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Tempero Drag - Política, NARRAR O MUNDO

NARRAR O MUNDO

Ai Isa, hoje eu não sei por onde começar.

A dona Rita, começa pelo começo, né?

Boa!

No começo Deus criou o céu e a Terra...

Bom como você já deve ter visto em algum local desta tela

o tema do vídeo de hoje é: Narrar o mundo.

Vou tentar traçar aqui um processo de entendimento

para que a gente pense nossas possibilidades, capacidades

e enquadramentos históricos para construção de narrativa

sobre a realidade

E moçada, vocês sabem que eu estou gravando este vídeo porque eu fui ao Sesc

Pompeia assistir Sem Palavras da Companhia Brasileira de Teatro

o texto e a direção é do Márcio Abreu, e não obstante logo em seguida

eu fui assistir Deserto Particular do Aly Muritiba

e é o filme brasileiro que vai nos representar no Oscar este ano.

Essas duas narrativas elas têm algo em comum

algo que as une, a possibilidade ou impossibilidade das personagens

que vão construir esses enredos, fazer ação dramática acontecer

das suas possibilidades de falarem sobre as suas realidades ou não.

Até que ponto os nossos processos de angústia

o nosso tempo né, de ensimesmamento, de apartamento, de isolamento

vão minando as nossas possibilidades de nos comunicarmos

mas também de comunicar conteúdos do nosso tempo histórico.

Já vou tentar tirar da frente uma coisa importante, vocês sabem

sou entusiasta da psicanálise

e vou falar hoje de uns amigo meu e de umas amiga minha psicanalista.

Mas leio Lacan né, menina?

Então, primeira coisa, tudo o que existe entre nós é sempre um mal entendido.

A gente pode ser responsável e responsabilizado

pelo que disse, ainda que devamos saber que a gente nunca diz o que quer.

Mas ok, somos responsáveis pelo que dizemos,

não podemos ser responsabilizados pelo que o outro escuta. Faz alguns vídeos

que eu estou batendo nesse ponto de como entre o que é dito e o que é ouvido

existe sempre um abismo subjetivo. Mas não vou por aí!

Vou por um outro caminho que é, em especial na peça Sem Palavras,

existe ali uma passagem que muito me interessa para essa reflexão.

Vamos tentar imaginar quantos de nós e quantas de nós nos vemos numa prisão

e num enredamento, da gente se vê dizendo sou isso, sou aquilo.

é apenas isso, da gente não explorar possibilidades.

E aí tem esse fragmento do texto do Márcio

Abreu que pede para a gente imaginar um bebê, a gente bebês

e pelos nossos primeiros dois anos na coisa mesmo desse planeta.

A gente é um experimento ambulante.

A gente está o tempo todo jogando com a gravidade, apreendendo o som

moldando nosso aparelho fornador, tentando reproduzir,

entender, compreender, significar, apreender da realidade

os possíveis significados. Colocando tudo na boca

descobrindo como o nosso corpo se mexe o que a gente pode fazer.

qual choro resulta no que. Pelos primeiros dois anos de vida

não existe conservadorismo, só existe desbravamento da realidade.

Enquanto crianças tudo, que a gente faz é explorar para conhecer o mundo.

Como é que pode todas essas criaturas curiosas disruptivas

com uma sede de conhecimento vão se tornar adultos

conservadores reacionários, pessoas cheias de certeza

incapazes de ter uma mobilidade

curiosa de se indagar coisas de se mover.

Talvez essa seja uma das nossas maiores angústias.

A transitoriedade de tudo na vida impermanência das coisas.

Essa ideia de que toda vez que a gente acorda

o mundo é novo para nós. A cada interação

que a gente tem com o planeta as possibilidades se fazem.

Dificilmente as coisas se repetem acontecem da mesma forma

sempre existe alguma inovação que está posta para quem a quer apreender.

Inclusive o Julio Cortázar no livro dele de ensaios chamado Valise de Cronópio

no ensaio a situação do romance o Julio nos diz

que o empreendimento da palavra é se lançar sobre o desconhecido.

Esse é um dos nossos processos de conhecer e significar o mundo.

Talvez você já esteja ligando os pontinhos para perceber o título.

A nossa capacidade de narrar o mundo está intimamente ligada

com a nossa capacidade de conhecer o mundo. E um povo com um conhecimento limitado

com regras limitadoras, com um código moral

limitador, um povo incapacitado mesmo linguisticamente

de explorar e de conhecer.

vai criar uma narrativa do mundo amordaçante,

silenciadora, que cria um certo tipo de angústia

ao tentar nos localizar como estáticos e não como móveis.

Eternamente em transformação.

Seres humanos como produtos e não como processos.

E aí a gente chega dessa contradição em termos que é uma ideia que é a seguinte.

Muitos de nós estamos em uma cultura que nos diz que a gente precisa

se identificar, se encontrar, se rotular, se estabelecer.

Esse é um dos interesses inclusive do capitalismo.

É rotular para poder encaixar e vender.

Inclusive me lembrei desse aqui.

A estetização do mundo , viver na era do capitalismo artista.

Eu vou fazer um vídeo ainda esse ano sobre dois capítulos dele

que eu acho bárbaros pra gente discutir.

Mas voltando.

Então a gente tá enredado, enredada

nessa coisa, aí você precisa se definir , você precisa se encontrar.

O que você vai ser quando você...né? A gente não é já...

O que você vai ser quando... Quando você vai ter? Quando você vai dar? Okay!

Vocês já me entenderam. A minha questão da contradição em termos

é que para a gente se encontrar a gente precisa se perder.

Mas em primeiro lugar a gente precisa estabelecer um processo de busca.

Só que o que a gente está buscando? O processo de se encontrar

o processo de se instrumentalizar ele é um processo infinito

como processo de análise psicanalítica, como processo de formação profissional.

Ele nunca se encerra.

E isso que a gente está "procurando",

toda vez que você acreditar que encontrou você faliu a procura.

A gente nunca vai se encontrar.

Não sei mas que conversa com alguém interessante

que já passou dos 40, que já passou dos 50, 60, 70...

Pergunta para essa pessoa quem é você? Você se encontrou?

As respostas são sempre não. Não, não me encontrei.

Não sei quem eu sou.

A gente é sempre um processo inconclusivo.

Eu tô retomando esse tema porque eu dei uma entrevista

para o Marcelo Tas no programa dele, Provoca na TV Cultura

e aí uma das coisas a que a galera reblogou, viralizou,

é a hora que ele me pergunta

o que é a vida e eu falo sobre esse conceito de vida processo.

A vida é essa coisa que acontece entre os nossos planos.

A vida é uma viagem só de ida a gente não sabe o destino não tem

ticket de volta, a vida não permite ensaio e depois que a cortina desce

não tem bis, a vida é essa coisa que escapa.

A vida irada. Vamo curtir.

E aí tem tem duas coisas, a primeira é esse outro aqui O Sentido da Vida, do Terry Eagleton.

Sempre falo do Terry aqui.

Ele foi aluno do Seu Raimundinho, do Raymond Williams.

Saiu pela Editora da Unesp e é uma brevíssima introdução.

Você vai ver um crítico de cultura empreendendo uma jornada filosófica.

Um livro bárbaro, tá?

Recomendo super! Mas tem uma coisa que o Terry diz aqui

logo no primeiro capítulo.

Esses espaços de cessar a dúvida de cessar a pesquisa

de cessar o empreendimento de lançar a palavra sobre o desconhecido

esse lugar da certeza, do dogma, da não contestação é o espaço do autoritarismo.

Onde morre a dúvida nasce o autoritarismo.

Ou a gente pode voltar para o Heráclito, filósofo persa da Antiguidade.

A gente atribui a ele, a sua filosofia três passagens sobre a ideia do rio.

Estou dizendo que a gente atribui a ele

porque tem uma série de intelectuais, vou deixar tudo na descrição do vídeo

como sempre. Que contesta se essas máximas seria o mesmo do Heráclito.

Mas a gente atribui a ele a ideia de que ninguém entra duas vezes no mesmo rio.

O que isso significa? Quando você entra num rio

você está sendo banhado por uma água, ti ri ri. Se você entrar amanhã

a pessoa que está entrando é diferente.

Ela tem alguma experiência alguma expectativa

ela já conhece aquele rio, ela imagina a temperatura daquela

ela acordou o com os ovo virado, ela está de TPM, é outra pessoa.

E a água que está ali é outra água por isso ninguém passa duas vezes

pela mesma experiência.

E aí eu chego a um ponto mais estrutural dessa nossa discussão.

O Auerbach que é o autor do, Mimesis é a obra talvez dele mais famosa.

O Auerbach é um filólogo românico, é um judeu que nasce na Alemanha,

durante a ascensão nazista ele vai fugir para a Turquia

e vai começar a lecionar lá.

E durante o seu exílio político e seu afastamento

ele escreve esse livro, Mimesis.

Aliás essa edição da perspectiva é tudo, tá?

E aí o capítulo que abre Mimesis, Ah, o subtítulo da obra

é, A representação da realidade na literatura ocidental.

Mimesis, essa ideia de mímica, de processo mimético,

é uma coisa que nos acompanha desde o Aristóteles

desde a antiguidade na Grécia. Pensar que as obras de arte

as narrativas, as canções, os poemas, as pinturas, o teatro,

eles representam, reapresentam a realidade.

Eles são uma tentativa de reprodução estilizada de um conteúdo.

Só que o processo de narrar não é o processo de apresentar

mas o processo de representar. Toda a narrativa carrega consigo

mesmo as que se pretendem objetivas e imparciais.

Toda a narrativa carrega consigo uma visão de mundo

mesmo que seja um recorte cultural. Por que na Bíblia

não se fala de guaraná, de rinoceronte, do Império Chinês, da Austrália?

Porque o povo que escreveu a Bíblia

não tinha essa visão porque havia um horizonte de cultura

que limitava a percepção e a possibilidade de representação

daquele povo naquele tempo. Toda a narrativa está contida no seu tempo histórico.

E aí o primeiro capítulo então do Mimesis, é o Auerbach

nos dizendo, da cicatriz de Ulisses.

Eu falei que eu ia fazer uma série de vídeos clássicos da literatura.

Não sei se vou mas estou fazendo durante os, enfim.

Vocês vão acompanhar.

Ulisses é o personagem central de uma obra do Homero chamada A Odisseia.

A história é, Ulisses vai sair da sua cidade.

Ele é chefe de uma cidade estado na Grécia

e ele vai viajar durante 20 anos

vai se perder e vai chegar em Lisboa.

Reza a lenda que Lisboa é uma cidade construída pelo Ulisses

é o porto de Ulisses.

Aí ele vai viajar Tarãrã. Vai se envolver num monte de historinha, vai conhecer sereias,

vai enfrentar as harpias, vai se apaixonar por uma mulher cobra lá em Lisboa.

E aí ele volta para a cidade dele para retomar o trono.

Ele é casado com a Penélope, né? Ulisses e Penélope.

A história da Penélope é, quando ele parte e não retorna

ela tem diante de si aberta um mar de possibilidades.

Mas uma dessas possibilidades é que outro pretendente a despose e tome o reino.

Havia essa lei ali nessa Grécia da Antiguidade

que essa rainha sozinha podia ser novamente desposada.

Então todas as cidades estado em volta têm interesse nesse casamento

para fazer um espólio para tomar o território para si

E a Penélope quer resguardar a cidade para possível retorno do marido.

Ela acha que ele não morreu que ele vai voltar. Vinte anos ela vai esperar.

e para o filho dela. E aí tem história bonitinha que ela fala

Não, tudo bem, eu caso! Mas eu caso quando o meu enxoval estiver pronto.

E aí ela faz o enxoval de dia, então os os pretendentes vão lá no palácio

e ela está fazendo o enxoval e à noite ela desfaz tudo que ela costurou.

Aí ela faz de dia, né? Ela dá o pulo dela! Inclusive essa narrativa

ela deixa um dado de cultura que vai se tornar cultura residual

se a gente parar para fazer uma análise.

hoje ainda tem gente que compactua com essa ideia

sobre o conceito de fidelidade. A fidelidade masculina do Ulisses

é a ideia de que ele regressará para sua esposa e para sua família

para sua casa. Não, não importa que ele tenha, ele volta para mim.

Comigo que ele dorme, comigo ele tem uma casa.

Rodou, rodou, rodou,

e ficou com aqui com a mamacita... Ah rapaz, é porque eu tenho habilidades únicas, com licença.

E o conceito de fidelidade feminina é que ela não vai se entregar a outro.

A outro pretendente, a outro esposo, a outro amante.

Estou contando isso sobre sobre a importância da leitura

desse clássico, mas a importância não está nessa pequeneza.

O título que o Auerbach dá ao capítulo é A Cicatriz de Ulisses.

Como a história vai terminar? Ulisses volta depois de vinte anos

ele está transformado ninguém o reconhece.

Ele chega como um andarilho vai até o palácio. De forma hospitaleira

a Penélope e pede a uma serva que foi ama do Ulisses na infância

tarará, que lave os pés dele, Um sinal de boa recepção

de ser uma boa anfitriã Tiriri Tururu. E aí, no processo de lavar o pé do Ulisses.

A gente está quase no último cântico da obra.

A ama percebe uma cicatriz que Ulisses tinha na coxa.

E aí volta para a infância dele Tiriri, tarará, tururú. Reconhece ele.

Mas aí ele a impede de contar a história Tarará. Depois ele pega, mata todo mundo,

os pretendentes da Penélope, volta com ela, tarãrã, fim!

Né? Mantém a família patriarcal e a herança para o filhinho dele.

Um dia eu conto essa história bonitinha, a gente pode fazer essa série

do clássico da literatura. Só não sei se eu vou ter saco, gente.

Mas enfim, continuando. A ideia, A cicatriz de Ulisses que eu quero aqui

chamar a atenção para vocês é até que ponto a gente tem

na nossa tradição de cultura ocidental um dado de identificação

com o nosso sintoma. Tô deixando também um vídeo aqui do professor

Christian Dunker, no qual ele conceitua sintoma para a psicanálise.

E aí eu tenho esse interesse que a gente seja capaz de pensar

até que ponto isso também é um dado residual nas nossas culturas?

E um indicativo do nosso tempo.

Até que ponto até hoje a gente só se identifca

pelo nosso sintoma. A gente se cola com uma ideia de

eu sou deprimida, burro, feia, desinteressada...

Até que ponto a gente se cola numa ideia de um sintoma, de uma cicatriz.

E são as nossas cicatrizes que nos definem.

Até que ponto a gente se reconhece e é reconhecido pelas nossas cicatrizes

e constrói essa identidade negativa através de um processo estático

do que a gente foi mais do que a gente foi pelo erro não pelo acerto.

Ainda nesse primeiro capítulo

o Auerbach faz uma coisa muito interessante que é pegar os épicos da nossa antiguidade

E aí ele vai em dois pilares da cultura europeia, uma fé judaico cristã,

e a narrativa que ela vai produzir numa escritura sagrada

e os textos homéricos, a Ilíada, Odisseia, etc.

Mas talvez o que me interessa aqui seja a gente poder perceber

como essas culturas partilham esse dado de identificação

pelo sintoma, de identificação com o sintoma, e de fundação

das nossas identidades sejam particulares sejam culturais sejam de um povo.

Nas nossas cicatrizes e dores. Aliás vou deixar duas indicações aqui

maravilhosas que é a Vilma Piedade num texto dela sobre dororidade.

Essa coisa que reuniria a experiência das mulheres negras

não a sororidade mas a dororidade., desse reconhecimento na dor.

E o texto de uma das maiores psicanalistas que o Brasil teve

que é Tornar-se Negro, da Neusa Souza Santos.

Conheci essa psicanalista através de uma outra amiga minha psicanalista

Jaque Conceição, do coletivo Di Jeje. Sempre falo dela aqui. Eu separei

dois frag... Magina né? Eu tô aqui relutante. A Isa tá aqui com o sapato na mão.

Eu estou relutante porque eu ia ler o trecho do Freud,

prescritos do Lacan, explicar o conceito de verdade para o discurso psicanalista.

Mas é vídeo que eu vou fazendo né? Com vagar. Nesse aqui

eu separei alguns trechinhos que eu quero ler do Mimesis, do Auerbach

sobre como as narrativas estão contidas no seu tempo

e são reflexos de projetos políticos. Como o ato de narrar

o mundo não revela o mundo

mas revela uma visão de cultura, um posicionamento político

e um projeto social.

Então o primeiro ponto é essa distinção que o Auerbach faz

entre os épicos da cultura europeia.

De um lado na Grécia você tem um texto que ele vai chamar

de iluminado. Tem todas as suas faces iluminadas.

A gente sabe que as personagens estão pensando, o que elas sentem, o que as motiva,

elas falam sobre isso, fazem perguntas,

explicitam seus projetos, planos,

e de outro lado a narrativa do Antigo Testamento é que vela

essas coisas que cria esses silêncios, que faz com que a gente necessite de uma

profundíssima interpretação para extrair alguma coisa do texto

mas que deixa sempre muito nítido um projeto, um projeto de

educação religiosa, de fazer com que um povo partilhe uma visão.

O que eu acho interessante ressaltar aqui é o que há de tirânico nessa visão.

Então vamos lá. Porém a intenção religiosa condiciona

uma exigência absoluta de verdade histórica.

A história de Abraão e Isaque, né. Abraão que ia sacrificar o filho

no topo da montanha e Deus fala, brincadeirinha, foi uma pegadinha

Sabe? Então volta comigo. A história de Abraão e Isaque não está melhor testificada

do que a de Ulisses, Penélope e a Uricleia, a ama do Ulisses.

Ambas são lendárias.

Só que o narrador bíblico, o heloísta, tinha de acreditar

na verdade objetiva da história da oferenda de Abraão.

A persistência das Origens Sagradas da vida

repousava na verdade dessa história e de outras histórias semelhantes.

O heloísta tinha de acreditar nelas apaixonadamente ou então

deveria ser como alguns exegetas

É o estudioso especialista do texto bíblico.

Ou então deveria ser como alguns dos exegetas iluministas admitiam

ou talvez ainda admitam, um mentiroso consciente.

Não um mentiroso inofensivo como Homero que está te contando

uma historinha estilizada sobre a Guerra de Troia na Ilíada

sobre a viagem de Ulisses na Odisseia que há um pacto ficcional

você que está escutando sabe. Ah, é uma história estilizada que

ao contrário desse tipo de mentiroso o narrador da Bíblia.

Então não o mentiroso inofensivo como Homero, que mentia para agradar como estilo

mas um mentiroso político consciente das suas metas

que mentia no interesse de uma pretensão.

a autoridade absoluta.

Esse texto que se pretende autoridade.

Esse texto que se pretende relato e registro

é muito perigoso. Quando cria uma versão única da história.

Mas a questão, vou ler um parágrafo aqui abaixo.

Não é apenas pretender-se versão única

é deslegitimar qualquer outra versão de narrativa da realidade.

Então vem comigo. É necessário ir mais longe ainda

a pretensão de verdade da Bíblia é não só muito mais urgente

do que a de Homero como chega a ser tirânica

exclui qualquer outra pretensão o mundo dos relatos da Sagrada Escritura

não se contenta com a pretensão de ser uma realidade historicamente verdadeira

pretende ser o único mundo verdadeiro destinado ao domínio exclusivo.

Qualquer outro cenário qualquer outra narrativa é pecado

é dissidência, é heresia.

E aí eu estou salientando aqui neste vídeo o que chama narrar o mundo, como todo

projeto de narrativa não é neutro.

Ele carrega consigo um viés uma perspectiva e um projeto.

Lembra sei lá quantos anos atrás

que eu fiz um vídeo que eu brinco. A Bíblia mente? Porque é uma historinha

tarará tururú, e ela é cheia de buracos.

Mas é um projeto que existe de educar, doutrinar

dominar e encapsular a imaginação de um povo num tempo. E ao mesmo tempo

ela é a própria imaginação do povo no tempo. E aí para encerrar

mas para voltar para aquele ponto

da psicanálise, eu estava batendo papo com o Henrique Vicentini,

grande amigo meu,

a gente faz um podcast e juntos. Você sabia que eu tenho um podcast, menina? Não sabia?

Vou deixar Link também aqui, que é o Mesa da vida.

Você sabia também que o Tempero Drag vai para as plataformas como o podcast?

Não sabia? Gente onde vocês passam o tempo de vocês?

Mas enfim, estava batendo papo com Henrique Vicentini

e falando para ele sobre um texto do Freud

que o Freud fala como é difícil para o ser humano abrir mão de um prazer

mas também, que ele conhece, mas também como é difícil para esse sujeito

abrir mão de uma dor de um desprazer e a identificação com o sintoma.

E aí o Henrique estava me contando desse seminário do Lacan

seminário livro 23 que é do sinthoma mas sintoma com TH

que o Lacan vai jogar com essa ideia.

Como encerramento eu quero apenas voltar

à ideia de incompletude e de não me encontro mas de eterna busca.

A ideia de uma criança que todo mundo foi ávida por descobrir, avessa

a se estacionar, não disposta a se encapsular num rótulo,

mas continuar explorando e descobrindo e se divertindo com a exploração

Então da gente pensar que para o Lacan

a identificação com o sintoma pode ser um sinal

de fim de análise, mas é um sintoma analisado.

Não é um sintoma na ideia de sintoma mas é um sintoma na ideia

o que do sintoma é indissociável.

Faz parte da sua inserção na linguagem.

Faz parte de como você apreende o mundo na sua linguagem

e o significa após a análise e a descoberta do que é possível fazer

com aquele sintoma, do que está envolvido como perda

e como ganho. Do que aquele sintoma possibilita

que você jogue a seu favor e não mais contra você e contra seu desejo

Um possível fim de análise é sustentar uma cicatriz

que não te encapsula, te reduz, e te estaciona

mas uma cicatriz que te permite empreender uma nova jornada.

Talvez agora com um sofrimento melhor, diferente do inicial.

Bom moçadinha, por hoje é isso. Já fico aqui com as promessas né?

Cada vídeo que eu faço é 60 mil vídeos que eu prometo que vou fazer.

Torce pra eu viver bastante, tá moçada?

A gente se vê na semana que vem tá? Um beijinho. Tcha-au.


NARRAR O MUNDO NARRATING THE WORLD

Ai Isa, hoje eu não sei por onde começar.

A dona Rita, começa pelo começo, né?

Boa!

No começo Deus criou o céu e a Terra...

Bom como você já deve ter visto em algum local desta tela

o tema do vídeo de hoje é: Narrar o mundo.

Vou tentar traçar aqui um processo de entendimento I will try to trace here a process of understanding

para que a gente pense nossas possibilidades, capacidades

e enquadramentos históricos para construção de narrativa

sobre a realidade

E moçada, vocês sabem que eu estou gravando este vídeo porque eu fui ao Sesc

Pompeia assistir Sem Palavras da Companhia Brasileira de Teatro

o texto e a direção é do Márcio Abreu, e não obstante logo em seguida

eu fui assistir Deserto Particular do Aly Muritiba

e é o filme brasileiro que vai nos representar no Oscar este ano.

Essas duas narrativas elas têm algo em comum

algo que as une, a possibilidade ou impossibilidade das personagens

que vão construir esses enredos, fazer ação dramática acontecer

das suas possibilidades de falarem sobre as suas realidades ou não.

Até que ponto os nossos processos de angústia

o nosso tempo né, de ensimesmamento, de apartamento, de isolamento

vão minando as nossas possibilidades de nos comunicarmos

mas também de comunicar conteúdos do nosso tempo histórico.

Já vou tentar tirar da frente uma coisa importante, vocês sabem

sou entusiasta da psicanálise

e vou falar hoje de uns amigo meu e de umas amiga minha psicanalista.

Mas leio Lacan né, menina?

Então, primeira coisa, tudo o que existe entre nós é sempre um mal entendido.

A gente pode ser responsável e responsabilizado

pelo que disse, ainda que devamos saber que a gente nunca diz o que quer.

Mas ok, somos responsáveis pelo que dizemos,

não podemos ser responsabilizados pelo que o outro escuta. Faz alguns vídeos

que eu estou batendo nesse ponto de como entre o que é dito e o que é ouvido

existe sempre um abismo subjetivo. Mas não vou por aí!

Vou por um outro caminho que é, em especial na peça Sem Palavras,

existe ali uma passagem que muito me interessa para essa reflexão.

Vamos tentar imaginar quantos de nós e quantas de nós nos vemos numa prisão

e num enredamento, da gente se vê dizendo sou isso, sou aquilo.

é apenas isso, da gente não explorar possibilidades.

E aí tem esse fragmento do texto do Márcio

Abreu que pede para a gente imaginar um bebê, a gente bebês

e pelos nossos primeiros dois anos na coisa mesmo desse planeta.

A gente é um experimento ambulante.

A gente está o tempo todo jogando com a gravidade, apreendendo o som

moldando nosso aparelho fornador, tentando reproduzir,

entender, compreender, significar, apreender da realidade

os possíveis significados. Colocando tudo na boca

descobrindo como o nosso corpo se mexe o que a gente pode fazer.

qual choro resulta no que. Pelos primeiros dois anos de vida

não existe conservadorismo, só existe desbravamento da realidade.

Enquanto crianças tudo, que a gente faz é explorar para conhecer o mundo.

Como é que pode todas essas criaturas curiosas disruptivas

com uma sede de conhecimento vão se tornar adultos

conservadores reacionários, pessoas cheias de certeza

incapazes de ter uma mobilidade

curiosa de se indagar coisas de se mover.

Talvez essa seja uma das nossas maiores angústias.

A transitoriedade de tudo na vida impermanência das coisas.

Essa ideia de que toda vez que a gente acorda

o mundo é novo para nós. A cada interação

que a gente tem com o planeta as possibilidades se fazem.

Dificilmente as coisas se repetem acontecem da mesma forma

sempre existe alguma inovação que está posta para quem a quer apreender. there is always some innovation that is there for those who want to learn it.

Inclusive o Julio Cortázar no livro dele de ensaios chamado Valise de Cronópio

no ensaio a situação do romance o Julio nos diz

que o empreendimento da palavra é se lançar sobre o desconhecido.

Esse é um dos nossos processos de conhecer e significar o mundo.

Talvez você já esteja ligando os pontinhos para perceber o título.

A nossa capacidade de narrar o mundo está intimamente ligada

com a nossa capacidade de conhecer o mundo. E um povo com um conhecimento limitado

com regras limitadoras, com um código moral

limitador, um povo incapacitado mesmo linguisticamente

de explorar e de conhecer.

vai criar uma narrativa do mundo amordaçante,

silenciadora, que cria um certo tipo de angústia

ao tentar nos localizar como estáticos e não como móveis.

Eternamente em transformação.

Seres humanos como produtos e não como processos.

E aí a gente chega dessa contradição em termos que é uma ideia que é a seguinte.

Muitos de nós estamos em uma cultura que nos diz que a gente precisa

se identificar, se encontrar, se rotular, se estabelecer.

Esse é um dos interesses inclusive do capitalismo.

É rotular para poder encaixar e vender.

Inclusive me lembrei desse aqui.

A estetização do mundo , viver na era do capitalismo artista.

Eu vou fazer um vídeo ainda esse ano sobre dois capítulos dele

que eu acho bárbaros pra gente discutir.

Mas voltando.

Então a gente tá enredado, enredada

nessa coisa, aí você precisa se definir , você precisa se encontrar.

O que você vai ser quando você...né? A gente não é já...

O que você vai ser quando... Quando você vai ter? Quando você vai dar? Okay!

Vocês já me entenderam. A minha questão da contradição em termos

é que para a gente se encontrar a gente precisa se perder.

Mas em primeiro lugar a gente precisa estabelecer um processo de busca.

Só que o que a gente está buscando? O processo de se encontrar

o processo de se instrumentalizar ele é um processo infinito

como processo de análise psicanalítica, como processo de formação profissional.

Ele nunca se encerra.

E isso que a gente está "procurando",

toda vez que você acreditar que encontrou você faliu a procura.

A gente nunca vai se encontrar.

Não sei mas que conversa com alguém interessante

que já passou dos 40, que já passou dos 50, 60, 70...

Pergunta para essa pessoa quem é você? Você se encontrou?

As respostas são sempre não. Não, não me encontrei.

Não sei quem eu sou.

A gente é sempre um processo inconclusivo.

Eu tô retomando esse tema porque eu dei uma entrevista

para o Marcelo Tas no programa dele, Provoca na TV Cultura

e aí uma das coisas a que a galera reblogou, viralizou,

é a hora que ele me pergunta

o que é a vida e eu falo sobre esse conceito de vida processo.

A vida é essa coisa que acontece entre os nossos planos.

A vida é uma viagem só de ida a gente não sabe o destino não tem

ticket de volta, a vida não permite ensaio e depois que a cortina desce

não tem bis, a vida é essa coisa que escapa.

A vida irada. Vamo curtir.

E aí tem tem duas coisas, a primeira é esse outro aqui O Sentido da Vida, do Terry Eagleton.

Sempre falo do Terry aqui.

Ele foi aluno do Seu Raimundinho, do Raymond Williams.

Saiu pela Editora da Unesp e é uma brevíssima introdução.

Você vai ver um crítico de cultura empreendendo uma jornada filosófica.

Um livro bárbaro, tá?

Recomendo super! Mas tem uma coisa que o Terry diz aqui

logo no primeiro capítulo.

Esses espaços de cessar a dúvida de cessar a pesquisa

de cessar o empreendimento de lançar a palavra sobre o desconhecido

esse lugar da certeza, do dogma, da não contestação é o espaço do autoritarismo.

Onde morre a dúvida nasce o autoritarismo.

Ou a gente pode voltar para o Heráclito, filósofo persa da Antiguidade.

A gente atribui a ele, a sua filosofia três passagens sobre a ideia do rio.

Estou dizendo que a gente atribui a ele

porque tem uma série de intelectuais, vou deixar tudo na descrição do vídeo

como sempre. Que contesta se essas máximas seria o mesmo do Heráclito.

Mas a gente atribui a ele a ideia de que ninguém entra duas vezes no mesmo rio.

O que isso significa? Quando você entra num rio

você está sendo banhado por uma água, ti ri ri. Se você entrar amanhã

a pessoa que está entrando é diferente.

Ela tem alguma experiência alguma expectativa

ela já conhece aquele rio, ela imagina a temperatura daquela

ela acordou o com os ovo virado, ela está de TPM, é outra pessoa.

E a água que está ali é outra água por isso ninguém passa duas vezes

pela mesma experiência.

E aí eu chego a um ponto mais estrutural dessa nossa discussão.

O Auerbach que é o autor do, Mimesis é a obra talvez dele mais famosa.

O Auerbach é um filólogo românico, é um judeu que nasce na Alemanha,

durante a ascensão nazista ele vai fugir para a Turquia

e vai começar a lecionar lá.

E durante o seu exílio político e seu afastamento

ele escreve esse livro, Mimesis.

Aliás essa edição da perspectiva é tudo, tá?

E aí o capítulo que abre Mimesis, Ah, o subtítulo da obra

é, A representação da realidade na literatura ocidental.

Mimesis, essa ideia de mímica, de processo mimético,

é uma coisa que nos acompanha desde o Aristóteles

desde a antiguidade na Grécia. Pensar que as obras de arte

as narrativas, as canções, os poemas, as pinturas, o teatro,

eles representam, reapresentam a realidade.

Eles são uma tentativa de reprodução estilizada de um conteúdo.

Só que o processo de narrar não é o processo de apresentar

mas o processo de representar. Toda a narrativa carrega consigo

mesmo as que se pretendem objetivas e imparciais.

Toda a narrativa carrega consigo uma visão de mundo

mesmo que seja um recorte cultural. Por que na Bíblia

não se fala de guaraná, de rinoceronte, do Império Chinês, da Austrália?

Porque o povo que escreveu a Bíblia

não tinha essa visão porque havia um horizonte de cultura

que limitava a percepção e a possibilidade de representação

daquele povo naquele tempo. Toda a narrativa está contida no seu tempo histórico.

E aí o primeiro capítulo então do Mimesis, é o Auerbach

nos dizendo, da cicatriz de Ulisses.

Eu falei que eu ia fazer uma série de vídeos clássicos da literatura.

Não sei se vou mas estou fazendo durante os, enfim.

Vocês vão acompanhar.

Ulisses é o personagem central de uma obra do Homero chamada A Odisseia.

A história é, Ulisses vai sair da sua cidade.

Ele é chefe de uma cidade estado na Grécia

e ele vai viajar durante 20 anos

vai se perder e vai chegar em Lisboa.

Reza a lenda que Lisboa é uma cidade construída pelo Ulisses

é o porto de Ulisses.

Aí ele vai viajar Tarãrã. Vai se envolver num monte de historinha, vai conhecer sereias,

vai enfrentar as harpias, vai se apaixonar por uma mulher cobra lá em Lisboa.

E aí ele volta para a cidade dele para retomar o trono.

Ele é casado com a Penélope, né? Ulisses e Penélope.

A história da Penélope é, quando ele parte e não retorna

ela tem diante de si aberta um mar de possibilidades.

Mas uma dessas possibilidades é que outro pretendente a despose e tome o reino.

Havia essa lei ali nessa Grécia da Antiguidade

que essa rainha sozinha podia ser novamente desposada.

Então todas as cidades estado em volta têm interesse nesse casamento

para fazer um espólio para tomar o território para si

E a Penélope quer resguardar a cidade para possível retorno do marido.

Ela acha que ele não morreu que ele vai voltar. Vinte anos ela vai esperar.

e para o filho dela. E aí tem história bonitinha que ela fala

Não, tudo bem, eu caso! Mas eu caso quando o meu enxoval estiver pronto.

E aí ela faz o enxoval de dia, então os os pretendentes vão lá no palácio

e ela está fazendo o enxoval e à noite ela desfaz tudo que ela costurou.

Aí ela faz de dia, né? Ela dá o pulo dela! Inclusive essa narrativa

ela deixa um dado de cultura que vai se tornar cultura residual

se a gente parar para fazer uma análise.

hoje ainda tem gente que compactua com essa ideia

sobre o conceito de fidelidade. A fidelidade masculina do Ulisses

é a ideia de que ele regressará para sua esposa e para sua família

para sua casa. Não, não importa que ele tenha, ele volta para mim.

Comigo que ele dorme, comigo ele tem uma casa.

Rodou, rodou, rodou,

e ficou com aqui com a mamacita... Ah rapaz, é porque eu tenho habilidades únicas, com licença.

E o conceito de fidelidade feminina é que ela não vai se entregar a outro.

A outro pretendente, a outro esposo, a outro amante.

Estou contando isso sobre sobre a importância da leitura

desse clássico, mas a importância não está nessa pequeneza.

O título que o Auerbach dá ao capítulo é A Cicatriz de Ulisses.

Como a história vai terminar? Ulisses volta depois de vinte anos

ele está transformado ninguém o reconhece.

Ele chega como um andarilho vai até o palácio. De forma hospitaleira

a Penélope e pede a uma serva que foi ama do Ulisses na infância

tarará, que lave os pés dele, Um sinal de boa recepção

de ser uma boa anfitriã Tiriri Tururu. E aí, no processo de lavar o pé do Ulisses.

A gente está quase no último cântico da obra.

A ama percebe uma cicatriz que Ulisses tinha na coxa.

E aí volta para a infância dele Tiriri, tarará, tururú. Reconhece ele.

Mas aí ele a impede de contar a história Tarará. Depois ele pega, mata todo mundo,

os pretendentes da Penélope, volta com ela, tarãrã, fim!

Né? Mantém a família patriarcal e a herança para o filhinho dele.

Um dia eu conto essa história bonitinha, a gente pode fazer essa série

do clássico da literatura. Só não sei se eu vou ter saco, gente.

Mas enfim, continuando. A ideia, A cicatriz de Ulisses que eu quero aqui

chamar a atenção para vocês é até que ponto a gente tem

na nossa tradição de cultura ocidental um dado de identificação

com o nosso sintoma. Tô deixando também um vídeo aqui do professor

Christian Dunker, no qual ele conceitua sintoma para a psicanálise.

E aí eu tenho esse interesse que a gente seja capaz de pensar

até que ponto isso também é um dado residual nas nossas culturas?

E um indicativo do nosso tempo.

Até que ponto até hoje a gente só se identifca

pelo nosso sintoma. A gente se cola com uma ideia de

eu sou deprimida, burro, feia, desinteressada...

Até que ponto a gente se cola numa ideia de um sintoma, de uma cicatriz.

E são as nossas cicatrizes que nos definem.

Até que ponto a gente se reconhece e é reconhecido pelas nossas cicatrizes

e constrói essa identidade negativa através de um processo estático

do que a gente foi mais do que a gente foi pelo erro não pelo acerto.

Ainda nesse primeiro capítulo

o Auerbach faz uma coisa muito interessante que é pegar os épicos da nossa antiguidade

E aí ele vai em dois pilares da cultura europeia, uma fé judaico cristã,

e a narrativa que ela vai produzir numa escritura sagrada

e os textos homéricos, a Ilíada, Odisseia, etc.

Mas talvez o que me interessa aqui seja a gente poder perceber

como essas culturas partilham esse dado de identificação

pelo sintoma, de identificação com o sintoma, e de fundação

das nossas identidades sejam particulares sejam culturais sejam de um povo.

Nas nossas cicatrizes e dores. Aliás vou deixar duas indicações aqui

maravilhosas que é a Vilma Piedade num texto dela sobre dororidade.

Essa coisa que reuniria a experiência das mulheres negras

não a sororidade mas a dororidade., desse reconhecimento na dor.

E o texto de uma das maiores psicanalistas que o Brasil teve

que é Tornar-se Negro, da Neusa Souza Santos.

Conheci essa psicanalista através de uma outra amiga minha psicanalista

Jaque Conceição, do coletivo Di Jeje. Sempre falo dela aqui. Eu separei

dois frag... Magina né? Eu tô aqui relutante. A Isa tá aqui com o sapato na mão.

Eu estou relutante porque eu ia ler o trecho do Freud,

prescritos do Lacan, explicar o conceito de verdade para o discurso psicanalista.

Mas é vídeo que eu vou fazendo né? Com vagar. Nesse aqui

eu separei alguns trechinhos que eu quero ler do Mimesis, do Auerbach

sobre como as narrativas estão contidas no seu tempo

e são reflexos de projetos políticos. Como o ato de narrar

o mundo não revela o mundo

mas revela uma visão de cultura, um posicionamento político

e um projeto social.

Então o primeiro ponto é essa distinção que o Auerbach faz

entre os épicos da cultura europeia.

De um lado na Grécia você tem um texto que ele vai chamar

de iluminado. Tem todas as suas faces iluminadas.

A gente sabe que as personagens estão pensando, o que elas sentem, o que as motiva,

elas falam sobre isso, fazem perguntas,

explicitam seus projetos, planos,

e de outro lado a narrativa do Antigo Testamento é que vela

essas coisas que cria esses silêncios, que faz com que a gente necessite de uma

profundíssima interpretação para extrair alguma coisa do texto

mas que deixa sempre muito nítido um projeto, um projeto de

educação religiosa, de fazer com que um povo partilhe uma visão.

O que eu acho interessante ressaltar aqui é o que há de tirânico nessa visão.

Então vamos lá. Porém a intenção religiosa condiciona

uma exigência absoluta de verdade histórica.

A história de Abraão e Isaque, né. Abraão que ia sacrificar o filho

no topo da montanha e Deus fala, brincadeirinha, foi uma pegadinha

Sabe? Então volta comigo. A história de Abraão e Isaque não está melhor testificada

do que a de Ulisses, Penélope e a Uricleia, a ama do Ulisses.

Ambas são lendárias.

Só que o narrador bíblico, o heloísta, tinha de acreditar

na verdade objetiva da história da oferenda de Abraão.

A persistência das Origens Sagradas da vida

repousava na verdade dessa história e de outras histórias semelhantes.

O heloísta tinha de acreditar nelas apaixonadamente ou então

deveria ser como alguns exegetas

É o estudioso especialista do texto bíblico.

Ou então deveria ser como alguns dos exegetas iluministas admitiam

ou talvez ainda admitam, um mentiroso consciente.

Não um mentiroso inofensivo como Homero que está te contando

uma historinha estilizada sobre a Guerra de Troia na Ilíada

sobre a viagem de Ulisses na Odisseia que há um pacto ficcional

você que está escutando sabe. Ah, é uma história estilizada que

ao contrário desse tipo de mentiroso o narrador da Bíblia.

Então não o mentiroso inofensivo como Homero, que mentia para agradar como estilo

mas um mentiroso político consciente das suas metas

que mentia no interesse de uma pretensão.

a autoridade absoluta.

Esse texto que se pretende autoridade.

Esse texto que se pretende relato e registro

é muito perigoso. Quando cria uma versão única da história.

Mas a questão, vou ler um parágrafo aqui abaixo.

Não é apenas pretender-se versão única

é deslegitimar qualquer outra versão de narrativa da realidade.

Então vem comigo. É necessário ir mais longe ainda

a pretensão de verdade da Bíblia é não só muito mais urgente

do que a de Homero como chega a ser tirânica

exclui qualquer outra pretensão o mundo dos relatos da Sagrada Escritura

não se contenta com a pretensão de ser uma realidade historicamente verdadeira

pretende ser o único mundo verdadeiro destinado ao domínio exclusivo.

Qualquer outro cenário qualquer outra narrativa é pecado

é dissidência, é heresia.

E aí eu estou salientando aqui neste vídeo o que chama narrar o mundo, como todo

projeto de narrativa não é neutro.

Ele carrega consigo um viés uma perspectiva e um projeto.

Lembra sei lá quantos anos atrás

que eu fiz um vídeo que eu brinco. A Bíblia mente? Porque é uma historinha

tarará tururú, e ela é cheia de buracos.

Mas é um projeto que existe de educar, doutrinar

dominar e encapsular a imaginação de um povo num tempo. E ao mesmo tempo

ela é a própria imaginação do povo no tempo. E aí para encerrar

mas para voltar para aquele ponto

da psicanálise, eu estava batendo papo com o Henrique Vicentini,

grande amigo meu,

a gente faz um podcast e juntos. Você sabia que eu tenho um podcast, menina? Não sabia?

Vou deixar Link também aqui, que é o Mesa da vida.

Você sabia também que o Tempero Drag vai para as plataformas como o podcast?

Não sabia? Gente onde vocês passam o tempo de vocês?

Mas enfim, estava batendo papo com Henrique Vicentini

e falando para ele sobre um texto do Freud

que o Freud fala como é difícil para o ser humano abrir mão de um prazer

mas também, que ele conhece, mas também como é difícil para esse sujeito

abrir mão de uma dor de um desprazer e a identificação com o sintoma.

E aí o Henrique estava me contando desse seminário do Lacan

seminário livro 23 que é do sinthoma mas sintoma com TH

que o Lacan vai jogar com essa ideia.

Como encerramento eu quero apenas voltar

à ideia de incompletude e de não me encontro mas de eterna busca.

A ideia de uma criança que todo mundo foi ávida por descobrir, avessa

a se estacionar, não disposta a se encapsular num rótulo,

mas continuar explorando e descobrindo e se divertindo com a exploração

Então da gente pensar que para o Lacan

a identificação com o sintoma pode ser um sinal

de fim de análise, mas é um sintoma analisado.

Não é um sintoma na ideia de sintoma mas é um sintoma na ideia

o que do sintoma é indissociável.

Faz parte da sua inserção na linguagem.

Faz parte de como você apreende o mundo na sua linguagem

e o significa após a análise e a descoberta do que é possível fazer

com aquele sintoma, do que está envolvido como perda

e como ganho. Do que aquele sintoma possibilita

que você jogue a seu favor e não mais contra você e contra seu desejo

Um possível fim de análise é sustentar uma cicatriz

que não te encapsula, te reduz, e te estaciona

mas uma cicatriz que te permite empreender uma nova jornada.

Talvez agora com um sofrimento melhor, diferente do inicial.

Bom moçadinha, por hoje é isso. Já fico aqui com as promessas né?

Cada vídeo que eu faço é 60 mil vídeos que eu prometo que vou fazer.

Torce pra eu viver bastante, tá moçada?

A gente se vê na semana que vem tá? Um beijinho. Tcha-au.