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Gloss European Portuguese Level 3, Música gasta

Música gasta

Existem algumas entidades neste país - e outras lá fora - que andam a tocar a mesma música há décadas. Na letra da música essas entidades contam uma história em que se afirmam defensores de autores e artistas e clamam um direito natural e exclusivo sobre o tema do direito de autor. A melodia não admite divergências de opinião e discussão de ideias que não sigam a posição oficial - para não comprometer a harmonia. Reza ainda a música que quem não concorda com as suas posições é contra autores e artistas, contra o direito de autor e, logo, contra a cultura.

Na verdade, essas entidades têm uma ideologia profundamente radical. Para defender os seus interesses comerciais, não hesitam em avançar com autênticas distopias. São entidades que já fizeram coisas como instalar sub-repticiamente malware nos computadores das pessoas para impedirem cópias de CDs e espiar hábitos de consumo; expulsar pessoas da Internet porque viram um filme sem autorização; ou, agora, acabar com a Internet livre. Os filtros de censura para a Internet são apenas a última ideia que lhes ocorreu. Se me permitem uma metáfora que já alguém utilizou antes: se essas entidades tivessem de combater os verdadeiros piratas, os dos séculos passados, elas não pensariam duas vezes em mandar vazar mares e oceanos para os apanhar. Quando toca a defender os seus interesses económicos, nada mais vêem à frente, não há princípios ou valores que resistam - tudo é aceitável.

Acontece que essas entidades estão ultrapassadas, principalmente porque insistem em manter na era digital modelos de negócio do século passado. Modelos baseados numa escassez de oferta em que cobravam milhões aos consumidores pelo acesso – e aos criadores entregavam tostões. A adaptação às mudanças tecnológicas pode ser difícil, é preciso encontrar novos modelos de negócio ou adaptar os antigos. Mas nem todos procuram soluções para o problema. Há quem prefira antes a estratégia de conseguir manter as suas receitas por via legislativa, utilizando lobbying e influência política para fazer aprovar leis que lhes garantam as receitas que já não conseguem gerar. Uma espécie de PPPs com renda garantida.

No entanto mesmo essas medidas legislativas são apenas paliativas que não resolvem o problema base: ter ocorrido uma mudança de paradigma a nível tecnológico. Tais tipos de mudanças são sempre inevitáveis e inadiáveis, simplesmente acontecem e temos de aceitá-las. A procura de soluções para um modelo de negócio no mundo digital é, obviamente, legítima. Aliás estão longe de ser os únicos a enfrentar esse desafio. Agora levar pela frente direitos fundamentais dos cidadãos por forma a continuar a alimentar artificialmente modelos de negócio ultrapassados, não.

Estas entidades são extremamente poderosas. Têm grande capacidade financeira e organizativa e delas dependem também muitos artistas, o que resulta numa grande capacidade de mobilização e numa forte projecção pública. Isso permite-lhes alcançar grandes níveis de influência política e social, nomeadamente exercer tremenda pressão sobre políticos e meios de comunicação social. Aliás, só assim se percebe que ideias absurdas como as dos artigos 3, 4, 11 e 13 tenham sequer chegado a Bruxelas. Permite-lhes também ditar as narrativas que são propagadas nos meios de comunicação social, alguns sempre muito prestáveis, que são as que chegam ao grande público.

Mas há limites a essa influência sobre a sociedade. Neste momento querem-nos fazer acreditar em coisas que são autênticos atentados à inteligência do comum cidadão. Em pleno 2018, ainda acham que podem continuar a tocar a mesma música sem que haja repercussões. Ainda acham que podem atacar a Internet sem que surja genuína oposição e sem o seu discurso encontrar contraditório. Ainda acham que conseguem vender aquela ideia binária em que todos os que rejeitam propostas absurdas como estas estão contra os autores e artistas, contra o direito de autor e contra a cultura - que acham serem seus monopólio naturais.

Ainda acham que alguém os leva a sério quando reduzem a genuína oposição a estas medidas e as legítimas preocupações dos cidadãos ao resultado de acção lobista por parte da Google. A Google, pelos vistos, terá comprado muito gente. Desde o relator das Nações Unidas para a Liberdade de Expressão, aos pioneiros da Internet, aos académicos que se pronunciaram sobre o assunto, às organizações de defesa dos direitos humanos e digitais, à organização europeia de defesa dos consumidores (a portuguesa DECO idem), o supervisor europeu de protecção de dados, as comunidades Wikipédia de vários países, etc... (fiquemos por aqui que a lista é demasiado longa). Mas haverá mesmo quem defenda estas medidas absurdas sem ser as próprias indústrias que delas beneficiam financeiramente? E que aliás são as mesmas que estiveram na sua origem e as levaram até Bruxelas...

Querem falar das gigantes tecnológicas americanas? Onde estão vocês quando é preciso defender a privacidade dos cidadãos na Internet, perante essas mesmas tecnológicas? Onde está o vosso poderoso lobbying na discussão da ePrivacy? Pois. As batalhas contra essas tecnológicas são feitas precisamente por entidades como nós, entidades que com poucos ou nenhuns recursos tentam defender os interesses dos cidadãos. As mesmas entidades que acusam agora de estarem ao serviço de Google e afins. Onde estão vocês quando é preciso impulsionar projectos de conhecimento livre, ciência aberta, software livre, dados abertos, transparência, e outros? Não venham falar dos monopólios das gigantes tecnológicas americanas porque vocês estão-se bem nas tintas para eles – querem sim que se aumente a fatia do bolo que eles vos pagam.

Curiosamente, não precisávamos sequer de estar em lados opostos. É a vossa cegueira que não vos permite ver que nós somos os primeiros a querer encontrar soluções para autores, artistas e para promover a cultura. Mas nunca a custo de direitos fundamentais dos cidadãos.

Esta batalha pelos direitos fundamentais e por uma Internet livre está longe de estar ganha, bem pelo contrário, as probabilidades continuam a ser-nos desfavoráveis. Existe uma colossal diferença de recursos entre ambos os lados, e a situação só se vai agravar nas próximas semanas. Sabemos que a música vai voltar a tocar muito em breve, e talvez com mais força que nunca. Mas por cada 1 de vós, nós somos 100. A Comunidade da Internet é tipicamente desorganizada e muito lenta a reagir. Mas quando tem de reagir, reage a sério. Essa música que tocam está gasta. Até a tocam bem, mas já ninguém vai na cantiga.

Hoje os políticos da Europa sabem que aceitar tocar a vossa música implica pagar o respectivo preço – em votos.


Música gasta

Existem algumas entidades neste país - e outras lá fora - que andam a tocar a mesma música há décadas. Na letra da música essas entidades contam uma história em que se afirmam defensores de autores e artistas e clamam um direito natural e exclusivo sobre o tema do direito de autor. A melodia não admite divergências de opinião e discussão de ideias que não sigam a posição oficial - para não comprometer a harmonia. Reza ainda a música que quem não concorda com as suas posições é contra autores e artistas, contra o direito de autor e, logo, contra a cultura.

Na verdade, essas entidades têm uma ideologia profundamente radical. Para defender os seus interesses comerciais, não hesitam em avançar com autênticas distopias. São entidades que já fizeram coisas como instalar sub-repticiamente malware nos computadores das pessoas para impedirem cópias de CDs e espiar hábitos de consumo; expulsar pessoas da Internet porque viram um filme sem autorização; ou, agora, acabar com a Internet livre. Os filtros de censura para a Internet são apenas a última ideia que lhes ocorreu. Se me permitem uma metáfora que já alguém utilizou antes: se essas entidades tivessem de combater os verdadeiros piratas, os dos séculos passados, elas não pensariam duas vezes em mandar vazar mares e oceanos para os apanhar. Quando toca a defender os seus interesses económicos, nada mais vêem à frente, não há princípios ou valores que resistam - tudo é aceitável.

Acontece que essas entidades estão ultrapassadas, principalmente porque insistem em manter na era digital modelos de negócio do século passado. Modelos baseados numa escassez de oferta em que cobravam milhões aos consumidores pelo acesso – e aos criadores entregavam tostões. A adaptação às mudanças tecnológicas pode ser difícil, é preciso encontrar novos modelos de negócio ou adaptar os antigos. Mas nem todos procuram soluções para o problema. Há quem prefira antes a estratégia de conseguir manter as suas receitas por via legislativa, utilizando lobbying e influência política para fazer aprovar leis que lhes garantam as receitas que já não conseguem gerar. Uma espécie de PPPs com renda garantida.

No entanto mesmo essas medidas legislativas são apenas paliativas que não resolvem o problema base: ter ocorrido uma mudança de paradigma a nível tecnológico. Tais tipos de mudanças são sempre inevitáveis e inadiáveis, simplesmente acontecem e temos de aceitá-las. A procura de soluções para um modelo de negócio no mundo digital é, obviamente, legítima. Aliás estão longe de ser os únicos a enfrentar esse desafio. Agora levar pela frente direitos fundamentais dos cidadãos por forma a continuar a alimentar artificialmente modelos de negócio ultrapassados, não.

Estas entidades são extremamente poderosas. Têm grande capacidade financeira e organizativa e delas dependem também muitos artistas, o que resulta numa grande capacidade de mobilização e numa forte projecção pública. Isso permite-lhes alcançar grandes níveis de influência política e social, nomeadamente exercer tremenda pressão sobre políticos e meios de comunicação social. Aliás, só assim se percebe que ideias absurdas como as dos artigos 3, 4, 11 e 13 tenham sequer chegado a Bruxelas. Permite-lhes também ditar as narrativas que são propagadas nos meios de comunicação social, alguns sempre muito prestáveis, que são as que chegam ao grande público.

Mas há limites a essa influência sobre a sociedade. Neste momento querem-nos fazer acreditar em coisas que são autênticos atentados à inteligência do comum cidadão. Em pleno 2018, ainda acham que podem continuar a tocar a mesma música sem que haja repercussões. Ainda acham que podem atacar a Internet sem que surja genuína oposição e sem o seu discurso encontrar contraditório. Ainda acham que conseguem vender aquela ideia binária em que todos os que rejeitam propostas absurdas como estas estão contra os autores e artistas, contra o direito de autor e contra a cultura - que acham serem seus monopólio naturais.

Ainda acham que alguém os leva a sério quando reduzem a genuína oposição a estas medidas e as legítimas preocupações dos cidadãos ao resultado de acção lobista por parte da Google. A Google, pelos vistos, terá comprado muito gente. Desde o relator das Nações Unidas para a Liberdade de Expressão, aos pioneiros da Internet, aos académicos que se pronunciaram sobre o assunto, às organizações de defesa dos direitos humanos e digitais, à organização europeia de defesa dos consumidores (a portuguesa DECO idem), o supervisor europeu de protecção de dados, as comunidades Wikipédia de vários países, etc... (fiquemos por aqui que a lista é demasiado longa). Mas haverá mesmo quem defenda estas medidas absurdas sem ser as próprias indústrias que delas beneficiam financeiramente? E que aliás são as mesmas que estiveram na sua origem e as levaram até Bruxelas...

Querem falar das gigantes tecnológicas americanas? Onde estão vocês quando é preciso defender a privacidade dos cidadãos na Internet, perante essas mesmas tecnológicas? Onde está o vosso poderoso lobbying na discussão da ePrivacy? Pois. As batalhas contra essas tecnológicas são feitas precisamente por entidades como nós, entidades que com poucos ou nenhuns recursos tentam defender os interesses dos cidadãos. As mesmas entidades que acusam agora de estarem ao serviço de Google e afins. Onde estão vocês quando é preciso impulsionar projectos de conhecimento livre, ciência aberta, software livre, dados abertos, transparência, e outros? Não venham falar dos monopólios das gigantes tecnológicas americanas porque vocês estão-se bem nas tintas para eles – querem sim que se aumente a fatia do bolo que eles vos pagam.

Curiosamente, não precisávamos sequer de estar em lados opostos. É a vossa cegueira que não vos permite ver que nós somos os primeiros a querer encontrar soluções para autores, artistas e para promover a cultura. Mas nunca a custo de direitos fundamentais dos cidadãos.

Esta batalha pelos direitos fundamentais e por uma Internet livre está longe de estar ganha, bem pelo contrário, as probabilidades continuam a ser-nos desfavoráveis. Existe uma colossal diferença de recursos entre ambos os lados, e a situação só se vai agravar nas próximas semanas. Sabemos que a música vai voltar a tocar muito em breve, e talvez com mais força que nunca. Mas por cada 1 de vós, nós somos 100. A Comunidade da Internet é tipicamente desorganizada e muito lenta a reagir. Mas quando tem de reagir, reage a sério. Essa música que tocam está gasta. Até a tocam bem, mas já ninguém vai na cantiga.

Hoje os políticos da Europa sabem que aceitar tocar a vossa música implica pagar o respectivo preço – em votos.