T3E6
Para o registro, doutora Elisa Amaral, sessão número 8, paciente 63, 28 de outubro de 2022, 20h30.
Paciente 63, temporada 3, episódio 6, que entrem os palhaços.
A gente está fora do horário de visitas, doutora.
Hoje de manhã eu pensei que você não ia querer continuar me atendendo.
Não pode levantar suspeitas.
O pessoal do hospital fica cochichando.
Eles falam que talvez tenha alguma coisa entre a gente.
Mas desculpa.
É uma piada.
A enfermeira me deu um remédio agora, está difícil de pensar.
E quando fica difícil de pensar, eu fico engraçadinho.
Eu só voltei para pegar o seu prontuário.
Amanhã cedo eu vou encaminhar o seu caso, senhor Reuter.
Eu prometo deixar você em boas mãos, tá?
É... eu só queria me despedir.
O colapso é necessário.
Você não precisou ficar mal por isso.
Qual colapso?
O colapso da realidade que você construiu tão cuidadosamente.
Está difícil de pensar, doutora.
A minha mente vai e vem.
Você é real?
Eu sou real, senhor Reuter.
Pega na minha mão.
Eu sou real.
Você está extremamente medicado, é natural que se sinta assim.
A partir de amanhã eu vou pedir para ele diminuírem a dose e mudarem o esquema, ok?
A sua mão?
Se você veio se despedir é porque tem uma última pergunta, não é?
Como acaba o mundo?
Você pediu para eu perguntar.
A primeira vez que a gente se viu.
Você pode compreender que se eu venho de 2062, significa que ainda não acaba.
Mas há evidências que existe uma barreira.
Alguma coisa acontece em 2063.
Alguém tentou viajar para o futuro?
Há uma parede depois de 6 de junho de 2063.
Uma perturbação gigante.
Não há registro nem de eventos Garnier-Ballet.
O que indica que em outras linhas acontece a mesma coisa.
E essa barreira o que é?
Uma extinção?
Digamos que é o fim do jogo.
Você acredita que tudo é um jogo?
É um jogo.
Eu tenho as minhas dúvidas.
Por que você mesmo não detém a Maria Cristina Borges?
Por que sou eu que tenho que fazer isso?
Você não acha esquisito?
Deixar todo o destino da humanidade nas mãos de uma pessoa como eu, sem treinamento algum?
Eu suponho que o processo é árduo e envolveu um monte de gente.
Tudo isso para o último elo ser alguém ao acaso?
Não, doutora. Você é tudo menos alguém ao acaso.
Não pode ser eu. Essas são as instruções.
Não tem sentido. Você não acha?
Os remédios da tarde me deixam confuso.
A gente precisa se encontrar em Roma.
Passear em Roma, chegar em uma praça.
Eu não consigo me lembrar do nome.
Por que?
Um ponto de extração.
Você disse que a sua viagem era só de ida.
Você não percebe as incoerências?
Não é que agora tem um ponto de extração?
Numa outra linha.
Naquela linha nunca se viajou para o passado.
O ponto de extração.
Lembra do que eu falei?
A palavra-chave para viajar ao passado é gravidade.
Lasers.
Para voltar para o futuro é diferente.
É preciso ir para um lugar, um lugar específico.
Um portal.
Uma dobra no espaço-tempo.
É confuso demais para mim, Sr. Reuter.
Eu tento aplicar a lógica na sua narrativa.
Eu tenho até assistido uns viajantes no tempo no YouTube.
Um exercício de aproximação, só isso.
Mas todos falham em questões lógicas.
Você não falhou, mas o seu plano é fraco.
É estranho.
Parece que viajar para Roma é mais importante do que deter a Maria.
Me mandar soa como se você precisasse, na verdade,
que o Pegasus não seja abrecado.
Nos filmes acontece isso.
Quando não se quer que um plano dê certo,
mandam alguém despreparado.
Por que Roma?
Na narrativa do treinamento, Roma é muito importante.
Ok. Mais uma pergunta.
Se a equipe, a NASA, sei lá como você chama os caras que planejaram isso tudo...
O projeto.
O projeto.
Se o projeto está na linha A,
por que interessaria para eles modificar o futuro da linha B?
Ou C? O que eles ganhariam com isso?
Eu ainda não acredito numa solidariedade tão grande assim entre as linhas,
ainda por cima desse jeito tão desinteressado.
Doutora, eles não me contam tudo.
Eu só sei o que é importante.
Eles vão copilar através dos sonhos a informação da nova linha modificada
e vão tomar decisões.
Para quê? Isso não vai adiantar nada para eles.
Vai adiantar, sim.
A gente precisa ir embora e não estamos preparados para isso.
Falta informação para a grande viagem.
Ir embora?
Para onde? Para Marte?
Não. Para fora. Sair.
O vírus vai permitir que eles saiam de que jeito?
Morrendo?
Não. Morrendo não.
Marte nos deu as respostas. A gente encontrou algo importante.
É, eu sei. Eu sei. Eu anotei aqui.
A estrutura.
Eles acharam uma estrutura e dentro dela a informação de como viajar no tempo.
Mas tem mais alguma coisa, não é?
Quando leram os registros daquela cultura, eles acharam explicações.
Sobre Deus? Sobre o vazio? Sobre o que, Sr. Reuter?
Uma teoria unificada de tudo.
Mais uma vez, eu não sei os detalhes. Eles não informam tudo para você.
Eu te contei quem foi que me ensinou sobre o cinema antigo?
Uma senhora. Uma velha médica que trabalhava no projeto.
A minha tutora. Ela era especialista em você.
Contava coisas sobre essa época aqui, sobre o cinema.
Eu assisti muitos filmes.
Ela dizia que a chave de tudo estava nos filmes.
Nas representações.
Simulações da realidade como cinema.
A gente é uma espécie obcecada pela representação.
Por simular a realidade.
Você já pensou nisso?
Desde criança a gente brinca, representa.
Carros em miniatura, mundos pequenos, casa de bonecas.
Desde que morávamos nas cavernas.
Você estava falando de Marte.
Foi ela que me escolheu.
E compreendeu que eu tinha tido um evento ganhê-marê com você.
Foi ela que falou com o projeto para me mandar ele para cá.
Não outros. Eu.
Do mesmo jeito que você me pergunta as coisas, eu perguntava para ela.
Eu perguntei por que a gente estava fazendo aquilo.
O objetivo do plano.
A nossa linha está perdida, ela disse.
Precisamos pensar além.
A gente precisa quebrar o mecanismo.
Existe um desenho de causas e eventos que se expande não numa linha, mas em todos os pontos.
Como uma gota de tinta num copo d'água.
Mas sempre dentro de um copo.
E se a gente saísse do copo?
É disso que se trata.
Se quebrarmos o mecanismo que nos amarra o tempo todo ao fim.
O que? O que aconteceria?
Precisa sair do copo.
Sair? Para onde? Para colonizar outros planetas?
Para fora. Para cima.
Sair do copo. Da caixa. Do palco.
Quebrar o teatro.
Para o registro. Eu não tinha ligado o gravador nessa última parte.
Você pode repetir?
Você disse que a viagem no tempo altera a cronobiologia.
Ao mudar de linha, se perdem as lembranças.
Tem alguma coisa a ver com o núcleo supra-quiasim?
Não.
Não.
Não.
Tem alguma coisa a ver com o núcleo supra-quias...
Núcleo supra-quiasmático.
O principal centro do nosso relógio biológico.
É isso.
Fica alterado. Entra em conflito.
Se apaga o holograma neural.
As lembranças não estão no cérebro.
Mas sim numa... numa nuvem.
A gente chama de holograma neural.
Ele se apaga.
Você não lembra de nada.
Depois da viagem, é preciso uma chave para recuperar totalmente as lembranças originais.
Uma combinação de notas musicais.
Os pacientes com Alzheimer...
Eu sei. Eles se interessam demais pela música, eu sei.
Como você lembrou da sua chave musical depois da viagem, Pedro?
Ou você nunca esqueceu de nada?
Na-li-na-li-na...
Sand in the clouds...
A minha doutora me fez escutar mil vezes a canção desse filme.
Por isso a minha tatuagem.
Esse goringa é minha senha.
A única coisa que sobreviveu à viagem.
Foi a primeira coisa que eu fiz quando eu cheguei.
Olhar a minha tatuagem.
Aí eu lembrei da melodia.
Na-li-na-li-na...
Na-li-na-li-na...
Na-li-na-li-na...
Sand in the clouds...
É estranho.
Eu escuto agora na minha cabeça e percebo que nunca tinha entendido a letra.
E o que diz?
Algo tipo...
Não é curioso?
Não somos um casal?
Eu aqui, finalmente, no chão, você no ar.
Entre os palhaços.
Pedro, quem é você?
Eu acabei de lembrar de mais uma coisa.
Que coisa?
Agora, enquanto eu cantava de novo a melodia, me veio uma lembrança.
Que lembrança?
Você quer me contar?
Em Marte, eles acharam mais uma coisa.
Na estrutura.
Naqueles livros.
Nem sei se dá pra chamar de livros.
Placas impressas, tipo inscrições de mandalas.
Havia informação.
Um computador quântico analisou.
Vocês ainda não têm computadores quânticos?
Com dados massivos e um computador quântico, vai ser possível prever tudo.
Um novo poder.
Previsões, novos centros de controle.
Onde vai acontecer isso ou aquilo.
Por isso, um bote de inteligência artificial resolveu que era uma boa ideia apagar tudo.
A grande remoção.
Ficaram só filmes naqueles discos magnéticos, DVDs, celulóide...
Não muda de assunto, por favor.
Minha tatuagem.
Pedro.
Pedro, volta. Volta aqui.
Fica aqui.
Eu tenho que saber, Pedro. Não vá embora.
Pedro?
Aqui não é aqui.
É só uma representação.
Uma ficção.
Uma parte do mecanismo.
E é entre os dois.
São todos palhaços da grande representação.
Não, Pedro. Por favor, volta desse delírio.
Eu me lembro agora.
Você estava contando que descobriram alguma coisa em Marte.
Eles tinham destruído o planeta e deles.
Aprenderam a viajar no tempo.
Migraram. Foram embora.
No começo, eles pensaram em viajar para o passado, mas descobriram que não existe viagem no tempo.
Essa é uma expressão errada.
Não é uma expressão errada.
O que existe é saltar de um universo em progressão para o outro no estado anterior.
Em outra versão do programa.
Eles foram embora e deixaram uma pista de para onde foram.
Vieram aqui na Terra?
Sim. Aqui.
Para o nosso passado.
Dez mil anos atrás.
Somos nós.
Muitos filmes falam disso.
Tudo é representado.
A gente é o passado.
Muitos filmes falam disso.
Tudo é representado.
De novo e de novo.
Ninguém vê.
Mas está tudo aí.
Tem que olhar para valer.
A minha tutora me contou o segredo.
Eu, de algum jeito, amava ela.
Primeiro eu não acreditei.
Só depois.
Você acha que eu estou louco?
Você pode me curar, Beatriz?
Não.
Você não está louco.
Eu acho que tenho pensamentos divergentes.
Você precisa me curar.
Você não está louco, Pedro.
Essa frase não é minha. É de um filme.
Os Doze Macacos, não é?
Estou muito confuso.
Fui eu que falei e o filme me plagiou ou foi o contrário?
Esse gemêndio...
Vem aqui, olha para mim.
Eu acredito em você.
Marte, seu segredo...
Eu acredito.
A sua tutora... O que ela disse?
Não tem a ver com isso.
É só algo inevitável.
Você já se perguntou alguma vez quem foi que inventou as regras?
Por que uma entidade precisa morrer para outra nascer?
Por que as personagens são as mesmas em papéis diferentes?
Se repetindo sempre.
Você não acha familiar?
É que nem no cinema.
Você vê um personagem e depois ele está em outro filme e ninguém acha estranho.
Como que ninguém entendeu isso?
O desenho completo?
Quem foi que desenhou?
E quem foi?
Me pergunte como é que acaba o mundo.
Eu já perguntei.
Como acaba o mundo?
A gente sai da simulação.
A gente quebra o mecanismo,
escapa nem para trás e nem para frente.
Aqueles que desenharam esse universo aqui,
esse programa de computação,
esse videogame,
já foram embora.
A gente está num jogo velho,
sozinhos, abandonados no mecanismo de simulação quântico,
criado por uma civilização futura,
assim como nós criamos universos virtuais.
Começou já a One Shot,
metaverso, multiverso.
Como é que vocês chamam nessa linha?
Pessoas vivendo em simulações cada vez mais perfeitas.
É nessa época que começa
e todo mundo baixa.
O caminho é inverso.
Não tem que baixar nada.
Esse é o erro.
Tem que subir.
Nada é real, nem aqui, nem embaixo.
Se nada é real,
se a gente vive numa simulação,
pra que perder tempo?
Pra que evitar o Pégaso?
A viagem no tempo é um salto
para outras versões que existem no mesmo grande mecanismo,
na mesma grande simulação.
Em Marte descobriram isso.
Você sabia
que se a gente chegar na estrutura mínima da matéria,
nas escalas subatômicas,
o universo é granular,
como os pixels?
Tudo o que rodeia a gente
não é contínuo, mas sim granular.
A realidade é formada
por unidades mínimas de matéria,
assim como uma fotografia digital
é composta por pixels individuais.
Essa foi a primeira prova.
A segunda?
O universo arredonda os resultados
igual aos computadores.
A terceira?
Tudo parece encaixar perfeitamente,
por toda a parte.
Isso não é um pouco suspeito?
Mas o sistema encaixar tudo
não significa que de tempos em tempos
a gente não descubra erros.
Você olha pro relógio e está marcando 11h11,
você pensa em alguém
e essa pessoa te liga.
A gente acha que a realidade é imutável
e está cheia de frestas.
Aviões que param do nada,
bolas que desaparecem num jogo
na frente de milhares de pessoas.
Você deixa as suas chaves no lugar
e elas somem e logo depois aparecem.
Você quer dizer que tudo já está predestinado?
O sistema se replica cada vez que a gente
toma uma decisão.
Múltiplas narrativas.
Mas os programadores não conseguiram
evitar uma informação remanescente
na forma de um eco entre linhas e entidades.
Um evento carnê-maria.
E o que o Pegasus tem a ver com isso?
O que importa se a humanidade
destruir o planeta
ou a Maria Cristina Borges
liberar um vírus sinatral?
O que importa é o que a gente faz.
Ou a Maria Cristina Borges liberar um vírus
se nada é real?
Nada ser real não significa que a gente
não seja afetado pelas leis da simulação.
O Pegasus é importante.
O Pegasus é a chave.
Se o Pegasus vencer,
eliminando toda a população
e o jogo ficar vazio,
e se os jogadores forem eliminados,
o sistema termina automaticamente
e a gente não sabe se ele vai reiniciar de novo.
É isso que vai acontecer em 2063.
A barreira é essa.
Não dá pra saber se vai reiniciar,
acabar, ou se a gente vai ou não vai passar de fase.
Quem é que fez o universo simulado?
Correção.
Quem é que fez esse universo simulado?
Ok.
Quem é que fez esse universo simulado?
Deuses?
Não. Não existem deuses.
Só pessoas como a gente.
Uma civilização como a gente que já passou
e foi embora há milhares de anos.
Eles devem ter sido iguais a nós.
As nossas simulações nunca são muito distantes
de quem somos.
A sua imagem se ameaça.
Talvez a única coisa verdadeira daquele livro.
Assim como a gente vai desenhar
um metaverso cada vez mais sofisticado
e povoado por entidades de inteligência artificial
até a gente finalmente ir embora
sem nem se dar o trabalho de desligar ele.
Eu não estou entendendo.
Talvez não caiba a gente entender isso.
Só cumprir o nosso papel.
Talvez a gente fale
e a gente se desligue.
Talvez a gente fale
e a gente se desligue.
Talvez a gente faça parte de um plano além de nós.
Talvez seja só pensar
que somos parte de alguma coisa
bem maior.
A única coisa importante
é que se a gente conseguir sair
o nosso entrelaçamento
o nosso entrelaçamento vai continuar.
É.
Às vezes eu confio em você
às vezes você confia em mim
mas agora eu preciso dormir.
Dormir.
Talvez sonhar.
Pedro.
Sonhar o quê?
Pedro.
A gente.
Olhando a tarde vermelha.
Os pássaros desenhando figuras no céu.
Sonhar.
Sonhar com o dia
que a gente se conheceu
mesmo sabendo que tudo
não passa de uma grande encenação.
A gente precisa sonhar.
Dorme, Antônio.
Dorme.
Lá estão eles.
Os pássaros desenhando figuras
no céu vermelho.
Uma encenação.
Uma bela e magnífica
mentira.
Paciente 63
é uma série original Spotify
protagonizada por Mel Lisboa
e Seu Jorge
criada por Julio Rouras.