GUERRA DE CANUDOS | EDUARDO BUENO
Vamos almoçar em Canudos? Vamos almoçar em Canudos? Vamos almoçar em Canudos? Ele foi
almoçado em Canudos, foi isso que aconteceu. Cano! Cano! Venha ver o Brasil entrar pelo
cano, em Canudos.
Nada como morar num lugar manso e pacífico,
o lugar do homem cordial, um país brando. Tá certo que de vez em quando tem um
massacrezinho em outro, né? O Carandiru, o Contestado, Canudos. Canudos!
Uma das mais trágicas e terríveis histórias do Brasil. Pelo menos acabou
virando uma obra prima da literatura mundial, né?
"Os sertões" de Euclides da Cunha, mas é um preço muito alto pra pagar por tanta
vida, né? A história começa é claro no solo infértil e fecundo para
tragédias do sertão da Bahia. Era uma crise generalizada: os engenheos tinham
entrado em decadência, tinha tido o fim da escravidão, havia um monte de gente
perambulando e tinha tido, em 1878, a terrível seca de 1878 que, só no Ceará,
matou 100 mil pessoas.
Foi nesse nesse solo fecundo para tragédias que começou um nômade a viajar
por ali, Ele viria a se chamará Antônio Conselheiro porque o nome dele claro era
outro antes, era Antônio Maciel. Ele é o que se pode chamar de um looser, tinha dado
tudo errado na vida do cara. Ele tinha sido professor, tinha sido demitido, tinha
sido vendedor ambulante, não tinha dado certo, tinha sido abandonado pela mulher
e ele se tornou uma seta, se tornou uma espécie de cangaceiro místico
perambulando pelo mar areento do sertão, que estava à deriva naquele mar quando
começou a juntar uma série de seguidores. Ele sugeria que as pessoas
reconstruíssem os cemitérios que estavam abandonados, que caiassem de branco as
igrejas e que levassem uma vida de meditação e de ascetismo, pois em 1890,
meu chapa, ele já tinha oito mil seguidores.
Ele era tão magro, que o Mário Vargas Llosa, o grande escritor peruano, que
escreveu um livro também sobre Canudos, disse que ele parecia estar sempre de
lado, de tão magro que o sujeito era, porque ele de fato se tornou uma seta.
Ele acabou encontrando um porto seguro naquele mar de areia do sertão da Bahia,
numa fazenda abandonada chamada Monte Belo, que depois viria a se chamar
Canudos. Ali, ele criou um arraial, um arraial que
acabou virando um outro Brasil, que acabou virando uma utopia evangélica.
Nesse arraial, que acabou tendo cinco mil e duzentas casas, onde moravam 20 mil
pessoas. Eles criaram uma espécie de utopia
evangélica mesmo porque as roças eram coletivas. Eles plantavam milho,
plantavam mandioca, plantavam feijão e começaram a criar cabra e com o couro da
cabra, com a carne da cabra, com queijo de cabra, com o leite da cabra, eles se
tornaram auto-sustentáveis. Os couros de cabra de Canudos chegaram a ser
exportados para os Estados Unidos e o arraial começou a florescer à sombra do
poder central, à sombra do Brasil, à sombra de um Brasil que nunca se
interessou pelos seus desvalidos. O líder inconteste daquele local era
justamente o Antônio Conselheiro, o homem que dava conselhos. Tudo parecia ir bem,
quando no fim de 1895, o Conselheiro comprou uma grande partida de madeira ,de
novas toras de madeira para construir uma igreja ainda maior do que ele já
tinha feito. Ele pagou a madeira e a madeira não foi entregue! Não entregaram
a madeira, aí os seus seguidores disseram
"nós já pagamos a madeira, a gente quer madeira". Isso foi em Juazeiro e é importante
inclusive salientar que Juazeiro era a maior cidade do norte da Bahia, tinha
três mil habitantes, Salvador tinha 20 mil habitantes.
Canudos tinha 25 mil habitantes, então eles disseram "nós vamos a Juazeiro
pegar essa madeira na marra". Aí a a elite de Juazeiro, o prefeito de Juazeiro, o chefe
da polícia de Juazeiro já começaram a dizer "os fanáticos! Os fanáticos virão aqui pegar
madeira só porque já pagaram pela madeira e não receberam eles querem a
madeira deles". E aí fizeram uma força policial com 100 homens pra enfrentar os
sertanejos, que vieram buscar sua madeira porque de fato foram 300, aí deu um
confronto entre eles morreram 150 sertanejos e morreram apenas dez
soldados e 16 ficaram feridos, mas foi considerado uma afronta ao exército
nacional. Fora que, um pouco antes, o Conselheiro já tinha rasgado vários
panfletos do recém surgido regime republicano.
Recém não, né? 1889. A República, nós já estamos em 1895, portanto, os seis anos,
mas é muito próximo, inclusive a notícia demorou um tempão para chegar lá no
Arraial de Canudos, o Conselheiro se dizia monarquista especialmente porque
havia tido, com a República, a separação entre a Igreja e o Estado. E o conselheiro
era totalmente favorável a um estado religioso e não a um estado laico.
Além de tudo, mudar os impostos municipais por causa da República.
Começaram a cobrar impostos lá em Canudos, o Conselheiro disse "pô, vocês nunca me não deram nada
e agora querem que eu pague imposto," Né? Então já começou essa fermentação que eclodiu
nesse confronto, que começou por causa de uma deslealdade comercial por parte de um
vendedor de madeira de Juazeiro, né? Mas como os carros acabaram matando
esses dez soldados e ferindo outros 16, as forças policiais da Bahia e o próprio
exército resolveram reagir atacando Canudos e foram atacar Canudos e
então, alguns meses depois, desse ataque, que foi em agosto 96, em novembro de
1896, o exército enviou, coordenado pelo
Tenente Febrônio. Bom nome, né? Tenente Febrônio. Uma partida de 583 soldados
para atacar em Canudos e, no dia 24 de janeiro de 1896, levou uma surra.
Levou uma surra dos sertanejos porque eles já tinham sido avisados que
caras vão atacar, emboscaram ele num despenhadeiro, num vale na chegada de
Canudos e desbarataram e botaram em fuga os 583 soldados do tenente Febrônio e os caras
fugiram deixando as armas deles pra trás, ou seja, os sertanejos passaram a ter
armas melhores do que as que então tinham. Bom, virou um escândalo, a história
chegou no Rio de Janeiro, né? "Monarquistas! Monarquistas estão atacando
o honroso Exército Nacional, é preciso reagir. O que o Prudente de Morais, que
já então estava sendo chamado pela imprensa republicana de Prudente
Demais porque não tinha tomado as atitudes corretas para dizimar
aquele gentalha miserável, aqueles nordestinos infelizes, aqueles evangélico desgraçados.
Por que o presidente não reage? Aí o presidente chamou quem? Chamou quem?
Chamou o Moreira César, chamou o Moreira César. Quem era o Moreira César?
Moreira César era um coronel do exército, que já tinha tomado parte na Revolta da
Armada, combatendo a Revolta da Armada, né? Que era a Revolta da Marinha e o exército
combateu logo no início da República, já tinha assassinado um jornalista com
uma facada pelas costas porque o jornalista falava mal do exército
brasileiro e depois tinha participado da da repressão à Revolta Federalista de
1893 na ilha de Santa Catarina, né? Mandando matar 49 pessoas em
execuções sumárias e fuzilamentos porque tinham se revoltado contra o governo do
Floriano Peixoto e ainda por cima mudou o nome da capital da ilha de Santa
Catarina, aquela cidade do desterro para Florianópolis, o nome do algoz,
aliás como é que Florianópolis continua mantendo o nome Florianópolis? Mas esse é
outro assunto, outro assunto ainda é que esse Moreira César era epilético, tipo eu
assim, epilético o Moreira César. Aí o Prudente de Morais chamou o Moreira César "vai lá e
destrói aqueles caras, arrasa aqueles caras, trucida aqueles caras".
E o Moreira César foi para a Bahia, saiu aqui do Rio de Janeiro com 1.500
homens, com 15 milhões de cartuchos e com 6 canhões grupo recém comprados da
Alemanha pra arrasar aquela gente. Chegaram a Salvador, de Salvador se dirigiram até o
interior lá, demoraram um tempão e aí chegaram nas proximidades de Canudos e o
que aconteceu? Em março de 1897, eles enfim chegaram nos arredores de Canudos,
em Monte Santo, olha o nome do lugar, pertinho de Monte Belo e aí o Moreira César disse
"Vamos almoçar em Canudos", achou que era um lanche. Ele com 1.500 homens, com 15
milhões de cartuchos, com seis canhões.
Só que daí,
ele teve um ataque epilético. É verdade, não é piada, ele teve um
ataque epilético. Tiveram que cancelar a primeira ordem de ataque, ele se
recuperou do ataque epilético e teve outro ataque epilético, no sentido
metafórico agora, e resolveu atacar Canudos e disse
"Vamos atacar com baionetas, nem precisa gastar bala com esses caras" e entrou
naquele labirinto de ruelas e casebres de Canudos, os caras estavam tudo tocaiado
lá, meu chapa, e dizimaram a tropa do Moreira César e ele levou um tiro na
barriga, ficou agonizando durante 12 horas o miserável antes de morrer. Morreu.
Está no inferno não há dúvida e aí ainda disse se eu sobreviver vou renunciar ao
exército, vou me demitir do exército por causa dessa humilhação.
Humilhação total e completa mesmo. Perderam de novo, 3 a 0 para Canudos
Canudos 3, Brasil 0. Bom, aí abril de 1897 quando chega essa
notícia, no Rio de Janeiro, as pessoas, os republicanos, os jacobinos invadem os
jornais, dois jornais monarquista e matam o diretor de redação de um desses
jornais, matam um editor de um outro jornal desse, é uma confusão total.
"Vamos! Exigimos! Exigimos! A destruição completa e absoluta de Canudos, aí em
agosto de 1897, o próprio Ministro da Guerra,
o tal Marechal Carlos Bittencourt, que depois seria morto, você já viu isso aqui no
"Não vai cair no Enem", no episódio O Vice Golpista, está
aparecendo aqui em cima, veja O Vice Golpista, veja O Vice Golpista
É o cara que tentou salvar o Prudente de Moraes e acabou morrendo e o
próprio Ministro da Guerra foi para Canudos e, nessa expedição, foi também o
jornalista Euclides da Cunha, que trabalhava para o jornal Estado de São
Paulo e foi com a certeza de que ia documentar o fim de uma insurreição de
monarquistas, de inimigos do governo. Chegando lá, ele percebeu o que estava
acontecendo. Era um confronto entre o Brasil das elites, o Brasil urbano,
o Brasil que nunca entendeu os seus desvalidos contra um Brasil, de pobres e
miseráveis, que tinham deixado de ser pobres e miseráveis e tinham
encontrado um outro jeito de sobrevivência numa espécie de brasil
alternativo. Ele percebeu isso e ele viu todo o massacre porque daí eles foram
atacados em agosto e setembro de 1897, no dia 22 de setembro de 1997, o Conselheiro
morreu, provavelmente disenteria, daí o Arraial botou uma bandeira branca, não e os
caras ainda levaram um canhão chamado "A matadeira", botaram o canhão em cima de
um lugar que chamava morro da favela, morro da favela e PUM, com um canhão
gigante para atacar Canudos, dizimaram Canudos, mataram todo mundo.
25 mil mortos, cortaram a cabeça do Conselheiro, que foi levada para ser
estudada pelo cientista Nina Rodrigues, um cara famoso no estudo da escravidão.
Vai ver quem é o Nina Rodrigues, que estudou o cérebro do Conselheiro e
concluiu que o cérebro conselheiro era normal. O que não era normal é o cérebro de
outras pessoas, né cara? Aí esse conflito claro que ficaria registrado para a história
mas ele não tomaria dimensão épica, a dimensão com homérica que tomou porque
ele encontrou o seu Homero, né? O seu equivalente a um poeta homérico no
Euclides da Cunha, que escreveu o extraordinário livro "Os sertões", na qual
escreve trata-se de um crime, vamos denunciá lo e ele fez esse livro
denúncia e hoje a história de Canudos sobrevive no imaginário, só que o brasil
ainda não mudou o suficiente, para que possa conviver em plena harmonia com
esses dois brasis tão distintos.
Então é um fim meio para baixo esse, né? Mas é que o episódio é meio para baixo.
De qualquer forma, leia Os Sertões e continue evidentemente ligado no canal
Bueno Idéias. Tchau. Vou chorar no canto.
O que você acaba de ver está repleto de
generalizações e simplificações, mas o quadro geral era esse aí mesmo agora se
você quiser saber como as coisas de fato for a então você vai ter que ler.