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O Assunto (*Generated Transcript*), 16.05.23 - Turquia rumo ao 2º turno I O ASSUNTO I g1

16.05.23 - Turquia rumo ao 2º turno I O ASSUNTO I g1

Uma Turquia profundamente dividida e agora o país de 85 milhões de habitantes

deve viver mais duas semanas de nova campanha.

Os jornais turcos refletem uma grande incerteza.

Erdogan perdeu, afirma a imprensa de oposição.

O povo venceu, anuncia o jornal ProGoverno.

Pela primeira vez na história, a Turquia vai decidir a eleição presidencial

no segundo turno.

De um lado, o autocrata Recep Erdogan, no poder há 20 anos.

Do outro, Kemal Kilit Darulu, um conservador que lidera a aliança de oposição

composta por seis partidos.

O atual presidente largou na frente.

O atual presidente Recep Tayyip Erdogan teve um desempenho mais forte do que o esperado

com 49,51% dos votos.

O partido dele também levou a maioria das cadeiras no parlamento.

Uma popularidade que resiste mesmo em meio a grandes desafios econômicos.

Os preços de fato dispararam.

Os alimentos estão 54% mais caros.

A inflação atingiu 85% em outubro de 2022 e a moeda local, a lira turca, entrou em colapso.

Já faz cinco anos que a inflação está descontrolada, quase sempre na casa dos dois dígitos.

Começou a subir mais depois de uma crise cambial no final de 2021, desencadeada por uma série de cortes na taxa de juros.

Situação agravada por um dos terremotos mais letais do século que atingiu o país há apenas três meses.

É pra não doer, que nem...

Cerca de dois milhões de sobreviventes foram retirados das áreas mais atingidas e levados para outras províncias.

O número de mortes passou de 51 mil.

Nas 11 províncias arrasadas pelo terremoto de fevereiro, há milhões de desalojados descontentes com as operações de reconstrução.

Uma disputa acompanhada sob os olhos atentos do mundo, num país de alta relevância geopolítica.

A posição geográfica entre a Europa e a Ásia, o fato de ser integrante da OTAN e um país de população muçulmana,

são fatores que ajudam a Turquia a se tornar uma importante interlocutora internacional.

Da redação do G1, eu sou Nathuzaneri e o assunto hoje é...

A Turquia rumo ao segundo turno.

Como a eleição presidencial pode definir o futuro da democracia turca

e o que a disputa de lá nos diz sobre outras eleições mundo afora.

Neste episódio, eu converso com a economista Maurício Moura,

sócio do Fundo Zaftra e professor da Universidade George Washington,

e Marina Slessarenko Barreto, pesquisadora do Centro de Análise da Liberdade e do Autoritarismo.

Ela é uma das autoras do livro O Caminho da Autocracia, Estratégias Atuais de Erosão Democrática.

Terça-feira, 16 de maio.

Maurício, você passou dez dias na Turquia, visitou várias cidades, dias antes do primeiro turno,

que aconteceu agora no domingo.

Então eu quero te pedir para começar nos contando como é que estava o clima no país.

Bom Natuza, tinha um altíssimo grau de engajamento na questão da eleição de ambos os lados,

tanto da oposição quanto do governo, da candidatura do presidente, do Erdogan.

Existia um clima bastante tenso, a gente vê um país bastante dividido, bastante polarizado, claramente.

A gente enxerga essas divisões tanto nas grandes cidades, com as cidades pequenas e médias,

as grandes cidades, principalmente Istambul e Âncara, com uma mobilização da oposição muito maior,

e as cidades pequenas e médias com uma mobilização pró-Erdogan bastante grande também.

E também uma divisão de renda e idade.

Olhando as pesquisas e estando presente nos eventos de ambos os lados,

eu pude perceber que o Erdogan mobiliza bastante a base popular de mais baixa renda, claramente,

e a oposição mobiliza bastante a classe média, a classe média média e a classe média alta.

A gente viu isso nas pesquisas e também viu bastante nos comícios que eu pude testemunhar.

E por último, tem uma divisão etária muito forte, pessoas acima de 50 anos, claramente mais pró-Erdogan,

e a juventude, principalmente a juventude urbana, bastante mobilizado contra o governo.

E você cita esse clima tenso nos comícios do Erdogan e dos partidos de oposição,

num deles você acabou sendo detido, Maurício, e questionado. O que aconteceu? Conta pra gente esse momento.

Eu fui num evento do pró-Erdogan, mas no dia anterior eu tinha ido ao escritório da oposição,

inclusive era um evento da oposição, e quando eu estava lá eu fui abordado por dois policiais

que me ativeram para fazer perguntas, basicamente queriam saber o que eu estava fazendo lá no país,

o que eu estava fazendo especificamente no evento da oposição, no escritório da oposição,

perguntaram se eu era jornalista, mas depois que eles perceberam que eu não era,

e até fizeram um Google na minha frente do meu nome, perceberam que eu não era jornalista nada, e me liberaram.

Mas dá uma noção do clima tenso que envolve política na Turquia.

Pra gente entender de que espectro ideológico a gente está falando, dá pra você só nos localizar rapidamente

o espectro político do Erdogan e o espectro político ideológico, melhor dizendo, da oposição?

Na Turquia, os partidos políticos também se misturam com as etnias, né Natuza?

Ankara vive o dia seguinte com amargura, votou majoritariamente na oposição,

assim como Istambul, Izmir na costa oeste e o leste com a maioria curda.

O centro do país, o coração conservador da Anatólia, defende Erdogan.

A direita religiosa, que representa mais da metade da sociedade turca, se reconhece em Erdogan,

que tem nas mãos a maioria dos órgãos de imprensa do país.

O Erdogan, de 2002, que iniciou essa dinastia dele, de mais de duas décadas,

ele tinha um espectro mais liberal no sentido econômico, né?

Ele promoveu diversas reformas liberalizantes na economia turca.

Nas duas últimas décadas, Erdogan conquistou uma base de eleitores

composta principalmente por muçulmanos conservadores e de baixa renda,

graças ao forte crescimento econômico nos primeiros dez anos de governo.

Mas o Erdogan, na última década, principalmente depois que a República da Turquia virou presidencialista,

é um estilo de governo mais populista e autoritário, né?

Populista na economia, a gente pode elaborar sobre isso,

e também autoritário no sentido de, de uma maneira, ocupar e povoar diversas instâncias de instituições turcas,

com, obviamente, seus seguidores e pessoas mais próximas e mais fiéis ao seu projeto político.

Há 20 anos governando a Turquia, Erdogan acumulou poderes,

principalmente depois da tentativa de golpe de Estado, em 2016.

O presidente da Turquia comemora a vitória apertada do Sim no referendo constitucional,

que vai aumentar os poderes dele no país.

A mudança para o sistema presidencialista vai ser a mais radical que o país vai enfrentar

desde a fundação da República Turca, em 1923.

18 emendas foram inseridas à carta magna do país.

O cargo de primeiro-ministro deixa de existir,

e o presidente Tayyip Erdogan passa a acumular as funções de chefe de Estado e de governo.

E também poderá dissolver o parlamento e decretar Estado de emergência,

sem precisar mais da aprovação dos ministros.

A oposição hoje, ela se coloca como a volta de uma gestão econômica mais moderna, né?

Mais séria, inclusive.

E também é importante mencionar isso, no aspecto geopolítico,

a oposição, ela se aproxima muito mais dos países do ocidente

que a atual gestão turca, né?

Liderada por Erdogan.

Eu queria falar um pouquinho sobre inflação.

Você falou de agendas liberalizantes,

numa primeira fase do Erdogan e da oposição,

que se aproxima mais de políticos do ocidente.

Eu queria falar sobre como é que está batendo a inflação por lá,

porque você chegou a mencionar que isso tem um peso importante nessa eleição.

Por que os preços subiram tanto na Turquia?

Tem a ver com a reconstrução depois do terremoto?

Tem a ver com a alta de preços em razão da guerra da Ucrânia?

O que está acontecendo por lá?

Qual é a gênese da inflação alta?

Bom, é importante dizer que a inflação é o maior cabo eleitoral da oposição.

Em qualquer lugar, né Maurício? No mundo.

Mais um lugar que isso se repete.

O Erdogan tem um domínio da máquina pública que é muito maior

do que a gente está acostumado a ver na América Latina.

Você anda na rua, só tem fotos dele,

a figura dele aparece predominantemente nos meios de comunicação.

Então, não é um jogo muito igual na Tusa, claramente.

É muito diferente do que a gente está acostumado no Brasil.

Por outro lado, a inflação, e eu tive a chance de ir em vários comércios,

supermercados, e eu me senti um pouco nos anos 80,

com os preços claramente sendo remarcados de maneira recorrente.

Falta de produto em vários supermercados, principalmente nos bairros mais simples.

O que eu ouvi dos locais aqui é que é obviamente uma combinação de diversos fatores.

O primeiro é a guerra da Ucrânia, principalmente no fluxo de alimentos na região.

Mas também a gestão bastante própria do Erdogan em relação à economia,

porque no movimento de aumento da inflação,

o Erdogan forçou o Banco Central a baixar a taxa de juros.

Então, a gente tem um movimento que é bastante contrário

das boas práticas macroeconômicas globais.

Ou seja, como ele tem uma administração populista, ele gasta muito dinheiro público,

e isso exige que o Banco Central aumente a taxa de juros para conter a inflação.

Quando ele manda o Banco Central descer a taxa de juros no porrete,

a inflação fica descontrolada.

Totalmente. Inclusive, ele demitiu dois presidentes do Banco Central

justamente por não seguirem essa filosofia dele.

E dizem os locais, aqui na Tusa, que os números de inflação oficiais

estão bastante aquém do que eles vivem no dia a dia.

Então, também há uma suspeita no ar, que isso eu pude comprovar

conversando com as pessoas, de que os próprios índices não refletem

na sua plenitude o real aumento de preços.

Então, a gente pode dizer que há, de fato, uma insatisfação popular

em relação à economia, mas também há uma insatisfação em relação à maneira

como o governo conduziu a reconstrução pós-terremoto,

como o governo se relacionou com aquela reação.

Isso acabou juntando um tijolinho, botando um tijolinho em cima do outro

em relação à avaliação do governo?

Totalmente. As pesquisas mostraram que o terremoto e a reação do governo

ao terremoto foi muito ruim para a campanha do Erdogan.

Lembrando que é interessante, porque quando o Erdogan era oposição,

ele era prefeito de Istambul, houve um terremoto no início dos anos 2000

e ele usou esse terremoto quando a oposição, para criticar o governo

em relação à reação. E a oposição, obviamente, usou a mesma retórica

que ele usou há mais de 23 anos atrás.

Isso, obviamente, não ajudou a campanha dele.

E, inclusive, foram em locais que o Erdogan tinha até uma mobilização

bastante positiva em relação à oposição, ele perdeu essa diferença

em função do terremoto. Então, inflação e terremoto fazem com que

essa disputa, de alguma maneira, fosse acirrada ou está acirrada na Tula.

São dois elementos importantíssimos.

E, de alguma maneira, o resultado do primeiro turno te surpreendeu?

Na verdade, do ponto de vista do equilíbrio, não.

As pesquisas apontavam um equilíbrio bastante grande entre o candidato

da principal coalizão de oposição. Aqui é só fazer um ponto

sobre essa coalizão da oposição, que é uma coalizão bastante heterogênea.

A gente tem partidos de centro, de extrema direita, de diversas etnias.

E foi uma vitória política eles terem conseguido, de alguma maneira,

se organizar para ser contra o Erdogan.

Kilit Daroglu, um ex-funcionário público que lidera protestos

da oposição desde 2017, disse que os turcos conhecem os problemas

da economia porque não estão mais enchendo os estômagos.

74 anos, veterano da política turca, é apoiado pela Mesa dos Seis,

uma aliança de seis partidos dominada pelo republicano do povo,

fundado pelo pai da nação turca, Kemal Ataturk.

Lembrando que o presidencialismo é uma coisa recente para a Turquia.

Era uma república parlamentarista.

Agora, o que me surpreendeu mesmo foi o resultado do terceiro colocado,

que ele teve mais ou menos 5% dos votos.

E a gente não achou que, diante dessa polarização dos dois lados,

a gente ia ter um candidato que chegasse nesse patamar de 5 pontos percentuais.

Inclusive, foi decisivo para que tenha um segundo turno.

E qual é a tua expectativa de resultado no dia 28 de maio,

para quando está marcado o segundo turno?

Eu sinto que a vitória está muito mais próxima do Erdogan do que da oposição.

A oposição vai ter que fazer uma mobilização bastante heróica

para conseguir ganhar do Erdogan o segundo turno.

Por causa de uso da máquina, que é muito poderosa?

Exatamente. É uma disputa bastante difícil, bastante desigual.

Dito isso, Natuz, a oposição também tem o apoio da comunidade empresarial turca,

que meio que chegou o momento, e eu vi isso de alguns empresários,

que ou o Erdogan perde ou eles pensam em sair do país,

tanto do ponto de vista de negócio como até do ponto de vista familiar.

Então, a oposição vive dos recursos de parte da economia turca e parte da elite econômica turca.

Para terminar muito rapidamente, Maurício,

o que o mundo pode tirar de lição dessa eleição ou desse processo eleitoral?

Ou se esse processo eleitoral, absolutamente polarizado como você descreveu,

é reflexo do que acontece em outras partes do mundo?

A Turquia é farol ou é consequência do que a gente já viu em outras eleições?

Eu vejo o mesmo filme se repetindo em vários países.

Aconteceu nos Estados Unidos, aconteceu na França, aconteceu no Brasil, aconteceu na Colômbia,

eu vejo isso na Turquia. A gente vive um momento bastante delicado a nível global.

Independente do que acontecer no dia 28, a Turquia é um país dividido,

é um país polarizado, é um país que é praticamente impossível você debater política

sem algum ranço ideológico.

Então, esse é um problema sério que a gente está tendo que conviver como humanidade

e eu só vejo isso se repetir e se repetir.

E a gente vai ter que conviver com isso durante muito tempo, pelo jeito.

Maurício, muito obrigada pela tua participação.

Você sabe que aqui no assunto você tem portas abertas.

Obrigado pelo convite, é sempre um prazer.

Espera um pouquinho que eu já volto para falar com a Marina.

Marina, eu conversava com Maurício Moura sobre a situação econômica da Turquia

e sobre o clima super polarizado por lá.

Com você eu quero me concentrar no cenário político.

Na sua avaliação, o Erdogan sai vitorioso ou derrotado rumo ao segundo turno?

Tudo que o Erdogan queria era levar no primeiro turno, já resolver isso logo agora, ontem, dia 14.

E isso foi o que aconteceu até aqui.

Nunca a Turquia teve segundo turno nas eleições presidenciais,

então isso é uma coisa magistral que está acontecendo.

Ao mesmo tempo, ele mostrou que está com uma força persistente.

Então não é que ele não sai totalmente derrotado,

ele saiu com 49,5% dos votos e ele continua no tabuleiro político bastante forte.

Então a resposta curta que eu diria é que é simultaneamente uma derrota e uma vitória para o Erdogan.

Então, falando em termos de o que é uma vitória,

ele saiu na frente com 2,6 milhões de votos a mais que o oponente dele, o Kemal Kiricida Aroulo.

E ele também conseguiu emplacar a maioria parlamentar,

porque não eram só eleições presidenciais, eram também eleições do parlamento.

Como as nossas no ano passado, né?

Exatamente, são combinadas.

E embora o partido dele tenha perdido cadeiras nominalmente,

ele continua com maioria e a coalizão de forças dele continua vitoriosa.

E também não está claro como o terceiro lugar das eleições,

que é um candidato chamado Sinan Oguam,

que é de ultradireita e nacionalista, vai distribuir os votos.

Ele ganhou 5,2% no pleito e ele falou que precisa conversar com a sua base

para decidir como ele vai instruir os seus eleitores a partir dali.

Ele falou que também tem duas coisas que são muito importantes para ele,

que é basicamente expulsar os sírios,

então basicamente uma política anti-imigração,

e ele quer tirar, alijar do sistema partidário o Partido Socialista.

Então são faltas que são bastante temerosas e que aliam a um discurso mais pró-Erdogan,

que é efetivamente o que já vinha acontecendo há um tempo.

Lembrando que a Turquia faz fronteira tríplice com a Síria e o Iraque, né?

Só para localizar geograficamente, já que você citou os sírios.

Exatamente. Só que ao mesmo tempo ele falou que ele está aberto a conversar com a oposição,

então tem várias camadas de complexidade aí.

Quando você olha o mapa da Turquia, a Turquia tem fronteira com a União Europeia,

com a Grécia e com a Bulgária.

Ela tem fronteira com a ex-União Soviética, com a Georgia e com a Armênia.

Ela tem fronteira com o Irã.

A Turquia tem fronteira com o Iraque, que foi invadido pelos Estados Unidos duas décadas atrás.

Ela tem fronteira com a Síria, que teve a mais sanguinária guerra civil do século XXI.

Ela tem margem para o Mar Negro, onde tem costa a Ucrânia e a Rússia.

Ela controla todo o fluxo de navios do Mar Negro para o Mar Mediterrâneo,

que é algo diretamente relacionado com a guerra da Ucrânia.

A Turquia é a segunda maior força militar do OTAN.

É uma potência militar a Turquia.

Agora, o país está assolado por uma crise econômica brutal.

Teve um terremoto quase sem precedentes que matou cerca de 50 mil pessoas.

Teve a Covid.

Então, quer dizer, dentro de tantas crises, o Erdogan ainda consegue ter 49,5% dos votos.

Isso não é brincadeira, não é para qualquer um.

O Erdogan está há 20 anos no poder.

Ele começou como primeiro-ministro, conseguiu mudar as regras eleitorais para virar presidente.

Quer dizer, ele não só conseguiu mudar as regras eleitorais para virar presidente,

ele conseguiu mudar a Turquia de um sistema parlamentarista para presidencialista.

Para permanecer no poder, né?

Exatamente. Ele não podia mais, segundo as regras do partido,

se eleger de novo primeiro-ministro em 2014.

Então, ele se elegeu presidente e em 2017 mudou as regras do jogo.

Isso quer dizer, é uma trajetória de sucessivos desgastes e abusos de poder.

Concentrações sucessivas de poder.

Então, quer dizer, tendo toda essa máquina do governo em mãos,

ele não ter ganhado no primeiro turno, em 2018, só vale lembrar,

ele ganhou já no primeiro turno com mais de 52% dos votos.

Então, quer dizer, já é um grande efeito.

E se a gente parar para comparar, a gente acabou de ter eleições aqui,

ele deu um pacote de bondades a estilo Bolsonaro, do Bolsonaro 2.0.

Quer dizer, ele deu subsídios a gás natural e eletricidade

e aumentou em quase 45% o salário de servidores públicos,

assim como no dia das eleições.

Então, assim, medidas desesperadas abundaram.

Fora toda a campanha de fake news, o Kemal Kiritsidarolo,

o principal oponente dele, inclusive, apontou como a Rússia

teria ajudado ele, o Erdogan, a criar deepfakes,

aliando o Kiritsidarolo a milícias kurdas, enfim,

a própria mídia muito aliada ao governo.

Então, teve uma pesquisa que saiu, por exemplo, falando que em abril,

no mês passado, mês anterior às eleições,

simplesmente o Erdogan conseguiu emplacar 32 horas de permanência

na rádio e na TV estatal, na TV pública,

enquanto seu principal oponente conseguiu só 32 minutos.

Então, quer dizer, o tabuleiro do poder está totalmente voltado para o Erdogan.

Erdogan, por sua vez, lidera um governo com raízes islâmicas,

acusa o Ocidente de conspirar para retirá-lo do poder

e vem se aproximando cada vez mais da Rússia de Vladimir Putin.

Na reta final da campanha, disse que ele representa os valores tradicionais

em defesa da família e que os adversários são pró-LGBT+.

A oposição do Kemal Kiricidarolo, que é do Partido Republicano,

conseguiu juntar, fazer uma grande frente de seis partidos diferentes

com inclinações que vão desde a direita até a esquerda do tabuleiro político.

E isso também traz dificuldades agora, como vai ser daqui para frente?

Ele vai conseguir aliar, pegar os votos do terceiro lugar ou não?

Ele vai ter que ir mais para a direita para conseguir tentar fazer essa costura

com mais forças e efetivamente ganhar uma eleição.

Kemal Kiricidarolo também se mostrou confiante numa vitória no segundo torno

e acusou o governo de atrapalhar a apuração em redutos da oposição.

Kiricidarolo promete revitalizar a democracia turca e restaurar o parlamentarismo.

Além de se aproximar dos aliados da OTAN, a Turquia faz parte da Aliança Militar Ocidental.

Todos sentimos muita falta da democracia.

A partir de agora, se Deus quiser, uma primavera chegará a este país

e essa primavera continuará para sempre.

Teve também um movimento da sociedade civil muito relevante,

pessoas de observatórios para assegurar a integridade eleitoral,

indo aos locais de votação para acompanhar a apuração.

Então, foi muito grande.

E o que estão falando é que é justamente a eleição em prol da democracia.

Essa é a grande bandeira que está unindo para tentar salvar a Turquia de cair no abismo,

porque ela já está em um processo de autocratização bastante acelerado.

E ainda nesse tema democracia, você pesquisa democracia há bastante tempo

e é uma das autoras do livro O Caminho da Autocracia,

que vai ser lançado nessa terça-feira.

De acordo com as suas pesquisas, o que Turquia, Brasil, Polônia, Hungria e Estados Unidos

têm em comum?

Embora esses países tenham status muito diferentes de governo,

então a gente está falando, alguns países continuam democracias,

outros países já foram, já são classificados como autocracias.

A gente percebe que tem uma estratégia de exportação,

tem muita experimentação de novas tecnologias de governança e formas de exercício do poder.

E o que dá certo, cola, vai sendo exportado e testado.

O Brasil, infelizmente, foi, no pior sentido do termo, muito inovador a esse respeito.

O que a gente percebeu é que em um mandato, no primeiro mandato ainda,

ele conseguiu testar estratégias que só foram implementadas em mandatos subsequentes,

no processo de autocratização da Turquia, por exemplo, mas também da Hungria e da Polônia.

Os Estados Unidos são um ponto fora da curva no sentido de que são uma democracia muito estabelecida,

que tem um histórico democrático muito diferente.

O que a gente está fazendo é comparar países que têm histórias muito diferentes.

Então, o leste europeu tem todo um histórico do ano passado de viver sobre o comunismo,

sobre o pacto de Varsóvia.

Então, comparar países de tradições muito diferentes exige todas as cautelas de contextos e adaptações.

Mas o que a gente conseguiu perceber é que tem uma rede transnacional, vamos assim dizer,

de exportação dessas tecnologias de governar.

Então, a gente foi tentando fazer um mapeamento ali de estratégias e táticas

que esses governos usam para emplacar seus projetos autoritários.

E a gente olhou basicamente para três grandes áreas, educação, espaço cívico,

que basicamente é o espaço onde a sociedade civil se exercita e exerce suas liberdades e direitos,

e também para a segurança pública.

Então, na educação, a gente conseguiu observar algumas táticas de implementação de projetos autoritários,

principalmente em relação a controle ideológico e político de conteúdos,

revisionismo histórico, restrição a currículos e ao que se pode ensinar efetivamente nas salas de aula.

No ensino superior, ataques à liberdade acadêmica e autonomia universitária,

então nomeação de reitores, por exemplo, restrição de financiamento de pesquisa.

Isso foi bastante relevante, a gente conseguiu perceber isso em todos os países que a gente analisou.

Em relação ao espaço cívico, a como a sociedade civil exerce seus direitos,

a gente percebeu duas grandes frentes de ataques.

Então, tanto em relação a mudar a lei, fazer um dirigismo e controle regulatório,

então, por exemplo, mudança de financiamento, restrição a financiamento de ONGs, por exemplo,

e associações civis, quanto também um ataque mais direto à liberdade civil dos cidadãos.

Então, restrição a protestos, prisão de opositores, favorecimento de agendas de governo e repressão de agendas contrárias.

Da segurança pública também, a gente observou duas frentes de atuação.

Uma primeira em relação à vigilância e restrições à privacidade dos cidadãos, por exemplo,

usando softwares de monitoramento de opositores.

E uma segunda frente é em relação ao populismo penal e pânico moral.

Então, instigação de antagonismos, necessidade de armar pessoas, armar os cidadãos, instigação de medo aos cidadãos.

A gente já está falando de um cenário que já é, desde 2013, na verdade, uma autocracia eleitoral.

Então, a gente já concentra poderes em um nível muito mais avançado do que o Brasil e os Estados Unidos.

Então, se a gente tem aqui falando de três presidentes, né, que o Erdoğan começou como primeiro-ministro,

mas agora conseguiu mudar as regras do jogo para ser, agora não, né, em 2017,

conseguiu mudar as regras do jogo para ser presidente, a gente também está falando de três presidentes

em contextos muito diferentes, em periodizações muito diferentes.

Então, primeiro veio o Erdoğan, que já vem de lá de trás e por isso é tão difícil, né,

por isso que a gente está falando de uma eleição tão crucial.

E tantos comentários das políticos e acadêmicos têm falado que é a última chance da Turquia reverter o seu processo de autocratização.

Bom, Marina, aguardemos dia 28 de maio, mas por tudo que eu ouvi aqui nesse episódio,

tá parecendo que tá mais pro Erdoğan do que pra oposição.

Vamos ver se isso se confirma ou se essa hipótese é contrariada no dia 28.

Muito obrigada por sua participação aqui com a gente, foi muito bom te ouvir.

Eu que agradeço, Natuza. Abraço, tchau, tchau.

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Comigo na equipe do Assunto estão Mônica Mariotti, Amanda Polato, Thiago Aguiar, Luiz Felipe Silva,

Thiago Kazurowski, Gabriel de Campos, Nayara Fernandes e Guilherme Romero.

Eu sou Natuzaneri e fico por aqui. Até o próximo assunto.

Legendas pela comunidade Amara.org

16.05.23 - Turquia rumo ao 2º turno I O ASSUNTO I g1 16.05.23 - Turkey heading for the 2nd round I THE ISSUE I g1 16.05.23 - Turquía hacia la segunda vuelta I EL TEMA I g1 16.05.23-トルコ、第2ラウンドへ I テーマ I g1

Uma Turquia profundamente dividida e agora o país de 85 milhões de habitantes

deve viver mais duas semanas de nova campanha.

Os jornais turcos refletem uma grande incerteza.

Erdogan perdeu, afirma a imprensa de oposição.

O povo venceu, anuncia o jornal ProGoverno.

Pela primeira vez na história, a Turquia vai decidir a eleição presidencial

no segundo turno.

De um lado, o autocrata Recep Erdogan, no poder há 20 anos.

Do outro, Kemal Kilit Darulu, um conservador que lidera a aliança de oposição

composta por seis partidos.

O atual presidente largou na frente. The current president got off to a flying start.

O atual presidente Recep Tayyip Erdogan teve um desempenho mais forte do que o esperado

com 49,51% dos votos.

O partido dele também levou a maioria das cadeiras no parlamento.

Uma popularidade que resiste mesmo em meio a grandes desafios econômicos.

Os preços de fato dispararam. Prices have indeed skyrocketed.

Os alimentos estão 54% mais caros.

A inflação atingiu 85% em outubro de 2022 e a moeda local, a lira turca, entrou em colapso.

Já faz cinco anos que a inflação está descontrolada, quase sempre na casa dos dois dígitos. Inflation has been out of control for five years now, almost always in the double digits.

Começou a subir mais depois de uma crise cambial no final de 2021, desencadeada por uma série de cortes na taxa de juros.

Situação agravada por um dos terremotos mais letais do século que atingiu o país há apenas três meses.

É pra não doer, que nem...

Cerca de dois milhões de sobreviventes foram retirados das áreas mais atingidas e levados para outras províncias.

O número de mortes passou de 51 mil.

Nas 11 províncias arrasadas pelo terremoto de fevereiro, há milhões de desalojados descontentes com as operações de reconstrução.

Uma disputa acompanhada sob os olhos atentos do mundo, num país de alta relevância geopolítica.

A posição geográfica entre a Europa e a Ásia, o fato de ser integrante da OTAN e um país de população muçulmana,

são fatores que ajudam a Turquia a se tornar uma importante interlocutora internacional.

Da redação do G1, eu sou Nathuzaneri e o assunto hoje é...

A Turquia rumo ao segundo turno.

Como a eleição presidencial pode definir o futuro da democracia turca

e o que a disputa de lá nos diz sobre outras eleições mundo afora.

Neste episódio, eu converso com a economista Maurício Moura,

sócio do Fundo Zaftra e professor da Universidade George Washington,

e Marina Slessarenko Barreto, pesquisadora do Centro de Análise da Liberdade e do Autoritarismo.

Ela é uma das autoras do livro O Caminho da Autocracia, Estratégias Atuais de Erosão Democrática.

Terça-feira, 16 de maio.

Maurício, você passou dez dias na Turquia, visitou várias cidades, dias antes do primeiro turno,

que aconteceu agora no domingo.

Então eu quero te pedir para começar nos contando como é que estava o clima no país.

Bom Natuza, tinha um altíssimo grau de engajamento na questão da eleição de ambos os lados,

tanto da oposição quanto do governo, da candidatura do presidente, do Erdogan.

Existia um clima bastante tenso, a gente vê um país bastante dividido, bastante polarizado, claramente.

A gente enxerga essas divisões tanto nas grandes cidades, com as cidades pequenas e médias,

as grandes cidades, principalmente Istambul e Âncara, com uma mobilização da oposição muito maior,

e as cidades pequenas e médias com uma mobilização pró-Erdogan bastante grande também.

E também uma divisão de renda e idade.

Olhando as pesquisas e estando presente nos eventos de ambos os lados,

eu pude perceber que o Erdogan mobiliza bastante a base popular de mais baixa renda, claramente,

e a oposição mobiliza bastante a classe média, a classe média média e a classe média alta.

A gente viu isso nas pesquisas e também viu bastante nos comícios que eu pude testemunhar.

E por último, tem uma divisão etária muito forte, pessoas acima de 50 anos, claramente mais pró-Erdogan,

e a juventude, principalmente a juventude urbana, bastante mobilizado contra o governo.

E você cita esse clima tenso nos comícios do Erdogan e dos partidos de oposição,

num deles você acabou sendo detido, Maurício, e questionado. O que aconteceu? Conta pra gente esse momento.

Eu fui num evento do pró-Erdogan, mas no dia anterior eu tinha ido ao escritório da oposição,

inclusive era um evento da oposição, e quando eu estava lá eu fui abordado por dois policiais

que me ativeram para fazer perguntas, basicamente queriam saber o que eu estava fazendo lá no país,

o que eu estava fazendo especificamente no evento da oposição, no escritório da oposição,

perguntaram se eu era jornalista, mas depois que eles perceberam que eu não era,

e até fizeram um Google na minha frente do meu nome, perceberam que eu não era jornalista nada, e me liberaram.

Mas dá uma noção do clima tenso que envolve política na Turquia.

Pra gente entender de que espectro ideológico a gente está falando, dá pra você só nos localizar rapidamente

o espectro político do Erdogan e o espectro político ideológico, melhor dizendo, da oposição?

Na Turquia, os partidos políticos também se misturam com as etnias, né Natuza?

Ankara vive o dia seguinte com amargura, votou majoritariamente na oposição,

assim como Istambul, Izmir na costa oeste e o leste com a maioria curda.

O centro do país, o coração conservador da Anatólia, defende Erdogan.

A direita religiosa, que representa mais da metade da sociedade turca, se reconhece em Erdogan,

que tem nas mãos a maioria dos órgãos de imprensa do país.

O Erdogan, de 2002, que iniciou essa dinastia dele, de mais de duas décadas,

ele tinha um espectro mais liberal no sentido econômico, né?

Ele promoveu diversas reformas liberalizantes na economia turca.

Nas duas últimas décadas, Erdogan conquistou uma base de eleitores

composta principalmente por muçulmanos conservadores e de baixa renda,

graças ao forte crescimento econômico nos primeiros dez anos de governo.

Mas o Erdogan, na última década, principalmente depois que a República da Turquia virou presidencialista,

é um estilo de governo mais populista e autoritário, né?

Populista na economia, a gente pode elaborar sobre isso,

e também autoritário no sentido de, de uma maneira, ocupar e povoar diversas instâncias de instituições turcas,

com, obviamente, seus seguidores e pessoas mais próximas e mais fiéis ao seu projeto político.

Há 20 anos governando a Turquia, Erdogan acumulou poderes,

principalmente depois da tentativa de golpe de Estado, em 2016.

O presidente da Turquia comemora a vitória apertada do Sim no referendo constitucional,

que vai aumentar os poderes dele no país.

A mudança para o sistema presidencialista vai ser a mais radical que o país vai enfrentar

desde a fundação da República Turca, em 1923.

18 emendas foram inseridas à carta magna do país.

O cargo de primeiro-ministro deixa de existir,

e o presidente Tayyip Erdogan passa a acumular as funções de chefe de Estado e de governo.

E também poderá dissolver o parlamento e decretar Estado de emergência,

sem precisar mais da aprovação dos ministros.

A oposição hoje, ela se coloca como a volta de uma gestão econômica mais moderna, né?

Mais séria, inclusive.

E também é importante mencionar isso, no aspecto geopolítico,

a oposição, ela se aproxima muito mais dos países do ocidente

que a atual gestão turca, né?

Liderada por Erdogan.

Eu queria falar um pouquinho sobre inflação.

Você falou de agendas liberalizantes,

numa primeira fase do Erdogan e da oposição,

que se aproxima mais de políticos do ocidente.

Eu queria falar sobre como é que está batendo a inflação por lá,

porque você chegou a mencionar que isso tem um peso importante nessa eleição.

Por que os preços subiram tanto na Turquia?

Tem a ver com a reconstrução depois do terremoto?

Tem a ver com a alta de preços em razão da guerra da Ucrânia?

O que está acontecendo por lá?

Qual é a gênese da inflação alta?

Bom, é importante dizer que a inflação é o maior cabo eleitoral da oposição.

Em qualquer lugar, né Maurício? No mundo.

Mais um lugar que isso se repete.

O Erdogan tem um domínio da máquina pública que é muito maior

do que a gente está acostumado a ver na América Latina.

Você anda na rua, só tem fotos dele,

a figura dele aparece predominantemente nos meios de comunicação.

Então, não é um jogo muito igual na Tusa, claramente.

É muito diferente do que a gente está acostumado no Brasil.

Por outro lado, a inflação, e eu tive a chance de ir em vários comércios,

supermercados, e eu me senti um pouco nos anos 80,

com os preços claramente sendo remarcados de maneira recorrente.

Falta de produto em vários supermercados, principalmente nos bairros mais simples.

O que eu ouvi dos locais aqui é que é obviamente uma combinação de diversos fatores.

O primeiro é a guerra da Ucrânia, principalmente no fluxo de alimentos na região.

Mas também a gestão bastante própria do Erdogan em relação à economia,

porque no movimento de aumento da inflação,

o Erdogan forçou o Banco Central a baixar a taxa de juros.

Então, a gente tem um movimento que é bastante contrário

das boas práticas macroeconômicas globais.

Ou seja, como ele tem uma administração populista, ele gasta muito dinheiro público,

e isso exige que o Banco Central aumente a taxa de juros para conter a inflação.

Quando ele manda o Banco Central descer a taxa de juros no porrete,

a inflação fica descontrolada.

Totalmente. Inclusive, ele demitiu dois presidentes do Banco Central

justamente por não seguirem essa filosofia dele.

E dizem os locais, aqui na Tusa, que os números de inflação oficiais

estão bastante aquém do que eles vivem no dia a dia.

Então, também há uma suspeita no ar, que isso eu pude comprovar

conversando com as pessoas, de que os próprios índices não refletem

na sua plenitude o real aumento de preços.

Então, a gente pode dizer que há, de fato, uma insatisfação popular

em relação à economia, mas também há uma insatisfação em relação à maneira

como o governo conduziu a reconstrução pós-terremoto,

como o governo se relacionou com aquela reação.

Isso acabou juntando um tijolinho, botando um tijolinho em cima do outro

em relação à avaliação do governo?

Totalmente. As pesquisas mostraram que o terremoto e a reação do governo

ao terremoto foi muito ruim para a campanha do Erdogan.

Lembrando que é interessante, porque quando o Erdogan era oposição,

ele era prefeito de Istambul, houve um terremoto no início dos anos 2000

e ele usou esse terremoto quando a oposição, para criticar o governo

em relação à reação. E a oposição, obviamente, usou a mesma retórica

que ele usou há mais de 23 anos atrás.

Isso, obviamente, não ajudou a campanha dele.

E, inclusive, foram em locais que o Erdogan tinha até uma mobilização

bastante positiva em relação à oposição, ele perdeu essa diferença

em função do terremoto. Então, inflação e terremoto fazem com que

essa disputa, de alguma maneira, fosse acirrada ou está acirrada na Tula.

São dois elementos importantíssimos.

E, de alguma maneira, o resultado do primeiro turno te surpreendeu?

Na verdade, do ponto de vista do equilíbrio, não.

As pesquisas apontavam um equilíbrio bastante grande entre o candidato

da principal coalizão de oposição. Aqui é só fazer um ponto

sobre essa coalizão da oposição, que é uma coalizão bastante heterogênea.

A gente tem partidos de centro, de extrema direita, de diversas etnias.

E foi uma vitória política eles terem conseguido, de alguma maneira,

se organizar para ser contra o Erdogan.

Kilit Daroglu, um ex-funcionário público que lidera protestos

da oposição desde 2017, disse que os turcos conhecem os problemas

da economia porque não estão mais enchendo os estômagos.

74 anos, veterano da política turca, é apoiado pela Mesa dos Seis,

uma aliança de seis partidos dominada pelo republicano do povo,

fundado pelo pai da nação turca, Kemal Ataturk.

Lembrando que o presidencialismo é uma coisa recente para a Turquia.

Era uma república parlamentarista.

Agora, o que me surpreendeu mesmo foi o resultado do terceiro colocado,

que ele teve mais ou menos 5% dos votos.

E a gente não achou que, diante dessa polarização dos dois lados,

a gente ia ter um candidato que chegasse nesse patamar de 5 pontos percentuais.

Inclusive, foi decisivo para que tenha um segundo turno.

E qual é a tua expectativa de resultado no dia 28 de maio,

para quando está marcado o segundo turno?

Eu sinto que a vitória está muito mais próxima do Erdogan do que da oposição.

A oposição vai ter que fazer uma mobilização bastante heróica

para conseguir ganhar do Erdogan o segundo turno.

Por causa de uso da máquina, que é muito poderosa?

Exatamente. É uma disputa bastante difícil, bastante desigual.

Dito isso, Natuz, a oposição também tem o apoio da comunidade empresarial turca,

que meio que chegou o momento, e eu vi isso de alguns empresários,

que ou o Erdogan perde ou eles pensam em sair do país,

tanto do ponto de vista de negócio como até do ponto de vista familiar.

Então, a oposição vive dos recursos de parte da economia turca e parte da elite econômica turca.

Para terminar muito rapidamente, Maurício,

o que o mundo pode tirar de lição dessa eleição ou desse processo eleitoral?

Ou se esse processo eleitoral, absolutamente polarizado como você descreveu,

é reflexo do que acontece em outras partes do mundo?

A Turquia é farol ou é consequência do que a gente já viu em outras eleições?

Eu vejo o mesmo filme se repetindo em vários países.

Aconteceu nos Estados Unidos, aconteceu na França, aconteceu no Brasil, aconteceu na Colômbia,

eu vejo isso na Turquia. A gente vive um momento bastante delicado a nível global.

Independente do que acontecer no dia 28, a Turquia é um país dividido,

é um país polarizado, é um país que é praticamente impossível você debater política

sem algum ranço ideológico.

Então, esse é um problema sério que a gente está tendo que conviver como humanidade

e eu só vejo isso se repetir e se repetir.

E a gente vai ter que conviver com isso durante muito tempo, pelo jeito.

Maurício, muito obrigada pela tua participação.

Você sabe que aqui no assunto você tem portas abertas.

Obrigado pelo convite, é sempre um prazer.

Espera um pouquinho que eu já volto para falar com a Marina.

Marina, eu conversava com Maurício Moura sobre a situação econômica da Turquia

e sobre o clima super polarizado por lá.

Com você eu quero me concentrar no cenário político.

Na sua avaliação, o Erdogan sai vitorioso ou derrotado rumo ao segundo turno?

Tudo que o Erdogan queria era levar no primeiro turno, já resolver isso logo agora, ontem, dia 14.

E isso foi o que aconteceu até aqui.

Nunca a Turquia teve segundo turno nas eleições presidenciais,

então isso é uma coisa magistral que está acontecendo.

Ao mesmo tempo, ele mostrou que está com uma força persistente.

Então não é que ele não sai totalmente derrotado,

ele saiu com 49,5% dos votos e ele continua no tabuleiro político bastante forte.

Então a resposta curta que eu diria é que é simultaneamente uma derrota e uma vitória para o Erdogan.

Então, falando em termos de o que é uma vitória,

ele saiu na frente com 2,6 milhões de votos a mais que o oponente dele, o Kemal Kiricida Aroulo.

E ele também conseguiu emplacar a maioria parlamentar,

porque não eram só eleições presidenciais, eram também eleições do parlamento.

Como as nossas no ano passado, né?

Exatamente, são combinadas.

E embora o partido dele tenha perdido cadeiras nominalmente,

ele continua com maioria e a coalizão de forças dele continua vitoriosa.

E também não está claro como o terceiro lugar das eleições,

que é um candidato chamado Sinan Oguam,

que é de ultradireita e nacionalista, vai distribuir os votos.

Ele ganhou 5,2% no pleito e ele falou que precisa conversar com a sua base

para decidir como ele vai instruir os seus eleitores a partir dali.

Ele falou que também tem duas coisas que são muito importantes para ele,

que é basicamente expulsar os sírios,

então basicamente uma política anti-imigração,

e ele quer tirar, alijar do sistema partidário o Partido Socialista.

Então são faltas que são bastante temerosas e que aliam a um discurso mais pró-Erdogan,

que é efetivamente o que já vinha acontecendo há um tempo.

Lembrando que a Turquia faz fronteira tríplice com a Síria e o Iraque, né?

Só para localizar geograficamente, já que você citou os sírios.

Exatamente. Só que ao mesmo tempo ele falou que ele está aberto a conversar com a oposição,

então tem várias camadas de complexidade aí.

Quando você olha o mapa da Turquia, a Turquia tem fronteira com a União Europeia,

com a Grécia e com a Bulgária.

Ela tem fronteira com a ex-União Soviética, com a Georgia e com a Armênia.

Ela tem fronteira com o Irã.

A Turquia tem fronteira com o Iraque, que foi invadido pelos Estados Unidos duas décadas atrás.

Ela tem fronteira com a Síria, que teve a mais sanguinária guerra civil do século XXI.

Ela tem margem para o Mar Negro, onde tem costa a Ucrânia e a Rússia.

Ela controla todo o fluxo de navios do Mar Negro para o Mar Mediterrâneo,

que é algo diretamente relacionado com a guerra da Ucrânia.

A Turquia é a segunda maior força militar do OTAN.

É uma potência militar a Turquia.

Agora, o país está assolado por uma crise econômica brutal.

Teve um terremoto quase sem precedentes que matou cerca de 50 mil pessoas.

Teve a Covid.

Então, quer dizer, dentro de tantas crises, o Erdogan ainda consegue ter 49,5% dos votos.

Isso não é brincadeira, não é para qualquer um.

O Erdogan está há 20 anos no poder.

Ele começou como primeiro-ministro, conseguiu mudar as regras eleitorais para virar presidente.

Quer dizer, ele não só conseguiu mudar as regras eleitorais para virar presidente,

ele conseguiu mudar a Turquia de um sistema parlamentarista para presidencialista.

Para permanecer no poder, né?

Exatamente. Ele não podia mais, segundo as regras do partido,

se eleger de novo primeiro-ministro em 2014.

Então, ele se elegeu presidente e em 2017 mudou as regras do jogo.

Isso quer dizer, é uma trajetória de sucessivos desgastes e abusos de poder.

Concentrações sucessivas de poder.

Então, quer dizer, tendo toda essa máquina do governo em mãos,

ele não ter ganhado no primeiro turno, em 2018, só vale lembrar,

ele ganhou já no primeiro turno com mais de 52% dos votos.

Então, quer dizer, já é um grande efeito.

E se a gente parar para comparar, a gente acabou de ter eleições aqui,

ele deu um pacote de bondades a estilo Bolsonaro, do Bolsonaro 2.0.

Quer dizer, ele deu subsídios a gás natural e eletricidade

e aumentou em quase 45% o salário de servidores públicos,

assim como no dia das eleições.

Então, assim, medidas desesperadas abundaram.

Fora toda a campanha de fake news, o Kemal Kiritsidarolo,

o principal oponente dele, inclusive, apontou como a Rússia

teria ajudado ele, o Erdogan, a criar deepfakes,

aliando o Kiritsidarolo a milícias kurdas, enfim,

a própria mídia muito aliada ao governo.

Então, teve uma pesquisa que saiu, por exemplo, falando que em abril,

no mês passado, mês anterior às eleições,

simplesmente o Erdogan conseguiu emplacar 32 horas de permanência

na rádio e na TV estatal, na TV pública,

enquanto seu principal oponente conseguiu só 32 minutos.

Então, quer dizer, o tabuleiro do poder está totalmente voltado para o Erdogan.

Erdogan, por sua vez, lidera um governo com raízes islâmicas,

acusa o Ocidente de conspirar para retirá-lo do poder

e vem se aproximando cada vez mais da Rússia de Vladimir Putin.

Na reta final da campanha, disse que ele representa os valores tradicionais

em defesa da família e que os adversários são pró-LGBT+.

A oposição do Kemal Kiricidarolo, que é do Partido Republicano,

conseguiu juntar, fazer uma grande frente de seis partidos diferentes

com inclinações que vão desde a direita até a esquerda do tabuleiro político.

E isso também traz dificuldades agora, como vai ser daqui para frente?

Ele vai conseguir aliar, pegar os votos do terceiro lugar ou não?

Ele vai ter que ir mais para a direita para conseguir tentar fazer essa costura

com mais forças e efetivamente ganhar uma eleição.

Kemal Kiricidarolo também se mostrou confiante numa vitória no segundo torno

e acusou o governo de atrapalhar a apuração em redutos da oposição.

Kiricidarolo promete revitalizar a democracia turca e restaurar o parlamentarismo.

Além de se aproximar dos aliados da OTAN, a Turquia faz parte da Aliança Militar Ocidental.

Todos sentimos muita falta da democracia.

A partir de agora, se Deus quiser, uma primavera chegará a este país

e essa primavera continuará para sempre.

Teve também um movimento da sociedade civil muito relevante,

pessoas de observatórios para assegurar a integridade eleitoral,

indo aos locais de votação para acompanhar a apuração.

Então, foi muito grande.

E o que estão falando é que é justamente a eleição em prol da democracia.

Essa é a grande bandeira que está unindo para tentar salvar a Turquia de cair no abismo,

porque ela já está em um processo de autocratização bastante acelerado.

E ainda nesse tema democracia, você pesquisa democracia há bastante tempo

e é uma das autoras do livro O Caminho da Autocracia,

que vai ser lançado nessa terça-feira.

De acordo com as suas pesquisas, o que Turquia, Brasil, Polônia, Hungria e Estados Unidos

têm em comum?

Embora esses países tenham status muito diferentes de governo,

então a gente está falando, alguns países continuam democracias,

outros países já foram, já são classificados como autocracias.

A gente percebe que tem uma estratégia de exportação,

tem muita experimentação de novas tecnologias de governança e formas de exercício do poder.

E o que dá certo, cola, vai sendo exportado e testado.

O Brasil, infelizmente, foi, no pior sentido do termo, muito inovador a esse respeito.

O que a gente percebeu é que em um mandato, no primeiro mandato ainda,

ele conseguiu testar estratégias que só foram implementadas em mandatos subsequentes,

no processo de autocratização da Turquia, por exemplo, mas também da Hungria e da Polônia.

Os Estados Unidos são um ponto fora da curva no sentido de que são uma democracia muito estabelecida,

que tem um histórico democrático muito diferente.

O que a gente está fazendo é comparar países que têm histórias muito diferentes.

Então, o leste europeu tem todo um histórico do ano passado de viver sobre o comunismo,

sobre o pacto de Varsóvia.

Então, comparar países de tradições muito diferentes exige todas as cautelas de contextos e adaptações.

Mas o que a gente conseguiu perceber é que tem uma rede transnacional, vamos assim dizer,

de exportação dessas tecnologias de governar.

Então, a gente foi tentando fazer um mapeamento ali de estratégias e táticas

que esses governos usam para emplacar seus projetos autoritários.

E a gente olhou basicamente para três grandes áreas, educação, espaço cívico,

que basicamente é o espaço onde a sociedade civil se exercita e exerce suas liberdades e direitos,

e também para a segurança pública.

Então, na educação, a gente conseguiu observar algumas táticas de implementação de projetos autoritários,

principalmente em relação a controle ideológico e político de conteúdos,

revisionismo histórico, restrição a currículos e ao que se pode ensinar efetivamente nas salas de aula.

No ensino superior, ataques à liberdade acadêmica e autonomia universitária,

então nomeação de reitores, por exemplo, restrição de financiamento de pesquisa.

Isso foi bastante relevante, a gente conseguiu perceber isso em todos os países que a gente analisou.

Em relação ao espaço cívico, a como a sociedade civil exerce seus direitos,

a gente percebeu duas grandes frentes de ataques.

Então, tanto em relação a mudar a lei, fazer um dirigismo e controle regulatório,

então, por exemplo, mudança de financiamento, restrição a financiamento de ONGs, por exemplo,

e associações civis, quanto também um ataque mais direto à liberdade civil dos cidadãos.

Então, restrição a protestos, prisão de opositores, favorecimento de agendas de governo e repressão de agendas contrárias.

Da segurança pública também, a gente observou duas frentes de atuação.

Uma primeira em relação à vigilância e restrições à privacidade dos cidadãos, por exemplo,

usando softwares de monitoramento de opositores.

E uma segunda frente é em relação ao populismo penal e pânico moral.

Então, instigação de antagonismos, necessidade de armar pessoas, armar os cidadãos, instigação de medo aos cidadãos.

A gente já está falando de um cenário que já é, desde 2013, na verdade, uma autocracia eleitoral.

Então, a gente já concentra poderes em um nível muito mais avançado do que o Brasil e os Estados Unidos.

Então, se a gente tem aqui falando de três presidentes, né, que o Erdoğan começou como primeiro-ministro,

mas agora conseguiu mudar as regras do jogo para ser, agora não, né, em 2017,

conseguiu mudar as regras do jogo para ser presidente, a gente também está falando de três presidentes

em contextos muito diferentes, em periodizações muito diferentes.

Então, primeiro veio o Erdoğan, que já vem de lá de trás e por isso é tão difícil, né,

por isso que a gente está falando de uma eleição tão crucial.

E tantos comentários das políticos e acadêmicos têm falado que é a última chance da Turquia reverter o seu processo de autocratização.

Bom, Marina, aguardemos dia 28 de maio, mas por tudo que eu ouvi aqui nesse episódio,

tá parecendo que tá mais pro Erdoğan do que pra oposição.

Vamos ver se isso se confirma ou se essa hipótese é contrariada no dia 28.

Muito obrigada por sua participação aqui com a gente, foi muito bom te ouvir.

Eu que agradeço, Natuza. Abraço, tchau, tchau.

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Comigo na equipe do Assunto estão Mônica Mariotti, Amanda Polato, Thiago Aguiar, Luiz Felipe Silva,

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Eu sou Natuzaneri e fico por aqui. Até o próximo assunto.

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