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Gloss European Portuguese Level 2+, Relações entre alterações climáticas e segurança

Relações entre alterações climáticas e segurança

O debate académico—uma das forças motrizes dos estudos sobre segurança—tem salientado a relevância crescente da interrelação entre alterações climáticas e segurança. Nesse sentido, os relatórios do Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC) e do United Nations Office for Disasters Risk Reduction (UNISDR), os discursos securitizadores e as pesquisas científicas têm apresentado um denominador comum: o alerta de que as alterações climáticas, os desastres decorrentes de eventos climáticos extremos, a urbanização desordenada e a escassez de recursos naturais potenciam e agravam os problemas sociais e económicos, destacadamente nos países em desenvolvimento. Esses obstáculos fragilizam a segurança do Estado e da população, ameaçando o bem-estar individual, coletivo e estatal, bem como o ambiente e demais sistemas, indicando-os como ameaça à paz e exacerbando vulnerabilidades e tensões existentes—favorecendo a ocorrência de conflitos.

Segurança, tradicionalmente, tem sido entendida como o conjunto de interesses políticos de grupos específicos, sob um discurso de forte influência militar, com a finalidade de proteger o Estado de ameaças internas ou externas, bem como de outros perigos que possam prejudicar interesses e valores da sua sociedade. A partir dessa perspetiva tradicional, segurança mediaria a ausência de ameaça e de guerra.

A partir do fim da II Grande Guerra, com a bipolaridade estabelecida pela Guerra Fria, o estudo sobre segurança estimulou o interesse do meio civil, ampliando o debate dos estudos estratégicos. Concomitante a essa discussão, outras ameaças e riscos, não militares, emergiram nas décadas de 70 e 80 do século passado. Esses estudos tiveram implicações na expansão do conceito tradicional de segurança, abordando, para muito além do poder militar e da proteção do Estado, a eliminação e/ou redução das ameaças— ambientais, sociais, económicas, sanitárias, entre outras—que impediam o bem-estar de grande parte da população mundial.

As organizações ambientais, segundo Angela Oels, foram as instituições pioneiras a abordarem as alterações climáticas como uma questão de segurança, com o objetivo de mobilizar ações de mitigação para evitar migrações em massa devido aos eventos extremos climáticos. Isso ocorreu porque países como os Estados Unidos da América e a Austrália, por exemplo, resistiram a aceitar os dilemas decorrentes das alterações climáticas, permanecendo inertes ao tema. O debate académico desenvolveu-se a partir de Norman Myers e seus estudos sobre refugiados ambientais. A partir de então, tem-se investigado as relações entre superpopulação, escassez de recursos naturais, migrações em massa, possibilidade de conflitos e segurança. Para os ambientalistas norte-americanos, ainda hoje a visão das alterações climáticas como ameaça à segurança seria o modo mais convincente de o governo agir e tornar as alterações climáticas uma prioridade política.

O relatório sobre alterações climáticas e segurança internacional elaborado por Francisco Javier Solana Madariaga e aprovado pelo Conselho Europeu em 2008 abordou questões sobre segurança e alterações climáticas, apresentando a existência de grande probabilidade de desestabilização e violência em sociedades mais vulneráveis às alterações climáticas, posicionando a segurança nacional e internacional num novo grau de risco. No entanto, o documento sugeriu que a possibilidade de as alterações climáticas serem reconhecidas pela comunidade internacional como ameaça à humanidade estabeleceria novos caminhos para evitar suas consequências negativas se fosse adotada uma política climática dinâmica e globalmente coordenada.

Outro aspeto importante a ser destacado, nessa perspetiva, refere-se à probabilidade também elevada da substituição da ampliação da capacidade militar para intervir em conflitos pela expansão da capacidade de os setores militares e civis atuarem em conjunto em desastres decorrentes de alterações climáticas.

Michael Brzoska, ao estudar a ligação entre alterações climáticas e segurança nos documentos de estratégia de segurança e de planeamento de defesa dos países, concluiu que o pensamento predominante é o de que as alterações climáticas estão relacionadas com segurança como uma questão de segurança ambiental, e não sob a ótica de conflito ambiental. Esse cenário das alterações climáticas como um óbice ao bem-estar da população restringe a ação dos agentes de segurança, particularmente das forças armadas. Consequentemente, a gestão de desastres para lidar com as consequências de eventos climáticos extremos é apontada, nos documentos de planeamento de defesa, em termos de política estratégica para alterações climáticas, como a principal missão das forças armadas, ou seja, sobressai o viés humanitário nas atividades militares relativamente à segurança sob um enfoque ambiental.

Brzoska retratou, ainda, a existência das seguintes medidas concretas que têm sido empregadas pelas forças armadas, nomeadamente nas grandes potências mundiais, no tocante às alterações climáticas: preparação para atuação militar externa em missões de ajuda humanitária; economia de energia e redução das emissões de gases com efeito de estufa pelas forças armadas; reforço das forças armadas na adoção de medidas de emergência. O viés bélico na atuação das forças armadas em prováveis conflitos decorrentes de alterações climáticas não se encontra esmiuçado na maioria dos documentos analisados.

Para o autor, a maioria dos países concebe as forças armadas como uma importante organização no combate aos desastres decorrentes de alterações climáticas, particularmente na gestão de desastres e situações de emergência. O fator essencial a ser elencado, nessa linha de pensamento, seria capacitar os recursos humanos militares para atuarem especificamente nesse tipo de atividade decorrente de eventos climáticos extremos, pois verificam-se um consenso e uma tendência global quanto ao crescimento da capacidade de gestão de catástrofes, a longo prazo, pelas forças armadas.

O cenário atual aqui descrito indica que, independentemente de a relação entre segurança e alterações climáticas seguir pelo viés humanitário e/ou bélico, novas ameaças compõem os riscos à segurança. Além das tradicionais ameaças de cunho militar, identificam-se, hoje, as não militares, entre elas a ambiental. Assim, o Estado deixou de ser o único sujeito ameaçado a ser protegido, pois indivíduos, ambiente, grupos sociais, entre outros, passaram a ocupar o mesmo status. Por fim, o setor militar deve estar preparado para estes e outros desafios futuros, que orientam a sua formação e influenciam as suas atividades.


Relações entre alterações climáticas e segurança Relations between climate change and security

O debate académico—uma das forças motrizes dos estudos sobre segurança—tem salientado a relevância crescente da interrelação entre alterações climáticas e segurança. Nesse sentido, os relatórios do Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC) e do United Nations Office for Disasters Risk Reduction (UNISDR), os discursos securitizadores e as pesquisas científicas têm apresentado um denominador comum: o alerta de que as alterações climáticas, os desastres decorrentes de eventos climáticos extremos, a urbanização desordenada e a escassez de recursos naturais potenciam e agravam os problemas sociais e económicos, destacadamente nos países em desenvolvimento. Esses obstáculos fragilizam a segurança do Estado e da população, ameaçando o bem-estar individual, coletivo e estatal, bem como o ambiente e demais sistemas, indicando-os como ameaça à paz e exacerbando vulnerabilidades e tensões existentes—favorecendo a ocorrência de conflitos.

Segurança, tradicionalmente, tem sido entendida como o conjunto de interesses políticos de grupos específicos, sob um discurso de forte influência militar, com a finalidade de proteger o Estado de ameaças internas ou externas, bem como de outros perigos que possam prejudicar interesses e valores da sua sociedade. A partir dessa perspetiva tradicional, segurança mediaria a ausência de ameaça e de guerra.

A partir do fim da II Grande Guerra, com a bipolaridade estabelecida pela Guerra Fria, o estudo sobre segurança estimulou o interesse do meio civil, ampliando o debate dos estudos estratégicos. Concomitante a essa discussão, outras ameaças e riscos, não militares, emergiram nas décadas de 70 e 80 do século passado. Esses estudos tiveram implicações na expansão do conceito tradicional de segurança, abordando, para muito além do poder militar e da proteção do Estado, a eliminação e/ou redução das ameaças— ambientais, sociais, económicas, sanitárias, entre outras—que impediam o bem-estar de grande parte da população mundial.

As organizações ambientais, segundo Angela Oels, foram as instituições pioneiras a abordarem as alterações climáticas como uma questão de segurança, com o objetivo de mobilizar ações de mitigação para evitar migrações em massa devido aos eventos extremos climáticos. Isso ocorreu porque países como os Estados Unidos da América e a Austrália, por exemplo, resistiram a aceitar os dilemas decorrentes das alterações climáticas, permanecendo inertes ao tema. O debate académico desenvolveu-se a partir de Norman Myers e seus estudos sobre refugiados ambientais. A partir de então, tem-se investigado as relações entre superpopulação, escassez de recursos naturais, migrações em massa, possibilidade de conflitos e segurança. Para os ambientalistas norte-americanos, ainda hoje a visão das alterações climáticas como ameaça à segurança seria o modo mais convincente de o governo agir e tornar as alterações climáticas uma prioridade política.

O relatório sobre alterações climáticas e segurança internacional elaborado por Francisco Javier Solana Madariaga e aprovado pelo Conselho Europeu em 2008 abordou questões sobre segurança e alterações climáticas, apresentando a existência de grande probabilidade de desestabilização e violência em sociedades mais vulneráveis às alterações climáticas, posicionando a segurança nacional e internacional num novo grau de risco. No entanto, o documento sugeriu que a possibilidade de as alterações climáticas serem reconhecidas pela comunidade internacional como ameaça à humanidade estabeleceria novos caminhos para evitar suas consequências negativas se fosse adotada uma política climática dinâmica e globalmente coordenada.

Outro aspeto importante a ser destacado, nessa perspetiva, refere-se à probabilidade também elevada da substituição da ampliação da capacidade militar para intervir em conflitos pela expansão da capacidade de os setores militares e civis atuarem em conjunto em desastres decorrentes de alterações climáticas.

Michael Brzoska, ao estudar a ligação entre alterações climáticas e segurança nos documentos de estratégia de segurança e de planeamento de defesa dos países, concluiu que o pensamento predominante é o de que as alterações climáticas estão relacionadas com segurança como uma questão de segurança ambiental, e não sob a ótica de conflito ambiental. Esse cenário das alterações climáticas como um óbice ao bem-estar da população restringe a ação dos agentes de segurança, particularmente das forças armadas. Consequentemente, a gestão de desastres para lidar com as consequências de eventos climáticos extremos é apontada, nos documentos de planeamento de defesa, em termos de política estratégica para alterações climáticas, como a principal missão das forças armadas, ou seja, sobressai o viés humanitário nas atividades militares relativamente à segurança sob um enfoque ambiental.

Brzoska retratou, ainda, a existência das seguintes medidas concretas que têm sido empregadas pelas forças armadas, nomeadamente nas grandes potências mundiais, no tocante às alterações climáticas: preparação para atuação militar externa em missões de ajuda humanitária; economia de energia e redução das emissões de gases com efeito de estufa pelas forças armadas; reforço das forças armadas na adoção de medidas de emergência. O viés bélico na atuação das forças armadas em prováveis conflitos decorrentes de alterações climáticas não se encontra esmiuçado na maioria dos documentos analisados.

Para o autor, a maioria dos países concebe as forças armadas como uma importante organização no combate aos desastres decorrentes de alterações climáticas, particularmente na gestão de desastres e situações de emergência. O fator essencial a ser elencado, nessa linha de pensamento, seria capacitar os recursos humanos militares para atuarem especificamente nesse tipo de atividade decorrente de eventos climáticos extremos, pois verificam-se um consenso e uma tendência global quanto ao crescimento da capacidade de gestão de catástrofes, a longo prazo, pelas forças armadas.

O cenário atual aqui descrito indica que, independentemente de a relação entre segurança e alterações climáticas seguir pelo viés humanitário e/ou bélico, novas ameaças compõem os riscos à segurança. Além das tradicionais ameaças de cunho militar, identificam-se, hoje, as não militares, entre elas a ambiental. Assim, o Estado deixou de ser o único sujeito ameaçado a ser protegido, pois indivíduos, ambiente, grupos sociais, entre outros, passaram a ocupar o mesmo status. Por fim, o setor militar deve estar preparado para estes e outros desafios futuros, que orientam a sua formação e influenciam as suas atividades.