×

Używamy ciasteczek, aby ulepszyć LingQ. Odwiedzając stronę wyrażasz zgodę na nasze polityka Cookie.


image

Podcast do projeto Querino (*Generated Transcript*), 3. Chove chuva - Part 1

3. Chove chuva - Part 1

Angola, Congo, Benguela, Monjolo, Cabinda Mina, Quiloa, Rebolo.

Aqui onde estão os homens há um grande leilão.

Dizem que nele há uma princesa venda que veio junto com seus súditos

acorrentados em carros de boi.

Eu quero ver. Eu quero ver.

Vou fazer mais uma vez que eu quero ver vocês cantarem.

Aqui estamos reunidos, à beira-mar, nessa noite de ano novo, nessa festa de emanjar.

Na virada de 95 para 96, no Réveillon, teve esse show na praia de Copacabana, no Rio,

em homenagem ao Tom Jobim, que tinha morrido um ano antes.

Ante Almeida, Jône Martim, Curubim da Patavigem, Antônio Carlos Jobim.

Quero ouvir!

Antônio Carlos Jobim.

A nata da música popular brasileira estava reunida ali.

Além do Gilberto Gil, estava o Caetano Veloso.

Vai minha tristeza e diz ai. Não sei se eu ainda esqueço de falar.

Uma canção pelo ar.

O Paulinho da Viola.

Uma mulher a cantar.

A Gal Costa.

Uma cidade a cantar.

É de manhã, vem o sol, mas os pingos da chuva que ontem caíram.

E o Milton.

Ainda estão a brilhar.

Ah, o Milton.

A dançar.

Eu não tinha nem idade e nem morava no Rio nessa época, mas só de ouvir já dá pra imaginar

que deve ter sido um show histórico.

Tanta gente incrível junta no palco.

Claro que tem muitos outros, mas digamos que se tivesse uma Copa do Mundo de Música

e o Brasil mandasse essa seleção com mais mulheres, claro, a gente estava bem demais.

Altas chances de trazer a taça.

O que é muito louco é que esse show com tanta gente incrível acabou marcado por uma coisa

pra lá de chata.

Pra não dizer coisa pior.

É que vieram à tona os cachês.

Cada artista recebeu 100 mil reais pra se apresentar.

Os valores são da época, de 96.

Cada artista recebeu 100 mil reais.

Menos o único sambista do grupo.

O Paulinho da Viola recebeu 30 mil.

E isso deu um fuzuê danado na época.

Ah, é importante dizer que os demais artistas não tiveram nada com isso.

Foi uma decisão da organização do evento.

Uma das organizadoras chegou até a dizer que a culpa era do Paulinho

e da forma como ele conduzia a carreira dele.

Segundo ela, enquanto os outros artistas tinham escritórios,

o Paulinho trabalhava no fundo do quintal da casa dele.

Não tem muita sutileza, nem muita camada pra ser desvelada num negócio desse.

Pra muita gente que acompanhou, ficou evidente.

Foi um caso de preconceito contra o samba.

Como se o samba, uma das maiores, ou talvez a maior expressão cultural negra brasileira,

ou a maior expressão musical brasileira, fosse menos MPB.

Como se o samba nem fosse MPB.

MPB é essa coisa elevada que veio vindo lá da Bossa Nova

e foi se desdobrando em outras coisas tão finas quanto ao longo do tempo.

E é muito absurda essa ideia, porque...

Bom, escuta isso aqui.

Essa voz masculina nesses dois sambas é de um sujeito que chamava João Gilberto,

branco, que uns sete anos depois dessas gravações criou a Bossa Nova.

Aliás, a primeira gravação da Bossa Nova,

composição do Tom Jobim e do Vinícius de Moraes, é um samba.

Vai minha tristeza e diz a ele que sem ele não pode ser

Essa primeira gravação é na voz da Eliseth Cardoso, uma mulher negra.

A versão do João Gilberto foi gravada um mês depois com um novo arranjo

e foi essa que lançou a carreira dele como a grande estrela da Bossa Nova.

Vai minha tristeza e diz a ela que sem ela não pode ser

O próprio João Gilberto sempre reconheceu que o samba está na origem da Bossa Nova.

Isso não é nenhuma novidade, nenhuma polêmica, é algo pra lá de pacificado.

Deixa que o meu samba sabe tudo sem você

Eis aqui este sambinha feito numa nota só

Eu nasci com o samba, no samba me criei

E tu danado do samba, nunca me separei

A Bossa Nova não ia nem existir se pessoas negras não tivessem criado o samba

décadas e décadas antes.

E não é só a Bossa Nova.

Não teria música brasileira se não fosse pelos africanos e pelos seus descendentes.

Quer dizer, até teria, mas não seria nada parecido com o que é internacionalmente cultuado como música brasileira.

O que existe de melhor na nossa música veio da negritude.

Veio do talento de pessoas que como forma de resistência, como forma também de lazer, de trabalho,

como forma de dar vazão tanto ao sofrimento quanto à criatividade, de dar vazão às suas genialidades,

essas pessoas pegaram aquela coisa chata e velha que chegava da Europa, da branca Europa,

juntaram com os conhecimentos, as rítmicas e as diferentes harmonias africanas

e a dos povos originários, dos indígenas, juntaram tudo, bagunçaram tudo, melhoraram tudo

e transformaram em algo novo.

Criaram a música brasileira.

E você vai entender como.

Eu sou o Tiago Rogero, este é o podcast do Projeto Quirino, produzido pela Rádio Novil.

Episódio 3, Chove-Chuva.

Aqui, onde estão os homens, de um lado cana-de-açúcar, do outro lado cafezal.

Ao centro, senhores sentados, vendo a colheita do algodão branco sendo colhido por mãos negras.

Eu quero ver, eu quero ver.

Quando Dom João VI veio para o Brasil, fugindo da guerra e do Napoleão,

ele trouxe junto um monte de músicos portugueses.

E uma das primeiras medidas dele foi criar lá naquele terreno que tinha sido doado por um traficante,

na Quinta da Boa Vista, uma capela real, que era anexa ao Palácio de São Cristóvão.

E para cantar e tocar nas missas, tinham 50 cantores e 100 instrumentistas.

Era uma das maiores orquestras do mundo na época.

Para comandar essa turma toda, o Dom João chamou um músico brasileiro.

E não era por causa do simbolismo da coisa, não era para valorizar o Brasil.

Era porque esse músico era bom pra caramba.

Teve um pianista e compositor austríaco que vivia no Rio nessa época

que disse que esse brasileiro era o maior improvisador do mundo.

Improvisava e também compunha, e muito.

Tanto que as músicas dele são tocadas e ensinadas até hoje no Brasil e no mundo.

São músicas sacras, né? Nessa época era isso que rolava.

O nome dele era Padre José Maurício.

Daí lembra que em 1815 o Brasil foi promovido, deixou de ser colônia de Portugal

e passou à condição de rei, que era o Padre José.

Quando estourou aquela revolta lá em Portugal e exigiram o retorno de Dom João em 1821,

rolou um arrocho salarial.

O Padre José Maurício foi o primeiro a se tornar o rei do Brasil.

E foi o primeiro a ser o rei da América do Sul.

O Padre José Maurício foi o primeiro a ser o rei da América do Sul.

E foi o primeiro a ser o rei da América do Sul.

O Padre José Maurício foi o primeiro a ser o rei da América do Sul.

Quando exigiram o retorno de Dom João em 1821, rolou um arrocho salarial na Capela Real.

O salário dos músicos, que já não era lá essas coisas, foi reduzido a menos de um quarto.

Mas isso não era o único problema do Padre José Maurício.

Apesar de todo o reconhecimento dele, a coroa nunca pagou pelas composições.

E foram centenas. Nessa época não tinham direitos autorais, royalties, essas coisas.

E os músicos portugueses, que eram a maioria na orquestra da Capela Real,

sempre resistiram a ser comandados por um brasileiro,

que nunca tinha saído do país para estudar nos grandes conservatórios.

Eles também faziam questão de apontar o defeito físico visível do Padre José Maurício.

O maior improvisador do mundo, o autor de composições que são gravadas até hoje,

mais de 200 anos depois, tinha o defeito de cor. Ele era negro.

Apesar de todo esse talento, o Padre acabou tendo um fim de vida bem difícil.

Na miséria mesmo.

Coisas do Brasil.

Essa música também é do Padre José Maurício.

A gravação é de 2019, da Orquestra e Coro Vox Brasilienses.

A música é uma modinha. Modinha ou gênero musical.

Surgiu aqui no Brasil e é conhecida como a música do Brasil.

A música é uma modinha. Modinha ou gênero musical.

Surgiu aqui no Brasil e é considerado um dos primeiros ritmos

que se tornaram realmente populares em várias partes do país.

O Padre José Maurício não foi o criador,

mas foi um dos principais responsáveis por popularizar a modinha.

Tem um livro que foi bem importante para a pesquisa deste episódio.

O nome é História da Música Popular Brasileira Sem Preconceitos.

É do pesquisador, crítico musical e jornalista Rodrigo Faur.

E lá ele escreveu que, apesar de ter nascido aqui,

a modinha teve origem puramente europeia.

Quer dizer, dos músicos brancos, portugueses e seus descendentes

que moravam no Brasil.

Foi lá pelos anos 1800 que começaram a chegar outros gêneros musicais

vindos da Europa, especialmente de Portugal.

Como a valsa.

Também tinha a polca.

E esses eram alguns dos ritmos e gêneros musicais que chegavam da Europa.

Mas já tinha gente fazendo música há muito tempo no Brasil.

Foi da influência indígena que surgiu, por exemplo, o cateretê,

que depois acabou virando um ritmo básico da chamada música caipira.

E também tinha a polca.

E tinha, claro, os milhões de africanos que os escravistas brasileiros

não paravam de trazer ano após ano e cada vez mais.

Aqui no Brasil tem uma série de registros bem antigos

de manifestações musicais entre os escravizados.

À época, em geral, as autoridades só descreviam tudo como batuque,

que é um danado de um reducionismo.

Foi aí que a polca começou a se tornar uma coisa muito mais popular.

E aí, em geral, as autoridades só descreviam tudo como batuque,

que é um danado de um reducionismo.

Foi pela influência desses africanos que surgiu uma das primeiras músicas afro-brasileiras,

o maracatu.

Nasceu ainda no século XVII, em Pernambuco, com participação indígena também.

Assim como o maracatu, tem uma outra tradição musical afro-brasileira

que existe até hoje, o jongo,

que surgiu no século XIX e é uma mistura entre música, sagrado, cultos ancestrais.

Aliás, quando eu falo música e africanos,

você provavelmente deve estar pensando em percussão.

E é verdade, a percussão é uma base das culturas africanas.

Mas não é só percussão.

E quando eu digo só percussão, não quero dizer que a percussão é pouca coisa,

como se percussão fosse fácil, como se fosse menos música.

É toda uma visão diferente de música, de mundo, toda uma outra construção.

Por exemplo, uma característica da musicalidade africana é a polirritmia,

a superposição de ritmos ou métricas diferentes.

É mais ou menos assim.

Tem música em quatro tempos.

Um, dois, três, quatro.

Tem música em três tempos.

Um, dois, três.

E sei lá, em seis tempos.

Um, dois, três, quatro, cinco, seis.

A polirritmia sobrepõe esses tempos,

bota um em cima do outro, toca todos juntos ao mesmo tempo.

E fica assim.

A polirritmia existe há centenas de anos.

Só mais um exemplo.

Onde foi que eu já ouvi algo assim?

Olha ela!

Mas calma que a gente está se adiantando no tempo.

A polirritmia está na origem de um tanto de gênero musical, não só no Brasil,

mas em outros países que também receberam africanos escravizados,

como a rumba, em Cuba.

E a música de idade africana também tinha o canto sincopado.

Olha a Erisete Cardoso fazendo isso numa música que inclusive chama Sincopado Triste.

Eu só tenho pra dizer

Até já seja feliz

Talvez um outro alguém possa lhe dar

A alegria que eu não sou

Você percebeu como a Elisete deixa de cantar a palavra na hora em que a gente esperaria que ela cantasse?

Bonito demais!

A síncope é uma das bases, por exemplo, do jazz nos Estados Unidos.

E claro, está na origem de um monte de coisa aqui no Brasil.

E tem mais gênero afro-brasileiro nesse caldeirão.

Segundo Rodrigo Faur, que escreveu aquele livro que eu falei há pouco,

a primeira manifestação cultural negra que foi aceita pela sociedade branca colonial foi o Lundu.

Surgiu na Bahia, depois no Rio e em Pernambuco.

Primeiro o Lundu era uma dança, depois virou um gênero musical.

As letras eram meio cômicas, meio indiscretas, tipo essa aqui.

Quem dá beijo em mulher velha

Que tem boca desentada

Logo fica com dor de dente

E a barriga destemperada

Poli balaixo, poli em cima, poli em baixo

Poli balaixo

O Faur também considera o Lundu, o nosso primeiro ritmo afro-brasileiro, importante.

Porque foi fundamental na formação de outros ritmos que vieram depois.

Como o tango brasileiro, que era uma mistura de polca, habaneira, tango espanhol e Lundu.

Como o choro, que juntava polca, tango brasileiro e Lundu.

E tinha também o machixe, que era uma mistura de polca com Lundu, de tango com Lundu.

Boa parte dessas gravações que você está ouvindo são do começo do século XX.

É que só em 1902 foram gravadas as primeiras músicas no Brasil.

Uma parte desse acervo está no site do projeto Discografia Brasileira do Instituto Moreira Salles.

A música popular brasileira foi e é feita por muitos.

É onde a gente sente o sangue brasileiro correr.

Na cultura é na música popular.

Nenhuma outra manifestação cultural e artística traz tanto de brasilidade quanto a música.

Esta é a Edinha Diniz, professora pesquisadora e socióloga.

Ela é biógrafa de uma pessoa, de uma mulher, que foi decisiva para esse processo de transformação da nossa música.

Para o nascimento do que depois ficaria conhecido como música popular brasileira.

Ela é fundamental nessa fase de formação por misturar a música que nos chegava,

que era uma música europeia, com elementos da rítmica africana.

Então, em cima de valsas, polcas e tangos, principalmente, mas todos os outros gêneros de música, principalmente dançante,

a Chiquinha agregava a rítmica africana, encaminhando essa música para que se tornasse brasileira.

Chiquinha é a Francisca Edviges Neves Gonzaga, a Chiquinha Gonzaga.

Nenhum compositor deu uma contribuição tão grande e trabalhou tanto essa transição como ela.

Chiquinha, Chiquinha, me permita me apresentar José do Patrocínio, grande poeta e grande jornalista.

Sua música corre em meu sangue.

É porque nosso sangue sai do mesmo coração africano.

Chiquinha Gonzaga é um exemplo para a mulher brasileira, é uma inspiração na luta das mulheres por liberdade e dignidade.

É exemplo de pioneirismo, foi uma mulher transgressora, por isso demorou tanto a ter um registro histórico.

A música popular ainda não estava na rua, nos grandes espaços.

Ela era uma música praticada em salão, por sinhazinhas.

A mulher era uma grande executante de música.

Na sociedade, ainda escravizada, ela era uma grande executante de música.

Na sociedade, ainda escravista, imperial, os dois grandes elementos sociais executores de música são a mulher e o escravizado.

Ou seja, os elementos sociais mais oprimidos e que, portanto, tinham mais necessidade de expressão.

Só que a mulher praticava música na sala de visitas.

Algumas compunham, algumas compõem, algumas compõem, mas a mulher era uma grande executante de música.

Ela praticava música na sala de visitas.

Algumas compunham, poucas publicavam, chegavam a editar, mas nenhuma ousava pular a janela da sala de visitas,

porque colocava em risco sua reputação.

Não havia possibilidade da mulher se profissionalizar em música, e é essa ousadia que Chiquinha Gonzaga pratica.

Dependendo de quando você nasceu e das referências que você teve, pode ser que, ao pensar em Chiquinha Gonzaga, você imagine uma mulher branca.

É que em 1999 teve uma minissérie de bastante sucesso da TV Globo sobre a vida dela.

Duas atrizes interpretaram a Chiquinha. Na fase jovem, a Gabriela Duarte.

Quem faz o papel da Chiquinha mais velha é a Regina Duarte, que é a mãe da Gabriela. Aquela Regina Duarte.

Porque o senhor quer um pianista homem. É a nossa tradição.

Mas eu posso me transformar num pianista homem. Corto os cabelos, venho trabalhar de calças, coloco um vasto bigode,

e se o senhor quiser, posso tomar uma navalha e fazer a barba do meu pai.

A Regina e a Gabriela Duarte, caso você não saiba, são brancas.

E essa minissérie não foi a única, nem a primeira, a retratar a Chiquinha como uma mulher branca.

Teve, por exemplo, uma peça de teatro que também fez muito sucesso nos anos 90.

Teve até desfile de escola de samba, e nisso tudo a Chiquinha fez a sua própria versão.

Porque até então nós só tínhamos o registro de que ela era morena, trigueira.

A partir de 2009, portanto só dez anos depois da minissérie e muitos anos depois do teatro,

só na segunda edição, revista e atorada, a Chiquinha foi a primeira mulher branca.

E a Chiquinha foi a primeira mulher branca que se tornou uma mulher branca.

E muitos anos depois do teatro, só na segunda edição, revista e atualizada, da biografia,

que eu trazia essa documentação da cúria metropolitana, a documentação dos livros, registros da Igreja Católica.

Então, só a partir de 2009, eu pude documentar a origem de Rosa, mãe de Chiquinha, e Tomásia, sua avó escravizada.

A mãe da Chiquinha só não foi escravizada porque foi libertada na pia batismal.

Isso era algo que acontecia às vezes.

O bebê nascia escravizado, e isso é horrível de dizer, enfim, mas pela lei da época ele já era escravizado ao nascer.

Mas em alguns casos, que estavam longe de ser a regra, estavam bem mais, para exceção,

o bebê era libertado pelo proprietário no momento em que recebia o batismo.

E foi assim com a mãe da Chiquinha, a Rosa.

Daí a vida passou, com 15 anos de idade, a Rosa engravidou pela primeira vez do José Basileu,

que era um homem branco de uma família tradicional da corte.

Então, a Chiquinha é fruto de um homem branco, de olhos claros, de família socialmente bem situada,

e uma mestiça, uma parda, como eles chamavam, alforreada na pia batismal,

e, portanto, Chiquinha é neta de uma escravizada.

Mas o pai dá à sua primogênita uma educação esmerada em casa,

mas também o professor de piano, porque a música fazia parte da educação de uma mocinha.

Chiquinha Gonzaga teve um grande trânsito social, possibilitado pelo pai e por sua educação,

mas não traía sua origem afrodescendente.

Chiquinha Gonzaga não apenas não traía sua origem afrodescendente,

como ela incorpora na sua obra a sua herança africana.

É evidente a rítmica que ela imprime, que é de origem africana,

e muitas das suas partituras são nitidamente africanas, como o Jongo, Catereté.

Ela assina partituras declaradamente de música negra,

além de imprimir e incorporar a rítmica do Lundu, principalmente as poucas e tudo mais.

Então, ela, mais do que reconhecer a sua origem afrodescendente,

ela contribuiu para juntar, integrar a cultura branca e negra.

A Chiquinha compunha também trilhas de operetas e peças de teatro.

Em 1912, ela criou uma peça, o nome era Forró Bodó,

que bateu todos os recordes de público da época, com 1.500 apresentações.

E o elenco era formado por 10 negros e só um branco.

Se isso é algo que ainda é disruptivo hoje, imagina naquela época.

Ela também foi pioneira na luta pelos direitos autorais dos compositores.

Teve uma vez que ela foi fazer uma excursão por Portugal,

aí ela encontrou um monte de partituras de músicas dela, mas com os nomes de outros compositores.

Ela ficou revoltada com isso e criou a primeira associação arrecadadora de direitos do Brasil, em 1917.

Talvez você nem saiba, mas conhece pelo menos uma música da Chiquinha Gonzaga,

no mínimo a mais famosa de todas.

Essa apresentação, aliás, é da Orquestra Sinfônica Juvenil Chiquinha Gonzaga,

formada só por meninas da Rede Pública de Ensino do Rio.

Elas estão tocando O Abre Alas, que é de 1899,

a primeira música composta especificamente para o Carnaval.

E no Carnaval tinha um cordão que passava bem debaixo da janela da Chiquinha.

O cordão se chamava Rosa de Ouro e nessa marchinha, Chiquinha deixa muito evidente o seu espírito determinado.

O Abre Alas diz, O Abre Alas que eu quero passar, Rosa de Ouro é que vai ganhar.

Ela não tem nenhuma dúvida da vitória da Rosa de Ouro como da sua vitória pessoal.

Ela se adianta no tempo, porque o Carnaval, que na época, nos salões,

era adançado ao som de música europeia, e na rua, no Carnaval,

era adançado ao som de música europeia e na rua, no Carnaval,

era adançado ao som de música europeia e na rua, no Carnaval.

E aí a gente tem uma experiência muito interessante,


3. Chove chuva - Part 1 3. Chove chuva chuva - Teil 1 3. Chove chuva chuva - Part 1 3. Chove chuva chuva - Parte 1

Angola, Congo, Benguela, Monjolo, Cabinda Mina, Quiloa, Rebolo.

Aqui onde estão os homens há um grande leilão.

Dizem que nele há uma princesa venda que veio junto com seus súditos

acorrentados em carros de boi.

Eu quero ver. Eu quero ver.

Vou fazer mais uma vez que eu quero ver vocês cantarem.

Aqui estamos reunidos, à beira-mar, nessa noite de ano novo, nessa festa de emanjar.

Na virada de 95 para 96, no Réveillon, teve esse show na praia de Copacabana, no Rio,

em homenagem ao Tom Jobim, que tinha morrido um ano antes.

Ante Almeida, Jône Martim, Curubim da Patavigem, Antônio Carlos Jobim.

Quero ouvir!

Antônio Carlos Jobim.

A nata da música popular brasileira estava reunida ali.

Além do Gilberto Gil, estava o Caetano Veloso.

Vai minha tristeza e diz ai. Não sei se eu ainda esqueço de falar.

Uma canção pelo ar.

O Paulinho da Viola.

Uma mulher a cantar.

A Gal Costa.

Uma cidade a cantar.

É de manhã, vem o sol, mas os pingos da chuva que ontem caíram.

E o Milton.

Ainda estão a brilhar.

Ah, o Milton.

A dançar.

Eu não tinha nem idade e nem morava no Rio nessa época, mas só de ouvir já dá pra imaginar

que deve ter sido um show histórico.

Tanta gente incrível junta no palco.

Claro que tem muitos outros, mas digamos que se tivesse uma Copa do Mundo de Música

e o Brasil mandasse essa seleção com mais mulheres, claro, a gente estava bem demais.

Altas chances de trazer a taça.

O que é muito louco é que esse show com tanta gente incrível acabou marcado por uma coisa

pra lá de chata.

Pra não dizer coisa pior.

É que vieram à tona os cachês.

Cada artista recebeu 100 mil reais pra se apresentar.

Os valores são da época, de 96.

Cada artista recebeu 100 mil reais.

Menos o único sambista do grupo.

O Paulinho da Viola recebeu 30 mil.

E isso deu um fuzuê danado na época.

Ah, é importante dizer que os demais artistas não tiveram nada com isso.

Foi uma decisão da organização do evento.

Uma das organizadoras chegou até a dizer que a culpa era do Paulinho

e da forma como ele conduzia a carreira dele.

Segundo ela, enquanto os outros artistas tinham escritórios,

o Paulinho trabalhava no fundo do quintal da casa dele.

Não tem muita sutileza, nem muita camada pra ser desvelada num negócio desse.

Pra muita gente que acompanhou, ficou evidente.

Foi um caso de preconceito contra o samba.

Como se o samba, uma das maiores, ou talvez a maior expressão cultural negra brasileira,

ou a maior expressão musical brasileira, fosse menos MPB.

Como se o samba nem fosse MPB.

MPB é essa coisa elevada que veio vindo lá da Bossa Nova

e foi se desdobrando em outras coisas tão finas quanto ao longo do tempo.

E é muito absurda essa ideia, porque...

Bom, escuta isso aqui.

Essa voz masculina nesses dois sambas é de um sujeito que chamava João Gilberto,

branco, que uns sete anos depois dessas gravações criou a Bossa Nova.

Aliás, a primeira gravação da Bossa Nova,

composição do Tom Jobim e do Vinícius de Moraes, é um samba.

Vai minha tristeza e diz a ele que sem ele não pode ser

Essa primeira gravação é na voz da Eliseth Cardoso, uma mulher negra.

A versão do João Gilberto foi gravada um mês depois com um novo arranjo

e foi essa que lançou a carreira dele como a grande estrela da Bossa Nova.

Vai minha tristeza e diz a ela que sem ela não pode ser

O próprio João Gilberto sempre reconheceu que o samba está na origem da Bossa Nova.

Isso não é nenhuma novidade, nenhuma polêmica, é algo pra lá de pacificado.

Deixa que o meu samba sabe tudo sem você

Eis aqui este sambinha feito numa nota só

Eu nasci com o samba, no samba me criei

E tu danado do samba, nunca me separei

A Bossa Nova não ia nem existir se pessoas negras não tivessem criado o samba

décadas e décadas antes.

E não é só a Bossa Nova.

Não teria música brasileira se não fosse pelos africanos e pelos seus descendentes.

Quer dizer, até teria, mas não seria nada parecido com o que é internacionalmente cultuado como música brasileira.

O que existe de melhor na nossa música veio da negritude.

Veio do talento de pessoas que como forma de resistência, como forma também de lazer, de trabalho,

como forma de dar vazão tanto ao sofrimento quanto à criatividade, de dar vazão às suas genialidades,

essas pessoas pegaram aquela coisa chata e velha que chegava da Europa, da branca Europa,

juntaram com os conhecimentos, as rítmicas e as diferentes harmonias africanas

e a dos povos originários, dos indígenas, juntaram tudo, bagunçaram tudo, melhoraram tudo

e transformaram em algo novo.

Criaram a música brasileira.

E você vai entender como.

Eu sou o Tiago Rogero, este é o podcast do Projeto Quirino, produzido pela Rádio Novil.

Episódio 3, Chove-Chuva.

Aqui, onde estão os homens, de um lado cana-de-açúcar, do outro lado cafezal.

Ao centro, senhores sentados, vendo a colheita do algodão branco sendo colhido por mãos negras.

Eu quero ver, eu quero ver.

Quando Dom João VI veio para o Brasil, fugindo da guerra e do Napoleão,

ele trouxe junto um monte de músicos portugueses.

E uma das primeiras medidas dele foi criar lá naquele terreno que tinha sido doado por um traficante,

na Quinta da Boa Vista, uma capela real, que era anexa ao Palácio de São Cristóvão.

E para cantar e tocar nas missas, tinham 50 cantores e 100 instrumentistas.

Era uma das maiores orquestras do mundo na época.

Para comandar essa turma toda, o Dom João chamou um músico brasileiro.

E não era por causa do simbolismo da coisa, não era para valorizar o Brasil.

Era porque esse músico era bom pra caramba.

Teve um pianista e compositor austríaco que vivia no Rio nessa época

que disse que esse brasileiro era o maior improvisador do mundo.

Improvisava e também compunha, e muito.

Tanto que as músicas dele são tocadas e ensinadas até hoje no Brasil e no mundo.

São músicas sacras, né? Nessa época era isso que rolava.

O nome dele era Padre José Maurício.

Daí lembra que em 1815 o Brasil foi promovido, deixou de ser colônia de Portugal

e passou à condição de rei, que era o Padre José.

Quando estourou aquela revolta lá em Portugal e exigiram o retorno de Dom João em 1821,

rolou um arrocho salarial.

O Padre José Maurício foi o primeiro a se tornar o rei do Brasil.

E foi o primeiro a ser o rei da América do Sul.

O Padre José Maurício foi o primeiro a ser o rei da América do Sul.

E foi o primeiro a ser o rei da América do Sul.

O Padre José Maurício foi o primeiro a ser o rei da América do Sul.

Quando exigiram o retorno de Dom João em 1821, rolou um arrocho salarial na Capela Real.

O salário dos músicos, que já não era lá essas coisas, foi reduzido a menos de um quarto.

Mas isso não era o único problema do Padre José Maurício.

Apesar de todo o reconhecimento dele, a coroa nunca pagou pelas composições.

E foram centenas. Nessa época não tinham direitos autorais, royalties, essas coisas.

E os músicos portugueses, que eram a maioria na orquestra da Capela Real,

sempre resistiram a ser comandados por um brasileiro,

que nunca tinha saído do país para estudar nos grandes conservatórios.

Eles também faziam questão de apontar o defeito físico visível do Padre José Maurício.

O maior improvisador do mundo, o autor de composições que são gravadas até hoje,

mais de 200 anos depois, tinha o defeito de cor. Ele era negro.

Apesar de todo esse talento, o Padre acabou tendo um fim de vida bem difícil.

Na miséria mesmo.

Coisas do Brasil.

Essa música também é do Padre José Maurício.

A gravação é de 2019, da Orquestra e Coro Vox Brasilienses.

A música é uma modinha. Modinha ou gênero musical.

Surgiu aqui no Brasil e é conhecida como a música do Brasil.

A música é uma modinha. Modinha ou gênero musical.

Surgiu aqui no Brasil e é considerado um dos primeiros ritmos

que se tornaram realmente populares em várias partes do país.

O Padre José Maurício não foi o criador,

mas foi um dos principais responsáveis por popularizar a modinha.

Tem um livro que foi bem importante para a pesquisa deste episódio.

O nome é História da Música Popular Brasileira Sem Preconceitos.

É do pesquisador, crítico musical e jornalista Rodrigo Faur.

E lá ele escreveu que, apesar de ter nascido aqui,

a modinha teve origem puramente europeia.

Quer dizer, dos músicos brancos, portugueses e seus descendentes

que moravam no Brasil.

Foi lá pelos anos 1800 que começaram a chegar outros gêneros musicais

vindos da Europa, especialmente de Portugal.

Como a valsa.

Também tinha a polca.

E esses eram alguns dos ritmos e gêneros musicais que chegavam da Europa.

Mas já tinha gente fazendo música há muito tempo no Brasil.

Foi da influência indígena que surgiu, por exemplo, o cateretê,

que depois acabou virando um ritmo básico da chamada música caipira.

E também tinha a polca.

E tinha, claro, os milhões de africanos que os escravistas brasileiros

não paravam de trazer ano após ano e cada vez mais.

Aqui no Brasil tem uma série de registros bem antigos

de manifestações musicais entre os escravizados.

À época, em geral, as autoridades só descreviam tudo como batuque,

que é um danado de um reducionismo.

Foi aí que a polca começou a se tornar uma coisa muito mais popular.

E aí, em geral, as autoridades só descreviam tudo como batuque,

que é um danado de um reducionismo.

Foi pela influência desses africanos que surgiu uma das primeiras músicas afro-brasileiras,

o maracatu.

Nasceu ainda no século XVII, em Pernambuco, com participação indígena também.

Assim como o maracatu, tem uma outra tradição musical afro-brasileira

que existe até hoje, o jongo,

que surgiu no século XIX e é uma mistura entre música, sagrado, cultos ancestrais.

Aliás, quando eu falo música e africanos,

você provavelmente deve estar pensando em percussão.

E é verdade, a percussão é uma base das culturas africanas.

Mas não é só percussão.

E quando eu digo só percussão, não quero dizer que a percussão é pouca coisa,

como se percussão fosse fácil, como se fosse menos música.

É toda uma visão diferente de música, de mundo, toda uma outra construção.

Por exemplo, uma característica da musicalidade africana é a polirritmia,

a superposição de ritmos ou métricas diferentes.

É mais ou menos assim.

Tem música em quatro tempos.

Um, dois, três, quatro.

Tem música em três tempos.

Um, dois, três.

E sei lá, em seis tempos.

Um, dois, três, quatro, cinco, seis.

A polirritmia sobrepõe esses tempos,

bota um em cima do outro, toca todos juntos ao mesmo tempo.

E fica assim.

A polirritmia existe há centenas de anos.

Só mais um exemplo.

Onde foi que eu já ouvi algo assim?

Olha ela!

Mas calma que a gente está se adiantando no tempo.

A polirritmia está na origem de um tanto de gênero musical, não só no Brasil,

mas em outros países que também receberam africanos escravizados,

como a rumba, em Cuba.

E a música de idade africana também tinha o canto sincopado.

Olha a Erisete Cardoso fazendo isso numa música que inclusive chama Sincopado Triste.

Eu só tenho pra dizer

Até já seja feliz

Talvez um outro alguém possa lhe dar

A alegria que eu não sou

Você percebeu como a Elisete deixa de cantar a palavra na hora em que a gente esperaria que ela cantasse?

Bonito demais!

A síncope é uma das bases, por exemplo, do jazz nos Estados Unidos.

E claro, está na origem de um monte de coisa aqui no Brasil.

E tem mais gênero afro-brasileiro nesse caldeirão.

Segundo Rodrigo Faur, que escreveu aquele livro que eu falei há pouco,

a primeira manifestação cultural negra que foi aceita pela sociedade branca colonial foi o Lundu.

Surgiu na Bahia, depois no Rio e em Pernambuco.

Primeiro o Lundu era uma dança, depois virou um gênero musical.

As letras eram meio cômicas, meio indiscretas, tipo essa aqui.

Quem dá beijo em mulher velha

Que tem boca desentada

Logo fica com dor de dente

E a barriga destemperada

Poli balaixo, poli em cima, poli em baixo

Poli balaixo

O Faur também considera o Lundu, o nosso primeiro ritmo afro-brasileiro, importante.

Porque foi fundamental na formação de outros ritmos que vieram depois.

Como o tango brasileiro, que era uma mistura de polca, habaneira, tango espanhol e Lundu.

Como o choro, que juntava polca, tango brasileiro e Lundu.

E tinha também o machixe, que era uma mistura de polca com Lundu, de tango com Lundu.

Boa parte dessas gravações que você está ouvindo são do começo do século XX.

É que só em 1902 foram gravadas as primeiras músicas no Brasil.

Uma parte desse acervo está no site do projeto Discografia Brasileira do Instituto Moreira Salles.

A música popular brasileira foi e é feita por muitos.

É onde a gente sente o sangue brasileiro correr.

Na cultura é na música popular.

Nenhuma outra manifestação cultural e artística traz tanto de brasilidade quanto a música.

Esta é a Edinha Diniz, professora pesquisadora e socióloga.

Ela é biógrafa de uma pessoa, de uma mulher, que foi decisiva para esse processo de transformação da nossa música.

Para o nascimento do que depois ficaria conhecido como música popular brasileira.

Ela é fundamental nessa fase de formação por misturar a música que nos chegava,

que era uma música europeia, com elementos da rítmica africana.

Então, em cima de valsas, polcas e tangos, principalmente, mas todos os outros gêneros de música, principalmente dançante,

a Chiquinha agregava a rítmica africana, encaminhando essa música para que se tornasse brasileira.

Chiquinha é a Francisca Edviges Neves Gonzaga, a Chiquinha Gonzaga.

Nenhum compositor deu uma contribuição tão grande e trabalhou tanto essa transição como ela.

Chiquinha, Chiquinha, me permita me apresentar José do Patrocínio, grande poeta e grande jornalista.

Sua música corre em meu sangue.

É porque nosso sangue sai do mesmo coração africano.

Chiquinha Gonzaga é um exemplo para a mulher brasileira, é uma inspiração na luta das mulheres por liberdade e dignidade.

É exemplo de pioneirismo, foi uma mulher transgressora, por isso demorou tanto a ter um registro histórico.

A música popular ainda não estava na rua, nos grandes espaços.

Ela era uma música praticada em salão, por sinhazinhas.

A mulher era uma grande executante de música.

Na sociedade, ainda escravizada, ela era uma grande executante de música.

Na sociedade, ainda escravista, imperial, os dois grandes elementos sociais executores de música são a mulher e o escravizado.

Ou seja, os elementos sociais mais oprimidos e que, portanto, tinham mais necessidade de expressão.

Só que a mulher praticava música na sala de visitas.

Algumas compunham, algumas compõem, algumas compõem, mas a mulher era uma grande executante de música.

Ela praticava música na sala de visitas.

Algumas compunham, poucas publicavam, chegavam a editar, mas nenhuma ousava pular a janela da sala de visitas,

porque colocava em risco sua reputação.

Não havia possibilidade da mulher se profissionalizar em música, e é essa ousadia que Chiquinha Gonzaga pratica.

Dependendo de quando você nasceu e das referências que você teve, pode ser que, ao pensar em Chiquinha Gonzaga, você imagine uma mulher branca.

É que em 1999 teve uma minissérie de bastante sucesso da TV Globo sobre a vida dela.

Duas atrizes interpretaram a Chiquinha. Na fase jovem, a Gabriela Duarte.

Quem faz o papel da Chiquinha mais velha é a Regina Duarte, que é a mãe da Gabriela. Aquela Regina Duarte.

Porque o senhor quer um pianista homem. É a nossa tradição.

Mas eu posso me transformar num pianista homem. Corto os cabelos, venho trabalhar de calças, coloco um vasto bigode,

e se o senhor quiser, posso tomar uma navalha e fazer a barba do meu pai.

A Regina e a Gabriela Duarte, caso você não saiba, são brancas.

E essa minissérie não foi a única, nem a primeira, a retratar a Chiquinha como uma mulher branca.

Teve, por exemplo, uma peça de teatro que também fez muito sucesso nos anos 90.

Teve até desfile de escola de samba, e nisso tudo a Chiquinha fez a sua própria versão.

Porque até então nós só tínhamos o registro de que ela era morena, trigueira.

A partir de 2009, portanto só dez anos depois da minissérie e muitos anos depois do teatro,

só na segunda edição, revista e atorada, a Chiquinha foi a primeira mulher branca.

E a Chiquinha foi a primeira mulher branca que se tornou uma mulher branca.

E muitos anos depois do teatro, só na segunda edição, revista e atualizada, da biografia,

que eu trazia essa documentação da cúria metropolitana, a documentação dos livros, registros da Igreja Católica.

Então, só a partir de 2009, eu pude documentar a origem de Rosa, mãe de Chiquinha, e Tomásia, sua avó escravizada.

A mãe da Chiquinha só não foi escravizada porque foi libertada na pia batismal.

Isso era algo que acontecia às vezes.

O bebê nascia escravizado, e isso é horrível de dizer, enfim, mas pela lei da época ele já era escravizado ao nascer.

Mas em alguns casos, que estavam longe de ser a regra, estavam bem mais, para exceção,

o bebê era libertado pelo proprietário no momento em que recebia o batismo.

E foi assim com a mãe da Chiquinha, a Rosa.

Daí a vida passou, com 15 anos de idade, a Rosa engravidou pela primeira vez do José Basileu,

que era um homem branco de uma família tradicional da corte.

Então, a Chiquinha é fruto de um homem branco, de olhos claros, de família socialmente bem situada,

e uma mestiça, uma parda, como eles chamavam, alforreada na pia batismal,

e, portanto, Chiquinha é neta de uma escravizada.

Mas o pai dá à sua primogênita uma educação esmerada em casa,

mas também o professor de piano, porque a música fazia parte da educação de uma mocinha.

Chiquinha Gonzaga teve um grande trânsito social, possibilitado pelo pai e por sua educação,

mas não traía sua origem afrodescendente.

Chiquinha Gonzaga não apenas não traía sua origem afrodescendente,

como ela incorpora na sua obra a sua herança africana.

É evidente a rítmica que ela imprime, que é de origem africana,

e muitas das suas partituras são nitidamente africanas, como o Jongo, Catereté.

Ela assina partituras declaradamente de música negra,

além de imprimir e incorporar a rítmica do Lundu, principalmente as poucas e tudo mais.

Então, ela, mais do que reconhecer a sua origem afrodescendente,

ela contribuiu para juntar, integrar a cultura branca e negra.

A Chiquinha compunha também trilhas de operetas e peças de teatro.

Em 1912, ela criou uma peça, o nome era Forró Bodó,

que bateu todos os recordes de público da época, com 1.500 apresentações.

E o elenco era formado por 10 negros e só um branco.

Se isso é algo que ainda é disruptivo hoje, imagina naquela época.

Ela também foi pioneira na luta pelos direitos autorais dos compositores.

Teve uma vez que ela foi fazer uma excursão por Portugal,

aí ela encontrou um monte de partituras de músicas dela, mas com os nomes de outros compositores.

Ela ficou revoltada com isso e criou a primeira associação arrecadadora de direitos do Brasil, em 1917.

Talvez você nem saiba, mas conhece pelo menos uma música da Chiquinha Gonzaga,

no mínimo a mais famosa de todas.

Essa apresentação, aliás, é da Orquestra Sinfônica Juvenil Chiquinha Gonzaga,

formada só por meninas da Rede Pública de Ensino do Rio.

Elas estão tocando O Abre Alas, que é de 1899,

a primeira música composta especificamente para o Carnaval.

E no Carnaval tinha um cordão que passava bem debaixo da janela da Chiquinha.

O cordão se chamava Rosa de Ouro e nessa marchinha, Chiquinha deixa muito evidente o seu espírito determinado.

O Abre Alas diz, O Abre Alas que eu quero passar, Rosa de Ouro é que vai ganhar.

Ela não tem nenhuma dúvida da vitória da Rosa de Ouro como da sua vitória pessoal.

Ela se adianta no tempo, porque o Carnaval, que na época, nos salões,

era adançado ao som de música europeia, e na rua, no Carnaval,

era adançado ao som de música europeia e na rua, no Carnaval,

era adançado ao som de música europeia e na rua, no Carnaval.

E aí a gente tem uma experiência muito interessante,