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O Assunto (*Generated Transcript*), 30.05.23 - Lula com Maduro e a relação Brasil-Venezuela

30.05.23 - Lula com Maduro e a relação Brasil-Venezuela

E de repente, desde o Brasil, foram fechadas todas as portas e todas as janelas.

Sendo países vizinhos.

Sendo países que nos queremos como povo.

Desde 2015, o presidente venezuelano não era recebido no Brasil.

E durante os quatro anos de governo Bolsonaro, a relação entre os dois países foi cortada.

O Brasil também via o Itamaraty, acabou de emitir uma nota reconhecendo o Juan Guaidó

como presidente da Venezuela.

Não tem outra maneira.

Se você não enfraquecer o exército da Venezuela, o Maduro não ganha.

O senhor mesmo não pensa em mandar nenhuma comissão para falar com o Maduro, nada?

A gente não tem o que conversar com ele.

O que nós queremos, ele não vai entender, não vai entender.

Mas com Lula, a postura mudou.

Depois de oito anos, o presidente Maduro volta a visitar o Brasil e nós recuperamos o direito

de fazer política de relações internacionais.

Hoje se abre uma nova época nas relações entre os nossos países, entre nossos povos.

O presidente Maduro foi recebido no Palácio do Planalto com todas as honras de chefe de

Estado, ignorando inúmeras denúncias de violações de direitos humanos em seu país.

E o preconceito continua ainda.

O preconceito contra a Venezuela é muito grande.

Quantas críticas a gente sofreu aqui durante a campanha por ser amigo da Venezuela.

Eu acho que cabe à Venezuela mostrar a sua narrativa para que possam efetivamente

fazer as pessoas mudarem de opinião.

Por isso, Maduro, seja bem-vindo ao meu país.

Encontro especial que antecede a Cúpula de Líderes da América do Sul, marcada para

esta terça-feira em Brasília.

Uma reunião para tentar reconstruir o protagonismo do Brasil na região.

É impensável imaginar uma América Latina que caminhe bem em termos de estabilidade,

de desenvolvimento, ou mesmo em agendas mais contemporâneas, por exemplo, a busca de uma

energia mais limpa, a questão da sustentabilidade ambiental, a proteção dos povos autóctones,

dos povos originários.

Nada disso pode caminhar sem ter o Brasil à mesa e, muitas vezes, à cabeceira da mesa.

O Brasil é um player absolutamente crucial para a América Latina.

Da redação do G1, eu sou Natuzaneri e o assunto hoje é o encontro de Lula com Maduro

e a relação do Brasil com a América Latina.

Meu convidado neste episódio é o analista político Oliver Stunk, professor na Escola

de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo.

Terça-feira, 30 de maio.

Oliver, nessa segunda-feira, que é o dia que a gente grava esse episódio, o urso de

Ninguém Mais, Ninguém Menos que Nicolás Maduro, presidente da Venezuela, e não se

pronunciou sobre as violações aos direitos humanos no país.

Foi bastante criticado pela oposição.

Dentro do próprio governo Lula, eu ouvi críticas a essa agenda de hoje por Lula receber Maduro

e fazer comentários, inclusive, ao governo da Lula.

Na coletiva em que eles dois responderam perguntas da imprensa, Lula disse achar um absurdo questionar

a legitimidade de Maduro eleito pelo povo.

E afirmou também, Oliver, que cabe a Venezuela mostrar a sua narrativa sobre a situação

econômica e política do país.

Então, eu te pergunto, na sua avaliação, qual é a sua opinião sobre o que é que

econômica e política do país?

Então, eu te pergunto, na sua avaliação, esse gesto a Maduro, que foi um gesto bem

importante, ele é explicado pelo pragmatismo?

Ele é explicado pela ideologia?

Ele é explicado pelo quê?

Porque muita gente não entendeu.

Bom, primeiro é preciso reconhecer que a decisão de convidar Maduro, a decisão de

reestabelecer laços diplomáticos, isso é uma decisão pragmática.

É preciso ter uma relação funcional com o país com o qual tem uma fronteira de mais

de dois mil quilômetros.

E a estratégia de isolar o Maduro ao longo dos últimos anos fracassou, claramente.

Eu briguei muito com companheiros sociais, democratas, europeus, com governos, com pessoas

dos Estados Unidos.

Eu achava a coisa mais absurda do mundo para as pessoas que defendem a democracia, era

as pessoas negarem que você era presidente da Venezuela, tendo sido eleito pelo povo,

e o cidadão que foi eleito para ser deputado fosse reconhecido como presidente da Venezuela.

É evidente que agora o Brasil, mas também vários outros países, estão se reaproximando

da Venezuela por motivos puramente pragmáticos, não só de um aspecto econômico, a Venezuela

é um grande exportador de petróleo, mas o Brasil também precisa lidar com a Venezuela

para resolver problemas na fronteira, por exemplo, o tema do refúgio, o crime organizado

na fronteira, tem uma série de desafios fitossanitários, por exemplo, animais não vacinados, por exemplo,

entrando em território brasileiro, ou seja, o dia a dia da diplomacia também é importante

e em função disso faz sentido normalizar a relação.

Agora, essa rodada de imprensa também demonstrou que aparentemente existe alguma simpatia com

o presidente da Venezuela e o Lula foi bastante longe ao afirmar que ele questiona aqueles

que dizem que o Maduro carece de legitimidade democrática, apesar de muitas evidências

de que o presidente venezuelano hoje implementou ao longo dos últimos anos um sistema não-democrático.

A missão da ONU investigou mais de 220 casos de violações dos direitos humanos e concluiu

que o presidente Nicolás Maduro e os ministros mais importantes do governo da Venezuela

estão ligados a possíveis crimes que envolvem prática de tortura e execuções extrajudiciais.

A ONU afirma que tem motivos razoáveis para acreditar que os serviços de inteligência

plantaram provas contra vítimas para detê-las.

Hoje em dia, a repressão sistemática do governo venezuelano contra a oposição, as

eleições dificilmente serão eleições livres e justas e nesse sentido ele acaba,

me parece, indo longe demais.

Eu vou em lugar que as pessoas nem sabem aonde fica a Venezuela, mas sabem que a Venezuela

tem problema da democracia, de um governo não sei das quantas.

Então é preciso que você construa a sua narrativa e eu acho que por tudo que nós

conversamos a sua narrativa vai ser infinitamente melhor do que a narrativa que eles têm contado

contra você.

Porque teria sido suficiente dar esse passo de normalização das relações, mas agora

em função desses comentários mais simpáticos em relação ao Maduro, ele claramente mobiliza

a oposição aqui no Brasil, polariza ainda mais e ganha muito pouco com isso, porque

primeiramente a presença do Maduro em Brasília já é um grande avanço para o governo venezuelano.

Agora esses comentários claramente são um grande baque também para a oposição venezuelana

que dificilmente aceitará o Brasil como um ator que possa ter algum papel na mediação

que está acontecendo dentro da Venezuela na esperança de que no futuro possamos ter

relações, eleições democráticas.

Então só para eu entender os dois pontos que você aborda.

De um lado se ficasse apenas nas questões comerciais ou de fronteira faria sentido

ter Maduro em Brasília, mas o discurso do presidente da república foi o que pegou,

no sentido de dar uma legitimidade a um líder autocrático que tem uma maneira de governar

que cala opositores, a imprensa independente, a imprensa livre.

É mais ou menos nesse sentido.

Então eu entendo que foi um gesto pragmático e ideológico, foi os dois juntos.

Sem dúvida, ou seja, a decisão inicial de chamar o Maduro foi uma decisão pragmática.

Pela primeira vez em anos teremos todos os presidentes sul-americanos juntos para discutir

o futuro da região.

Na última vez em que Nicolás Maduro esteve aqui no Brasil foi em janeiro de 2015, quando

ele veio para a posse da presidente Dilma Rousseff, que havia sido reeleita presidente da república.

É difícil conceber que tenha passado tantos anos sem que mantivesse um diálogo com a

autoridade de um país amazônico e vizinho do qual compartilhamos extensa fronteira de

2.200 quilômetros.

E aí é preciso também lidar com aqueles presidentes que, infelizmente, não possuem

legitimidade democrática, porque muitas questões, como você diz, comerciais, mas também de

resolução de problemas do dia a dia, é preciso ter essa relação diplomática.

Nenhum país do mundo consegue evitar por completo ter uma relação diplomática com

países não democráticos.

Agora, defender a legitimidade democrática do presidente venezuelano claramente é uma

provocação em relação à oposição, porque não é uma constatação controversa de dizer

que a Venezuela hoje não é uma democracia.

Então isso me parece ser uma movimentação acima de tudo para mobilizar parte da base

do PT, onde ainda existe aí, entre parte dela, uma certa simpatia com o governo venezuelano.

Mas isso não é um prato cheio para a extrema direita, aqui no Brasil, por exemplo?

Não, sem dúvida.

Veremos os grupos bolsonaristas fazendo oferça nos próximos dias.

Então, acima de tudo, esses comentários promovem a polarização.

O que me parece algo realmente problemático, porque o Brasil tem um papel muito importante

na região.

Nenhuma iniciativa de integração regional dá certo sem a participação, sem a liderança

brasileira.

SELAC é a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos.

O bloco reúne 33 países.

Ele foi criado em 2010, no México, mas a ideia nasceu ainda na década de 1980.

Em 2020, o governo Bolsonaro abandonou a SELAC por divergências políticas e ideológicas

com Cuba e Venezuela.

A presença de Lula era a mais aguardada na sétima cúpula da Comunidade dos Estados

Latino-Americanos e Caribenhos em Buenos Aires.

Com muitos aplausos, o Brasil foi recebido em seu retorno à SELAC.

No meu primeiro pronunciamento após o resultado das eleições, afirmei que o Brasil estava

de volta ao mundo.

Nada mais natural do que começar esse caminho de retorno pela SELAC.

Mas isso acima de tudo são questões técnicas, como, por exemplo, reduzir as barreiras comerciais

dentro da região, como facilitar a vida de uma empresa brasileira que quer expandir para

outros mercados na região, como gerenciar o problema dos refugiados que fogem da Venezuela,

como lidar com a questão do desmatamento, do crime organizado.

Então, tudo isso são questões muito importantes, são acima de tudo questões técnicas, e

ao fazer esse tipo de comentário, acaba sendo uma questão muito politizada e isso acaba

ocupando muito espaço e nos dá menos artigos, menos análises, menos espaço para analisar

realmente os grandes desafios que o Brasil não conseguirá resolver sozinho e pelas

quais precisa da anuência e da participação dos líderes da região.

Agora, Oliveira, o presidente Lula também disse haver preconceito contra a Venezuela

nesse contexto de defesa que ele faz ao país de Maduro.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, inclusive afirmou que a equipe econômica brasileira

vai criar um grupo de trabalho para discutir a renegociação da dívida venezuelana com

o Brasil.

Tirando toda a disputa ideológica em torno do país, você pode nos explicar qual é

a situação política e econômica por lá?

A Venezuela passou por uma década do ponto de vista econômico muito positiva em função

do aumento do preço do petróleo nos anos 2000, isso facilitou muito a vida do ex-presidente

venezuelano Hugo Chávez, acabou elevando muito a taxa de aprovação em função da

possibilidade de aumentar muitos gastos sociais, mais de 99% das exportações venezuelanas

são petróleo, ou seja, quando aumenta o preço do petróleo, claramente o país se

beneficia e o Chávez soube utilizar isso para consolidar o seu poder político, inclusive

para promover uma erosão da democracia enquanto era um líder bastante popular.

O Maduro hoje já não é mais um líder popular, em parte porque o preço do petróleo

hoje é muito mais baixo do que era naquela época e o sistema econômico adotado pela

Venezuela nunca era sustentável.

A Venezuela foi atingida como se fosse por mísseis, mísseis de guerra, foram lançadas

900 medidas de sanções econômicas.

A Venezuela passou de uma entrada de 56 bilhões de dólares por ano por petróleo, à entrada

de 700 milhões de dólares por ano por petróleo.

O país passou por um colapso econômico, mas também por uma escalada autoritária e,

apesar da sua riqueza natural, o país hoje enfrenta gravíssimos problemas, inclusive

uma fuga enorme das pessoas mais qualificadas, uma parte significativa das pessoas mais...

da elite intelectual sair do país.

Mesmo assim, é um país que possivelmente lá na frente pode novamente se tornar um

parceiro comercial relevante para o Brasil, como foi o caso no passado, quando empresas

brasileiras tiveram uma presença bastante significativa no país.

A gente tinha uma relação comercial que teve um fluco de praticamente 6 bilhões e

600 milhões de dólares e hoje tem pouco menos de 2 bilhões de dólares.

Isso é ruim para a Venezuela e é ruim para o Brasil.

Segundo o Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio, a dívida venezuelana

passa dos 6 bilhões de reais.

Isso sem falar da inflação, né?

Segundo as estimativas não oficiais, só em 2022 foi por volta de 300%.

Sim, a economia passou por um colapso e hoje a elite venezuelana utiliza dólares, ou seja,

quem possui contas no exterior consegue viver bem.

A minha impressão ao longo dos últimos anos, visitando Caracas com frequência, é que

o país hoje está um pouco numa situação parecida com a Rússia no início dos anos

90, uma situação bastante anárquica, com um governo sem capacidade de regular realmente

a economia, onde uma elite que possui acesso político e influência política se dá muito

bem, mas saindo dessas zonas da capital dá para ver que de fato se trata de um estado

falido que inclusive não controla partes do território onde o crime organizado realmente

controla a economia, controla a vida das pessoas.

Então é um país que pode gerar muitos problemas para a América Latina e o Brasil de certa

forma também precisa reconhecer que é um dos países mais afetados por essa questão.

O número de venezuelanos que fogem do regime de Nicolás Maduro em busca de um refúgio

passou de 6 milhões.

Isso equivale a 20% da população da Venezuela.

E desse total, quase 5 milhões estão em países da América Latina.

A Colômbia é o país que mais abriga venezuelanos, 2 milhões.

Peru, segundo posto no ranking, com 1 milhão.

O Brasil, quinto lugar, com 261 mil e 400 venezuelanos.

O maior desafio da política externa brasileira ao longo dos últimos 20 anos foi conter o

colapso venezuelano e o Brasil não conseguiu e isso também influenciou a forma como o

Brasil é visto no exterior e como toda a América do Sul é visto por pessoas ao redor

do mundo.

Espera um pouquinho que eu já volto para falar com o Oliver.

Eu queria falar um pouco sobre democracia versus extrema direita.

A campanha do hoje presidente Lula foi toda feita baseada na defesa da democracia.

Isso inclusive foi reforçado depois dos atentados golpistas aqui no Brasil de 8 de janeiro.

Quando o presidente recebe um aliado com esse contexto de governo antidemocrático, ele

que é um ditador, que mensagem Lula passa não para o Brasil, mas para o mundo na sua

avaliação, Oliver?

Eu acho que a princípio todo mundo reconhece que é preciso também manter laços com países

autoritários que muitas vezes são de grande relevância econômica.

Todos os países do mundo têm laços muito profundos com a China e com várias outras

ditaduras.

Eu acho que se fosse uma rodada de imprensa normal, mais protocolar, ressaltando a necessidade

de reiniciar o diálogo depois desse experimento fracassado de tentar isolar a Venezuela, todo

mundo concorda que isso não teve o impacto desejado, não acho que teria um impacto negativo.

Agora, defender, como eu disse, a legitimidade democrática da Venezuela claramente posiciona

o Brasil como um dos países aliados da Venezuela.

E certamente no momento em que o Brasil acabou de passar por uma profunda crise da sua democracia,

com as Forças Armadas se destacando e ameaçando o processo democrático, que aliás, as Forças

Armadas que têm na Venezuela um poder político imenso, o Maduro no fundo lidera o governo

militar.

Aquilo claramente pode ser criticado e pode também limitar um pouco a legitimidade do

governo brasileiro na hora de querer lidar com outras questões, como por exemplo a guerra na Ucrânia.

Agora, eu queria o teu olhar, Oliver, sobre o que vai acontecer nesta terça-feira, quando

Lula vai se reunir com 11 líderes de países da América do Sul numa cúpula regional.

Primeiro te perguntando quais os objetivos do Brasil com essa reunião e, segundo, qual

o objetivo desses outros países vindo pra cá.

Acima de tudo, o objetivo é reiniciar o diálogo.

O Brasil estava em grande parte ausente ao longo dos últimos anos, não tivemos uma

reunião pra discutir as grandes questões da região.

Há muitos desafios que o Brasil não consegue resolver sozinho, nenhum país consegue resolver

de forma autônoma.

A visita de Maduro ocorre na véspera do encontro dos líderes de países da América do Sul

promovido pelo governo Lula, um marco na retomada das relações com os países vizinhos.

E Maduro já antecipou que amanhã vai propor aos países da região que peçam aos Estados

Unidos pra que suspendam as sanções contra a Venezuela.

Então, nesse sentido, é um primeiro passo pra normalizar as relações entre líderes

na região.

Agora, o que vem depois, me parece, o grande desafio é estabelecer um modelo que possa

funcionar ainda se, no final do ano, a Argentina vai eleger o presidente de centro-direita

ou da extrema-direita, quando o Chile elegerá, provavelmente, um presidente de direita em

2025.

Ou seja, o diálogo não pode depender do alinhamento ideológico, como foi o caso no

passado.

A grande iniciativa do governo brasileiro, o Nassu, fracassou porque o diálogo acabou

quando surgiram lideranças de direita.

Então, me parece que o grande desafio, e isso também é do interesse dos outros países,

é avançar com questões técnicas.

Como os líderes à esquerda, ou de esquerda, ou de centro-esquerda enxergam Lula na região?

Ou o papel dele na região?

Claramente, acho que tem um papel também pra articular uma visão que a esquerda latino-americana

tem diante dos desafios da atualidade, como, por exemplo, segurança pública, que é um

grande tema que permitiu que a direita possa vencer as últimas eleições com bastante

facilidade.

Também explica por que uma liderança da direita em El Salvador, o Naipo, Kelly, com

uma estratégia bastante radicalizada no combate contra o crime organizado, faz tanto sucesso

e porque veremos ao longo dos próximos anos o surgimento de candidatos que se inspiram

do presidente Bukele.

Bukele deslanchou uma garra contra as gangues ao longo de todo este último ano, colocando

65 mil pessoas na cadeia.

Mas organizações de defesa dos direitos humanos afirmam que, pelo menos, um terço das pessoas

detidas não possuem vínculos com as gangues.

A ONU, a Igreja Católica e muitas organizações não governamentais criticam os métodos do

presidente salvadorenho.

As denúncias indicam detenções arbitrárias, torturas e assassinatos das pessoas detidas.

E à esquerda temos, claramente, vertentes mais social-democratas, como é o caso no

Chile e alguns elementos mais radicais.

E cabe também, além de ser o principal chefe de Estado na América Latina, o Lula também

é a principal liderança da esquerda latino-americana e com isso também, me parece, tem uma responsabilidade

bastante importante para articular uma estratégia que faça uma distinção clara entre governos

comprometidos com a democracia e aqueles, como na Venezuela, que têm adotado uma postura

autocrática.

E com a direita?

Porque olhando para os governos Lula 1 e Lula 2, Lula também dialogava razoavelmente bem

com a direita, com políticos mais à direita do que o PT.

Ele tinha uma boa relação com o Bush, por exemplo, para citar um caso apenas.

O Lula 3 te parece repetir o Lula 1 e Lula 2 em termos de diálogo com a direita ou você

enxerga hoje mais obstáculos do que no passado?

A princípio o Lula mantém a capacidade de manter um diálogo funcional com líderes

em todo o espectro ideológico.

Temos uma relação funcional entre o Brasil hoje com o Paraguai, de uma direita bastante

conservadora.

Temos uma relação funcional com o Uruguai, de uma esquerda mais centrista.

Paraguai e Uruguai convidados a integrarem o G20 a partir do ano que vem porque o Brasil

vai presidir o G20 no ano que vem e tem essa prerrogativa, tem convites a fazer.

Então é uma forma de você, seja ao norte, seja ao sul do continente, demonstrar essa

reconstrução de pontes e garantir também um protagonismo na região.

Mas não tenho dúvidas que o Lula terá uma relação funcional com a próxima presidente

da Argentina que provavelmente será de direita.

Com a extrema direita que pode surgir também, o Javier Melei, vai ser um pouco mais difícil,

mas a princípio existe aí um pragmatismo bastante grande na articulação da política

externa do Lula.

Agora, nos últimos cinco meses, os primeiros cinco meses do terceiro mandato, houve bastante

controvérsia sobre a Ucrânia, sobre a Venezuela.

Agora, isso pode causar alguma fricção, mas por enquanto, sobretudo em função da

relegância do Brasil no âmbito da mudança climática, o Brasil continua sendo um ator

indispensável.

O presidente Lula anunciou que Belém foi escolhida como a sede da COP30, a Conferência

do Clima das Nações Unidas.

Eu já participei de COP no Egito, já participei de COP em Paris, já participei de COP em

Copenhaguen e o pessoal só fala da Amazônia.

O pessoal só fala da Amazônia.

Então eu dizia assim, por que então não fazer a COP no estádio da Amazônia, para

vocês conhecerem o que é a Amazônia?

Para o governo americano, o governo da Alemanha, da Espanha, da França, da China, etc.

Para todos esses países, a parceria com o Brasil é fundamental, porque todo mundo

sabe que o Brasil precisa estar à mesa na hora de discutir o combate global contra as

mudanças climáticas, contra o combate contra o desmatamento.

Então em função disso, acho que apesar dessas considerações mais controversas, ele

a princípio ainda mantém essa capacidade de manter laços, seja com líderes de esquerda,

seja com líderes de direita.

Oliver, muito obrigada pela participação.

Você sabe o quão bem-vindo você é aqui no assunto, porque nos ajuda a entender tudo,

a encaixar todas as pecinhas.

Obrigada.

Muitíssimo obrigado pelo convite.

Este foi o Assunto, o podcast diário disponível no G1, no Globoplay ou na sua plataforma de

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Vale a pena seguir o podcast na Amazon ou no Spotify, assinar no Apple Podcasts, se

inscrever no Google Podcasts ou no Castbox e favoritar na Deezer.

Assim você recebe uma notificação sempre que tiver um novo episódio.

Comigo na equipe do Assunto estão Mônica Mariotti, Amanda Polato, Tiago Aguiar, Luiz

Felipe Silva, Tiago Kaczorowski, Gabriel de Campos, Nayara Fernandes e Guilherme Romero.

Eu sou Natuzaneri e fico por aqui.

Até o próximo Assunto.

Legendas pela comunidade Amara.org


30.05.23 - Lula com Maduro e a relação Brasil-Venezuela 30.05.23 - Lula und Maduro und die Beziehungen Brasilien-Venezuela 05.30.23 - Lula with Maduro and the Brazil-Venezuela relationship 30.05.23 - Lula avec Maduro et la relation Brésil-Venezuela 30.05.23 - ルーラとマドゥロ、そしてブラジルとベネズエラの関係

E de repente, desde o Brasil, foram fechadas todas as portas e todas as janelas.

Sendo países vizinhos.

Sendo países que nos queremos como povo.

Desde 2015, o presidente venezuelano não era recebido no Brasil.

E durante os quatro anos de governo Bolsonaro, a relação entre os dois países foi cortada.

O Brasil também via o Itamaraty, acabou de emitir uma nota reconhecendo o Juan Guaidó

como presidente da Venezuela.

Não tem outra maneira.

Se você não enfraquecer o exército da Venezuela, o Maduro não ganha.

O senhor mesmo não pensa em mandar nenhuma comissão para falar com o Maduro, nada?

A gente não tem o que conversar com ele.

O que nós queremos, ele não vai entender, não vai entender.

Mas com Lula, a postura mudou.

Depois de oito anos, o presidente Maduro volta a visitar o Brasil e nós recuperamos o direito

de fazer política de relações internacionais.

Hoje se abre uma nova época nas relações entre os nossos países, entre nossos povos.

O presidente Maduro foi recebido no Palácio do Planalto com todas as honras de chefe de

Estado, ignorando inúmeras denúncias de violações de direitos humanos em seu país.

E o preconceito continua ainda.

O preconceito contra a Venezuela é muito grande.

Quantas críticas a gente sofreu aqui durante a campanha por ser amigo da Venezuela.

Eu acho que cabe à Venezuela mostrar a sua narrativa para que possam efetivamente

fazer as pessoas mudarem de opinião.

Por isso, Maduro, seja bem-vindo ao meu país.

Encontro especial que antecede a Cúpula de Líderes da América do Sul, marcada para

esta terça-feira em Brasília.

Uma reunião para tentar reconstruir o protagonismo do Brasil na região.

É impensável imaginar uma América Latina que caminhe bem em termos de estabilidade,

de desenvolvimento, ou mesmo em agendas mais contemporâneas, por exemplo, a busca de uma

energia mais limpa, a questão da sustentabilidade ambiental, a proteção dos povos autóctones,

dos povos originários.

Nada disso pode caminhar sem ter o Brasil à mesa e, muitas vezes, à cabeceira da mesa.

O Brasil é um player absolutamente crucial para a América Latina.

Da redação do G1, eu sou Natuzaneri e o assunto hoje é o encontro de Lula com Maduro

e a relação do Brasil com a América Latina.

Meu convidado neste episódio é o analista político Oliver Stunk, professor na Escola

de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo.

Terça-feira, 30 de maio.

Oliver, nessa segunda-feira, que é o dia que a gente grava esse episódio, o urso de

Ninguém Mais, Ninguém Menos que Nicolás Maduro, presidente da Venezuela, e não se

pronunciou sobre as violações aos direitos humanos no país.

Foi bastante criticado pela oposição.

Dentro do próprio governo Lula, eu ouvi críticas a essa agenda de hoje por Lula receber Maduro

e fazer comentários, inclusive, ao governo da Lula.

Na coletiva em que eles dois responderam perguntas da imprensa, Lula disse achar um absurdo questionar

a legitimidade de Maduro eleito pelo povo.

E afirmou também, Oliver, que cabe a Venezuela mostrar a sua narrativa sobre a situação

econômica e política do país.

Então, eu te pergunto, na sua avaliação, qual é a sua opinião sobre o que é que

econômica e política do país?

Então, eu te pergunto, na sua avaliação, esse gesto a Maduro, que foi um gesto bem

importante, ele é explicado pelo pragmatismo?

Ele é explicado pela ideologia?

Ele é explicado pelo quê?

Porque muita gente não entendeu.

Bom, primeiro é preciso reconhecer que a decisão de convidar Maduro, a decisão de

reestabelecer laços diplomáticos, isso é uma decisão pragmática.

É preciso ter uma relação funcional com o país com o qual tem uma fronteira de mais

de dois mil quilômetros.

E a estratégia de isolar o Maduro ao longo dos últimos anos fracassou, claramente.

Eu briguei muito com companheiros sociais, democratas, europeus, com governos, com pessoas

dos Estados Unidos.

Eu achava a coisa mais absurda do mundo para as pessoas que defendem a democracia, era

as pessoas negarem que você era presidente da Venezuela, tendo sido eleito pelo povo,

e o cidadão que foi eleito para ser deputado fosse reconhecido como presidente da Venezuela.

É evidente que agora o Brasil, mas também vários outros países, estão se reaproximando

da Venezuela por motivos puramente pragmáticos, não só de um aspecto econômico, a Venezuela

é um grande exportador de petróleo, mas o Brasil também precisa lidar com a Venezuela

para resolver problemas na fronteira, por exemplo, o tema do refúgio, o crime organizado

na fronteira, tem uma série de desafios fitossanitários, por exemplo, animais não vacinados, por exemplo,

entrando em território brasileiro, ou seja, o dia a dia da diplomacia também é importante

e em função disso faz sentido normalizar a relação.

Agora, essa rodada de imprensa também demonstrou que aparentemente existe alguma simpatia com

o presidente da Venezuela e o Lula foi bastante longe ao afirmar que ele questiona aqueles

que dizem que o Maduro carece de legitimidade democrática, apesar de muitas evidências

de que o presidente venezuelano hoje implementou ao longo dos últimos anos um sistema não-democrático.

A missão da ONU investigou mais de 220 casos de violações dos direitos humanos e concluiu

que o presidente Nicolás Maduro e os ministros mais importantes do governo da Venezuela

estão ligados a possíveis crimes que envolvem prática de tortura e execuções extrajudiciais.

A ONU afirma que tem motivos razoáveis para acreditar que os serviços de inteligência

plantaram provas contra vítimas para detê-las.

Hoje em dia, a repressão sistemática do governo venezuelano contra a oposição, as

eleições dificilmente serão eleições livres e justas e nesse sentido ele acaba,

me parece, indo longe demais.

Eu vou em lugar que as pessoas nem sabem aonde fica a Venezuela, mas sabem que a Venezuela

tem problema da democracia, de um governo não sei das quantas.

Então é preciso que você construa a sua narrativa e eu acho que por tudo que nós

conversamos a sua narrativa vai ser infinitamente melhor do que a narrativa que eles têm contado

contra você.

Porque teria sido suficiente dar esse passo de normalização das relações, mas agora

em função desses comentários mais simpáticos em relação ao Maduro, ele claramente mobiliza

a oposição aqui no Brasil, polariza ainda mais e ganha muito pouco com isso, porque

primeiramente a presença do Maduro em Brasília já é um grande avanço para o governo venezuelano.

Agora esses comentários claramente são um grande baque também para a oposição venezuelana

que dificilmente aceitará o Brasil como um ator que possa ter algum papel na mediação

que está acontecendo dentro da Venezuela na esperança de que no futuro possamos ter

relações, eleições democráticas.

Então só para eu entender os dois pontos que você aborda.

De um lado se ficasse apenas nas questões comerciais ou de fronteira faria sentido

ter Maduro em Brasília, mas o discurso do presidente da república foi o que pegou,

no sentido de dar uma legitimidade a um líder autocrático que tem uma maneira de governar

que cala opositores, a imprensa independente, a imprensa livre.

É mais ou menos nesse sentido.

Então eu entendo que foi um gesto pragmático e ideológico, foi os dois juntos.

Sem dúvida, ou seja, a decisão inicial de chamar o Maduro foi uma decisão pragmática.

Pela primeira vez em anos teremos todos os presidentes sul-americanos juntos para discutir

o futuro da região.

Na última vez em que Nicolás Maduro esteve aqui no Brasil foi em janeiro de 2015, quando

ele veio para a posse da presidente Dilma Rousseff, que havia sido reeleita presidente da república.

É difícil conceber que tenha passado tantos anos sem que mantivesse um diálogo com a

autoridade de um país amazônico e vizinho do qual compartilhamos extensa fronteira de

2.200 quilômetros.

E aí é preciso também lidar com aqueles presidentes que, infelizmente, não possuem

legitimidade democrática, porque muitas questões, como você diz, comerciais, mas também de

resolução de problemas do dia a dia, é preciso ter essa relação diplomática.

Nenhum país do mundo consegue evitar por completo ter uma relação diplomática com

países não democráticos.

Agora, defender a legitimidade democrática do presidente venezuelano claramente é uma

provocação em relação à oposição, porque não é uma constatação controversa de dizer

que a Venezuela hoje não é uma democracia.

Então isso me parece ser uma movimentação acima de tudo para mobilizar parte da base

do PT, onde ainda existe aí, entre parte dela, uma certa simpatia com o governo venezuelano.

Mas isso não é um prato cheio para a extrema direita, aqui no Brasil, por exemplo?

Não, sem dúvida.

Veremos os grupos bolsonaristas fazendo oferça nos próximos dias.

Então, acima de tudo, esses comentários promovem a polarização.

O que me parece algo realmente problemático, porque o Brasil tem um papel muito importante

na região.

Nenhuma iniciativa de integração regional dá certo sem a participação, sem a liderança

brasileira.

SELAC é a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos.

O bloco reúne 33 países.

Ele foi criado em 2010, no México, mas a ideia nasceu ainda na década de 1980.

Em 2020, o governo Bolsonaro abandonou a SELAC por divergências políticas e ideológicas

com Cuba e Venezuela.

A presença de Lula era a mais aguardada na sétima cúpula da Comunidade dos Estados

Latino-Americanos e Caribenhos em Buenos Aires.

Com muitos aplausos, o Brasil foi recebido em seu retorno à SELAC.

No meu primeiro pronunciamento após o resultado das eleições, afirmei que o Brasil estava

de volta ao mundo.

Nada mais natural do que começar esse caminho de retorno pela SELAC.

Mas isso acima de tudo são questões técnicas, como, por exemplo, reduzir as barreiras comerciais

dentro da região, como facilitar a vida de uma empresa brasileira que quer expandir para

outros mercados na região, como gerenciar o problema dos refugiados que fogem da Venezuela,

como lidar com a questão do desmatamento, do crime organizado.

Então, tudo isso são questões muito importantes, são acima de tudo questões técnicas, e

ao fazer esse tipo de comentário, acaba sendo uma questão muito politizada e isso acaba

ocupando muito espaço e nos dá menos artigos, menos análises, menos espaço para analisar

realmente os grandes desafios que o Brasil não conseguirá resolver sozinho e pelas

quais precisa da anuência e da participação dos líderes da região.

Agora, Oliveira, o presidente Lula também disse haver preconceito contra a Venezuela

nesse contexto de defesa que ele faz ao país de Maduro.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, inclusive afirmou que a equipe econômica brasileira

vai criar um grupo de trabalho para discutir a renegociação da dívida venezuelana com

o Brasil.

Tirando toda a disputa ideológica em torno do país, você pode nos explicar qual é

a situação política e econômica por lá?

A Venezuela passou por uma década do ponto de vista econômico muito positiva em função

do aumento do preço do petróleo nos anos 2000, isso facilitou muito a vida do ex-presidente

venezuelano Hugo Chávez, acabou elevando muito a taxa de aprovação em função da

possibilidade de aumentar muitos gastos sociais, mais de 99% das exportações venezuelanas

são petróleo, ou seja, quando aumenta o preço do petróleo, claramente o país se

beneficia e o Chávez soube utilizar isso para consolidar o seu poder político, inclusive

para promover uma erosão da democracia enquanto era um líder bastante popular.

O Maduro hoje já não é mais um líder popular, em parte porque o preço do petróleo

hoje é muito mais baixo do que era naquela época e o sistema econômico adotado pela

Venezuela nunca era sustentável.

A Venezuela foi atingida como se fosse por mísseis, mísseis de guerra, foram lançadas

900 medidas de sanções econômicas.

A Venezuela passou de uma entrada de 56 bilhões de dólares por ano por petróleo, à entrada

de 700 milhões de dólares por ano por petróleo.

O país passou por um colapso econômico, mas também por uma escalada autoritária e,

apesar da sua riqueza natural, o país hoje enfrenta gravíssimos problemas, inclusive

uma fuga enorme das pessoas mais qualificadas, uma parte significativa das pessoas mais...

da elite intelectual sair do país.

Mesmo assim, é um país que possivelmente lá na frente pode novamente se tornar um

parceiro comercial relevante para o Brasil, como foi o caso no passado, quando empresas

brasileiras tiveram uma presença bastante significativa no país.

A gente tinha uma relação comercial que teve um fluco de praticamente 6 bilhões e

600 milhões de dólares e hoje tem pouco menos de 2 bilhões de dólares.

Isso é ruim para a Venezuela e é ruim para o Brasil.

Segundo o Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio, a dívida venezuelana

passa dos 6 bilhões de reais.

Isso sem falar da inflação, né?

Segundo as estimativas não oficiais, só em 2022 foi por volta de 300%.

Sim, a economia passou por um colapso e hoje a elite venezuelana utiliza dólares, ou seja,

quem possui contas no exterior consegue viver bem.

A minha impressão ao longo dos últimos anos, visitando Caracas com frequência, é que

o país hoje está um pouco numa situação parecida com a Rússia no início dos anos

90, uma situação bastante anárquica, com um governo sem capacidade de regular realmente

a economia, onde uma elite que possui acesso político e influência política se dá muito

bem, mas saindo dessas zonas da capital dá para ver que de fato se trata de um estado

falido que inclusive não controla partes do território onde o crime organizado realmente

controla a economia, controla a vida das pessoas.

Então é um país que pode gerar muitos problemas para a América Latina e o Brasil de certa

forma também precisa reconhecer que é um dos países mais afetados por essa questão.

O número de venezuelanos que fogem do regime de Nicolás Maduro em busca de um refúgio

passou de 6 milhões.

Isso equivale a 20% da população da Venezuela.

E desse total, quase 5 milhões estão em países da América Latina.

A Colômbia é o país que mais abriga venezuelanos, 2 milhões.

Peru, segundo posto no ranking, com 1 milhão.

O Brasil, quinto lugar, com 261 mil e 400 venezuelanos.

O maior desafio da política externa brasileira ao longo dos últimos 20 anos foi conter o

colapso venezuelano e o Brasil não conseguiu e isso também influenciou a forma como o

Brasil é visto no exterior e como toda a América do Sul é visto por pessoas ao redor

do mundo.

Espera um pouquinho que eu já volto para falar com o Oliver.

Eu queria falar um pouco sobre democracia versus extrema direita.

A campanha do hoje presidente Lula foi toda feita baseada na defesa da democracia.

Isso inclusive foi reforçado depois dos atentados golpistas aqui no Brasil de 8 de janeiro.

Quando o presidente recebe um aliado com esse contexto de governo antidemocrático, ele

que é um ditador, que mensagem Lula passa não para o Brasil, mas para o mundo na sua

avaliação, Oliver?

Eu acho que a princípio todo mundo reconhece que é preciso também manter laços com países

autoritários que muitas vezes são de grande relevância econômica.

Todos os países do mundo têm laços muito profundos com a China e com várias outras

ditaduras.

Eu acho que se fosse uma rodada de imprensa normal, mais protocolar, ressaltando a necessidade

de reiniciar o diálogo depois desse experimento fracassado de tentar isolar a Venezuela, todo

mundo concorda que isso não teve o impacto desejado, não acho que teria um impacto negativo.

Agora, defender, como eu disse, a legitimidade democrática da Venezuela claramente posiciona

o Brasil como um dos países aliados da Venezuela.

E certamente no momento em que o Brasil acabou de passar por uma profunda crise da sua democracia,

com as Forças Armadas se destacando e ameaçando o processo democrático, que aliás, as Forças

Armadas que têm na Venezuela um poder político imenso, o Maduro no fundo lidera o governo

militar.

Aquilo claramente pode ser criticado e pode também limitar um pouco a legitimidade do

governo brasileiro na hora de querer lidar com outras questões, como por exemplo a guerra na Ucrânia.

Agora, eu queria o teu olhar, Oliver, sobre o que vai acontecer nesta terça-feira, quando

Lula vai se reunir com 11 líderes de países da América do Sul numa cúpula regional.

Primeiro te perguntando quais os objetivos do Brasil com essa reunião e, segundo, qual

o objetivo desses outros países vindo pra cá.

Acima de tudo, o objetivo é reiniciar o diálogo.

O Brasil estava em grande parte ausente ao longo dos últimos anos, não tivemos uma

reunião pra discutir as grandes questões da região.

Há muitos desafios que o Brasil não consegue resolver sozinho, nenhum país consegue resolver

de forma autônoma.

A visita de Maduro ocorre na véspera do encontro dos líderes de países da América do Sul

promovido pelo governo Lula, um marco na retomada das relações com os países vizinhos.

E Maduro já antecipou que amanhã vai propor aos países da região que peçam aos Estados

Unidos pra que suspendam as sanções contra a Venezuela.

Então, nesse sentido, é um primeiro passo pra normalizar as relações entre líderes

na região.

Agora, o que vem depois, me parece, o grande desafio é estabelecer um modelo que possa

funcionar ainda se, no final do ano, a Argentina vai eleger o presidente de centro-direita

ou da extrema-direita, quando o Chile elegerá, provavelmente, um presidente de direita em

2025.

Ou seja, o diálogo não pode depender do alinhamento ideológico, como foi o caso no

passado.

A grande iniciativa do governo brasileiro, o Nassu, fracassou porque o diálogo acabou

quando surgiram lideranças de direita.

Então, me parece que o grande desafio, e isso também é do interesse dos outros países,

é avançar com questões técnicas.

Como os líderes à esquerda, ou de esquerda, ou de centro-esquerda enxergam Lula na região?

Ou o papel dele na região?

Claramente, acho que tem um papel também pra articular uma visão que a esquerda latino-americana

tem diante dos desafios da atualidade, como, por exemplo, segurança pública, que é um

grande tema que permitiu que a direita possa vencer as últimas eleições com bastante

facilidade.

Também explica por que uma liderança da direita em El Salvador, o Naipo, Kelly, com

uma estratégia bastante radicalizada no combate contra o crime organizado, faz tanto sucesso

e porque veremos ao longo dos próximos anos o surgimento de candidatos que se inspiram

do presidente Bukele.

Bukele deslanchou uma garra contra as gangues ao longo de todo este último ano, colocando

65 mil pessoas na cadeia.

Mas organizações de defesa dos direitos humanos afirmam que, pelo menos, um terço das pessoas

detidas não possuem vínculos com as gangues.

A ONU, a Igreja Católica e muitas organizações não governamentais criticam os métodos do

presidente salvadorenho.

As denúncias indicam detenções arbitrárias, torturas e assassinatos das pessoas detidas.

E à esquerda temos, claramente, vertentes mais social-democratas, como é o caso no

Chile e alguns elementos mais radicais.

E cabe também, além de ser o principal chefe de Estado na América Latina, o Lula também

é a principal liderança da esquerda latino-americana e com isso também, me parece, tem uma responsabilidade

bastante importante para articular uma estratégia que faça uma distinção clara entre governos

comprometidos com a democracia e aqueles, como na Venezuela, que têm adotado uma postura

autocrática.

E com a direita?

Porque olhando para os governos Lula 1 e Lula 2, Lula também dialogava razoavelmente bem

com a direita, com políticos mais à direita do que o PT.

Ele tinha uma boa relação com o Bush, por exemplo, para citar um caso apenas.

O Lula 3 te parece repetir o Lula 1 e Lula 2 em termos de diálogo com a direita ou você

enxerga hoje mais obstáculos do que no passado?

A princípio o Lula mantém a capacidade de manter um diálogo funcional com líderes

em todo o espectro ideológico.

Temos uma relação funcional entre o Brasil hoje com o Paraguai, de uma direita bastante

conservadora.

Temos uma relação funcional com o Uruguai, de uma esquerda mais centrista.

Paraguai e Uruguai convidados a integrarem o G20 a partir do ano que vem porque o Brasil

vai presidir o G20 no ano que vem e tem essa prerrogativa, tem convites a fazer.

Então é uma forma de você, seja ao norte, seja ao sul do continente, demonstrar essa

reconstrução de pontes e garantir também um protagonismo na região.

Mas não tenho dúvidas que o Lula terá uma relação funcional com a próxima presidente

da Argentina que provavelmente será de direita.

Com a extrema direita que pode surgir também, o Javier Melei, vai ser um pouco mais difícil,

mas a princípio existe aí um pragmatismo bastante grande na articulação da política

externa do Lula.

Agora, nos últimos cinco meses, os primeiros cinco meses do terceiro mandato, houve bastante

controvérsia sobre a Ucrânia, sobre a Venezuela.

Agora, isso pode causar alguma fricção, mas por enquanto, sobretudo em função da

relegância do Brasil no âmbito da mudança climática, o Brasil continua sendo um ator

indispensável.

O presidente Lula anunciou que Belém foi escolhida como a sede da COP30, a Conferência

do Clima das Nações Unidas.

Eu já participei de COP no Egito, já participei de COP em Paris, já participei de COP em

Copenhaguen e o pessoal só fala da Amazônia.

O pessoal só fala da Amazônia.

Então eu dizia assim, por que então não fazer a COP no estádio da Amazônia, para

vocês conhecerem o que é a Amazônia?

Para o governo americano, o governo da Alemanha, da Espanha, da França, da China, etc.

Para todos esses países, a parceria com o Brasil é fundamental, porque todo mundo

sabe que o Brasil precisa estar à mesa na hora de discutir o combate global contra as

mudanças climáticas, contra o combate contra o desmatamento.

Então em função disso, acho que apesar dessas considerações mais controversas, ele

a princípio ainda mantém essa capacidade de manter laços, seja com líderes de esquerda,

seja com líderes de direita.

Oliver, muito obrigada pela participação.

Você sabe o quão bem-vindo você é aqui no assunto, porque nos ajuda a entender tudo,

a encaixar todas as pecinhas.

Obrigada.

Muitíssimo obrigado pelo convite.

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