T3E7
Ali, é, você é a moça aí da jaqueta de couro no canto.
Você está com a mão levantada faz tempo.
Obrigada.
Senhor Trindade, esse ano, talvez como nunca antes na história da humanidade, a gente
está à beira da aniquilação.
Bastaria um erro de cálculo dos nossos líderes para o fim da humanidade demorar apenas algumas
horas.
Não seria esse um bom momento para que um viajante no tempo interviesse de algum jeito?
Não seria essa a prova de que a viagem no tempo nunca vai ser possível?
Hum, bom, eu realmente não sei.
Mas se um dia alguém enviasse viajantes, ou semeadores, ou seja lá como eles chamem,
para mudar a história, a gente nunca iria perceber, porque provavelmente eles seriam
muito cuidadosos.
Ou não.
Talvez o jeito deles serem cuidadosos seja exatamente a exposição.
Usar um meio de grande alcance, um livro, um filme, um disco, alguma coisa que pudesse
funcionar como um veículo, como um sinal.
O que você quer dizer com um sinal?
Um tipo de senha para alguém perceber algo especial e fazer um movimento.
Um movimento relevante.
É, é uma observação interessante.
Ok, acho que não temos mais perguntas.
Na feira do livro dos médios e pequenos editores italianos, Più Libri, Più Liberi,
Mais Livros, Mais Livres, na sua 18ª edição, nesse ano sombrio aqui em Roma, a gente acha
que os conflitos e as crises se combatem com cultura.
Queremos agradecer por esta breve conversa com Antônio Trindade, autor do livro Paciente
63.
Muito obrigado, Antônio, o livro está ótimo, parabéns.
Obrigado.
Está aqui.
Você, os sinais, tudo bem?
Tudo.
Olá.
Você pode assinar meu livro?
Claro.
Qual é o seu nome?
Assina por favor, Para Beatriz.
Para Beatriz.
O teu rosto me parece familiar.
Eu tenho quase certeza que é a primeira vez que a gente se vê.
Talvez numa outra linha?
Talvez numa outra linha.
Anamnese.
Você conhece essa palavra?
Anamnese?
Uhum.
Significa reminiscência.
Aprender é recordar.
Eu acho que foi Platão quem disse.
Faz sentido pra você?
Eu nunca tinha ouvido.
Eu tenho me perguntado por que as suas personagens precisam terminar aqui em Roma, mesmo nunca
conseguindo.
Por que Roma?
Os viajantes do tempo precisam entrar e sair de lugares que não mudem com a passagem do
tempo.
Cidades antigas onde as coisas vão permanecer.
Você não pode chegar e se deparar com um prédio no ponto de chegada ou distração.
Eles precisam de pontos de referência que não se mexam.
Cidades que não mudem.
Eu estou sendo paranoico ou você está querendo me dizer alguma coisa?
Na verdade, eu não vim aqui para escutar sua palestra, Antônio.
Nem para você assinar esse livro.
Não?
Não.
A gente pode tomar um café?
Aqui em Roma todos são bons e tem um bem legal aqui na esquina.
A gente pode conversar?
Antônio, você não vem?
O táxi para o hotel já chegou.
Sim, eu já estou indo.
Sinto muito.
É que estão me esperando.
Os votos se são assim, não é?
Decisões.
Senhora, olha.
O seu passaporte.
Ficou na poltrona.
Olha ele aqui.
Obrigada.
Obrigada, linda.
Você é um anjo.
Um anjo.
Graças a pessoas como você, eu ainda acredito que esse mundo tem esperança.
Como eu posso agradecer você?
Não, não se preocupe, senhora.
Olha, guarde ele com cuidado dessa vez.
Obrigada.
Deus te abençoe.
Você está com ele?
Não, mas...
Mas nada.
Nosso acordo era claro.
Sem ele, sem ligação.
Maria.
Você também é brasileira?
Sou.
Oi.
Você salvou a vida dessa mulher.
Ah, é.
Eu sou que nem ela.
Perco tudo.
As pessoas estão muito dispersas.
Nessa época do ano, todo mundo fica acelerado, né?
Eles já até montaram uma árvore de Natal.
As pessoas só pensam em comprar, né?
Mundo ameaçado, planeta destruído.
Mas as pessoas só pensam em comprar.
Eu achava que depois da pandemia tudo isso ia mudar.
Mas parece que não, né?
Nem como ameaça nuclear.
Às vezes eu me pergunto se a humanidade vai conseguir mudar algum dia.
Ou se ela merece mudar.
Mas parece que ninguém percebe que a gente está prestes a desaparecer.
O que seria necessário para essa mudança?
Você está perguntando para mim?
Estou.
Acho que você não vai gostar da minha resposta.
A pergunta está feita.
Eu sei que vai parecer cruel.
Mas se a gente quer mesmo sobreviver como espécie...
Eu acho que a gente precisa de uma segunda pandemia.
Mais uma? Agora?
É, as pessoas até conseguem imaginar uma doença.
Mas uma guerra nuclear é bem difícil.
Eu sei, parece idiota.
Mas quem sabe uma coisa possa deter a outra.
Uma pandemia maior, sei lá, que obrigue o egoísta mais radical
ou o cara apático que assiste a destruição do mundo no seu celular
a dizer, se eu não mudar, as pessoas que eu amo vão morrer.
O que faz os governos de qualquer ideologia pararem com isso tudo?
Sempre tem mais uma possibilidade, não é?
Eu prefiro pensar que vai existir uma moça como você
que vai esperar uma mudança, que vai começar um movimento que mude tudo.
Essa também seria uma possibilidade.
Uma única pessoa pode destruir o mundo.
E também uma única pessoa pode salvá-lo.
Quem foi que disse isso?
Sua familiar?
Uma amiga.
Você me faz lembrar do meu pai.
Ele morreu alguns anos atrás.
Sinto muito.
Você está bem?
Estou, estou. Obrigada, eu estou bem, sim.
Eu acabo de terminar um relacionamento e estou indo atrás da ajuda
de uma pessoa que eu nunca deveria ter abandonado.
Mas ao mesmo tempo acho que eu não estou bem.
Eu não sei o que fazer.
Eu não sei o que fazer.
Eu nunca deveria ter abandonado.
Mas ao mesmo tempo acho que talvez eu possa fazer mal a muitas outras pessoas.
É complicado.
E você também não sabe se tomou a decisão certa.
O que você costuma fazer quando precisa tomar uma decisão transcendental?
Algo que vai comprometer o seu destino e o de outras pessoas
e que você não sabe se deve seguir em frente ou não.
Como que você faz para saber se está tomando a decisão certa
se tudo parece ter a mesma quantidade de vantagens e desvantagens?
Eu jogo uma moeda. Sério.
O acaso é a linguagem do universo.
Se você está esperando o universo falar, escute o acaso.
É um pouco estranho que eu diga isso porque eu sou engenheiro.
Mas para mim o grande quadro negro do universo é escrito pelo acaso.
E se o acaso errar?
Sempre vai ter outra oportunidade.
Talvez a gente dê voltas e voltas até...
até fazer o certo para a gente e para os outros.
Mas ok.
Isso é só um péssimo conselho de um desconhecido no meio do aeroporto.
É. Mas isso também é o acaso.
De fato.
Sabe de uma coisa?
Uma vez eu fiz isso mesmo.
Tinha esquecido.
Uma vez quando a minha mãe morreu, eu estava puta com meu pai porque ele não chorava.
Porque ele estava junto, mas de um jeito que ao mesmo tempo que acolhia, era frio.
Como se isso fizesse bem para mim.
Eu tinha tanta raiva que eu botei algumas coisas na mochila e fui embora de casa.
Eu tinha 12 anos.
Eu queria ir para longe.
Fui até a rodoviária e estava quase subindo no ônibus.
Mas eu não sabia se eu devia fazer isso ou não.
E eu achei uma moeda e joguei.
Depois eu voltei para casa.
Meu pai tinha preparado meu jantar.
Eu não consegui comer.
Só abracei ele e chorei.
Acho que agora eu vou para o banheiro para jogar uma moeda.
Mas eu não tenho moeda.
O meu pai andava sempre com uma.
Dizia que era a moeda da sorte, mas justo ontem eu dei ela para uma pessoa.
Eu vou te ajudar. Eu tenho uma moeda aqui.
Obrigada.
Foi um prazer.
Espera.
Tua mochila. Está esquecendo.
Obrigada mais uma vez.
Olha, agora foi você que salvou a minha vida.
Qual é o teu nome?
Antônio.
E você?
Maria.
Maria Borges.
Antônio, você apagou.
Depois de ouvir a gravação, caiu no sono.
Por um minuto eu me assustei, mas era só sono mesmo.
Eu sonhei.
Um sonho esquisito.
Mas a gente precisa ter certeza de que o anticorpo não era nada tóxico.
Você está se sentindo bem?
Alguma dor?
Não. Nada.
Ou o seu pulso está bom. Ainda bem.
Você precisa beber água. Muita água.
Espera aí.
Isso aqui é real?
O meu sonho? A gravação?
A gente ouviu mesmo?
Ouviu.
E eu tenho novidades.
Boas novidades.
Depois de ouvir a gravação, a minha cabeça parou.
Eu não sei o que fazer.
Eu não sei o que fazer.
Boas novidades.
Depois de ouvir a gravação, a minha cabeça estava estourando.
Aí eu olhei à tarde.
Vi os pássaros, os telhados vermelhos.
E eu pensei, isso tudo é mentira?
Eu preciso saber o que é real e o que está na minha mente.
E aí eu lembrei de uma aula antiga de quando eu estava na faculdade.
Um teste para saber se a gente estava num surto psicótico,
ou num sonho vívido demais,
ou num estado mental alterado por drogas ou medicamentos.
O nome disso é prova da realidade.
Prova da realidade.
É. É simples, mas muito eficiente.
Olha aqui, a bula desse remédio.
A letra menorzinha.
Você consegue ler?
Não, não. Pequena demais.
Eu precisaria de uma lupa ou...
Ou de um óculos.
É.
É isso mesmo.
Eu não consigo ler isso sem óculos.
Num delírio ou num sonho,
você pode enxergar perfeitamente sem precisar de nada.
Pronto.
A gente passou essa prova.
Agora tem outra. Vem cá.
Entra aqui no banheiro.
Você olha no espelho.
O que?
Você se reconhece?
Sim.
É isso. Eu também me reconheço.
A minha tatuagem, o meu cabelo.
Nos sonhos ou nos delírios, a gente não se reconhece.
Ou usa cortes de cabelo antigos.
Ok. Eu quero que você faça mais uma coisa.
Faz comigo.
Respira tampando o nariz.
O que?
É a prova da realidade mais eficiente.
Tampa o nariz, fecha a boca e tenta respirar.
Eu não consigo, né?
Exato.
Nos delírios é possível respirar em qualquer situação.
Mais uma?
Ok. O relógio.
Olha o meu relógio.
Que horas são?
18h09.
Ok.
Anota isso.
Anota aqui.
Está anotado.
Vamos esperar um pouco.
Enquanto isso, deixa eu te mostrar uma coisa no Linkedin.
Aqui, olha.
Leia.
Sofia Palatino.
Doutorado em virologia pela Universidade Monte Sinai.
Chefe do Departamento de Genética Molecular e Microbiologia
e pesquisadora associada do Hospital Lázaro Spalazzani.
Exato.
Ela é real.
Agora, olha de novo a hora no meu relógio.
18h10.
E no papel?
18h09.
Isso é o tempo em progressão.
Realmente são 18h10.
Então a gente não está dentro da nossa mente.
Não. Tudo é real.
O Gaspar Marim.
Você é Vicente Correia.
A gravação que a gente acabou de ouvir.
O Pegaso.
E a dose não era um veneno.
Você está vivo.
A gente não está numa construção da nossa mente.
Isso está acontecendo.
Está acontecendo.
Mesmo sendo uma simulação.
Mesmo sendo uma simulação.
É a nossa simulação.
Eu pensei.
Você deu um salto de fé comigo.
Você acreditou em mim.
Eu nunca vou me esquecer disso.
Você me dá confiança.
Se alguma outra vez eu precisar escolher alguém para compartilhar uma crise psicótica,
eu vou escolher você.
E eu você.
Sabe de uma coisa?
A minha vida toda eu passei sozinha.
Eu nunca precisei de ninguém.
Eu nunca senti a sensação de estar ligada a alguém. Nunca.
E mesmo assim, a gente está aqui.
Nesse quarto. Nessa tarde.
Nessa tarde, o mensageiro do hotel me perguntou se eu e o meu marido precisávamos de alguma coisa.
E de repente eu senti que para todo mundo, a gente é um casal.
Não tem uma prova da realidade para isso?
Não. Não tem.
Talvez a gente seja um casal.
Talvez não nessa linha. Talvez a gente ainda não se ame.
Mas sempre somos os mesmos.
Às vezes somos estranhos e a gente se olha na rua e ficamos nos olhando mais de um segundo.
Às vezes conseguimos estar juntos, mas só por um instante.
Outras vezes estamos no tempo errado.
E às vezes a gente chega, se beija, faz sexo e se sente como uma entidade única.
E confessa segredos um para o outro.
Gorros jogados no rio.
Desenhos de cavalo.
Dedos percorrendo as asas tatuadas.
E às vezes, como agora, somos dois desconhecidos que o grande desenho juntou.
E mesmo que esse seja o primeiro dia juntos, já somos cúmplices.
E quando a gente sair desse quarto, a gente nunca mais vai ser o mesmo.
Esse quarto está lotado de nós.
Infinitos, Pedros e Beatrizes.
Talvez com outros gêneros e corpos, mas nos mesmos papéis.
Todos aqui. Invisíveis com a gente.
Mas...
Mas o quê?
Mas sempre tem algo em comum.
Seja qual for o casal que se formar.
Seja qual for o casal que se formar.
No final desse dia, 24 de novembro de 2022, sempre, repetidamente, acontece a mesma coisa.
Eu desapareço e você fica sozinha.
O CINEMA É A NOVA EDIÇÃO
Paciente 63 é uma série original Spotify, protagonizada por Mel Lisboa e Seu Jorge.
Criada por Julio Rojas.
Legendas pela comunidade Amara.org