comprei a minha e ela explodiu".

Eu não vou arriscar.

Varinha mágica que explode, ela já não faz magia e ainda explode...

Por outro lado, se houver uma única avaliação positiva,

mesmo que seja uma só,

é possível mudar o curso da história.

Dessa e de outras tantas.

Vejam o caso da Giovanna Pereira, de Custoias.

A Giovanna Pereira tem 49 anos.

É engenheira na The White Swan.

O carro de Giovanna é um Honda de 92.

O "email" da Giovanna é GiovannaPereira@direct.com.

O cartão de crédito que ela usa para fazer compras

— quem quiser pode anotar, ela não se incomoda —

é um Visa 4532...

Eu vou fazer mais fácil, vou colocar os dados da Giovanna,

para quem quiser copiar.

O cartão de crédito dela é esse número que começa com 4532,

código de segurança 035,

cartão válido até março de 2020,

Há uma série de informações aí sobre a Giovanna.

Digamos que a Giovanna tenha deixado uma avaliação

no mesmo "site" que eu estou a pesquisar.

E digamos que ela tem escrito: cinco estrelas.

"Magnífica! Faz tudo perfeitamente."

Resolvi o meu problema:

"Magnífica, perfeitamente."

Não.

Tudo isso seria ótimo, se não fosse um detalhe.

A Giovanna Pereira, de Custoias, não é uma pessoa real.

Ela não existe.

A Giovanna é o resultado de um perfil falso

gerado com uma imensa quantidade de detalhes

por um "site" gratuito que só existe para isso,

gerar perfis falsos.

Esta Giovanna, por exemplo, eu fiz ontem à noite, lá em casa.

Quatro cliques, 30 segundos.

Escolhi a origem do nome, do país, género, idade,

e cliquei em "Generate", só isso.

Tudo o resto: endereço, "email", profissão, número do cartão,

todas as outras informações são falsas,

geradas pelo "site".

Portanto, a Giovanna Pereira é "fake".

Se ela tivesse realmente deixado qualquer avaliação sobre qualquer produto,

essa avaliação seria tão "fake" quanto ela.

Mas quem se dá ao trabalho de fazer isso, de gerar perfis falsos, além de mim?

Aparentemente, muita gente.

Existe um universo de "click farms"

ou, como alguns chamam, "fábrica de 'likes' ".

E ninguém tem a mínima ideia de onde são

ou onde elas estão, ou de quantas elas sejam,

porque as fábricas de "likes" ocupam um espaço mínimo

e podem existir praticamente em qualquer lugar.

Nos últimos cinco anos,

inúmeras fábricas de "likes" foram descobertas e fechadas

na Tailândia, no Camboja, Bangladesh, Macedónia.

Essa da Tailândia, por exemplo, fechada recentemente,

operava com 500 telemóveis e 400 000 SIM "cards".

O que significa 400 000 números de telefone diferentes

ao serviço da criação de perfis falsos.

Mas porque alguém tem uma estrutura desse tamanho?

Dinheiro. Eles vendem esse serviço.

E há quem compre.

Há quem compre fãs no Facebook, por 200 euros.

Há quem compre "retweets" por 800 euros.

Vários "sites" oferecem a venda de "likes", seguidores e perfis falsos.

Quem precisar de um exército "fake" nem precisa de procurar muito

porque até no eBay há esse tipo de oferta.

Claro que há outras operações muito mais sofisticadas.

No ano passado, uma reportagem do New York Times

mostrou que uma empresa bem influente

vendia a clientes VIP, seguidores no Twitter

visualizações no YouTube,

e até recomendações profissionais no Linkedin.

Depois da divulgação da reportagem,

a empresa publicou um aviso

dizendo que não aceitava mais novos clientes.

Mas ela continuou em operação.

Não só ela continuou em operação,

como ela oferece alternativas a quem precise do serviço.

Essas empresas alternativas fazem exatamente a mesma coisa.

Criar um exército de perfis falsos

capaz de tudo, na Internet,

desde tarefas simples, como inflacionar o número de seguidores em redes sociais,

a atividades um pouco mais complexas,

como debater com pessoas reais no Twitter

e espalhar notícias falsas em qualquer plataforma,

Facebook, Instagram, WhatsApp.

Tenham em mente que, onde há "fake news",

há um exército "fake".

E, muito provavelmente, alguma definição bem distorcida

do que é, de facto, "fake news".

Pois, ao contrário do que

políticos, celebridades, e o Cristiano Ronaldo,

repetem todos os dias,

"fake news" não é nem sinónimo de calúnia,

nem discurso para miúdo mimado.

"Ah, não gostei dessa notícia que saiu contra mim".

Não.

O termo "fake news" significa apenas o seguinte:

alguém inventou uma informação falsa,

de preferência, completamente descolada da realidade.

Embrulhou num papel jornalístico

e distribuiu como se fosse verdade.

As minhas favoritas:

"Papa proíbe católicos de votar em Hillary Clinton".

"Robert de Niro muda de lado e decide apoiar Trump".

Isso, para dar dois exemplos reais de notícias falsas.

Esses exemplos são da eleição americana de 2016.

De lá para cá, tudo piorou assustadoramente.

Mais grave ainda,

hoje, para você criar um "site" com uma notícia falsa

nem precisa de um "site" de "fake news".

Basta uma imagem que pareça jornalística

e transmita mensagem.

O objetivo é fazer com que essa mensagem chegue a pessoas reais

porque são as pessoas reais que vão passar a notícia falsa adiante

e dar-lhe credibilidade.

Isso acontece em qualquer plataforma

mas ocorre muito mais rapidamente em programas de mensagem instantânea

como o WhatsApp.

Vamos a um exemplo prático.

Digamos que eu quero criar uma notícia falsa.

Uma notícia qualquer.

Não é para influenciar ninguém,

não tenho interesse em promover ninguém.

Eu faço o quê?

Crio uma imagem que pareça jornalística.

Eu tenho certeza que a minha mãe

vai achar que se trata de uma notícia muito verdadeira.

E vai espalhar em todos os grupos do WhatsApp dos quais ela faz parte.

Mas eu tenho uma tia, desconfiada, que acha que é mentira.

Vai mandar para o meu primo para perguntar se é verdade.

E esse é o erro que muitos não percebem.

Mesmo com a melhor das intenções — que é a de me desmascarar —

a minha tia está só contribuindo para espalhar ainda mais a notícia.

Até que o meu primo, quando recebe a mensagem dela,

está tomando uns copos, ele nem percebe a ironia.

e também acha que é verdade.

e espalha nos grupos dos quais ele faz parte

e a que eu jamais teria acesso.

E essa é uma corrente sem fim.

Agora vamos imaginar toda essa engenharia

potencializada à escala profissional.

As últimas eleições no Brasil ficaram famosas

por terem exposto os eleitores a uma quantidade imensa de notícias falsas

a uma escala jamais vista.

Dois motivos para isso.

O primeiro é que a batalha eleitoral brasileira

ocorreu quase exclusivamente nos telemóveis.

O grosso da campanha não estava nos comícios, na televisão,

nem na Internet tradicional.

Ela estava ali, na privacidade do telemóvel.

Então, receber e enviar, partilhar uma notícia duvidosa,

é uma atividade privada, quase secreta.

(Sussurrando) Ninguém vai saber.

E embora privada, era sempre acompanhada de "habeas corpus" preventivo.

"Não sei se é verdade, mas estou repassando".

O segundo motivo.

Imaginem que uma empresa contrate mil pessoas

e cada uma delas esteja encarregada

de administrar 50 perfis falsos por dia,

como aquele perfil da Giovanna.

Durante o período contratado, seis meses antes da eleição,

haverá 50 000 perfis ativos

— basta imaginar o estádio do Dragão lotado —

mas, lembrem-se, são perfis falsos

então, o estádio do Dragão lotado com quê?

Adeptos do Benfica, hem?

(Risos)

Ah! Agora vocês perceberam o drama, finalmente.

Haverá 50 000 perfis ativos que vão estar, diariamente,

distribuindo notícias falsas no WhatsApp,

comentando em redes sociais

e tentando influenciar pessoas reais.

Empresas como estas que eu acabei de descrever

disfarçam-se de serviços de "marketing" digital.

Em alguns casos, elas criam e administram grupos no WhatsApp.

Em outros, elas entram em grupos que já existem

e enviam aos utilizadores mais de mil mensagens por dia,

criando um efeito dominó.

O que no Brasil é um efeito dominó digno do Guiness,

porque o país é o quarto no uso proporcional do WhatsApp no mundo

com mais de 120 milhões de utilizadores.

O que é que as pessoas fazem

com essa quantidade absurda de "fake news"?

Podiam ignorar, podiam deitar na sanita,

Várias opções.

Mas não.

Elas passam adiante.

Há várias pesquisas que tratam do real alcance das "fake news",

mas há duas que, no momento, são citadas quando se toca nesse tema.

A primeira é um levantamento dos BuzzFeed

que fizeram, nos três meses que antecederam a eleição americana,

as 20 "fake news" de maior audiência,

que tiveram mais engajamento, que foram mais partilhadas,

do que as 20 notícias verdadeiras de maior audiência.

E o estudo do MIT — o maior já feito sobre o tema —

realizado no ano passado,

analisou quatro milhões de "tweets"

e também constatou que as "fake news" são muito mais partilhadas

do que as notícias verdadeiras.

Mas porque é que isso acontece? Tem uma explicação.

O que nem o estudo do MIT nem a pesquisa do BuzzFeed mostram

é que há uma razão clara

para as "fake news" serem mais partilhadas.

As "fake news" não é uma obra do acaso.

não é um fenómeno meteorológico.

"Lamentavelmente, este mês choveu mais 'fake news' do que previsto".

Não é isso.

(Risos)

Fui à Serra da Estrela em janeiro e não vi "fake news" como no ano passado.

Não tem isso.

Na imensa maioria das vezes, "fake news" têm um interesse por detrás.

Foram criadas para alcançar um objetivo.

Eu vou reformular.

Foram criadas para alcançar dois objetivos.

O primeiro, enganar-vos a vocês.

O segundo é fazer com que você partilhe e ajude a enganar mais pessoas.

Não é só um trabalho sujo,

eles querem que vocês trabalhem de graça, também.

Não importa se o alvo é eleição no Brasil, as eleições americanas,

o Brexit ou as próximas legislativas portuguesas — não se iludam.

Pode ocorrer em qualquer lugar.

Então, em quem podemos confiar para combater as "fake news"?

Há várias organizações dedicadas em checá-las e denunciá-las

e elas, de facto, fazem um trabalho bem importante.

O First Draft é uma das mais importantes do mundo

e coordena projetos em diversos países.

E aqui em Portugal, recentemente, fez o lançamento do Polígrafo

que tem esse mesmo objetivo, combater notícias falsas.

Em caso de dúvidas sobre a veracidade de uma informação,

esses talvez sejam os melhores sítios

para saber se uma notícia é verdadeira ou não.

Mas isso não responde completamente à pergunta, eu sei.

Em quem nós podemos confiar mesmo?

Antes, eu quero contar um segredo.

Sabem quem não tem muito interesse em combater esse fenómeno?

Até tem, mas não com muito afinco?

O poder público, que adora a possibilidade de disfarçar parte dos seus absurdos


O universo fake que alimenta as fake news | Alexandre Botão | TEDxPorto (1) Das gefälschte Universum, das gefälschte Nachrichten nährt | Alexandre Botão | TEDxPorto (1) The fake universe that feeds fake news | Alexandre Botão | TEDxPorto (1) El universo falso que alimenta las noticias falsas | Alexandre Botão | TEDxPorto (1) Le faux univers qui alimente les fausses nouvelles | Alexandre Botão | TEDxPorto (1) L'universo falso che alimenta le fake news | Alexandre Botão | TEDxPorto (1) Fałszywy wszechświat, który karmi fałszywe wiadomości | Alexandre Botão | TEDxPorto (1)

Tradutor: Margarida Ferreira Revisora: Isabel Vaz Belchior

Quando eu me mudei para Portugal When I moved to Portugal

eu decidi reservar um apartamento provisório I decided to book a temporary apartment

para poder procurar com calma um local definitivo. so that I could calmly look for a permanent location.

Lá no Brasil, eu vi fotos do sítio pela Internet Back in Brazil, I saw photos of the site on the Internet

mas eu não conseguia ver a cozinha. but I couldn't see the kitchen.

Então, eu mandei uma mensagem ao dono e perguntei: So I sent the owner a message and asked:

"Não consigo ver a cozinha. Está equipada? "I can't see the kitchen. Is it equipped?

E ele respondeu: "Sim, claro, está equipada. And he replied: "Yes, of course, it's equipped.

"Tem frigorífico, tem máquina de café, tem até varinha mágica". "It has a fridge, it has a coffee machine, it even has a magic wand."

"Varinha... o quê, meu querido? "Wand... what, my dear?

Para toda a gente aqui, esse é um diálogo que parece perfeitamente normal, eu sei. For everyone here, this is a dialog that seems perfectly normal, I know.

Para mim, que nunca vim morar em Portugal, For me, who never came to live in Portugal,

varinha mágica é exclusivamente isso. magic wand is just that.

E a única coisa que me veio à mente naquele momento, foi: And the only thing that came to mind at that moment was:

"Se tem de facto uma dessas, o preço até que nem está mau". "If you really have one of those, the price isn't bad at all."

(Risos)

Eu vou ser sincero com vocês. I'll be honest with you.

Eu demorei um pouco mais de tempo do que devia para perceber It took me a little longer than it should have to realize it

que varinha mágica só podia ser outra coisa. that magic wand could only be something else.

Eu mudei-me para o apartamento I moved into the apartment

e usei a varinha mágica, que era um ótimo produto. and I used the hand blender, which was a great product.

Não fazia magia, mas fazia sumo "detox". I didn't do magic, but I did make "detox" juice.

Eu gostei tanto que, quando fui para um apartamento definitivo, I liked it so much that when I moved into a permanent apartment,

eu decidi comprar uma. I decided to buy one.

Na busca por uma varinha mágica, eu fiz o que qualquer pessoa faz: In the search for a magic wand, I did what anyone does:

foi pesquisar o produto na Internet. was to research the product on the Internet.

Uma das coisas que é possível notar nesta imagem One of the things you can see in this image

são as estrelinhas em baixo do produto e o número ao lado das estrelinhas. are the stars under the product and the number next to the stars.

Isso indica que o produto foi avaliado por alguém, This indicates that the product has been evaluated by someone,

e o número é a quantidade de pessoas que fizeram a avaliação. and the number is the number of people who took the assessment.

Muita gente confia nessas avaliações, Many people trust these evaluations,

para definir se compra ou não. to decide whether or not to buy.

Se houver a seguinte avaliação, If there is the following assessment,

uma estrelinha: "Não compre essa varinha mágica, a little star: "Don't buy that magic wand,

"eu comprei a minha e ela explodiu". "I bought mine and it exploded".

Eu não vou arriscar. I'm not going to risk it.

Varinha mágica que explode, ela já não faz magia e ainda explode... Magic wand that explodes, it doesn't do magic anymore and it still explodes...

Por outro lado, se houver uma única avaliação positiva, On the other hand, if there is only one positive evaluation,

mesmo que seja uma só, even if it's just one,

é possível mudar o curso da história. it is possible to change the course of history.

Dessa e de outras tantas. That and many others.

Vejam o caso da Giovanna Pereira, de Custoias. Take the case of Giovanna Pereira, from Custoias.

A Giovanna Pereira tem 49 anos. Giovanna Pereira is 49 years old.

É engenheira na The White Swan. She is an engineer at The White Swan.

O carro de Giovanna é um Honda de 92. Giovanna's car is a '92 Honda.

O "email" da Giovanna é GiovannaPereira@direct.com.

O cartão de crédito que ela usa para fazer compras The credit card she uses to make purchases

— quem quiser pode anotar, ela não se incomoda — - anyone who wants to can write it down, she doesn't mind -

é um Visa 4532... it's a Visa 4532...

Eu vou fazer mais fácil, vou colocar os dados da Giovanna, I'll make it easier, I'll put in Giovanna's details,

para quem quiser copiar.

O cartão de crédito dela é esse número que começa com 4532, Her credit card number starts with 4532,

código de segurança 035, security code 035,

cartão válido até março de 2020,

Há uma série de informações aí sobre a Giovanna.

Digamos que a Giovanna tenha deixado uma avaliação Let's say Giovanna left a review

no mesmo "site" que eu estou a pesquisar. on the same site I'm researching.

E digamos que ela tem escrito: cinco estrelas. And let's just say she has it written down: five stars.

"Magnífica! Faz tudo perfeitamente."

Resolvi o meu problema: I solved my problem:

"Magnífica, perfeitamente."

Não. No.

Tudo isso seria ótimo, se não fosse um detalhe. All this would be great if it weren't for one detail.

A Giovanna Pereira, de Custoias, não é uma pessoa real.

Ela não existe. It doesn't exist.

A Giovanna é o resultado de um perfil falso Giovanna is the result of a fake profile

gerado com uma imensa quantidade de detalhes generated with an immense amount of detail

por um "site" gratuito que só existe para isso, by a free website that only exists for that purpose,

gerar perfis falsos. generate fake profiles.

Esta Giovanna, por exemplo, eu fiz ontem à noite, lá em casa. This Giovanna, for example, I made last night at home.

Quatro cliques, 30 segundos. Four clicks, 30 seconds.

Escolhi a origem do nome, do país, género, idade, I chose the origin of the name, the country, gender, age,

e cliquei em "Generate", só isso. and clicked on "Generate", that's it.

Tudo o resto: endereço, "email", profissão, número do cartão,

todas as outras informações são falsas,

geradas pelo "site".

Portanto, a Giovanna Pereira é "fake". So Giovanna Pereira is a "fake".

Se ela tivesse realmente deixado qualquer avaliação sobre qualquer produto, If she had actually left any reviews of any product,

essa avaliação seria tão "fake" quanto ela. that assessment would be just as "fake".

Mas quem se dá ao trabalho de fazer isso, de gerar perfis falsos, além de mim? But who takes the trouble to do this, to generate fake profiles, apart from me?

Aparentemente, muita gente. A lot of people, apparently.

Existe um universo de "click farms" There is a universe of click farms

ou, como alguns chamam, "fábrica de 'likes' ". or, as some call it, "the 'likes' factory".

E ninguém tem a mínima ideia de onde são And nobody has any idea where they are

ou onde elas estão, ou de quantas elas sejam, or where they are, or how many of them there are,

porque as fábricas de "likes" ocupam um espaço mínimo because "likes" factories take up minimal space

e podem existir praticamente em qualquer lugar. and can exist practically anywhere.

Nos últimos cinco anos, In the last five years,

inúmeras fábricas de "likes" foram descobertas e fechadas countless "likes" factories have been discovered and closed down

na Tailândia, no Camboja, Bangladesh, Macedónia. in Thailand, Cambodia, Bangladesh, Macedonia.

Essa da Tailândia, por exemplo, fechada recentemente, The one in Thailand, for example, closed recently,

operava com 500 telemóveis e 400 000 SIM "cards". operated with 500 cell phones and 400,000 SIM cards.

O que significa 400 000 números de telefone diferentes What 400,000 different phone numbers mean

ao serviço da criação de perfis falsos. at the service of creating fake profiles.

Mas porque alguém tem uma estrutura desse tamanho? But why would anyone have a structure that size?

Dinheiro. Eles vendem esse serviço. Money. They sell this service.

E há quem compre. And some people buy.

Há quem compre fãs no Facebook, por 200 euros. Some people buy Facebook fans for 200 euros.

Há quem compre "retweets" por 800 euros.

Vários "sites" oferecem a venda de "likes", seguidores e perfis falsos. Several websites offer the sale of "likes", followers and fake profiles.

Quem precisar de um exército "fake" nem precisa de procurar muito Whoever needs a "fake" army doesn't have to look very hard

porque até no eBay há esse tipo de oferta. because even on eBay there are these kinds of offers.

Claro que há outras operações muito mais sofisticadas. Of course, there are other much more sophisticated operations.

No ano passado, uma reportagem do New York Times Last year, a report in the New York Times

mostrou que uma empresa bem influente showed that a very influential company

vendia a clientes VIP, seguidores no Twitter sold to VIP clients, Twitter followers

visualizações no YouTube, views on YouTube,

e até recomendações profissionais no Linkedin. and even professional recommendations on Linkedin.

Depois da divulgação da reportagem, After the report was published,

a empresa publicou um aviso the company published a notice

dizendo que não aceitava mais novos clientes. saying that he was no longer accepting new clients.

Mas ela continuou em operação. But it continued to operate.

Não só ela continuou em operação, Not only did it continue to operate,

como ela oferece alternativas a quem precise do serviço. how it offers alternatives to those who need the service.

Essas empresas alternativas fazem exatamente a mesma coisa. These alternative companies do exactly the same thing.

Criar um exército de perfis falsos Create an army of fake profiles

capaz de tudo, na Internet, capable of anything on the Internet,

desde tarefas simples, como inflacionar o número de seguidores em redes sociais, from simple tasks such as inflating the number of followers on social networks,

a atividades um pouco mais complexas, to slightly more complex activities,

como debater com pessoas reais no Twitter how to debate with real people on Twitter

e espalhar notícias falsas em qualquer plataforma, and spread fake news on any platform,

Facebook, Instagram, WhatsApp. Facebook, Instagram, WhatsApp.

Tenham em mente que, onde há "fake news", Keep in mind that where there is "fake news",

há um exército "fake". there is a "fake" army.

E, muito provavelmente, alguma definição bem distorcida And, most likely, some very distorted definition

do que é, de facto, "fake news". of what is, in fact, "fake news".

Pois, ao contrário do que Because, contrary to what

políticos, celebridades, e o Cristiano Ronaldo, politicians, celebrities and Cristiano Ronaldo,

repetem todos os dias, repeat every day,

"fake news" não é nem sinónimo de calúnia, "fake news" is not even synonymous with slander,

nem discurso para miúdo mimado. or a speech for a spoiled kid.

"Ah, não gostei dessa notícia que saiu contra mim". "Oh, I didn't like the news that came out against me".

Não. No.

O termo "fake news" significa apenas o seguinte: The term "fake news" simply means the following:

alguém inventou uma informação falsa, someone made up false information,

de preferência, completamente descolada da realidade. preferably completely detached from reality.

Embrulhou num papel jornalístico Wrapped in newsprint

e distribuiu como se fosse verdade. and distributed it as if it were true.

As minhas favoritas: My favorites:

"Papa proíbe católicos de votar em Hillary Clinton". "Pope bans Catholics from voting for Hillary Clinton".

"Robert de Niro muda de lado e decide apoiar Trump". "Robert de Niro changes sides and decides to support Trump".

Isso, para dar dois exemplos reais de notícias falsas. That's just to give two real examples of fake news.

Esses exemplos são da eleição americana de 2016. These examples are from the 2016 US election.

De lá para cá, tudo piorou assustadoramente. Since then, everything has got alarmingly worse.

Mais grave ainda, Even more serious,

hoje, para você criar um "site" com uma notícia falsa today, for you to create a "site" with fake news

nem precisa de um "site" de "fake news". you don't even need a fake news website.

Basta uma imagem que pareça jornalística All it takes is an image that looks journalistic

e transmita mensagem. and get the message across.

O objetivo é fazer com que essa mensagem chegue a pessoas reais The aim is to get this message across to real people

porque são as pessoas reais que vão passar a notícia falsa adiante because it's the real people who will pass on the fake news

e dar-lhe credibilidade. and give it credibility.

Isso acontece em qualquer plataforma This happens on any platform

mas ocorre muito mais rapidamente em programas de mensagem instantânea

como o WhatsApp.

Vamos a um exemplo prático.

Digamos que eu quero criar uma notícia falsa.

Uma notícia qualquer.

Não é para influenciar ninguém,

não tenho interesse em promover ninguém.

Eu faço o quê?

Crio uma imagem que pareça jornalística.

Eu tenho certeza que a minha mãe

vai achar que se trata de uma notícia muito verdadeira.

E vai espalhar em todos os grupos do WhatsApp dos quais ela faz parte.

Mas eu tenho uma tia, desconfiada, que acha que é mentira.

Vai mandar para o meu primo para perguntar se é verdade.

E esse é o erro que muitos não percebem.

Mesmo com a melhor das intenções — que é a de me desmascarar —

a minha tia está só contribuindo para espalhar ainda mais a notícia.

Até que o meu primo, quando recebe a mensagem dela,

está tomando uns copos, ele nem percebe a ironia.

e também acha que é verdade.

e espalha nos grupos dos quais ele faz parte

e a que eu jamais teria acesso.

E essa é uma corrente sem fim.

Agora vamos imaginar toda essa engenharia

potencializada à escala profissional.

As últimas eleições no Brasil ficaram famosas

por terem exposto os eleitores a uma quantidade imensa de notícias falsas

a uma escala jamais vista.

Dois motivos para isso.

O primeiro é que a batalha eleitoral brasileira

ocorreu quase exclusivamente nos telemóveis.

O grosso da campanha não estava nos comícios, na televisão,

nem na Internet tradicional.

Ela estava ali, na privacidade do telemóvel.

Então, receber e enviar, partilhar uma notícia duvidosa,

é uma atividade privada, quase secreta.

(Sussurrando) Ninguém vai saber.

E embora privada, era sempre acompanhada de "habeas corpus" preventivo.

"Não sei se é verdade, mas estou repassando".

O segundo motivo.

Imaginem que uma empresa contrate mil pessoas

e cada uma delas esteja encarregada

de administrar 50 perfis falsos por dia,

como aquele perfil da Giovanna.

Durante o período contratado, seis meses antes da eleição,

haverá 50 000 perfis ativos

— basta imaginar o estádio do Dragão lotado —

mas, lembrem-se, são perfis falsos

então, o estádio do Dragão lotado com quê?

Adeptos do Benfica, hem?

(Risos)

Ah! Agora vocês perceberam o drama, finalmente.

Haverá 50 000 perfis ativos que vão estar, diariamente,

distribuindo notícias falsas no WhatsApp,

comentando em redes sociais

e tentando influenciar pessoas reais.

Empresas como estas que eu acabei de descrever

disfarçam-se de serviços de "marketing" digital.

Em alguns casos, elas criam e administram grupos no WhatsApp.

Em outros, elas entram em grupos que já existem

e enviam aos utilizadores mais de mil mensagens por dia,

criando um efeito dominó.

O que no Brasil é um efeito dominó digno do Guiness,

porque o país é o quarto no uso proporcional do WhatsApp no mundo

com mais de 120 milhões de utilizadores.

O que é que as pessoas fazem

com essa quantidade absurda de "fake news"?

Podiam ignorar, podiam deitar na sanita,

Várias opções.

Mas não.

Elas passam adiante.

Há várias pesquisas que tratam do real alcance das "fake news",

mas há duas que, no momento, são citadas quando se toca nesse tema.

A primeira é um levantamento dos BuzzFeed

que fizeram, nos três meses que antecederam a eleição americana,

as 20 "fake news" de maior audiência,

que tiveram mais engajamento, que foram mais partilhadas,

do que as 20 notícias verdadeiras de maior audiência.

E o estudo do MIT — o maior já feito sobre o tema —

realizado no ano passado,

analisou quatro milhões de "tweets"

e também constatou que as "fake news" são muito mais partilhadas

do que as notícias verdadeiras.

Mas porque é que isso acontece? Tem uma explicação.

O que nem o estudo do MIT nem a pesquisa do BuzzFeed mostram

é que há uma razão clara

para as "fake news" serem mais partilhadas.

As "fake news" não é uma obra do acaso.

não é um fenómeno meteorológico.

"Lamentavelmente, este mês choveu mais 'fake news' do que previsto".

Não é isso.

(Risos)

Fui à Serra da Estrela em janeiro e não vi "fake news" como no ano passado.

Não tem isso.

Na imensa maioria das vezes, "fake news" têm um interesse por detrás.

Foram criadas para alcançar um objetivo.

Eu vou reformular.

Foram criadas para alcançar dois objetivos.

O primeiro, enganar-vos a vocês.

O segundo é fazer com que você partilhe e ajude a enganar mais pessoas.

Não é só um trabalho sujo,

eles querem que vocês trabalhem de graça, também.

Não importa se o alvo é eleição no Brasil, as eleições americanas,

o Brexit ou as próximas legislativas portuguesas — não se iludam.

Pode ocorrer em qualquer lugar.

Então, em quem podemos confiar para combater as "fake news"?

Há várias organizações dedicadas em checá-las e denunciá-las

e elas, de facto, fazem um trabalho bem importante.

O First Draft é uma das mais importantes do mundo

e coordena projetos em diversos países.

E aqui em Portugal, recentemente, fez o lançamento do Polígrafo

que tem esse mesmo objetivo, combater notícias falsas.

Em caso de dúvidas sobre a veracidade de uma informação,

esses talvez sejam os melhores sítios

para saber se uma notícia é verdadeira ou não.

Mas isso não responde completamente à pergunta, eu sei.

Em quem nós podemos confiar mesmo?

Antes, eu quero contar um segredo.

Sabem quem não tem muito interesse em combater esse fenómeno?

Até tem, mas não com muito afinco? They do, but not very hard?

O poder público, que adora a possibilidade de disfarçar parte dos seus absurdos