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O Assunto (*Generated Transcript*), 07.06.23-O brasileiro endividado – e o impacto na economia

07.06.23-O brasileiro endividado – e o impacto na economia

Vai vindo outras contas, né? Água, luz, desemprego, comida cara.

E aí fica difícil, sem condições.

Excesso de gasto, compra aqui, compra ali, aí quando você vê já gastou.

Às vezes a gente tem menos cliente, então acaba apertando tudo com criança em casa também.

Aí vem um juros, subiu outro juros e tal, tal, tal e tal.

Aí daí, consegui um cartão de crédito, me enrolei no cartão.

Eu fico tão preocupada com as dívidas que eu não consigo comer, eu não consigo dormir.

Um problema que tira o sono, literalmente, de mais de 70 milhões de brasileiros.

A gente quer ser limpo, né? Andar com a cabeça limpa.

Não paga porque a gente não tem dinheiro pra pagar. A gente não tem condição de pagar.

Não dá pra eu pagar as minhas dívidas. Se desse, eu pagaria logo tudo de uma vez.

Endividados que encaram uma das taxas de juros mais altas do mundo.

A dívida do cartão de crédito é uma das mais perigosas que existem no Brasil,

por causa da taxa de juros alta, que chega a mais de 400% ao ano.

O cheque especial também é um dos vilões, com taxas que chegam a mais de 100%.

Diante desse cenário, o governo decidiu ajudar pessoas que ganham até dois salários mínimos

e que estão com o nome sujo na praça com uma dívida de até 5 mil reais.

O governo vai elaborar um sistema de leilão para os credores que quiserem participar do programa.

Vai funcionar mais ou menos assim.

As empresas que derem mais desconto nas dívidas têm mais chance de serem selecionadas

para obter a garantia do Tesouro Nacional.

Depois desse leilão, começam as negociações com os debedores.

Ele tem um estímulo para dar o maior desconto possível, porque ele sabe que vai receber.

Nós vamos refinanciar para o devedor, mas o credor não vai ter que ficar esperando o pagamento.

Ele vai ter a certeza do recebimento.

Então a gente quer melhorar as condições de desconto dos credores e, obviamente, facilitar a vida dos devedores.

Da redação do G1, eu sou Nathuzan Nery e o assunto hoje é

O endividamento dos mais pobres.

Um episódio para entender a gravidade da situação econômica da classe D

e os possíveis impactos do programa do governo para essa população e para a economia do país.

Neste episódio, eu converso com Renato Meirelles, fundador do Instituto Locomotiva e do Data Favela,

e Rafael Pereira, ex-presidente da Associação Brasileira de Crédito Digital

e cofundador da Fintech de Crédito OpenCOOL.

Quarta-feira, 7 de junho.

Renato, eu quero te pedir para nos dar um panorama dessa classe D,

que é o público-alvo do programa Desenrola de Renegociação de Dívida.

Como é que essas famílias estão vivendo hoje no Brasil? Qual é o grau de dificuldade do dia a dia delas?

A população de baixa renda, a população da classe D e E,

foi a camada dos brasileiros que mais sofreu, tanto na pandemia quanto na crise econômica.

Imagine o seguinte, Natuza, nós estamos falando aí de uma parcela que tem a maior participação da sua renda

reservado para alimentação.

E nós todos sabemos que a inflação de alimentação liderou o crescimento inflacionário do Brasil nos últimos anos.

A média da inflação oficial desacelerou em maio.

E o IBGE divulgou os números hoje do IPCA 15, que ficou em 0,51%.

Ele foi pressionado agora nesse mês pela alta do preço dos alimentos.

É uma parcela da população brasileira que concentra os índices de desemprego no nosso país.

Muitos delas, inclusive, perderam o seu emprego formal durante a pandemia.

Os brasileiros estão desempregados, estão gastando mais com os itens básicos

e, portanto, ficam sem alternativa quando chega o final do mês,

mas o salário acabou uma semana antes do mês terminar.

Quais são os efeitos da inadimplência para a vida das pessoas, inclusive no comportamento delas?

Porque eu sei que você mede isso o tempo inteiro.

Essa é a grande pesquisa da sua vida, né?

Desde 2019, nós temos um painel que acompanha os inadimplentes brasileiros

realizados aí em parceria com o Negocia Fácil.

O que a gente sabe?

Que, em primeiro lugar, 84% acreditam que o fato de estar endividado

impacta negativamente no seu estado emocional.

84%.

Uma pesquisa nacional mostrou que as finanças causam estresse

e refletem no convívio familiar de quase 60% dos brasileiros.

Apenas 21,9% dos brasileiros se sentem preparados para lidar com uma grande despesa inesperada.

Sobre o futuro, apenas 35% da população tem segurança sobre as finanças.

Eu trabalho fazendo faxina, essas coisas, e as pessoas estavam com medo da pandemia, né?

E eu não tinha trabalho, né?

É ligação todo dia, toda hora.

Quando liga só para a sua casa, você fica bem.

Mas quando liga para pessoas que você às vezes nem conhece,

a pessoa, olha, ligaram de tal lugar, olha, a tua cara vai...

A gente até adoece.

E isso acaba com aquela ideia, muitas vezes divulgada, sem nenhum fundamento,

sem nenhum número, de que as pessoas estão inadimplentes porque são perdulares.

Ou que as pessoas não poupam porque não existe educação financeira no Brasil.

E a realidade é bem diferente disso, Natuza.

Como é que você vai falar para uma dona de casa que, com um salário mínimo e meio,

sustenta cinco pessoas, que ela não tem uma educação financeira?

O perfil da pessoa endividada é mulher, com menos de 35 anos,

e também com ensino médio incompleto, com uma renda familiar de até 10 salários mínimos,

moradora das regiões Sul e Sudeste aqui do Brasil.

O perfil, então, do inadimplente é de mulher também, com ensino médio incompleto,

só que com mais de 35 anos, na faixa um pouco menor de renda,

da que eu acabei de citar, de até 10 salários mínimos,

e é geralmente moradora do Norte ou, então, do Nordeste.

Ela não tem dinheiro efetivamente para isso.

E deixam de pagar por conta desses imprevistos do dia a dia.

Imprevisto, inclusive, liderado pelo desemprego.

Nós temos hoje sete de cada dez inadimplentes que afirmam

que o nome de uma pessoa é o seu bem mais precioso.

Nós temos dois terços dos inadimplentes que passaram a olhar o Bina do celular

para saber se é ou não uma empresa de cobrança,

antes de atender uma determinada ligação.

Então, essas pessoas não gostam de ser inadimplentes.

É muito sofrido isso, né, Renato?

É muito sofrido isso.

Você não conseguir dormir,

você ficar com receio de ser uma empresa de cobrança o tempo inteiro.

É um desassossego muito grande, né?

As pessoas não estão assim porque elas não gostam de pagar conta,

elas estão assim porque elas não têm dinheiro para pagar conta.

Exatamente. E não têm dinheiro por fatores que, muitas vezes, não dependeram dela.

Porque ela teve um crédito aprovado quando estava com emprego formal na TUS.

Então, na prática, ela não teve condições de honrar, por exemplo, a conta do cartão de crédito.

Com o cheque especial, uma dívida de R$ 1.000 contraída em janeiro

pode fechar a R$ 2.300 no final do ano, considerando o valor da dívida mais os juros.

Na mesma simulação, com o cartão de crédito, o valor é bem maior.

Uma dívida de R$ 1.000 no início do ano pode chegar a R$ 5.000 em dezembro,

considerando o valor mais os juros.

Aliás, esse é um dado bastante interessante que as nossas pesquisas do Instituto Locomotiva trazem.

Imagine que hoje nós temos 61% dos brasileiros endividados que têm um hábito interessante,

que é o de rodízio de contas.

Chega aí na hora de pagar as contas, ele olha para todos os boletos e fala

esse mês eu não vou pagar a conta de luz, porque ela tem um juros menor do que a conta do cartão de crédito

e demora dois meses para cortar.

Mas chega no outro mês, não tem jeito, ele tem que pagar a conta de luz.

Então ele dá uma atrasada no cartão da loja, que ele tinha comprado as roupas para o filho

já que estava chegando o inverno.

Só que quando ele deu a atrasada nessas lojas, o juros ficou muito caro.

Então todo mês é de fato um rodízio de contas para escolher que conta ele vai conseguir honrar.

Esse é o nome que eles dão nas nossas pesquisas qualitativas na Tusa,

mas é o que os economistas chamam de pedalada fiscal doméstica, é a mesma coisa.

Os bancos que aderirem ao programa vão ter uma obrigatoriedade a mais.

Terão que imediatamente limpar o nome dos consumidores inadimplentes que devem até R$100.

Essa exigência não vale para varejistas e outras empresas.

Agora eu queria tirar uma dúvida com você em termos políticos.

Por tudo que você já viu de movimentação dessa faixa da população em termos de aprovação a governos,

na sua avaliação, o programa de desenrola tende a ter impacto de popularidade do governo?

Ajudará o governo a ganhar casas?

Ou o presidente da república nessa faixa de renda já conquistou boa parte dos eleitores que votaram nele

e é mais difícil dele crescer nessa fatia da sociedade?

Na Tusa, quando nós vamos olhar aí o perfil de brasileiros com dívida em atraso,

nós vimos que eles estão presentes mais nas regiões periféricas,

são formados majoritariamente por negros e por brasileiros de menor renda.

Brasileiros que inclusive foram responsáveis por quase dois terços dos pouco mais de 60 milhões de votos

que o presidente Lula alcançou no segundo turno das últimas eleições presidenciais.

Por que eu estou contando essa história?

Porque efetivamente, no primeiro momento, blinda o eleitorado que garantiu a vitória de Lula.

Vale lembrar que se o Lula não tivesse tido uma ampla vantagem nessa fatia da população brasileira,

provavelmente ele teria sido derrotado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro.

Agora, esse perfil de inadimplentes, pessoas que serão beneficiadas pelo programa de desenrola,

atinge uma camada mais ampla dessas classes DE.

A camada, por exemplo, dos eleitores evangélicos.

O nosso ouvinte sabe que quanto menor a renda, maior a participação dos eleitores evangélicos.

E eles também têm contas em atraso ou têm parentes com contas em atraso.

Além de blindar o seu eleitorado, ele começa a pegar aquelas franjas do bolsonarismo da baixa renda,

que também foi responsável por uma parcela dos votos de Jair Bolsonaro.

O anúncio do programa desenrola foi aqui no Palácio do Planalto.

Era uma promessa de campanha do presidente Lula.

Hoje, a maior parte das dívidas dos brasileiros é com bancos, varejistas e as companhias de água, gás, luz e telefone.

A ideia é que ele imediatamente já tire o nome do SPC do Serasa para se habilitar a participar do programa.

Esse é um dos objetivos nossos.

Tem uma outra razão aí que pode trazer um impacto eleitoral positivo.

Os inadimplentes movimentam por ano pouco mais de 800 bilhões de reais, Natuza.

São 800 bilhões de reais que não passam pelo sistema formal de trabalho.

Porque ele pede para não depositar.

Ele vende, por exemplo, um fórum de prato e pede para que o pagamento não seja depositado na conta dele.

Ele pede o pagamento em dinheiro porque se depositar na conta dele e ele estiver no rotativo, esse depósito é capturado pelo banco.

Tendo acesso a crédito, o crédito passa, o crédito que ele voltará a ter acesso a partir do momento em que ele regularizar a sua situação com as instituições financeiras,

você cria um círculo virtuoso na economia.

Então, o que nós vamos começar a ter?

Esse brasileiro com o nome limpo vai poder passar a receber em piques, por exemplo.

Então, você tem uma movimentação da economia como reflexo, é isso que você está dizendo?

Exatamente. E a economia movimentando, inclusive a partir da baixa renda, ele vai gastar com o seu cartão de creche,

dinheiro que ele está recebendo em varejistas das classes especialistas em classes C&D.

Que se venderem mais, contratam mais gente.

Lembrando que foi o desemprego a maior causa da inadimplência.

O desenrola deve ser encarado não como um programa de perdão aos perdulários.

Inclusive, os perdulários são aqueles que têm dívidas muito maiores do que R$ 5 mil.

Esse programa tem que ser visto como um programa de auxílio aos mais necessitados.

Para um processo de endividamento que tem proporções pandêmicas, em especial nos brasileiros de menor renda.

Brasileiros que, ao não terem acesso ao crédito, não conseguem trocar a sua geladeira que está quebrada.

Não conseguem comprar um micro-ondas.

Não conseguem, muitas vezes, parcelar uma ceia de Natal em duas ou três vezes.

São brasileiros que acabam indo para a informalidade na Tusa.

Porque se eles se formalizarem, o banco acaba comendo aquele dinheiro que entraria na conta dele.

Dinheiro que vai fazer falta para, por exemplo, fazer a compra na feira livre.

Compra importante para manter a alimentação da sua família.

Segundo um levantamento divulgado este mês pelo Sindicato do Comércio Varejista, 65% da renda das famílias estão indo para o consumo de itens essenciais.

Como alimentação, saúde e medicamentos.

E 35% para itens não essenciais.

Que é o caso, por exemplo, de roupas, calçados e brinquedos.

Antes da pandemia, o gasto era mais equilibrado.

A gente tinha uma divisão mais distribuída entre itens essenciais com 50% e não essenciais com outros 50%.

Nenhuma economia do mundo cresceu sem oferecer crédito para a sua população.

Seja o crédito imobiliário, seja o refinanciamento de dívidas por juros mais baratos.

E quando o governo afirma que parte dessas dívidas podem ser renegociadas, refinanciadas com juros de até 1,99% ao mês.

E você compara esses juros com os juros do cartão de crédito, que chega a ser 3, algumas vezes 4 vezes maior do que o refinanciamento proposto pelo governo.

O que a gente vê?

Que na prática essas dívidas serão pagas.

O que não ficará na mão dos bancos são esses juros que foram inclusive um dos grandes responsáveis pelo aumento da inadimplência no Brasil.

Renato, muito bom ter você aqui no assunto.

Como sempre, eu aprendo bastante com você. Volte outras vezes.

Um prazer enorme. Sou fã e seguidor do assunto. Um beijo na Tusa, um beijo a todo mundo que está nos ouvindo.

Espera um pouquinho que eu já volto para falar com o Rafael Pereira.

Rafael, eu vou te pedir para nos explicar qual é o cenário do mercado de crédito no Brasil com uma taxa básica de juros no patamar de 13,75% ao ano.

Eu sei que a situação é dramática, mas eu queria que você nos descrevesse essa situação.

Tusa, o primeiro que o Brasil sempre foi um país muito volátil.

Então, é claro que com juros nesse patamar você tem um desafio do custo de capital para você fazer operações de crédito.

Sobe demais o custo de financiamento para as famílias e para as empresas.

Mas esse não é o único componente do mercado atual.

Esse mercado hoje em dia está combinando esse custo alto da Selic com um recorde de endividamento familiar das empresas.

Então, você vê um país que não cresceu durante bastante tempo e teve uma inflação bastante alta no período acumulado,

isso destrói a capacidade das famílias de arcarem com suas despesas, com seus compromissos.

Então, essa combinação de falta de capacidade de pagamento com juros alto é que cria um desafio bastante grande no mercado hoje.

Agora, um estudo da Fundação Getúlio Vargas demonstrou, não faz muito tempo,

que o volume de dívidas para consumo rápido, ou seja, aquele com juros mais altos,

cresceu quase todos os anos desde 2012 aqui no Brasil.

Então, eu queria que você nos ajudasse a entender o que esse crescimento revela sobre o tipo de dívida tomada pelo brasileiro

e as dívidas que mais preocupam os bancos, por exemplo, que são os que concedem crédito.

Eu acho essa pergunta ótima porque ela tem um componente aí que já está na própria semântica da pergunta,

que a gente usa constantemente a palavra dívida.

E a gente se refere muito pouco a crédito.

E eu acho que tem uma conotação semântica importante, onde dívida é aquele negócio que você está amarrado,

você está atravancado com aquela dívida que não te larga.

E crédito é uma ferramenta financeira importante onde você usa uma capacidade futura sua de geração de renda no momento presente

para diversas finalidades.

E o que aconteceu aí, que você falou, enfim, desde 2012,

ou seja, esse percentual de uso de crédito no dia a dia vem aumentando,

é efetivamente uma falta de capacidade das famílias de acompanharem crescimento de renda com aumento de despesa.

Então, a gente vê a inflação corroendo a capacidade financeira, principalmente da classe média,

que não teve capacidade de repor essa renda para poder manter o mesmo padrão social de vida

e, portanto, começou a usar crédito para tentar, de alguma forma, tampar essa necessidade.

Ou seja, você pega um empréstimo no banco a juro altíssimo para pagar o gás, para pagar a água, para pagar a luz,

no caso de uma família, por exemplo, de baixa renda.

Exato, só que você provavelmente usa gás todo mês, você dificilmente vai...

Deixar de usar.

Exatamente, você não vai deixar de usar gás no mês que vem.

Então, esse uso do crédito, aquele negócio quase que de vender o almoço para pagar o jantar, ele não funciona.

Isso gera um problema social enorme que acaba lá depois no desenrolo.

Você começa a ter famílias que estão usando o crédito de uma forma errada,

estão se endividando de uma forma não saudável e isso acaba criando um problema enorme,

você coloca lá dezenas de milhões de brasileiros e brasileiras numa situação que eles não têm como pagar suas despesas financeiras.

Que é diferente da dívida do crédito que uma empresa toma para aumentar a sua planta,

para contratar mais funcionário, para ter capital de giro, é isso?

Essa é a diferença semântica entre essas duas realidades, né?

O próprio indivíduo, a própria pessoa física, uma família, a gente vê, por exemplo, uma forma de você usar crédito,

praticamente é muito difícil hoje em dia você comprar um imóvel sem financiar um pedaço dele.

Provavelmente um casal jovem que está planejando uma família,

ele não quer necessariamente ter que esperar 30, 40 anos para ele juntar dinheiro e se mudar para esse apartamento que vai ser deles

quando eles tiverem 60, 70 filhos criados.

Então você usa crédito, que é você usar a sua capacidade futura de renda

para comprar provavelmente o seu maior ativo que vai te dar um benefício tanto tangível do ponto de vista financeiro,

de não pagar aluguel, etc., quanto intangível de você usufruir e criar felicidade naquele ambiente ali

durante toda a sua vida, quando você vai construir a sua família.

Usar crédito dessa forma é uma ferramenta completamente diferente de você,

como você usou o exemplo do gás, você financiar a compra do gás desse mês,

que aí mês que vem, além de não ter dinheiro para pagar o gás,

você não tem que pagar a prestação do financiamento do gás do mês anterior.

Como é que você vai resolver isso?

Pois é, e eu queria entrar um pouco mais porque você mesmo cita o Desenrola.

Na sua visão, esse programa Desenrola pode estimular a economia?

Eu acho que sim, acho que o governo de uma forma muito acertada

está tentando endereçar um problema social e econômico de frente.

O setor de serviços sente, o comércio varejista sente,

o aperto no orçamento doméstico faz muitos brasileiros não encontrarem espaço para consumir.

Essa pessoa deixando de consumir, o varejo não repõe estoque,

não tendo reposição de estoque, a empresa, o produtor, não produz.

Não produz, ele fecha um posto de trabalho, com menor renda,

e cria até um ambiente recessivo, potencialmente, para a economia.

É um problema complexo, se for analisar o que levou ao Desenrola,

existe uma diversidade de problemas que criaram essa situação.

Então não tem uma solução simples para esse problema.

O Desenrola parece ser um programa que foi bastante debatido entre diversos agentes econômicos.

Acho que o governo fez um bom trabalho de ouvir diversas partes,

tentar criar uma solução para um problema que não é simples.

Então ele também não tem uma solução simples,

mas eu acho que é um primeiro passo importante de você tratar aquela consequência de uma causa crônica.

É como se o paciente chegasse na emergência hoje com um problema de saúde,

e você está, num primeiro momento, dando aquela recuperada de coisas mais emergenciais.

Só que você precisa tratar também a causa raiz.

Não adianta a gente resolver o Desenrola agora e ter que fazer a cada cinco anos um Desenrola novo.

Vai ter o Desenrola 1, Desenrola 2, Desenrola 3,

porque se a gente não resolver o problema que levou o Desenrola,

a gente vai ter Desenrola 2, Desenrola 3, Desenrola 2025, Desenrola 2027,

a gente vai ficar nessa repetição.

Então acho que é um primeiro passo importante,

mas que é um país que tem mais da metade da população economicamente ativa,

com restrição ao crédito, tem uma coisa estruturalmente errada que precisa ser resolvida.

E eu acho que é um passo importante.

Rafael, superobrigada pelas suas explicações.

Volte outras vezes aqui no assunto.

Eu que agradeço. Qualquer coisa estamos à disposição.

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Comigo na equipe do Assunto estão Mônica Mariotti, Amanda Polato, Thiago Aguiar, Luiz Felipe Silva,

Thiago Kazurowski, Gabriel de Campos, Nayara Fernandes e Guilherme Romero.

Eu sou Natuzaneri e fico por aqui. Até o próximo assunto.

Legendas pela comunidade Amara.org


07.06.23-O brasileiro endividado – e o impacto na economia 07.06.23-Brasilianer verschuldet - und die Folgen für die Wirtschaft 06.07.23-Brazilians in debt - and the impact on the economy 07.06.23-El endeudamiento de los brasileños y su impacto en la economía 07.06.23 - L'endettement des Brésiliens et son impact sur l'économie 07.06.23-Brasilianarna i skuld - och effekterna på ekonomin

Vai vindo outras contas, né? Água, luz, desemprego, comida cara.

E aí fica difícil, sem condições.

Excesso de gasto, compra aqui, compra ali, aí quando você vê já gastou.

Às vezes a gente tem menos cliente, então acaba apertando tudo com criança em casa também.

Aí vem um juros, subiu outro juros e tal, tal, tal e tal.

Aí daí, consegui um cartão de crédito, me enrolei no cartão.

Eu fico tão preocupada com as dívidas que eu não consigo comer, eu não consigo dormir.

Um problema que tira o sono, literalmente, de mais de 70 milhões de brasileiros.

A gente quer ser limpo, né? Andar com a cabeça limpa.

Não paga porque a gente não tem dinheiro pra pagar. A gente não tem condição de pagar.

Não dá pra eu pagar as minhas dívidas. Se desse, eu pagaria logo tudo de uma vez.

Endividados que encaram uma das taxas de juros mais altas do mundo.

A dívida do cartão de crédito é uma das mais perigosas que existem no Brasil,

por causa da taxa de juros alta, que chega a mais de 400% ao ano.

O cheque especial também é um dos vilões, com taxas que chegam a mais de 100%.

Diante desse cenário, o governo decidiu ajudar pessoas que ganham até dois salários mínimos

e que estão com o nome sujo na praça com uma dívida de até 5 mil reais.

O governo vai elaborar um sistema de leilão para os credores que quiserem participar do programa.

Vai funcionar mais ou menos assim.

As empresas que derem mais desconto nas dívidas têm mais chance de serem selecionadas

para obter a garantia do Tesouro Nacional.

Depois desse leilão, começam as negociações com os debedores.

Ele tem um estímulo para dar o maior desconto possível, porque ele sabe que vai receber.

Nós vamos refinanciar para o devedor, mas o credor não vai ter que ficar esperando o pagamento.

Ele vai ter a certeza do recebimento.

Então a gente quer melhorar as condições de desconto dos credores e, obviamente, facilitar a vida dos devedores.

Da redação do G1, eu sou Nathuzan Nery e o assunto hoje é

O endividamento dos mais pobres.

Um episódio para entender a gravidade da situação econômica da classe D

e os possíveis impactos do programa do governo para essa população e para a economia do país.

Neste episódio, eu converso com Renato Meirelles, fundador do Instituto Locomotiva e do Data Favela,

e Rafael Pereira, ex-presidente da Associação Brasileira de Crédito Digital

e cofundador da Fintech de Crédito OpenCOOL.

Quarta-feira, 7 de junho.

Renato, eu quero te pedir para nos dar um panorama dessa classe D,

que é o público-alvo do programa Desenrola de Renegociação de Dívida.

Como é que essas famílias estão vivendo hoje no Brasil? Qual é o grau de dificuldade do dia a dia delas?

A população de baixa renda, a população da classe D e E,

foi a camada dos brasileiros que mais sofreu, tanto na pandemia quanto na crise econômica.

Imagine o seguinte, Natuza, nós estamos falando aí de uma parcela que tem a maior participação da sua renda

reservado para alimentação.

E nós todos sabemos que a inflação de alimentação liderou o crescimento inflacionário do Brasil nos últimos anos.

A média da inflação oficial desacelerou em maio.

E o IBGE divulgou os números hoje do IPCA 15, que ficou em 0,51%.

Ele foi pressionado agora nesse mês pela alta do preço dos alimentos.

É uma parcela da população brasileira que concentra os índices de desemprego no nosso país.

Muitos delas, inclusive, perderam o seu emprego formal durante a pandemia.

Os brasileiros estão desempregados, estão gastando mais com os itens básicos

e, portanto, ficam sem alternativa quando chega o final do mês,

mas o salário acabou uma semana antes do mês terminar.

Quais são os efeitos da inadimplência para a vida das pessoas, inclusive no comportamento delas?

Porque eu sei que você mede isso o tempo inteiro.

Essa é a grande pesquisa da sua vida, né?

Desde 2019, nós temos um painel que acompanha os inadimplentes brasileiros

realizados aí em parceria com o Negocia Fácil.

O que a gente sabe?

Que, em primeiro lugar, 84% acreditam que o fato de estar endividado

impacta negativamente no seu estado emocional.

84%.

Uma pesquisa nacional mostrou que as finanças causam estresse

e refletem no convívio familiar de quase 60% dos brasileiros.

Apenas 21,9% dos brasileiros se sentem preparados para lidar com uma grande despesa inesperada.

Sobre o futuro, apenas 35% da população tem segurança sobre as finanças.

Eu trabalho fazendo faxina, essas coisas, e as pessoas estavam com medo da pandemia, né?

E eu não tinha trabalho, né?

É ligação todo dia, toda hora.

Quando liga só para a sua casa, você fica bem.

Mas quando liga para pessoas que você às vezes nem conhece,

a pessoa, olha, ligaram de tal lugar, olha, a tua cara vai...

A gente até adoece.

E isso acaba com aquela ideia, muitas vezes divulgada, sem nenhum fundamento,

sem nenhum número, de que as pessoas estão inadimplentes porque são perdulares.

Ou que as pessoas não poupam porque não existe educação financeira no Brasil.

E a realidade é bem diferente disso, Natuza.

Como é que você vai falar para uma dona de casa que, com um salário mínimo e meio,

sustenta cinco pessoas, que ela não tem uma educação financeira?

O perfil da pessoa endividada é mulher, com menos de 35 anos,

e também com ensino médio incompleto, com uma renda familiar de até 10 salários mínimos,

moradora das regiões Sul e Sudeste aqui do Brasil.

O perfil, então, do inadimplente é de mulher também, com ensino médio incompleto,

só que com mais de 35 anos, na faixa um pouco menor de renda,

da que eu acabei de citar, de até 10 salários mínimos,

e é geralmente moradora do Norte ou, então, do Nordeste.

Ela não tem dinheiro efetivamente para isso.

E deixam de pagar por conta desses imprevistos do dia a dia.

Imprevisto, inclusive, liderado pelo desemprego.

Nós temos hoje sete de cada dez inadimplentes que afirmam

que o nome de uma pessoa é o seu bem mais precioso.

Nós temos dois terços dos inadimplentes que passaram a olhar o Bina do celular

para saber se é ou não uma empresa de cobrança,

antes de atender uma determinada ligação.

Então, essas pessoas não gostam de ser inadimplentes.

É muito sofrido isso, né, Renato?

É muito sofrido isso.

Você não conseguir dormir,

você ficar com receio de ser uma empresa de cobrança o tempo inteiro.

É um desassossego muito grande, né?

As pessoas não estão assim porque elas não gostam de pagar conta,

elas estão assim porque elas não têm dinheiro para pagar conta.

Exatamente. E não têm dinheiro por fatores que, muitas vezes, não dependeram dela.

Porque ela teve um crédito aprovado quando estava com emprego formal na TUS.

Então, na prática, ela não teve condições de honrar, por exemplo, a conta do cartão de crédito.

Com o cheque especial, uma dívida de R$ 1.000 contraída em janeiro

pode fechar a R$ 2.300 no final do ano, considerando o valor da dívida mais os juros.

Na mesma simulação, com o cartão de crédito, o valor é bem maior.

Uma dívida de R$ 1.000 no início do ano pode chegar a R$ 5.000 em dezembro,

considerando o valor mais os juros.

Aliás, esse é um dado bastante interessante que as nossas pesquisas do Instituto Locomotiva trazem.

Imagine que hoje nós temos 61% dos brasileiros endividados que têm um hábito interessante,

que é o de rodízio de contas.

Chega aí na hora de pagar as contas, ele olha para todos os boletos e fala

esse mês eu não vou pagar a conta de luz, porque ela tem um juros menor do que a conta do cartão de crédito

e demora dois meses para cortar.

Mas chega no outro mês, não tem jeito, ele tem que pagar a conta de luz.

Então ele dá uma atrasada no cartão da loja, que ele tinha comprado as roupas para o filho

já que estava chegando o inverno.

Só que quando ele deu a atrasada nessas lojas, o juros ficou muito caro.

Então todo mês é de fato um rodízio de contas para escolher que conta ele vai conseguir honrar.

Esse é o nome que eles dão nas nossas pesquisas qualitativas na Tusa,

mas é o que os economistas chamam de pedalada fiscal doméstica, é a mesma coisa.

Os bancos que aderirem ao programa vão ter uma obrigatoriedade a mais.

Terão que imediatamente limpar o nome dos consumidores inadimplentes que devem até R$100.

Essa exigência não vale para varejistas e outras empresas.

Agora eu queria tirar uma dúvida com você em termos políticos.

Por tudo que você já viu de movimentação dessa faixa da população em termos de aprovação a governos,

na sua avaliação, o programa de desenrola tende a ter impacto de popularidade do governo?

Ajudará o governo a ganhar casas?

Ou o presidente da república nessa faixa de renda já conquistou boa parte dos eleitores que votaram nele

e é mais difícil dele crescer nessa fatia da sociedade?

Na Tusa, quando nós vamos olhar aí o perfil de brasileiros com dívida em atraso,

nós vimos que eles estão presentes mais nas regiões periféricas,

são formados majoritariamente por negros e por brasileiros de menor renda.

Brasileiros que inclusive foram responsáveis por quase dois terços dos pouco mais de 60 milhões de votos

que o presidente Lula alcançou no segundo turno das últimas eleições presidenciais.

Por que eu estou contando essa história?

Porque efetivamente, no primeiro momento, blinda o eleitorado que garantiu a vitória de Lula.

Vale lembrar que se o Lula não tivesse tido uma ampla vantagem nessa fatia da população brasileira,

provavelmente ele teria sido derrotado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro.

Agora, esse perfil de inadimplentes, pessoas que serão beneficiadas pelo programa de desenrola,

atinge uma camada mais ampla dessas classes DE.

A camada, por exemplo, dos eleitores evangélicos.

O nosso ouvinte sabe que quanto menor a renda, maior a participação dos eleitores evangélicos.

E eles também têm contas em atraso ou têm parentes com contas em atraso.

Além de blindar o seu eleitorado, ele começa a pegar aquelas franjas do bolsonarismo da baixa renda,

que também foi responsável por uma parcela dos votos de Jair Bolsonaro.

O anúncio do programa desenrola foi aqui no Palácio do Planalto.

Era uma promessa de campanha do presidente Lula.

Hoje, a maior parte das dívidas dos brasileiros é com bancos, varejistas e as companhias de água, gás, luz e telefone.

A ideia é que ele imediatamente já tire o nome do SPC do Serasa para se habilitar a participar do programa.

Esse é um dos objetivos nossos.

Tem uma outra razão aí que pode trazer um impacto eleitoral positivo.

Os inadimplentes movimentam por ano pouco mais de 800 bilhões de reais, Natuza.

São 800 bilhões de reais que não passam pelo sistema formal de trabalho.

Porque ele pede para não depositar.

Ele vende, por exemplo, um fórum de prato e pede para que o pagamento não seja depositado na conta dele.

Ele pede o pagamento em dinheiro porque se depositar na conta dele e ele estiver no rotativo, esse depósito é capturado pelo banco.

Tendo acesso a crédito, o crédito passa, o crédito que ele voltará a ter acesso a partir do momento em que ele regularizar a sua situação com as instituições financeiras,

você cria um círculo virtuoso na economia.

Então, o que nós vamos começar a ter?

Esse brasileiro com o nome limpo vai poder passar a receber em piques, por exemplo.

Então, você tem uma movimentação da economia como reflexo, é isso que você está dizendo?

Exatamente. E a economia movimentando, inclusive a partir da baixa renda, ele vai gastar com o seu cartão de creche,

dinheiro que ele está recebendo em varejistas das classes especialistas em classes C&D.

Que se venderem mais, contratam mais gente.

Lembrando que foi o desemprego a maior causa da inadimplência.

O desenrola deve ser encarado não como um programa de perdão aos perdulários.

Inclusive, os perdulários são aqueles que têm dívidas muito maiores do que R$ 5 mil.

Esse programa tem que ser visto como um programa de auxílio aos mais necessitados.

Para um processo de endividamento que tem proporções pandêmicas, em especial nos brasileiros de menor renda.

Brasileiros que, ao não terem acesso ao crédito, não conseguem trocar a sua geladeira que está quebrada.

Não conseguem comprar um micro-ondas.

Não conseguem, muitas vezes, parcelar uma ceia de Natal em duas ou três vezes.

São brasileiros que acabam indo para a informalidade na Tusa.

Porque se eles se formalizarem, o banco acaba comendo aquele dinheiro que entraria na conta dele.

Dinheiro que vai fazer falta para, por exemplo, fazer a compra na feira livre.

Compra importante para manter a alimentação da sua família.

Segundo um levantamento divulgado este mês pelo Sindicato do Comércio Varejista, 65% da renda das famílias estão indo para o consumo de itens essenciais.

Como alimentação, saúde e medicamentos.

E 35% para itens não essenciais.

Que é o caso, por exemplo, de roupas, calçados e brinquedos.

Antes da pandemia, o gasto era mais equilibrado.

A gente tinha uma divisão mais distribuída entre itens essenciais com 50% e não essenciais com outros 50%.

Nenhuma economia do mundo cresceu sem oferecer crédito para a sua população.

Seja o crédito imobiliário, seja o refinanciamento de dívidas por juros mais baratos.

E quando o governo afirma que parte dessas dívidas podem ser renegociadas, refinanciadas com juros de até 1,99% ao mês.

E você compara esses juros com os juros do cartão de crédito, que chega a ser 3, algumas vezes 4 vezes maior do que o refinanciamento proposto pelo governo.

O que a gente vê?

Que na prática essas dívidas serão pagas.

O que não ficará na mão dos bancos são esses juros que foram inclusive um dos grandes responsáveis pelo aumento da inadimplência no Brasil.

Renato, muito bom ter você aqui no assunto.

Como sempre, eu aprendo bastante com você. Volte outras vezes.

Um prazer enorme. Sou fã e seguidor do assunto. Um beijo na Tusa, um beijo a todo mundo que está nos ouvindo.

Espera um pouquinho que eu já volto para falar com o Rafael Pereira.

Rafael, eu vou te pedir para nos explicar qual é o cenário do mercado de crédito no Brasil com uma taxa básica de juros no patamar de 13,75% ao ano.

Eu sei que a situação é dramática, mas eu queria que você nos descrevesse essa situação.

Tusa, o primeiro que o Brasil sempre foi um país muito volátil.

Então, é claro que com juros nesse patamar você tem um desafio do custo de capital para você fazer operações de crédito.

Sobe demais o custo de financiamento para as famílias e para as empresas.

Mas esse não é o único componente do mercado atual.

Esse mercado hoje em dia está combinando esse custo alto da Selic com um recorde de endividamento familiar das empresas.

Então, você vê um país que não cresceu durante bastante tempo e teve uma inflação bastante alta no período acumulado,

isso destrói a capacidade das famílias de arcarem com suas despesas, com seus compromissos.

Então, essa combinação de falta de capacidade de pagamento com juros alto é que cria um desafio bastante grande no mercado hoje.

Agora, um estudo da Fundação Getúlio Vargas demonstrou, não faz muito tempo,

que o volume de dívidas para consumo rápido, ou seja, aquele com juros mais altos,

cresceu quase todos os anos desde 2012 aqui no Brasil.

Então, eu queria que você nos ajudasse a entender o que esse crescimento revela sobre o tipo de dívida tomada pelo brasileiro

e as dívidas que mais preocupam os bancos, por exemplo, que são os que concedem crédito.

Eu acho essa pergunta ótima porque ela tem um componente aí que já está na própria semântica da pergunta,

que a gente usa constantemente a palavra dívida.

E a gente se refere muito pouco a crédito.

E eu acho que tem uma conotação semântica importante, onde dívida é aquele negócio que você está amarrado,

você está atravancado com aquela dívida que não te larga.

E crédito é uma ferramenta financeira importante onde você usa uma capacidade futura sua de geração de renda no momento presente

para diversas finalidades.

E o que aconteceu aí, que você falou, enfim, desde 2012,

ou seja, esse percentual de uso de crédito no dia a dia vem aumentando,

é efetivamente uma falta de capacidade das famílias de acompanharem crescimento de renda com aumento de despesa.

Então, a gente vê a inflação corroendo a capacidade financeira, principalmente da classe média,

que não teve capacidade de repor essa renda para poder manter o mesmo padrão social de vida

e, portanto, começou a usar crédito para tentar, de alguma forma, tampar essa necessidade.

Ou seja, você pega um empréstimo no banco a juro altíssimo para pagar o gás, para pagar a água, para pagar a luz,

no caso de uma família, por exemplo, de baixa renda.

Exato, só que você provavelmente usa gás todo mês, você dificilmente vai...

Deixar de usar.

Exatamente, você não vai deixar de usar gás no mês que vem.

Então, esse uso do crédito, aquele negócio quase que de vender o almoço para pagar o jantar, ele não funciona.

Isso gera um problema social enorme que acaba lá depois no desenrolo.

Você começa a ter famílias que estão usando o crédito de uma forma errada,

estão se endividando de uma forma não saudável e isso acaba criando um problema enorme,

você coloca lá dezenas de milhões de brasileiros e brasileiras numa situação que eles não têm como pagar suas despesas financeiras.

Que é diferente da dívida do crédito que uma empresa toma para aumentar a sua planta,

para contratar mais funcionário, para ter capital de giro, é isso?

Essa é a diferença semântica entre essas duas realidades, né?

O próprio indivíduo, a própria pessoa física, uma família, a gente vê, por exemplo, uma forma de você usar crédito,

praticamente é muito difícil hoje em dia você comprar um imóvel sem financiar um pedaço dele.

Provavelmente um casal jovem que está planejando uma família,

ele não quer necessariamente ter que esperar 30, 40 anos para ele juntar dinheiro e se mudar para esse apartamento que vai ser deles

quando eles tiverem 60, 70 filhos criados.

Então você usa crédito, que é você usar a sua capacidade futura de renda

para comprar provavelmente o seu maior ativo que vai te dar um benefício tanto tangível do ponto de vista financeiro,

de não pagar aluguel, etc., quanto intangível de você usufruir e criar felicidade naquele ambiente ali

durante toda a sua vida, quando você vai construir a sua família.

Usar crédito dessa forma é uma ferramenta completamente diferente de você,

como você usou o exemplo do gás, você financiar a compra do gás desse mês,

que aí mês que vem, além de não ter dinheiro para pagar o gás,

você não tem que pagar a prestação do financiamento do gás do mês anterior.

Como é que você vai resolver isso?

Pois é, e eu queria entrar um pouco mais porque você mesmo cita o Desenrola.

Na sua visão, esse programa Desenrola pode estimular a economia?

Eu acho que sim, acho que o governo de uma forma muito acertada

está tentando endereçar um problema social e econômico de frente.

O setor de serviços sente, o comércio varejista sente,

o aperto no orçamento doméstico faz muitos brasileiros não encontrarem espaço para consumir.

Essa pessoa deixando de consumir, o varejo não repõe estoque,

não tendo reposição de estoque, a empresa, o produtor, não produz.

Não produz, ele fecha um posto de trabalho, com menor renda,

e cria até um ambiente recessivo, potencialmente, para a economia.

É um problema complexo, se for analisar o que levou ao Desenrola,

existe uma diversidade de problemas que criaram essa situação.

Então não tem uma solução simples para esse problema.

O Desenrola parece ser um programa que foi bastante debatido entre diversos agentes econômicos.

Acho que o governo fez um bom trabalho de ouvir diversas partes,

tentar criar uma solução para um problema que não é simples.

Então ele também não tem uma solução simples,

mas eu acho que é um primeiro passo importante de você tratar aquela consequência de uma causa crônica.

É como se o paciente chegasse na emergência hoje com um problema de saúde,

e você está, num primeiro momento, dando aquela recuperada de coisas mais emergenciais.

Só que você precisa tratar também a causa raiz.

Não adianta a gente resolver o Desenrola agora e ter que fazer a cada cinco anos um Desenrola novo.

Vai ter o Desenrola 1, Desenrola 2, Desenrola 3,

porque se a gente não resolver o problema que levou o Desenrola,

a gente vai ter Desenrola 2, Desenrola 3, Desenrola 2025, Desenrola 2027,

a gente vai ficar nessa repetição.

Então acho que é um primeiro passo importante,

mas que é um país que tem mais da metade da população economicamente ativa,

com restrição ao crédito, tem uma coisa estruturalmente errada que precisa ser resolvida.

E eu acho que é um passo importante.

Rafael, superobrigada pelas suas explicações.

Volte outras vezes aqui no assunto.

Eu que agradeço. Qualquer coisa estamos à disposição.

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