×

Мы используем cookie-файлы, чтобы сделать работу LingQ лучше. Находясь на нашем сайте, вы соглашаетесь на наши правила обработки файлов «cookie».


image

O Assunto (*Generated Transcript*), 10.05.2023 Rita Lee, a majestade do rock, por Ney Matogrosso

10.05.2023 Rita Lee, a majestade do rock, por Ney Matogrosso

Essas coisas de feminismo e tudo, eu não tenho muito a teoria da coisa, eu nunca tive,

eu fui mais de ação.

A mulher não pode usar calça comprida.

Pode, eu vou usar, usar.

A mulher não pode fazer rock, pra fazer rock tem que ter colhão.

Eu pegava meus ovários, meu útero e ia fazer rock and roll.

Ela nem me manda pra casa, doutor, ela tem que ver meus vestidos.

Minha filha, o carro é seu!

O rock naquela época era tão eu.

Tudo a ver, tudo a ver comigo.

Roupa, o que dizia, o que se pensava, as tragédias, as maravilhas e principalmente o desacato

à autoridade.

Quem é esse?

Esse tá de rock and roll.

A história íntima entre Rita Lee e a música começou nos anos 60, com os provocadores mutantes.

Ando, bem desligado.

Eu nem sinto, meus pés no chão.

Nos festivais daquela época, os mutantes se juntariam a Gilberto Gil e a Caetano Veloso

numa mistura estrondosa de rock com tropicalismo, uma espécie de marco da MPB.

Os mutantes eram um deboche, eram tropicalistas, a gente tava no meio do Caetano, do Gil, do

José, aprendendo o Brasil, Chacrinha, Carmem Miranda, tudo aquilo que foi me oferecido,

aquela riqueza, que eu sou filha de gringo, né?

Então foram eles que me apresentaram, eles que me ensinaram a compor.

Não se liga com o beijo, não vai me ver por aí.

Nos anos 70, Rita Lee foi expulsa dos mutantes e levou todo o seu calibre criativo pra uma

carreira solo de mais de cinco décadas.

E muito desse sucesso foi criado junto com o amor da sua vida, o musicista e compositor

Roberto de Carvalho.

Aí eu falei, o que falta mais pra gente debochar?

Que era naquela época dos mutantes que a gente...

Aí resolvemos debochar do próprio casamento.

Então deixa eu ver com quem que vamos casar, né?

Com o Célio e com o Arnaldo, com o Adinho.

Tadinhos, quem parou em?

Se o Arnaldo vencer, eu casei com o Arnaldo.

Não diga, você tá falando sério, viu?

Tô falando sério.

Agora, com o Roberto me parece que é uma coisa pra valer, né?

É, porque não tem o papel também, aí eu já acho que é mais legal.

Não, o astral do papel eu não gosto muito.

Não?

Não.

Como é que é trabalhar em tempo integral de marido?

É ótimo.

É bom?

É bom, é bom, porque vai fluindo, não acaba nunca, aparece fonte.

É, não é?

É, até filho fazer música.

Tudo junto.

Transar tudo.

É o casal que propulsiona o disco Voador a funcionar.

Então, a dualidade, né?

Da vida.

Rita foi tudo.

Mãe, mulher livre, dona irreverente do seu próprio corpo,

autora de músicas que alcançaram gerações.

Ela foi o que desejou ser.

A sorte de ter sido eu, de ter sido quem sou, de estar onde estou,

não é nada se comparada ao meu maior gol.

Sim, acho que fiz um monte de gente feliz.

Viveu amores, consagrou-se majestade e enfrentou com impressionante transparência

a sua relação com as drogas.

Não sou Madalena arrependida, não me arrependo.

Acho que as melhores músicas que eu fiz foi sob efeito de drogas

e as piores também.

Mas faz dez anos que eu não tenho controle total das drogas proibidas.

Porque se eu não tiver esse controle, eu volto prospício.

Porque é uma coisa que eu não estou afim, que é um repeteco também.

E assim como em tudo na vida, Rita também falou abertamente sobre a velhice.

De repente eu me vi envelhecendo.

E o envelhecer, pra mim, foi uma surpresa, porque eu nunca fui velha na vida.

Fiquei com vontade de viver minha velhice afastada dos palcos,

não dividindo isso com o público.

Meu jeito de me expressar no palco não tinha limites físicos.

Eu dava de ponta cabeça, eu caía no chão, eu mostrava a bunda,

eu fazia palhaçada. Era uma delícia.

E como quem vê a morte chegar, mas sem se amedrontar com ela,

deixou escrito em sua autobiografia o que ela própria chamou de profecia.

Eu peço licença, Rita Lee, pra ler alguns dos trechos.

Quando eu morrer, posso imaginar as palavras de carinho de quem me detesta.

Algumas rádios tocarão minhas músicas sem cobrar jabá.

Colegas dirão que farei falta no mundo da música.

Quem sabe até deem meu nome pra uma rua sem saída.

Os fãs, esses sinceros, empunharão capas dos meus discos e entoarão ovelha negra.

As TVs já devem ter na manga um resumo de minha trajetória

pra exibir no telejornal do dia.

E uma notinha no obituário de algumas revistas há de sair.

Nenhum político se atreverá a comparecer ao meu velório,

uma vez que nunca comparecia ao palanque de nenhum deles

e me levantaria do caixão para abaiá-los.

Enquanto isso, estarei eu, de alma presente no céu,

tocando a minha alto harp e cantando para Deus.

Obrigada, Senhor. Finalmente sedentário.

Rita também deixou escrito o seu epitáfio.

Ela nunca foi um bom exemplo, mas era gente boa.

E não é feliz.

Eu sou feliz.

Da redação do G1, eu sou Natuzaneri e o assunto hoje é

Sua Majestade, Rita Lee.

Meu convidado neste episódio é Neymato Grosso,

uma das maiores vozes da música brasileira, amigo e parceiro de Rita.

Ney conversou com o assunto minutos depois de saber da morte de sua alma gêmea,

como ele mesmo gostava de se referir a ela.

Quarta-feira, 10 de maio.

Tá bom, tô perturbado, tá?

Tô perturbado com a notícia, sabe?

Embora, sabendo que tava doente, sabendo que é uma doença brava,

mas fiquei muito perturbado.

Uma tristeza, uma coisa assim, que eu, em geral, não tenho essa reação à morte, tá?

Como é que você lida com ela?

Eu lido com ela com muita naturalidade, tranquilidade,

mas agora eu fiquei impactado com isso, tem uma coisa aqui no meu peito me incomodando,

mas tudo bem, é assim mesmo.

E por que você, Ney, considerava a Rita como a sua alma gêmea?

Porque, olha, eu sempre admirei a Rita Lee, né?

E isso eu só virei artista na década de 70, a Rita Lee já estava aí desde os 60, né?

Ela que nasceu no dia 31 de dezembro de 1947, no bairro da Vila Mariana,

um bairro tradicional de São Paulo da Zona Sul,

família descendente de italianos católicos por parte de mãe

e de americanos protestantes por parte de pai.

Ela foi uma das mulheres mais influentes do país,

uma referência para os guitarristas nos anos 1970.

Integrou os Mutantes, ao lado de Arnaldo Batista e Sérgio Dias.

Todo mundo que viu aquela garota de 20 anos aparecer com os Mutantes

para cantar do Minas no Parque com Gilberto Gil no Festival de 67,

se apaixonou imediatamente.

A ruiva e sardenta Rita parecia um anjo, mas sempre foi uma ovelha negra.

Eu esperava todos os discos dos Mutantes e tal, eu esperava tudo,

eu ficava assim ligado, né?

A primeira imagem da Rita que foi uma pancada na minha cabeça

foi ela cantando o Minas no Parque,

e eu não sabia se ela estava cantando o Minas no Parque,

a primeira imagem da Rita que foi uma pancada na minha cabeça

foi ela de noiva grávida, na década de 60.

Isso era uma coisa tão revolucionária, tão transgressora, sabe?

Em sua autobiografia, Rita contou sua vida vertiginosa,

que a levou à glória, mas também ao poço sem fundo

de várias drogas e do alcoolismo.

Foi um filme que continuava no Repeteco, que eu fui para um hospício

e decidi parar realmente com drogas,

porque essa coisa de droga era uma história antiga, não sei o quê,

vai parar no hospital, as pessoas acham que é suicídio,

não é suicídio, nunca foi suicídio, era overdose mesmo,

fazia limpeza, saía lá bonitinha, paz e amor e tudo.

Tô limpa desde que minha neta nasceu, tô achando isso louco ser careta.

É uma coisa que eu nunca experimentei, então ficou datada a coisa de droga,

eu vi muito esse filminho.

Essa imagem eu sempre tenho na minha cabeça,

e aí quando eu virei cantor, a gente se encontrou algumas vezes.

E como é que foram esses encontros?

Ah, sempre foi muito, muito afetivo, muito carinhoso, sabe?

Um dia desse eu recebi uma foto dela, uma foto que tiraram da gente,

fizeram, montaram a vida dela com a Mel Lisboa e eu fui assistir.

E aí quando eu me sentei na plateia, ela estava na frente,

eu não sabia que eu ia encontrar com ela.

Aí na saída, ela tiraram uma foto da gente,

ela assim, metendo a língua na minha orelha,

dizendo que são segredos de liquidificador, sabe?

Então é uma coisa assim, ela tinha essa...

Uma vez nós ficamos num camarim, numa coisa da MTV,

ficamos horas no camarim conversando, sabe?

Era assim, era uma intimidade que a gente tinha

sem ter preparação para essa intimidade, sabe?

E isso te fazia se sentir como?

Me fazia me sentir isso, como uma alma gêmea mesmo,

porque ela foi uma transgressora, eu sou uma transgressora até hoje,

ela era até agora, esse momento, não é isso?

E isso nos aproximava muito, isso nos aproximava muito.

Itali construiu uma carreira no rock,

mas ao longo dos anos flertou com diversos gêneros.

Bolero, bossa nova, carnaval.

Fez parte da Tropicália, o movimento que sacudiu a música e o Brasil.

Capoeira, pra viver agora.

Artista livre, Rita afrontou a ditadura e teve muitas letras censuradas.

A artista alcançou a marca de 55 milhões de discos vendidos.

Com Lança Perfume, Rita inventava o rock de carnaval.

E a dupla criava um estilo moderno, dançante,

e com letras cheias de humor, sexo e liberdade,

numa sucessão de hits que alegraram o Brasil,

como Banho de Espuma...

e Baila Comigo.

Eu tive um sonho uma vez com ela muito louco, tá?

Eu vou te contar, as pessoas vão até debochar, mas eu vou te contar.

Eu tive um sonho há muitos anos atrás, nunca esqueci esse sonho, tá?

Que era assim, eram duas crianças dentro de um ambiente

completamente fechado, como se fosse uma caverna.

O chão era todo de pedras preciosas, assim,

você olhava, o chão era todo de pedras preciosas,

e as crianças eram eu e ela.

Olha que sonho louco.

E isso tem tudo a ver com essa imagem de irmã gêmea que você tem dela, né?

Sim, sim, mas agora por que eu sonhei isso?

Meu Deus do céu.

Esse sonho foi quando, Ney?

Ah, esse sonho faz muito tempo, muito tempo.

Mas eu já conhecia ela, eu já era artista,

mas talvez o quê, lá no comecinho, de séculos e molhados, né, por aí.

Mas foi um sonho tão marcante que eu lembro dele assim,

com requinte de detalhes, sabe?

Às vezes eu sinto que você fala da Rita,

mas você também fala de você, quando você a descreve.

Nos anos 70, tanto você com séculos e molhados, quanto ela,

representavam muita liberdade, né?

Muita transgressão diante dos modelos de costumes,

de família no Brasil.

Então, à medida que você vai falando dela agora,

os meus ouvidos me levam para esse lugar,

de que vocês eram quase que extraterrestres aqui.

Isso aí, irmãos de alma mesmo, sabe?

Porque depois que eu tive esse sonho,

nunca mais eu consegui não olhar para a Rita

e achar que éramos irmãos, sabe?

E essa pessoa que ela cria em música, da Ovelha Negra,

te parece algo que acompanhou a vida inteira dela?

Como é que você vê essas várias transformações da Rita?

Como artista, como celebridade?

Ela, dentro desse contexto, sempre foi muito diferente, né?

Quando ela ia dar entrevista, aparecia toda a doçura dela,

muito doce, muito leve, dizendo coisas brutais.

Ela dizia, assim, na cara da hipocrisia,

mas ela tinha essa mistura de doçura e extrema virulência no conteúdo.

A outra coisa extraordinária que atesta a força dela

é que sem nunca ter escrito uma letra explicitamente política,

ela é, de longe, a artista mais censurada pela ditadura.

Mas em 1976, foi presa e não por conta da política.

A polícia achou maconha no seu apartamento.

Ela estava grávida e sempre disse que a droga foi plantada pelos PMs

que não gostavam dela.

O flagrante rendeu 45 dias de cadeia.

É muito diferente no sentido que, mais uma vez, vai nos aproximar.

Ambos somos recatados na intimidade.

Sim.

Muito reservados na intimidade.

É, mas a vida pública é muito exposta, né?

E o que é isso? O que explica isso?

Eu não sei. É uma maneira de viver isso.

Eu odiaria viver carregando o personagem, sabe?

Eu odiaria carregar esse personagem.

Eu seria infeliz se fosse obrigado a carregar.

Por quê?

Porque pesa.

Eu sou menos, eu preciso de menos, eu preciso de menos atenção, sabe?

O artista não. O artista se expõe.

Está ali num palco, as pessoas pagaram para assistir.

Então eu vou lá e faço tudo o que eu possa fazer para...

Na verdade, a gente quer agradar ao público, não é isso?

Subir no palco e agradar ao público.

Mas fora do palco eu não tenho necessidade nenhuma que me olhem, me vejam, sabe?

E eu vejo isso da Rita também.

Ela tinha uma vida pública exposta e uma vida própria, preservada, sabe?

Espera um pouquinho que eu já volto para continuar minha conversa com o Ney.

Você lançou um livro de memória com o nome de uma música da Rita Lee,

a música Vira Mata de Raça.

Sim, que ela mandou para mim, para eu gravar.

Ela te mandou para gravar, né?

Foi, foi, foi.

Minha dor não dói, sou marginal, sou herói.

Minha dor não dói, sou marginal, sou herói.

Você pode contar também por que você escolheu essa música

e o que ela representa na sua relação com a Rita?

Representa, sim, uma afinidade muito grande.

Porque, por exemplo, ela fala assim,

eu sou mar lombrando, vivo numa ilha, não faço papel de santo nem para a minha família.

Então, isso era uma maneira dela e isso é uma maneira minha, né?

Então, ela me sacava.

Quando ela me mandou Bandido, foi a primeira música que eu cantei da Rita.

Bandido, bandido, coração, não tem a de te amar.

Quando eu vi aquela letra, disse, meu Deus do céu, isso aí sou eu, sabe?

Mas era ela também, né?

Essa é uma das primeiras músicas que eu me lembro de você cantando.

E eu era pequena e eu assistia um show em que você cantava Bandido.

Então, tem uma memória afetiva aqui para mim muito, muito doce.

Foi a primeira música que ela me deu para cantar.

A Rita sempre foi muito associada a São Paulo, né?

Isso tem sido lembrado nos obituários agora.

Tem um verso que faz referência à Rita em Sampa do Caetano.

Ainda não havia para mim Rita ali

A tua mais completa tradução

Alguma coisa acontece

Para você, a Rita tinha isso de ser a mais completa tradução de São Paulo?

Tinha, tinha.

Tinha por quê?

Ela fazia questão de ser uma representante disso, né?

Eu nasci a São Paulistana.

Meu pai é um feio, muito charmoso, porém feio.

Filho de americanos, ele maçom, distante.

Não era amoroso.

E minha mãe, filha de italianos, linda, linda.

Era pianista, festeira, alegre, catolicésima, muito mais católica que o Papa.

Então, tinha esses dois extremos.

Ela, quer dizer, fazia questão não.

Era verdadeiro para ela ser uma representante de São Paulo,

daquela mentalidade de São Paulo,

daquela cidade louca que se diz careta, mas que é louca, sabe?

Eu conheci São Paulo nos anos 60.

As pessoas diziam assim, ah, o Rio de Janeiro é uma cidade louca.

Eu vi São Paulo, eu disse, louca São Paulo, sabe?

Eu vi coisas em São Paulo que eu nunca vi no Rio de Janeiro.

E a Rita Lee vem dentro desse pacote aí.

Ela era a representação disso, sabe?

Da São Paulo desvairada.

Mas o tempo passa mais, eu quero me divertir, me distir, me sentir.

Guerrilheiro, moraceiro, ô, Ramel.

Guerrilheiro, moraceiro, ô, Ramel.

Mas com muita inteligência, com muita sagacidade, com muita ironia nas coisas.

E tudo me fazia cada vez mais próximo dela.

E o mundo era melhor com ela, né?

Muito melhor, muito melhor.

Você falou algumas vezes da sua relação com ela,

você cita algumas dessas passagens.

São inúmeras, eu imagino, as memórias vividas com ela.

Mas nesse momento, qual é a memória que você vai levar para o resto da vida da Rita?

Qual é o momento que vai ficar com você e que ninguém, absolutamente ninguém vai tirar?

Tem dois, né?

Esse que nós ficamos dentro de um camarim durante horas esperando para fazer o programa.

Aí que nós conversamos sobre a vida inteira, sabe?

Sobre anseios e desejos.

E foi muito tempo mesmo.

E esse último encontro que foi delicioso, porque imagina,

a Rita lambendo a minha orelha, eu no meio do, sabe, saindo do teatro,

ela lambendo a minha orelha dizendo assim, segredos de liquidificador para você.

Eu disse, meu Deus do céu, que delícia.

Agora, Ney, a Rita ajudou a incorporar a revolução do rock ao tropicalismo, né?

E o que você percebe que ela deixa para a música brasileira?

Eu nem pergunto um legado, porque Rita ali não deixa um legado só para nós,

ela deixa inúmeros, centenas.

Ela deixa essa abertura para a música brasileira, né?

Porque era tudo muito careta, era assim, música brasileira, música não sei o que.

Não, a Rita reforçou essa visão de que a música brasileira é toda ela, né?

Que o rock faz parte.

Nós somos antropófagos, não é isso?

Exatamente isso, exatamente isso.

Meu sangue é de gasolina, correndo não tenho mágoa,

meu peixe é de sarde e fruta, bebendo no copo d'água.

E se você tivesse oportunidade de encontrar a Rita agora, antes da partida dela,

o que você diria para ela, Ney?

Olha, dependendo do estado que eu encontrasse, eu diria assim, vai em paz, meu amor, sabe?

E esse seria um segredo de liquidificador também, né?

Seria, só entre nós dois, né?

A Rita ali não tinha tempo para ver se gostava dela,

sempre no show, em estrada, cuidando de filho, de casa.

Quando você morre, você não leva nada daqui,

você só leva esses conhecimentos que você aprende com você mesma.

Como é que você está agora?

Olha, a gente vai falando, a gente vai depurando, quer dizer,

eu estava sob o impacto porque eu tinha acabado de receber a notícia.

Eu ia fazer, eu estava indo para a minha sala de ginástica receber a notícia, cancelei.

O professor estava aqui, eu disse, eu não posso, não posso fazer ginástica agora,

porque aí começaram a me telefonar, começaram a me telefonar, eu disse,

olha, se fosse outra pessoa, eu nem atenderia,

mas a Rita ali eu tenho que estar disponível, sabe?

Claro, claro, sem dúvida nenhuma, até porque é só uma gênia, né, Ney?

Sim, sim.

Ney, eu te agradeço demais.

Você, assim como a Rita, fazem parte de tudo que nós somos,

de tudo que nós somos como brasileiros.

A partir da Rita, você tem um grande papel,

você tem um grande papel no mundo,

e eu acho que você tem um grande papel no mundo,

de tudo que nós somos, de tudo que nós somos como brasileiros.

A partida da Rita arranca um pedaço da gente,

e antes da gente começar a gravar a entrevista,

eu dizia para você que três pessoas parece que não são desse mundo,

a Rita, o David Bowie e você,

e você me deu uma resposta curiosa que eu queria que você contasse para quem nos ouve.

Em tese, todos nós não somos desse planeta, não é isso?

É isso, foi exatamente isso.

Porque há uma teoria, sim, de que viemos das estrelas

e que somos já uma espécie híbrida, né?

É isso, eu acredito nessas coisas.

E a gente volta para as estrelas?

Olha, eu acho que sim, acho que, bom,

nós somos formados por tudo que o universo despeja na Terra, não é isso?

Você ainda tem essa vontade de ir em frente e experimentar coisas novas aos 72, 73 anos?

Ah, ser abduzida por um disco voador.

É, essa sua viagem hoje?

Yes!

O que você acha que você vai encontrar lá?

Ah, eu acho que são nossos irmãos das estrelas.

Alô, alô, marciã

Aqui quem fala é da Terra

Para variar, estamos em guerra

Você não imagina...

As estrelas estão mandando coisas, estão caindo coisas,

isso tudo nos formou, formou o nosso planeta

e formou os seres deste planeta, não é isso?

Então nós somos formados também por tudo que o céu deixa cair na Terra, não é isso?

É isso.

Eu acredito nisso.

Ney, eu sinto muito, eu agradeço também por você ter topado falar com a gente

sobre essa rainha, sua majestade Rita Lee.

Sua majestade.

Sua majestade Rita Lee.

Um beijo bem grande para você e eu desejo muita força para você agora.

Obrigado, para você também, um beijo.

Este foi o assunto podcast diário disponível no G1, no Globoplay

ou na sua plataforma de áudio preferida.

Vale a pena seguir o podcast na Amazon ou no Spotify,

assinar no Apple Podcasts, se inscrever no Google Podcasts

ou no Castbox e favoritar na Deezer.

Assim você recebe uma notificação sempre que tiver um novo episódio.

Comigo na equipe do assunto estão Monica Mariotti, Amanda Polato,

Tiago Aguirre e o Júlio Lopes.

Juntos estão Monica Mariotti, Amanda Polato, Tiago Aguiar, Luiz Felipe Silva,

Tiago Kazurowski, Gabriel de Campos, Nayara Fernandes e Guilherme Romero.

Eu sou Natuzaneri e fico por aqui.

Até o próximo assunto.

Legendas pela comunidade Amara.org

Legendas pela comunidade Amara.org


10.05.2023 Rita Lee, a majestade do rock, por Ney Matogrosso 10.05.2023 Rita Lee, die Felsenmajestät, von Ney Matogrosso 10.05.2023 Rita Lee, the rock majesty, by Ney Matogrosso 10.05.2023 リタ・リー、ロックの威厳、ネイ・マトグロッソ著 10.05.2023 Rita Lee, majestat rocka, autor: Ney Matogrosso

Essas coisas de feminismo e tudo, eu não tenho muito a teoria da coisa, eu nunca tive,

eu fui mais de ação.

A mulher não pode usar calça comprida.

Pode, eu vou usar, usar.

A mulher não pode fazer rock, pra fazer rock tem que ter colhão.

Eu pegava meus ovários, meu útero e ia fazer rock and roll.

Ela nem me manda pra casa, doutor, ela tem que ver meus vestidos.

Minha filha, o carro é seu!

O rock naquela época era tão eu.

Tudo a ver, tudo a ver comigo.

Roupa, o que dizia, o que se pensava, as tragédias, as maravilhas e principalmente o desacato

à autoridade.

Quem é esse?

Esse tá de rock and roll.

A história íntima entre Rita Lee e a música começou nos anos 60, com os provocadores mutantes.

Ando, bem desligado.

Eu nem sinto, meus pés no chão.

Nos festivais daquela época, os mutantes se juntariam a Gilberto Gil e a Caetano Veloso

numa mistura estrondosa de rock com tropicalismo, uma espécie de marco da MPB.

Os mutantes eram um deboche, eram tropicalistas, a gente tava no meio do Caetano, do Gil, do

José, aprendendo o Brasil, Chacrinha, Carmem Miranda, tudo aquilo que foi me oferecido,

aquela riqueza, que eu sou filha de gringo, né?

Então foram eles que me apresentaram, eles que me ensinaram a compor.

Não se liga com o beijo, não vai me ver por aí.

Nos anos 70, Rita Lee foi expulsa dos mutantes e levou todo o seu calibre criativo pra uma

carreira solo de mais de cinco décadas.

E muito desse sucesso foi criado junto com o amor da sua vida, o musicista e compositor

Roberto de Carvalho.

Aí eu falei, o que falta mais pra gente debochar?

Que era naquela época dos mutantes que a gente...

Aí resolvemos debochar do próprio casamento.

Então deixa eu ver com quem que vamos casar, né?

Com o Célio e com o Arnaldo, com o Adinho.

Tadinhos, quem parou em?

Se o Arnaldo vencer, eu casei com o Arnaldo.

Não diga, você tá falando sério, viu?

Tô falando sério.

Agora, com o Roberto me parece que é uma coisa pra valer, né?

É, porque não tem o papel também, aí eu já acho que é mais legal.

Não, o astral do papel eu não gosto muito.

Não?

Não.

Como é que é trabalhar em tempo integral de marido?

É ótimo.

É bom?

É bom, é bom, porque vai fluindo, não acaba nunca, aparece fonte.

É, não é?

É, até filho fazer música.

Tudo junto.

Transar tudo.

É o casal que propulsiona o disco Voador a funcionar.

Então, a dualidade, né?

Da vida.

Rita foi tudo.

Mãe, mulher livre, dona irreverente do seu próprio corpo,

autora de músicas que alcançaram gerações.

Ela foi o que desejou ser.

A sorte de ter sido eu, de ter sido quem sou, de estar onde estou,

não é nada se comparada ao meu maior gol.

Sim, acho que fiz um monte de gente feliz.

Viveu amores, consagrou-se majestade e enfrentou com impressionante transparência

a sua relação com as drogas.

Não sou Madalena arrependida, não me arrependo.

Acho que as melhores músicas que eu fiz foi sob efeito de drogas

e as piores também.

Mas faz dez anos que eu não tenho controle total das drogas proibidas.

Porque se eu não tiver esse controle, eu volto prospício.

Porque é uma coisa que eu não estou afim, que é um repeteco também.

E assim como em tudo na vida, Rita também falou abertamente sobre a velhice.

De repente eu me vi envelhecendo.

E o envelhecer, pra mim, foi uma surpresa, porque eu nunca fui velha na vida.

Fiquei com vontade de viver minha velhice afastada dos palcos,

não dividindo isso com o público.

Meu jeito de me expressar no palco não tinha limites físicos.

Eu dava de ponta cabeça, eu caía no chão, eu mostrava a bunda,

eu fazia palhaçada. Era uma delícia.

E como quem vê a morte chegar, mas sem se amedrontar com ela,

deixou escrito em sua autobiografia o que ela própria chamou de profecia.

Eu peço licença, Rita Lee, pra ler alguns dos trechos.

Quando eu morrer, posso imaginar as palavras de carinho de quem me detesta.

Algumas rádios tocarão minhas músicas sem cobrar jabá.

Colegas dirão que farei falta no mundo da música.

Quem sabe até deem meu nome pra uma rua sem saída.

Os fãs, esses sinceros, empunharão capas dos meus discos e entoarão ovelha negra.

As TVs já devem ter na manga um resumo de minha trajetória

pra exibir no telejornal do dia.

E uma notinha no obituário de algumas revistas há de sair.

Nenhum político se atreverá a comparecer ao meu velório,

uma vez que nunca comparecia ao palanque de nenhum deles

e me levantaria do caixão para abaiá-los.

Enquanto isso, estarei eu, de alma presente no céu,

tocando a minha alto harp e cantando para Deus.

Obrigada, Senhor. Finalmente sedentário.

Rita também deixou escrito o seu epitáfio.

Ela nunca foi um bom exemplo, mas era gente boa.

E não é feliz.

Eu sou feliz.

Da redação do G1, eu sou Natuzaneri e o assunto hoje é

Sua Majestade, Rita Lee.

Meu convidado neste episódio é Neymato Grosso,

uma das maiores vozes da música brasileira, amigo e parceiro de Rita.

Ney conversou com o assunto minutos depois de saber da morte de sua alma gêmea,

como ele mesmo gostava de se referir a ela.

Quarta-feira, 10 de maio.

Tá bom, tô perturbado, tá?

Tô perturbado com a notícia, sabe?

Embora, sabendo que tava doente, sabendo que é uma doença brava,

mas fiquei muito perturbado.

Uma tristeza, uma coisa assim, que eu, em geral, não tenho essa reação à morte, tá?

Como é que você lida com ela?

Eu lido com ela com muita naturalidade, tranquilidade,

mas agora eu fiquei impactado com isso, tem uma coisa aqui no meu peito me incomodando,

mas tudo bem, é assim mesmo.

E por que você, Ney, considerava a Rita como a sua alma gêmea?

Porque, olha, eu sempre admirei a Rita Lee, né?

E isso eu só virei artista na década de 70, a Rita Lee já estava aí desde os 60, né?

Ela que nasceu no dia 31 de dezembro de 1947, no bairro da Vila Mariana,

um bairro tradicional de São Paulo da Zona Sul,

família descendente de italianos católicos por parte de mãe

e de americanos protestantes por parte de pai.

Ela foi uma das mulheres mais influentes do país,

uma referência para os guitarristas nos anos 1970.

Integrou os Mutantes, ao lado de Arnaldo Batista e Sérgio Dias.

Todo mundo que viu aquela garota de 20 anos aparecer com os Mutantes

para cantar do Minas no Parque com Gilberto Gil no Festival de 67,

se apaixonou imediatamente.

A ruiva e sardenta Rita parecia um anjo, mas sempre foi uma ovelha negra.

Eu esperava todos os discos dos Mutantes e tal, eu esperava tudo,

eu ficava assim ligado, né?

A primeira imagem da Rita que foi uma pancada na minha cabeça

foi ela cantando o Minas no Parque,

e eu não sabia se ela estava cantando o Minas no Parque,

a primeira imagem da Rita que foi uma pancada na minha cabeça

foi ela de noiva grávida, na década de 60.

Isso era uma coisa tão revolucionária, tão transgressora, sabe?

Em sua autobiografia, Rita contou sua vida vertiginosa,

que a levou à glória, mas também ao poço sem fundo

de várias drogas e do alcoolismo.

Foi um filme que continuava no Repeteco, que eu fui para um hospício

e decidi parar realmente com drogas,

porque essa coisa de droga era uma história antiga, não sei o quê,

vai parar no hospital, as pessoas acham que é suicídio,

não é suicídio, nunca foi suicídio, era overdose mesmo,

fazia limpeza, saía lá bonitinha, paz e amor e tudo.

Tô limpa desde que minha neta nasceu, tô achando isso louco ser careta.

É uma coisa que eu nunca experimentei, então ficou datada a coisa de droga,

eu vi muito esse filminho.

Essa imagem eu sempre tenho na minha cabeça,

e aí quando eu virei cantor, a gente se encontrou algumas vezes.

E como é que foram esses encontros?

Ah, sempre foi muito, muito afetivo, muito carinhoso, sabe?

Um dia desse eu recebi uma foto dela, uma foto que tiraram da gente,

fizeram, montaram a vida dela com a Mel Lisboa e eu fui assistir.

E aí quando eu me sentei na plateia, ela estava na frente,

eu não sabia que eu ia encontrar com ela.

Aí na saída, ela tiraram uma foto da gente,

ela assim, metendo a língua na minha orelha,

dizendo que são segredos de liquidificador, sabe?

Então é uma coisa assim, ela tinha essa...

Uma vez nós ficamos num camarim, numa coisa da MTV,

ficamos horas no camarim conversando, sabe?

Era assim, era uma intimidade que a gente tinha

sem ter preparação para essa intimidade, sabe?

E isso te fazia se sentir como?

Me fazia me sentir isso, como uma alma gêmea mesmo,

porque ela foi uma transgressora, eu sou uma transgressora até hoje,

ela era até agora, esse momento, não é isso?

E isso nos aproximava muito, isso nos aproximava muito.

Itali construiu uma carreira no rock,

mas ao longo dos anos flertou com diversos gêneros.

Bolero, bossa nova, carnaval.

Fez parte da Tropicália, o movimento que sacudiu a música e o Brasil.

Capoeira, pra viver agora.

Artista livre, Rita afrontou a ditadura e teve muitas letras censuradas.

A artista alcançou a marca de 55 milhões de discos vendidos.

Com Lança Perfume, Rita inventava o rock de carnaval.

E a dupla criava um estilo moderno, dançante,

e com letras cheias de humor, sexo e liberdade,

numa sucessão de hits que alegraram o Brasil,

como Banho de Espuma...

e Baila Comigo.

Eu tive um sonho uma vez com ela muito louco, tá?

Eu vou te contar, as pessoas vão até debochar, mas eu vou te contar.

Eu tive um sonho há muitos anos atrás, nunca esqueci esse sonho, tá?

Que era assim, eram duas crianças dentro de um ambiente

completamente fechado, como se fosse uma caverna.

O chão era todo de pedras preciosas, assim,

você olhava, o chão era todo de pedras preciosas,

e as crianças eram eu e ela.

Olha que sonho louco.

E isso tem tudo a ver com essa imagem de irmã gêmea que você tem dela, né?

Sim, sim, mas agora por que eu sonhei isso?

Meu Deus do céu.

Esse sonho foi quando, Ney?

Ah, esse sonho faz muito tempo, muito tempo.

Mas eu já conhecia ela, eu já era artista,

mas talvez o quê, lá no comecinho, de séculos e molhados, né, por aí.

Mas foi um sonho tão marcante que eu lembro dele assim,

com requinte de detalhes, sabe?

Às vezes eu sinto que você fala da Rita,

mas você também fala de você, quando você a descreve.

Nos anos 70, tanto você com séculos e molhados, quanto ela,

representavam muita liberdade, né?

Muita transgressão diante dos modelos de costumes,

de família no Brasil.

Então, à medida que você vai falando dela agora,

os meus ouvidos me levam para esse lugar,

de que vocês eram quase que extraterrestres aqui.

Isso aí, irmãos de alma mesmo, sabe?

Porque depois que eu tive esse sonho,

nunca mais eu consegui não olhar para a Rita

e achar que éramos irmãos, sabe?

E essa pessoa que ela cria em música, da Ovelha Negra,

te parece algo que acompanhou a vida inteira dela?

Como é que você vê essas várias transformações da Rita?

Como artista, como celebridade?

Ela, dentro desse contexto, sempre foi muito diferente, né?

Quando ela ia dar entrevista, aparecia toda a doçura dela,

muito doce, muito leve, dizendo coisas brutais.

Ela dizia, assim, na cara da hipocrisia,

mas ela tinha essa mistura de doçura e extrema virulência no conteúdo.

A outra coisa extraordinária que atesta a força dela

é que sem nunca ter escrito uma letra explicitamente política,

ela é, de longe, a artista mais censurada pela ditadura.

Mas em 1976, foi presa e não por conta da política.

A polícia achou maconha no seu apartamento.

Ela estava grávida e sempre disse que a droga foi plantada pelos PMs

que não gostavam dela.

O flagrante rendeu 45 dias de cadeia.

É muito diferente no sentido que, mais uma vez, vai nos aproximar.

Ambos somos recatados na intimidade.

Sim.

Muito reservados na intimidade.

É, mas a vida pública é muito exposta, né?

E o que é isso? O que explica isso?

Eu não sei. É uma maneira de viver isso.

Eu odiaria viver carregando o personagem, sabe?

Eu odiaria carregar esse personagem.

Eu seria infeliz se fosse obrigado a carregar.

Por quê?

Porque pesa.

Eu sou menos, eu preciso de menos, eu preciso de menos atenção, sabe?

O artista não. O artista se expõe.

Está ali num palco, as pessoas pagaram para assistir.

Então eu vou lá e faço tudo o que eu possa fazer para...

Na verdade, a gente quer agradar ao público, não é isso?

Subir no palco e agradar ao público.

Mas fora do palco eu não tenho necessidade nenhuma que me olhem, me vejam, sabe?

E eu vejo isso da Rita também.

Ela tinha uma vida pública exposta e uma vida própria, preservada, sabe?

Espera um pouquinho que eu já volto para continuar minha conversa com o Ney.

Você lançou um livro de memória com o nome de uma música da Rita Lee,

a música Vira Mata de Raça.

Sim, que ela mandou para mim, para eu gravar.

Ela te mandou para gravar, né?

Foi, foi, foi.

Minha dor não dói, sou marginal, sou herói.

Minha dor não dói, sou marginal, sou herói.

Você pode contar também por que você escolheu essa música

e o que ela representa na sua relação com a Rita?

Representa, sim, uma afinidade muito grande.

Porque, por exemplo, ela fala assim,

eu sou mar lombrando, vivo numa ilha, não faço papel de santo nem para a minha família.

Então, isso era uma maneira dela e isso é uma maneira minha, né?

Então, ela me sacava.

Quando ela me mandou Bandido, foi a primeira música que eu cantei da Rita.

Bandido, bandido, coração, não tem a de te amar.

Quando eu vi aquela letra, disse, meu Deus do céu, isso aí sou eu, sabe?

Mas era ela também, né?

Essa é uma das primeiras músicas que eu me lembro de você cantando.

E eu era pequena e eu assistia um show em que você cantava Bandido.

Então, tem uma memória afetiva aqui para mim muito, muito doce.

Foi a primeira música que ela me deu para cantar.

A Rita sempre foi muito associada a São Paulo, né?

Isso tem sido lembrado nos obituários agora.

Tem um verso que faz referência à Rita em Sampa do Caetano.

Ainda não havia para mim Rita ali

A tua mais completa tradução

Alguma coisa acontece

Para você, a Rita tinha isso de ser a mais completa tradução de São Paulo?

Tinha, tinha.

Tinha por quê?

Ela fazia questão de ser uma representante disso, né?

Eu nasci a São Paulistana.

Meu pai é um feio, muito charmoso, porém feio.

Filho de americanos, ele maçom, distante.

Não era amoroso.

E minha mãe, filha de italianos, linda, linda.

Era pianista, festeira, alegre, catolicésima, muito mais católica que o Papa.

Então, tinha esses dois extremos.

Ela, quer dizer, fazia questão não.

Era verdadeiro para ela ser uma representante de São Paulo,

daquela mentalidade de São Paulo,

daquela cidade louca que se diz careta, mas que é louca, sabe?

Eu conheci São Paulo nos anos 60.

As pessoas diziam assim, ah, o Rio de Janeiro é uma cidade louca.

Eu vi São Paulo, eu disse, louca São Paulo, sabe?

Eu vi coisas em São Paulo que eu nunca vi no Rio de Janeiro.

E a Rita Lee vem dentro desse pacote aí.

Ela era a representação disso, sabe?

Da São Paulo desvairada.

Mas o tempo passa mais, eu quero me divertir, me distir, me sentir.

Guerrilheiro, moraceiro, ô, Ramel.

Guerrilheiro, moraceiro, ô, Ramel.

Mas com muita inteligência, com muita sagacidade, com muita ironia nas coisas.

E tudo me fazia cada vez mais próximo dela.

E o mundo era melhor com ela, né?

Muito melhor, muito melhor.

Você falou algumas vezes da sua relação com ela,

você cita algumas dessas passagens.

São inúmeras, eu imagino, as memórias vividas com ela.

Mas nesse momento, qual é a memória que você vai levar para o resto da vida da Rita?

Qual é o momento que vai ficar com você e que ninguém, absolutamente ninguém vai tirar?

Tem dois, né?

Esse que nós ficamos dentro de um camarim durante horas esperando para fazer o programa.

Aí que nós conversamos sobre a vida inteira, sabe?

Sobre anseios e desejos.

E foi muito tempo mesmo.

E esse último encontro que foi delicioso, porque imagina,

a Rita lambendo a minha orelha, eu no meio do, sabe, saindo do teatro,

ela lambendo a minha orelha dizendo assim, segredos de liquidificador para você.

Eu disse, meu Deus do céu, que delícia.

Agora, Ney, a Rita ajudou a incorporar a revolução do rock ao tropicalismo, né?

E o que você percebe que ela deixa para a música brasileira?

Eu nem pergunto um legado, porque Rita ali não deixa um legado só para nós,

ela deixa inúmeros, centenas.

Ela deixa essa abertura para a música brasileira, né?

Porque era tudo muito careta, era assim, música brasileira, música não sei o que.

Não, a Rita reforçou essa visão de que a música brasileira é toda ela, né?

Que o rock faz parte.

Nós somos antropófagos, não é isso?

Exatamente isso, exatamente isso.

Meu sangue é de gasolina, correndo não tenho mágoa,

meu peixe é de sarde e fruta, bebendo no copo d'água.

E se você tivesse oportunidade de encontrar a Rita agora, antes da partida dela,

o que você diria para ela, Ney?

Olha, dependendo do estado que eu encontrasse, eu diria assim, vai em paz, meu amor, sabe?

E esse seria um segredo de liquidificador também, né?

Seria, só entre nós dois, né?

A Rita ali não tinha tempo para ver se gostava dela,

sempre no show, em estrada, cuidando de filho, de casa.

Quando você morre, você não leva nada daqui,

você só leva esses conhecimentos que você aprende com você mesma.

Como é que você está agora?

Olha, a gente vai falando, a gente vai depurando, quer dizer,

eu estava sob o impacto porque eu tinha acabado de receber a notícia.

Eu ia fazer, eu estava indo para a minha sala de ginástica receber a notícia, cancelei.

O professor estava aqui, eu disse, eu não posso, não posso fazer ginástica agora,

porque aí começaram a me telefonar, começaram a me telefonar, eu disse,

olha, se fosse outra pessoa, eu nem atenderia,

mas a Rita ali eu tenho que estar disponível, sabe?

Claro, claro, sem dúvida nenhuma, até porque é só uma gênia, né, Ney?

Sim, sim.

Ney, eu te agradeço demais.

Você, assim como a Rita, fazem parte de tudo que nós somos,

de tudo que nós somos como brasileiros.

A partir da Rita, você tem um grande papel,

você tem um grande papel no mundo,

e eu acho que você tem um grande papel no mundo,

de tudo que nós somos, de tudo que nós somos como brasileiros.

A partida da Rita arranca um pedaço da gente,

e antes da gente começar a gravar a entrevista,

eu dizia para você que três pessoas parece que não são desse mundo,

a Rita, o David Bowie e você,

e você me deu uma resposta curiosa que eu queria que você contasse para quem nos ouve.

Em tese, todos nós não somos desse planeta, não é isso?

É isso, foi exatamente isso.

Porque há uma teoria, sim, de que viemos das estrelas

e que somos já uma espécie híbrida, né?

É isso, eu acredito nessas coisas.

E a gente volta para as estrelas?

Olha, eu acho que sim, acho que, bom,

nós somos formados por tudo que o universo despeja na Terra, não é isso?

Você ainda tem essa vontade de ir em frente e experimentar coisas novas aos 72, 73 anos?

Ah, ser abduzida por um disco voador.

É, essa sua viagem hoje?

Yes!

O que você acha que você vai encontrar lá?

Ah, eu acho que são nossos irmãos das estrelas.

Alô, alô, marciã

Aqui quem fala é da Terra

Para variar, estamos em guerra

Você não imagina...

As estrelas estão mandando coisas, estão caindo coisas,

isso tudo nos formou, formou o nosso planeta

e formou os seres deste planeta, não é isso?

Então nós somos formados também por tudo que o céu deixa cair na Terra, não é isso?

É isso.

Eu acredito nisso.

Ney, eu sinto muito, eu agradeço também por você ter topado falar com a gente

sobre essa rainha, sua majestade Rita Lee.

Sua majestade.

Sua majestade Rita Lee.

Um beijo bem grande para você e eu desejo muita força para você agora.

Obrigado, para você também, um beijo.

Este foi o assunto podcast diário disponível no G1, no Globoplay

ou na sua plataforma de áudio preferida.

Vale a pena seguir o podcast na Amazon ou no Spotify,

assinar no Apple Podcasts, se inscrever no Google Podcasts

ou no Castbox e favoritar na Deezer.

Assim você recebe uma notificação sempre que tiver um novo episódio.

Comigo na equipe do assunto estão Monica Mariotti, Amanda Polato,

Tiago Aguirre e o Júlio Lopes.

Juntos estão Monica Mariotti, Amanda Polato, Tiago Aguiar, Luiz Felipe Silva,

Tiago Kazurowski, Gabriel de Campos, Nayara Fernandes e Guilherme Romero.

Eu sou Natuzaneri e fico por aqui.

Até o próximo assunto.

Legendas pela comunidade Amara.org

Legendas pela comunidade Amara.org