O que é interseccionalidade? | Com Karina Vieira
Você lembra do surto que aconteceu em 2015? Um vírus chamado Zica foi o responsável
pela explosão de casos de microcefalia no Brasil. O Ministério da Saúde confirmou
hoje 16 casos do Zica Vírus. Foi detectado em amostra de uma criança de 2 anos. O mosquito
aedes aegypti Aqui é uma área típica para a proliferação do mosquito...Um vírus chamado
Zica foi o responsável pela explosão de casos de microcefalia no Brasil. Ele era um
risco para qualquer gestante que fosse picada por um certo mosquito, mas em 2016, oito em
cada 10 mulheres que tiveram bebês com a má-formação eram pretas. Acaso? Coincidência?
Por alguma razão misteriosa no Nordeste Brasileiro, centenas de crianças estão nascendo com
o cérebro menor do que o normal. Como já dizia Carla Akotirene o caso do Zica Vírus
tem a ver com interseccionalidade, porque o cruzamento entre racismo, machismo e capitalismo
causa opressões específicas em mulheres negras. Por exemplo, dificultando o acesso
delas ao mercado de trabalho formal. E, por consequência, empurrando elas para a pobreza.
Nessas circunstâncias, elas estão muito mais expostas a condições insalubres de
moradia, a um atendimento de saúde precário, a condições horríveis de saneamento básico
e, portanto, a doenças como o Zika Vírus. O termo interseccionalidade apareceu pela
primeira vez em um artigo da professora de teoria crítica de raça Kimberlé Crenshaw,
em 1989. Ela criou esse termo depois que ela conheceu a história de uma mulher que entrou
na justiça por não conseguir um emprego em uma fábrica. Para Emma era óbvio que
ela não tinha sido contratada por ser mulher e negra. Acontece que o juíz disse que esse
argumento não valia, porque na fábrica trabalhavam homens negros. E mulheres. Ele só não contou
que todas as mulheres que eram contratadas pela fábrica eram brancas, e trabalhavam
no escritório. E que os funcionários negros estavam todos na manutenção da fábrica,
onde só tinha homens. Ou seja, Emma tinha sofrido discrimininação, tanto por ser mulher,
quanto por ser negra. E essas duas coisas não davam para separar. Foi aí que Kimberlé
Crenshaw criou o termo interseccionalidade. Ela explicou esse termo assim: Por ser mulher,
Emma anda numa rua na qual ela sofre todas as opressões ligadas ao seu gênero - como
o machismo. Sendo negra, ela também anda por uma rua em que sofre as opressões ligadas
à sua raça. Essas ruas se cruzam o tempo todo, ou seja, na vida de emma as opressões
de raça e de gênero estão interligadas. A “interseccionalidade” é um instrumento
político e serve para entender que o racismo, o capitalismo e cisheteropatriarcado são
parte da mesma estrutura. Por isso não adianta lutar contra um, sem lutar contra todos. Isso
ajuda a gente entender que a interseccionalidade não é uma “soma” e nem uma hierarquia
de opressões. Mas um cruzamento. Ou seja, mulheres negras não são oprimidas primeiro
porque são negras, depois porque são mulheres. Mas por essas duas coisas simultaneamente.
Por isso, a gente sempre tem que lembrar que não existe uma categoria universal de mulher.
Além de classe, raça e gênero, esses cruzamentos também podem ser atravessados pela orientação
sexual, ser uma pessoa trans, ser PCD, ser estrangeira. Como diz Sueli Carneiro, sempre
que a gente for falar de mulheres, é preciso sempre perguntar de qual mulheres estamos
falando. Ainda que o termo interseccionalidade tenha sido criado em 1989, não dá para esquecer
do discurso de Sojourner Truth em 1851. “Aqueles homens ali dizem que as mulheres precisam
de ajuda para subir em carruagens, e devem ser carregadas para atravessar valas, e que
merecem o melhor lugar onde quer que estejam. Ninguém jamais me ajudou a subir em carruagens,
ou a saltar sobre poças de lama, e nunca me ofereceram melhor lugar algum! E eu não
sou uma mulher? Ela foi uma mulher, negra, afroamericana e ex-escravizada que lutou fortemente
pelo direito das mulheres e foi uma das pioneiras na luta do feminismo negro. E ainda que não
tivesse um nome para isso, ela já sentia a intersecção do racismo, do capitalismo
e do cisheteropatriarcado na sua vida.Aqui no Brasil, Lélia Gonzalez também já falava
sobre a intersecção entre raça e gênero, muito antes dele ser um conceito definido.
O termo intersecionalidade faz parte da construção e da luta do movimento negro de mulheres.
E sempre que a gente for usá-lo, é importante relembrar essa origem e a luta que ele representa
contra todos os tipos de opressão.