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Flavio Mendes (Bossa Nova), Balanço Zona Sul (Wilson Simonal), O ARRANJO #23 (English subtitles)

Balanço Zona Sul (Wilson Simonal), O ARRANJO #23 (English subtitles)

A mãe de Wilson Simonal, Maria Silva de Castro,

teve uma gestação complicada e precisou ficar internada 3 meses antes do parto do filho

Ela ficou internada no Hospital escola da Universidade Federal do Rio de Janeiro,

e com tanto tempo de hospital já tinha ficado íntima de toda a equipe

O médico que acompanhou a sua gestação era um jovem recém-formado chamado Roberto Simonard,

que costumava brincar com ela: quando o seu filho nascer eu quero que tenha o meu nome

Maria levou a sério, e avisou ao marido que queria que o filho se chamasse Roberto Simonard de Castro

O marido concordou em parte, achava Roberto um nome de velho, e preferia Wilson

Para não contrariar tanto a esposa concordou em manter o sobrenome do médico

Na hora de falar Simonard o sotaque mineiro deve ter atrapalhado,

e o escrivão do cartório registrou a criança com o nome de Wilson Simonal de Castro

O médico agradeceu a homenagem e seguiu a vida

Mais ou menos 30 anos depois ele recebeu da sua equipe o apelido de "doutor Simonal",

por causa da fama do cantor que ele ajudou a trazer ao mundo

Eu sou Flávio Mendes, músico e arranjador, esse é O ARRANJO, seja bem vindo

Se você está gostando de assistir aos episódios pense na possibilidade de apoiar O ARRANJO,

E assim ajudar a que eu continue a fazer os programas

A contribuição começa com apenas 10 reais

Maiores informações em apoia.se/oarranjo, e se você mora for do Brasil acesse patreon.com/oarranjo

Balanço Zona Sul é um samba do cantor, compositor e pianista Tito Madi, e foi gravada pela primeira vez por Wilson Simonal

Tito Madi, assim como os seus contemporâneos Lúcio Alves e Dick Farney,

foi um dos precursores do canto moderno na música brasileira, o que depois viria a desembocar no canto da Bossa Nova

Tito era ídolo da geração que começou a Bossa Nova, de João Gilberto, Carlos Lyra e Roberto Menescal,

e também de cantores que chegaram logo depois, como Roberto Carlos e Wilson Simonal

Tito Madi deixou uma obra refinada e romântica, com clássicos como "Cansei de Ilusões" e "Chove lá Fora"

Além, é claro, de "Balanço Zona Sul",

essa já uma música formatada nos padrões rítmicos da Bossa Nova, e que virou um dos clássicos do movimento

Com arranjo do maestro Lyrio Panicali, é a primeira gravação de Wilson Simonal de "Balanço Zona Sul" no seu LP de estreia,

Tem Algo Mais, de 1963, que eu vou analisar nesse vídeo

UM POUCO DE HISTORIA

A mãe de Simonal se separou do pai dele muito cedo e foi trabalhar de empregada doméstica, de cozinheira, a vida era muito dura

Simonal às vezes conseguia morar com a mãe no quarto de empregada,

mas não eram todas as casas que aceitavam que os filhos das empregadas morassem junto

Nas casas em que morou com a mãe passou por inúmeras situações constrangedoras

Em uma noite a sua mãe, D. Maria,

estava servindo uma sopa para a filha da patroa quando notou que uma mosca havia caído na sopa

Por reflexo tirou o prato da mesa e ia jogar fora a sopa,

quando a patroa falou: porque vai jogar fora? Dá para o seu filho, dá pro Wilson

Simonal ouvia da mãe que se preocupar com humilhação era bobagem, o melhor era agir com resignação, para seguir sobrevivendo

Um dia, quando Simonal já era o cantor mais famoso do Brasil, ele foi com o amigo Miéle em uma sauna,

naquela época eram lugares onde se ia relaxar, cortar cabelo e tal

Chegou no seu carrão conversível e foi recebido com um tapete vermelho,

o gerente chamou fotógrafos, todos vieram pedir autógrafos, uma festa

Miéle notou que o amigo começou a prestar atenção na casa e parecia meio aéreo. Simonal explicou:

"Ele falou: malandro, a minha mãe foi cozinheira nessa casa aqui, nesse imóvel.

E a família não admitia que a empregada tivesse filho

Então ela fazia o almoço e fazia uma marmitinha pra mim disfarçado da família

Levava essa marmitinha e punha no fundo do quintal encostada da muro

Eu pulava o muro, pegava a marmita, pulava pra fora, almoçava e jogava a marmita de volta

Nessa época eles moravam na Favela da Praia do Pinto, entre o Leblon e a Lagoa,

para Maria ficar mais perto das casas em que trabalhava

Na praça Antero de Quental, no meio do Leblon, às vezes era montado um parque de diversões que atraía a juventude que morava por perto

Uma das atrações era um palco, montado pra quem quisesse cantar e um dia Simonal subiu e cantou Day-O,

um sucesso do cantor Harry Belafonte

Fez sucesso e repetiu o número algumas vezes, até que chamou a atenção de um garoto de copacabana Marcos Moran,

que o apresentou a Edson bastos, que já era músico e era filho da pianista Alda Pinto Barros,

uma pianista de renome, que aparecia na televisão

Os 3 pensaram em montar um conjunto, mas era a época de servir no exército

"Ele foi servir ao exército e eu acho que ali foi a virada do Simonal, porque ela era muito tímido antes,

quer dizer, ele era tímido na realidade, mas é que o personagem Simonal artista é diferente do Simonal verdadeiro

Mas ele quebra essa timidez quando ele percebe que ele tem uma facilidade de comunicação muito grande

e que as pessoas gostam dessa coisa, as pessoas riam, as pessoas adoravam,

então tinha aquela coisa que ele acabou inventando, copiando dos filmes americanos, aquela coisa de cantar com a tropa, 1, 2

Quando saiu do exército montou um conjunto com Marcos e Edson chamado de Dry Boys,

e completavam o grupo Zé Ary no violão e o irmão mais novo de Simonal, Zé Roberto, no sax

O conjunto funcionou, eram bons músicos e tinham a estrela e o carisma de Simonal,

que era fã de cantores como Cauby Peixoto e Agostinho dos Santos, dois cantores de vozeirão,

bem diferente dos cantores da Bossa Nova, que estava começando a surgir

Mas os ouvidos de Simonal estavam atentos a tudo o que surgia de música,

da Bossa Nova ao Rock'n roll, passando por Calipso e Cha-cha-cha

Aquele cara com uma antena absurda, porque até então ele não tocava nenhum instrumento,

começou a tocar, começou a aprender instrumentos e desenvolver numa velocidade incrível"

A chance do sucesso para o conjunto surgiu quando foram selecionados pra cantar em um programa de televisão chamado Clube do Rock,

da Tv Tupi, apresentado por Carlos Imperial

Neto do Barão de Itapemirim e filho de um rico banqueiro,

Imperial foi um produtor artístico e compositor muito importante e influente nos anos 1960 e 70,

sendo o responsável por lançar artistas como Roberto Carlos, Clara Nunes e até Elis Regina, além de Simonal

Com o prestígio de Carlos Imperial,

os Dry boys fizeram um teste na gravadora Columbia junto com outro pupilo de Imperial, Roberto Carlos.

Roberto passou no teste, mas o conjunto foi descartado,

o que decretou o fim do grupo, abrindo espaço para Simonal se tornar um cantor solo

Imperial contratou Simonal como produtor artístico dos seus programas e para ajudar na seleção de novos artistas

Nessa época o secretário do Imperial era um tijucano grandalhão e boa gente, chamado de Erasmo Esteves,

futuramente Erasmo Carlos

Ao mesmo tempo que se apresentava eventualmente nos programas de Imperial,

Simonal conseguiu uma chance de fazer um teste na prestigiosa boate Drink, no Leme

Os músicos fizeram cara feia quando souberam que ele trabalhava com Imperial,

que era conhecido por trabalhar com rock e na boate não tocavam rock, mas ele fez o teste e foi contratado na hora

E o tempo dele de crooner, cantando em boates e tal, aquilo deu uma formação pra ele

"Fundamental. Eu acho que ali foi a faculdade, né?

Deu a sorte de trabalhar com grande músicos, tinham muitos bons músicos, era uma geração muito talentosa.

Foi cantar em várias orquestras, cantou em vários clubes, cantava a noite inteira, e isso ajudou ele a criar repertório,

a cantar várias coisas diferentes, porque ele era obrigado a cantar desde uma coisa mais sofisticada até uma coisa mais simples"

Em maio de 1961 Simonal foi chamado pra fazer um teste na gravadora Odeon

A Odeon estava passando por um momento de transição, 3 anos depois de ser a gravadora que lançou a Bossa Nova

O diretor artístico responsável pela contratação de João Gilberto, Aloysio de Oliveira,

tinha deixado a companhia, e no seu lugar assumiu Ismael Corrêa

A Bossa Nova dava prestígio, mas vendia pouco, as grandes vendas continuavam com os contratados da antiga:

Dalva de Oliveira, Francisco Alves e Aracy de Almeida

A ideia da nova direção era encontrar um equilíbrio entre sofisticação e boas vendagens,

e é nesse momento que contratam Wilson Simonal

Demorou ainda 2 anos até que ele gravasse o primeiro LP, o que a princípio pode parecer falta de prestígio,

mas na verdade esses anos foram fundamentais para o amadurecimento de Simonal como cantor e artista

Nesse período ele gravou 4 compactos, todos eles muito diferentes entre si

"Os compactos anteriores são meio uma procura, mas não são... tem uma coisa de iê-iê-iê, não de iê-iê-iê, calipso,

acho que ele tava procurando, ainda sob uma influência do Carlos Imperial mais direta, né?"

Com arranjos e direção artística de Lyrio Panicalli o disco Tem Algo Mais apresenta um artista pronto

apesar de ser ainda um garoto de 25 anos

Era Bossa Nova, mas já cantada de um outro jeito, com a voz negra e poderosa do Simonal

O maior sucesso desse disco e dos primeiros anos de carreira dele foi Balanço Zona Sul, de Tito Madi

Com o sucesso aparecendo para Simonal ele resolve visitar a sua mãe Dona Maria, durante o horário de trabalho dela

Ela trabalhava na época na casa da crítica de teatro Barbara Heliodora,

e a visita acabou com um show particular de Simonal cantando no piano da família

Dona Maria achou ótimo, mas disse que precisava voltar pra cozinha, pra terminar o trabalho

Nesse momento Barbara explicou que o motivo da visita era outro:

Simonal tinha alugado um apartamento pra ela e falou que ela iria se aposentar

Dona Maria nunca mais trabalhou em casa de família, seu filho iria sustentá-la pro resto da sua vida

1. MELODIA Segundo a biografia de Simonal, "Nem vem que não tem", escrita pelo jornalista Ricardo Alexandre,

um dos grandes heróis musicais de Simonal nos seus primeiros anos de carreira foi o paulista Tito Madi

Tito Madi influenciou o canto contido da Bossa Nova, mas ele tinha mais voz, como se dizia na época,

tinha uma voz de veludo e usava, ainda que com parcimônia, o vibrato na voz, o que o canto de João Gilberto não aceitava

A forma de "Balanço Zona Sul" é ABAC,

e a melodia da parte A é numa região mais grave do que as melodias nas partes B e C

É quase como se fossem momentos distintos: o começo da melodia é mais grave, o canto fica mais contido,

mas nas outras partes a melodia vai mais para o agudo, onde o cantor pode soltar a voz

Já a letra é vouyerística, na linha de Garota de Ipanema,

é o eu-lírico acompanhando supostamente uma moça da zona sul carioca desfilando o seu balanço do Leme até o Leblon

e deixando um punhado de admiradores no caminho

2. ORQUESTRAÇÃO Lyrio Panicali foi um dos arranjadores e maestros mais importantes do século vinte no Brasil

Trabalhou na Rádio Nacional, nos seus anos de ouro, e também para diversas gravadoras

Tom Jobim costumava dizer que Lyrio foi um dos seus mestres, que aprendeu muito trabalhando com ele,

mas que o mestre às vezes não entregava tudo de bandeja

Tom dizia que Lyrio tinha uma tabela de extensão dos instrumentos que ele carregava desde a Rádio Nacional

E Tom estava começando a escrever arranjos, aquela tabela era ouro puro

Eram os limites técnicos pessoais dos músicos que gravavam com Lyrio, era a tabela real dos instrumentos,

não as dos livros e manuais, mas tirada da prática

Tom Jobim contou para a sua irmã Helena que ele tentou ver a tabela, mas Lyrio não mostrou para o jovem arranjador,

e teria dito: Tom, essas coisas a gente leva muito tempo para aprender

Mas Lyrio seguiu sendo mestre de muita gente, como o Simoninha conta

"Além do Lyrio escrever arranjos incríveis e ser um músico sensacional, abriu portas pra novos arranjadores,

Eumir Deodato, Erlon Chaves, o próprio Cesar Mariano, enfim,

um cara que ainda tinha o dom de escolher grandes maestros e músicos"

Na orquestração de "Balanço Zona Sul" Lyrio Panicali escolheu uma base bem Bossa Nova,

com violão, contrabaixo, percussão e bateria tocada com escovinha, e ainda Clarone, Sax Alto e Vibrafone

3. A FORMA DO ARRANJO Eu já comentei aqui que a forma de "Balanço Zona Sul" é ABAC

Para essa gravação Lyrio estruturou assim o arranjo: introdução de 8 compassos e segue a música inteira

Depois um instrumental com solo de saxofone citando a melodia também de 8 compassos

e volta de novo a música inteira

Na coda, o arranjador repete o começo da introdução:

o acorde do tom da música e no compasso seguinte o mesmo acorde meio tom acima,

com o violão percutindo as cordas no contratempo, assim:

Essa acentuação do violão no contratempo me lembra muito a batida do reggae, que ainda não existia em 1963

Possivelmente é uma herança do Calipso, outro estilo musical do caribe, que também influenciou o reggae

A introdução começa com o clarone em uníssono com o baixo

O ritmo não é sincopado, não é samba

Uma frase de sax alto, levemente inspirada na melodia da música

O clarone segue em uníssono com o baixo

Dois acordes no vibrafone

Respostas no sax alto, que faz agora notas curtas, no contratempo

A bateria faz o ritmo de Bossa Nova mas o violão toca samba em um ritmo mais livre

Vibrafone nos acordes de preparação e uma convenção rítmica,

todos tocando juntos, sax alto e clarone fazendo um naipe

Sax alto faz uma escala cromática descendente, caindo, como fala na letra

No instrumental o sax alto cita a melodia com acompanhamento do vibrafone

e depois sax e vibrafone em uníssono, com contracanto no clarone

De novo as respostas do sax alto, e nas notas curtas tocadas no contratempo agora tem um contracanto no clarone

O baterista toca samba com vassourinha nas duas mãos, como foi desenvolvido no início da bossa nova

As mesmas convenções rítmicas, e o sax alto caindo

Na coda volta o ritmo da introdução, agora com acordes em quartas no vibrafone

Bom, esse foi O ARRANJO, se você gostou dá um like, se inscreve no canal,

e pense na possibilidade de ser um apoiador do programa, a partir de apenas 10 reais

Acesse apoia.se/oarranjo, e se você morar fora do Brasil acesse patreon.com/oarranjo. Muito obrigado, até uma próxima!

Eu compus uma música em parceria com o meu amigo Ronaldo Bôscoli

e intitulei "Tributo a Martin Luther King"

Martin Luther King é um negro norte americano,

o mérito maior de Martin Luther King é lutar cada vez mais pela igualdade dos direitos e das raças

Essa música, eu peço permissão a vocês, porque eu dediquei ao meu filho

esperando que no futuro ele não encontre nunca aqueles problemas que eu encontrei

e tenho às vezes encontrado, apesar de me chamar Wilson Simonal de Castro


Balanço Zona Sul (Wilson Simonal), O ARRANJO #23 (English subtitles) Balanço Zona Sul (Wilson Simonal), O ARRANJO #23 (englische Untertitel) Balanço Zona Sul (Wilson Simonal), O ARRANJO #23 (subtítulos en inglés) Balanço Zona Sul (Wilson Simonal), O ARRANJO #23 (napisy angielskie) Balanço Zona Sul (Wilson Simonal), O ARRANJO #23 (англійські субтитри)

A mãe de Wilson Simonal, Maria Silva de Castro,

teve uma gestação complicada e precisou ficar internada 3 meses antes do parto do filho

Ela ficou internada no Hospital escola da Universidade Federal do Rio de Janeiro,

e com tanto tempo de hospital já tinha ficado íntima de toda a equipe

O médico que acompanhou a sua gestação era um jovem recém-formado chamado Roberto Simonard,

que costumava brincar com ela: quando o seu filho nascer eu quero que tenha o meu nome

Maria levou a sério, e avisou ao marido que queria que o filho se chamasse Roberto Simonard de Castro

O marido concordou em parte, achava Roberto um nome de velho, e preferia Wilson

Para não contrariar tanto a esposa concordou em manter o sobrenome do médico

Na hora de falar Simonard o sotaque mineiro deve ter atrapalhado,

e o escrivão do cartório registrou a criança com o nome de Wilson Simonal de Castro

O médico agradeceu a homenagem e seguiu a vida

Mais ou menos 30 anos depois ele recebeu da sua equipe o apelido de "doutor Simonal",

por causa da fama do cantor que ele ajudou a trazer ao mundo

Eu sou Flávio Mendes, músico e arranjador, esse é O ARRANJO, seja bem vindo

Se você está gostando de assistir aos episódios pense na possibilidade de apoiar O ARRANJO,

E assim ajudar a que eu continue a fazer os programas

A contribuição começa com apenas 10 reais

Maiores informações em apoia.se/oarranjo, e se você mora for do Brasil acesse patreon.com/oarranjo

Balanço Zona Sul é um samba do cantor, compositor e pianista Tito Madi, e foi gravada pela primeira vez por Wilson Simonal

Tito Madi, assim como os seus contemporâneos Lúcio Alves e Dick Farney,

foi um dos precursores do canto moderno na música brasileira, o que depois viria a desembocar no canto da Bossa Nova

Tito era ídolo da geração que começou a Bossa Nova, de João Gilberto, Carlos Lyra e Roberto Menescal,

e também de cantores que chegaram logo depois, como Roberto Carlos e Wilson Simonal

Tito Madi deixou uma obra refinada e romântica, com clássicos como "Cansei de Ilusões" e "Chove lá Fora"

Além, é claro, de "Balanço Zona Sul",

essa já uma música formatada nos padrões rítmicos da Bossa Nova, e que virou um dos clássicos do movimento

Com arranjo do maestro Lyrio Panicali, é a primeira gravação de Wilson Simonal de "Balanço Zona Sul" no seu LP de estreia,

Tem Algo Mais, de 1963, que eu vou analisar nesse vídeo

UM POUCO DE HISTORIA

A mãe de Simonal se separou do pai dele muito cedo e foi trabalhar de empregada doméstica, de cozinheira, a vida era muito dura

Simonal às vezes conseguia morar com a mãe no quarto de empregada,

mas não eram todas as casas que aceitavam que os filhos das empregadas morassem junto

Nas casas em que morou com a mãe passou por inúmeras situações constrangedoras

Em uma noite a sua mãe, D. Maria,

estava servindo uma sopa para a filha da patroa quando notou que uma mosca havia caído na sopa

Por reflexo tirou o prato da mesa e ia jogar fora a sopa,

quando a patroa falou: porque vai jogar fora? Dá para o seu filho, dá pro Wilson

Simonal ouvia da mãe que se preocupar com humilhação era bobagem, o melhor era agir com resignação, para seguir sobrevivendo

Um dia, quando Simonal já era o cantor mais famoso do Brasil, ele foi com o amigo Miéle em uma sauna,

naquela época eram lugares onde se ia relaxar, cortar cabelo e tal

Chegou no seu carrão conversível e foi recebido com um tapete vermelho,

o gerente chamou fotógrafos, todos vieram pedir autógrafos, uma festa

Miéle notou que o amigo começou a prestar atenção na casa e parecia meio aéreo. Simonal explicou:

"Ele falou: malandro, a minha mãe foi cozinheira nessa casa aqui, nesse imóvel.

E a família não admitia que a empregada tivesse filho

Então ela fazia o almoço e fazia uma marmitinha pra mim disfarçado da família

Levava essa marmitinha e punha no fundo do quintal encostada da muro

Eu pulava o muro, pegava a marmita, pulava pra fora, almoçava e jogava a marmita de volta

Nessa época eles moravam na Favela da Praia do Pinto, entre o Leblon e a Lagoa,

para Maria ficar mais perto das casas em que trabalhava

Na praça Antero de Quental, no meio do Leblon, às vezes era montado um parque de diversões que atraía a juventude que morava por perto

Uma das atrações era um palco, montado pra quem quisesse cantar e um dia Simonal subiu e cantou Day-O,

um sucesso do cantor Harry Belafonte

Fez sucesso e repetiu o número algumas vezes, até que chamou a atenção de um garoto de copacabana Marcos Moran,

que o apresentou a Edson bastos, que já era músico e era filho da pianista Alda Pinto Barros,

uma pianista de renome, que aparecia na televisão

Os 3 pensaram em montar um conjunto, mas era a época de servir no exército

"Ele foi servir ao exército e eu acho que ali foi a virada do Simonal, porque ela era muito tímido antes,

quer dizer, ele era tímido na realidade, mas é que o personagem Simonal artista é diferente do Simonal verdadeiro

Mas ele quebra essa timidez quando ele percebe que ele tem uma facilidade de comunicação muito grande

e que as pessoas gostam dessa coisa, as pessoas riam, as pessoas adoravam,

então tinha aquela coisa que ele acabou inventando, copiando dos filmes americanos, aquela coisa de cantar com a tropa, 1, 2

Quando saiu do exército montou um conjunto com Marcos e Edson chamado de Dry Boys,

e completavam o grupo Zé Ary no violão e o irmão mais novo de Simonal, Zé Roberto, no sax

O conjunto funcionou, eram bons músicos e tinham a estrela e o carisma de Simonal,

que era fã de cantores como Cauby Peixoto e Agostinho dos Santos, dois cantores de vozeirão,

bem diferente dos cantores da Bossa Nova, que estava começando a surgir

Mas os ouvidos de Simonal estavam atentos a tudo o que surgia de música,

da Bossa Nova ao Rock'n roll, passando por Calipso e Cha-cha-cha

Aquele cara com uma antena absurda, porque até então ele não tocava nenhum instrumento,

começou a tocar, começou a aprender instrumentos e desenvolver numa velocidade incrível"

A chance do sucesso para o conjunto surgiu quando foram selecionados pra cantar em um programa de televisão chamado Clube do Rock,

da Tv Tupi, apresentado por Carlos Imperial

Neto do Barão de Itapemirim e filho de um rico banqueiro,

Imperial foi um produtor artístico e compositor muito importante e influente nos anos 1960 e 70,

sendo o responsável por lançar artistas como Roberto Carlos, Clara Nunes e até Elis Regina, além de Simonal

Com o prestígio de Carlos Imperial,

os Dry boys fizeram um teste na gravadora Columbia junto com outro pupilo de Imperial, Roberto Carlos.

Roberto passou no teste, mas o conjunto foi descartado,

o que decretou o fim do grupo, abrindo espaço para Simonal se tornar um cantor solo

Imperial contratou Simonal como produtor artístico dos seus programas e para ajudar na seleção de novos artistas

Nessa época o secretário do Imperial era um tijucano grandalhão e boa gente, chamado de Erasmo Esteves,

futuramente Erasmo Carlos

Ao mesmo tempo que se apresentava eventualmente nos programas de Imperial,

Simonal conseguiu uma chance de fazer um teste na prestigiosa boate Drink, no Leme

Os músicos fizeram cara feia quando souberam que ele trabalhava com Imperial,

que era conhecido por trabalhar com rock e na boate não tocavam rock, mas ele fez o teste e foi contratado na hora

E o tempo dele de crooner, cantando em boates e tal, aquilo deu uma formação pra ele

"Fundamental. Eu acho que ali foi a faculdade, né?

Deu a sorte de trabalhar com grande músicos, tinham muitos bons músicos, era uma geração muito talentosa.

Foi cantar em várias orquestras, cantou em vários clubes, cantava a noite inteira, e isso ajudou ele a criar repertório,

a cantar várias coisas diferentes, porque ele era obrigado a cantar desde uma coisa mais sofisticada até uma coisa mais simples"

Em maio de 1961 Simonal foi chamado pra fazer um teste na gravadora Odeon

A Odeon estava passando por um momento de transição, 3 anos depois de ser a gravadora que lançou a Bossa Nova

O diretor artístico responsável pela contratação de João Gilberto, Aloysio de Oliveira,

tinha deixado a companhia, e no seu lugar assumiu Ismael Corrêa

A Bossa Nova dava prestígio, mas vendia pouco, as grandes vendas continuavam com os contratados da antiga:

Dalva de Oliveira, Francisco Alves e Aracy de Almeida

A ideia da nova direção era encontrar um equilíbrio entre sofisticação e boas vendagens,

e é nesse momento que contratam Wilson Simonal

Demorou ainda 2 anos até que ele gravasse o primeiro LP, o que a princípio pode parecer falta de prestígio,

mas na verdade esses anos foram fundamentais para o amadurecimento de Simonal como cantor e artista

Nesse período ele gravou 4 compactos, todos eles muito diferentes entre si

"Os compactos anteriores são meio uma procura, mas não são... tem uma coisa de iê-iê-iê, não de iê-iê-iê, calipso,

acho que ele tava procurando, ainda sob uma influência do Carlos Imperial mais direta, né?"

Com arranjos e direção artística de Lyrio Panicalli o disco Tem Algo Mais apresenta um artista pronto

apesar de ser ainda um garoto de 25 anos

Era Bossa Nova, mas já cantada de um outro jeito, com a voz negra e poderosa do Simonal

O maior sucesso desse disco e dos primeiros anos de carreira dele foi Balanço Zona Sul, de Tito Madi

Com o sucesso aparecendo para Simonal ele resolve visitar a sua mãe Dona Maria, durante o horário de trabalho dela

Ela trabalhava na época na casa da crítica de teatro Barbara Heliodora,

e a visita acabou com um show particular de Simonal cantando no piano da família

Dona Maria achou ótimo, mas disse que precisava voltar pra cozinha, pra terminar o trabalho

Nesse momento Barbara explicou que o motivo da visita era outro:

Simonal tinha alugado um apartamento pra ela e falou que ela iria se aposentar

Dona Maria nunca mais trabalhou em casa de família, seu filho iria sustentá-la pro resto da sua vida

1\. MELODIA Segundo a biografia de Simonal, "Nem vem que não tem", escrita pelo jornalista Ricardo Alexandre,

um dos grandes heróis musicais de Simonal nos seus primeiros anos de carreira foi o paulista Tito Madi

Tito Madi influenciou o canto contido da Bossa Nova, mas ele tinha mais voz, como se dizia na época,

tinha uma voz de veludo e usava, ainda que com parcimônia, o vibrato na voz, o que o canto de João Gilberto não aceitava

A forma de "Balanço Zona Sul" é ABAC,

e a melodia da parte A é numa região mais grave do que as melodias nas partes B e C

É quase como se fossem momentos distintos: o começo da melodia é mais grave, o canto fica mais contido,

mas nas outras partes a melodia vai mais para o agudo, onde o cantor pode soltar a voz

Já a letra é vouyerística, na linha de Garota de Ipanema,

é o eu-lírico acompanhando supostamente uma moça da zona sul carioca desfilando o seu balanço do Leme até o Leblon

e deixando um punhado de admiradores no caminho

2\. ORQUESTRAÇÃO Lyrio Panicali foi um dos arranjadores e maestros mais importantes do século vinte no Brasil

Trabalhou na Rádio Nacional, nos seus anos de ouro, e também para diversas gravadoras

Tom Jobim costumava dizer que Lyrio foi um dos seus mestres, que aprendeu muito trabalhando com ele,

mas que o mestre às vezes não entregava tudo de bandeja

Tom dizia que Lyrio tinha uma tabela de extensão dos instrumentos que ele carregava desde a Rádio Nacional

E Tom estava começando a escrever arranjos, aquela tabela era ouro puro

Eram os limites técnicos pessoais dos músicos que gravavam com Lyrio, era a tabela real dos instrumentos,

não as dos livros e manuais, mas tirada da prática

Tom Jobim contou para a sua irmã Helena que ele tentou ver a tabela, mas Lyrio não mostrou para o jovem arranjador,

e teria dito: Tom, essas coisas a gente leva muito tempo para aprender

Mas Lyrio seguiu sendo mestre de muita gente, como o Simoninha conta

"Além do Lyrio escrever arranjos incríveis e ser um músico sensacional, abriu portas pra novos arranjadores,

Eumir Deodato, Erlon Chaves, o próprio Cesar Mariano, enfim,

um cara que ainda tinha o dom de escolher grandes maestros e músicos"

Na orquestração de "Balanço Zona Sul" Lyrio Panicali escolheu uma base bem Bossa Nova,

com violão, contrabaixo, percussão e bateria tocada com escovinha, e ainda Clarone, Sax Alto e Vibrafone

3\. A FORMA DO ARRANJO Eu já comentei aqui que a forma de "Balanço Zona Sul" é ABAC

Para essa gravação Lyrio estruturou assim o arranjo: introdução de 8 compassos e segue a música inteira

Depois um instrumental com solo de saxofone citando a melodia também de 8 compassos

e volta de novo a música inteira

Na coda, o arranjador repete o começo da introdução:

o acorde do tom da música e no compasso seguinte o mesmo acorde meio tom acima,

com o violão percutindo as cordas no contratempo, assim:

Essa acentuação do violão no contratempo me lembra muito a batida do reggae, que ainda não existia em 1963

Possivelmente é uma herança do Calipso, outro estilo musical do caribe, que também influenciou o reggae

A introdução começa com o clarone em uníssono com o baixo

O ritmo não é sincopado, não é samba

Uma frase de sax alto, levemente inspirada na melodia da música

O clarone segue em uníssono com o baixo

Dois acordes no vibrafone

Respostas no sax alto, que faz agora notas curtas, no contratempo

A bateria faz o ritmo de Bossa Nova mas o violão toca samba em um ritmo mais livre

Vibrafone nos acordes de preparação e uma convenção rítmica,

todos tocando juntos, sax alto e clarone fazendo um naipe

Sax alto faz uma escala cromática descendente, caindo, como fala na letra

No instrumental o sax alto cita a melodia com acompanhamento do vibrafone

e depois sax e vibrafone em uníssono, com contracanto no clarone

De novo as respostas do sax alto, e nas notas curtas tocadas no contratempo agora tem um contracanto no clarone

O baterista toca samba com vassourinha nas duas mãos, como foi desenvolvido no início da bossa nova

As mesmas convenções rítmicas, e o sax alto caindo

Na coda volta o ritmo da introdução, agora com acordes em quartas no vibrafone

Bom, esse foi O ARRANJO, se você gostou dá um like, se inscreve no canal,

e pense na possibilidade de ser um apoiador do programa, a partir de apenas 10 reais

Acesse apoia.se/oarranjo, e se você morar fora do Brasil acesse patreon.com/oarranjo. Muito obrigado, até uma próxima!

Eu compus uma música em parceria com o meu amigo Ronaldo Bôscoli

e intitulei "Tributo a Martin Luther King"

Martin Luther King é um negro norte americano,

o mérito maior de Martin Luther King é lutar cada vez mais pela igualdade dos direitos e das raças

Essa música, eu peço permissão a vocês, porque eu dediquei ao meu filho

esperando que no futuro ele não encontre nunca aqueles problemas que eu encontrei

e tenho às vezes encontrado, apesar de me chamar Wilson Simonal de Castro