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Podcast do projeto Querino (*Generated Transcript*), 5. Os piores patrões - Part 2

5. Os piores patrões - Part 2

na saúde, pensava em questões que mesmo as mulheres negras agora dos sindicatos estão

começando a pensar agora, por exemplo, na saúde das empregadas domésticas e na saúde

mental das empregadas domésticas.

Ela trabalhou muito com uma questão que a gente acaba não discutindo, que era com a

questão do assédio sexual com as empregadas domésticas.

Ela também organizava bailes, porque nos clubes da cidade os negros não eram bem recebidos.

E nesses bailes tinham concursos de beleza negra e também bailes de debutantes para

as meninas negras quando elas completavam 15 anos.

Porque as meninas negras das famílias de negro de classe média, como a gente pode

dizer de uma elite negra campineira, não podia também participar dos bailes das debutantes

dos brancos.

E tem quem diga que o racismo no Brasil é mais brando do que nos Estados Unidos.

A gente nunca precisou de lei para ter segregação.

A separação entre negros e brancos foi sempre na prática.

Bom, com a redemocratização, a Associação da Laudelina foi reaberta e com a Constituição

de 88 transformada em sindicato.

A dona Laudelina morreu em 1991.

Antes de morrer, ela transferiu a casa dela para o Sindicato das Trabalhadoras Domésticas.

E é onde o sindicato funciona até hoje.

Oi gente, ó, estamos gravando.

Primeiro eu pergunto para vocês, para a gente tentar situar o ouvinte, onde que a gente

está agora?

A gente está em Campinas, na casa da Laudelina, onde ela morou durante muitos anos.

Esta é a Terezinha de Fátima da Silva.

Vocês chegaram a conhecer ela?

Sim, eu convivi com ela uns 10 anos, eu acho.

E como que ela era?

Não pode falar tudo, né?

Vou pegar só a parte boa.

Ah, mas assim, como movimento, a Laudelina era extraordinária, né?

Eu acho que não existe, a nível de Brasil, eu não conheço, nem na América Latina,

onde eu participei dos encontros das trabalhadoras, alguém com poder de fala como o de Laudelina.

Porque ela tinha uma oratória fantástica e muito brava, então o pessoal tinha o maior

respeito, né?

Então, onde ela chegava, e aí ela tinha a moral de descascar às vezes a gente ou

qualquer político, é onde ela estava.

E é por isso que você falou que não dá para falar tudo, é esse lado dela mais cascaduro?

É, esse lado cascaduro é difícil.

Você tinha quantos anos quando você conheceu a Dona Laudelina?

Eu tinha 20, que ia fazer 20 ainda.

Eu não tinha ensino nenhum, porque meu pai era aqueles que mudava de fazenda para fazenda,

né?

Então a gente só, às vezes, quando matriculava na escola, você ia um dia, dali a pouco já

ia mudar para outro lugar, você não ia mais.

Eu juntando todos os dias que eu fui na escola, acho que dava mais ou menos meio ano.

Eu me sentia muito mal.

E aí, quando vim para a associação, né?

E para mim foi um aprendizado, assim, maravilhoso, porque dessas rodas de conversa e com as broncas

de Laudelina é que eu pude crescer um pouco, que eu pude ir para a escola estudar, porque

eu era analfabeta de pai e mãe.

E isso me fez ir para a escola, depois de velha, para poder dialogar de igual para igual,

com os demais, né?

Ela sempre falava que o estudo, a única coisa que ninguém pode tirar de você é o conhecimento.

Eu, por exemplo, vou ter que estudar por causa da organização sindical, né?

Assim, fiz, sou bacharel em direito.

E por isso que eu estou ainda aí no apoio das companheiras, né?

Eu já tinha lido a transcrição de uma entrevista que a dona Laudelina deu nos últimos dias

de vida para o Museu da Imagem e do Som de Campinas.

A dona Laudelina nasceu em 1904, na virada do século passado.

E eu sempre fico muito empolgado com a possibilidade de ouvir a voz de uma pessoa histórica.

E isso, infelizmente, é bem raro no Brasil.

Se documento de papel já é difícil de achar, imagine gravações em áudio e vídeo.

Meu nome é Oresses Augusto Toledo, trabalho no Museu da Imagem e do Som de Campinas desde

1990.

Trabalhava aqui com os funcionários que eu já conhecia, né?

De longa data.

Um deles era o Juvenal, que era projecionista.

Ele conversou comigo e falou, lá no bairro, no bairro da periferia, né?

Ele falou, tem uma senhora negra, uma referência.

Eu achei interessante.

Falei, vamos entrevistar.

E quando eu fui recebido por ela, até estava presente também algumas diretoras do Sindicato

das Trabalhadoras Domésticas.

Mas que não passou 20, 15 minutos, eu percebi que eu estava diante de uma pessoa fascinante.

Não só do ponto de vista do conteúdo, da sua vivência, da sua biografia, né?

O que me impressionou e me impressiona até hoje é a força, a energia, a convicção.

E aí é importante o audiovisual.

Porque não é só o som, você vê o brilho nos olhos dela.

Infelizmente não dá pra mostrar aqui o brilho nos olhos da dona Laudelina, mas a voz, você

pode ouvir.

Meu nome de nascimento, Laudelina de Campos Melo.

Data de nascimento, 12 de outubro de 1904.

As empregadas domésticas tinham sido destituídas das leis trabalhistas, né?

Porque eles achavam, e até hoje eles acham, que a empregada doméstica não contribui

pra nação.

E que a empregada doméstica não traz dentro do bolso da nação economia.

Ela não traz economia pra própria nação, mas traz pro patrão dela.

Que é ela quem dá a cobertura pra riqueza do patrão.

Que é ela que cria os filhos do patrão, é ela que cuida da casa, que é ela que fica

tomando conta dos filhos.

Toma conta do patrimônio do patrão.

E sem direito a nada, né?

Que a maioria daquelas antigas que trabalham 20, 30 anos morreram na rua do Diniz Mota.

Várias delas a gente teve, cuidou delas e tratou delas e cuidou até a morte.

Porque ela não tinha condição, não tinha família, não tinha ninguém por ela.

Era ainda um resíduo de escravidão, né?

Que era do descendente de escravo, né?

Empregada doméstica, no dia ela faz vários trabalhos, né?

Ela vai tratar um serviço numa casa, ela faz o trabalho de lavadeira, de arrumadeira,

de cozinheira, de passadeira e tudo, né?

E ainda não tem uma profissão.

Ela não está considerada ainda como profissional, mas ela é uma profissional.

Então ela é profissional dentro da cozinha, ela é profissional lavando roupa, ela é

profissional fazendo doce, ela é profissional arrumando uma casa, ela é profissional tomando

conta dos filhos.

Tomando conta dos filhos, ela é uma babá.

Tomando conta da casa, guardando o patrimônio do patrão, ela é uma dona de casa.

Eles só consideram profissional aqueles que têm um diploma na mão, aqueles que trabalham

numa indústria, aqueles que têm um nome ligado à profissão, mas a empregada doméstica

não é considerada.

Está reservada a segunda categoria, porque foi escrava de vocês.

Não tinha profissão pra vocês, mas ela nasceu já dentro da profissão.

Eu, por exemplo, com uns sete anos eu já cozinhava, já tomava conta de uma cozinha.

Eu lembro muito bem que eu trabalhei numa casa aqui na cidade velha e eu comprava aquelas

velas de sete dias, sete noites, porque eu não podia usar a energia da casa pra estudar.

De novo, a Lucy Leide Mafra, cuja história a gente está ouvindo desde o começo do episódio.

Eles diziam que eu sonhava alta, igual o Rubo do Velho Peso, e que empregada doméstica,

empregada doméstica, e não passava disso, e que eu jamais iria conseguir alguma coisa.

A esposa dele era muito legal, mas ela tinha muito medo dele.

Ele era aposentado, ele foi militar e ele servia na reserva, ele ficava em casa o dia inteiro,

perturbando a minha vida.

Ele mandava lavar as janelas duas, três vezes, a minha mão ficava em carne viva pra limpar aquela janela ali.

E quando eu passei na faculdade, eu passei em duas faculdades, eu levei o jornal pra ele e disse

olha, eu passei, e o filho dele não passou em nenhuma, fez vestibular, e ao mesmo tempo não passou em nenhuma.

Eu dizia, sabe, o senhor conhece aquela frase que diz assim,

pro meu inimigo desejo vida longa, para que possa assistir minha vitória de pé.

E quando eu me formei, eu fiz questão que ele fosse meu paranífio, e eu fiz questão de dizer pra toda a turma,

sabe gente, você lembra aquela história que eu contei pra você, que aquele, meu padrão dizia

que empregada doméstica era empregada doméstica, que eu sonhava mais alta do que o Rubo do Velho Peso?

Pois é, é aquele senhor que tá ali na minha frente, que é meu paranífio.

E aí ele ficou com a cara no chão, no chão, né, assim, mas eu sei que foi uma forma grosseira,

mas eu precisava falar aquilo, eu precisava, sabe, que eu engoli aquilo durante anos, a seco ali, ele me falando.

Ele dizia, a única forma de pobre subir na vida é se colocar um sapato alto.

Eu disse, eu vou conseguir escrever minha própria história, vou pedir, quando eu queira alguma coisa, eu vou lá e pego.

Fico esperando que ninguém pegue por mim, enfim.

Então assim, eu nunca deixei que as pessoas me anulassem, eu sempre lutei por aquilo que eu queria.

E aí, desde então, eu fui me especializando, investia muito meu salário em cursos de qualificação profissional,

principalmente na área da gastronomia, que é uma área que eu gosto muito, né, e fui melhorando meu salário,

sempre estudando, lógico, primeiro eu me formei em administração de empresa, aí depois eu me formei em turismo.

E agora eu tô fazendo direito, fazendo pós-graduação, docência no ensino superior.

É muito incrível a história da Lucy Leidy, né?

Passou por todos os perrengues clássicos de uma trabalhadora doméstica no Brasil e deu a volta por cima.

E como, né? Sambando na cara do patrão.

É que nem o que horas ela volta, o filme, mas no caso da Lucy Leidy, não foi nem a filha dela que passou no vestibular,

mas ela mesma.

Mas ainda tem mais coisa nessa história.

A Lucy Leidy foi uma das pessoas diretamente responsáveis, ao lado de várias outras companheiras trabalhadoras domésticas,

por uma das leis trabalhistas mais importantes da história do Brasil.

Boa noite. O Senado acaba de aprovar por unanimidade a proposta de emenda à Constituição

que garante mais direitos trabalhistas aos empregados domésticos.

Em 1972, foi aprovada uma lei que trazia algumas proteções às trabalhadoras domésticas.

A trabalhadora doméstica tinha direito à carteira assinada, tinha direito às férias de 20 dias.

Lógico, não tinha os mesmos direitos que os trabalhadores seletistas, mas tinha algum direito.

Trabalhador seletista é o trabalhador protegido pela CLT.

E esse ainda não era o caso das trabalhadoras domésticas.

Nós não tínhamos nenhum direito de reclamar, nós não recebíamos férias, nós não recebíamos décimo terceiro.

Depois veio a Constituição de 88, que também trouxe alguns avanços,

como a obrigação de pagamento do salário mínimo e a licença maternidade.

Em 2006, foi estabelecido o direito a descanso semanal remunerado aos domingos e feriados.

E olha só pra você ver, só em 2006, antes estava liberado ser de segunda a segunda.

Mas ainda faltava muita coisa.

Por exemplo, a demissão podia ser sem justa causa e sem pagamento de multa.

Trabalhadora doméstica não tinha seguro-desemprego, não tinha jornada de trabalho estipulada, muito menos hora extra.

E aí veio a proposta de emenda à Constituição à PEC, a PEC das domésticas, em 2012.

E começou a polêmica.

Imagina a audácia de exigir direitos para a trabalhadora doméstica,

de equiparar a categoria às demais categorias de trabalho do Brasil.

O quê? Precisar assinar carteira e recolher a FGTS?

E não vai contar com ela só oito horas de trabalho por dia?

Ela tá lá vendo a novela, que não sei o que, o pessoal jantou e tal.

Aí depois da novela ela vem, ela arruma a cozinha. Vai ter que contar essa hora que ela arrumou a cozinha?

Então qual é o primeiro momento? Vou despedir.

Eu já conheço muita gente que despediu.

Porque eu lembro do tempo que eu era pequena, os empregados da minha casa, alguns vieram comigo quando eu casei.

Minha babá me acompanhou. Eu aposentei, ela morreu com 80 anos.

Vim receber o salariozinho dela.

Então ela era uma pessoa da família, a gente dormia na cama abraçada com ela.

Na casa da Tatiana é assim. A babá recebe um salário de R$ 1.400,00 por 12 horas de trabalho.

O custo da empregada doméstica, que trabalha de segunda à sexta, é de R$ 1.000,00.

A Tatiana decidiu não arriscar.

E antes mesmo da emenda ser aprovada, demitiu a empregada doméstica, que acabou se tornando diarista.

A mídia que o Romero Juca tentou implantar, a fala dele na mídia, era que ia ter esse emprego em massa.

O Romero Juca era o relator da PEC das Domésticas no Senado.

Os senadores e deputados começaram a fazer essa mesma fala.

A gente teve alguns problemas no início com as próprias trabalhadoras de dizer

que eu perdi o meu emprego por causa desses direitos que vocês acharam que a gente teria que ter.

Eu fiquei direto em Brasília.

Eu visitei os 513 deputados e isso várias vezes.

Tem deputado que deu visitar 118 vezes.

Ele não querer receber a gente.

Enquanto você não der seu voto para o projeto de lei da categoria das trabalhadoras domésticas,

você vai ver a nossa cara aqui.

Na Câmara, a relatora foi a então deputada Benedita da Silva, que já foi trabalhadora doméstica também.

A proposta teve só dois votos contra. Dois.

Um foi o Vanderlei Sirac, de São Paulo, que depois disse que tinha apertado o botão errado.

O outro, bem, o outro até hoje se vangloria de ter votado contra a PEC das Domésticas.

E ele não só se vangloria disso, como usou na campanha de 2018 várias vezes.

A gente tem no governo do país um presidente que foi abertamente contra a PEC das Domésticas.

Ele era um dos que defendia que essa PEC destruiria as famílias,

que o pai de família não teria mais condições de cuidar dessa dinâmica familiar,

porque não poderia pagar uma trabalhadora doméstica.

Aqui de novo a Danila Kall, que a gente ouviu no começo do episódio.

No debate público, havia o discurso muito forte de que era algo que iria destruir as famílias,

porque os patrões não iam ter mais como contratar trabalhadoras domésticas

e por isso não iam ter mais como desenvolver bem as suas atividades, certo?

A rotina da casa ia ficar prejudicada.

Imagina a trabalhadora doméstica querer hora extra.

Ela trabalha nas casas de família. Não tem hora, gente. Não tem hora pro café, pro jantar.

E isso é revelador do ressentimento que os governos de esquerda no Brasil,

notadamente o governo do Lula e da Dilma, geraram nas classes médias e nas elites

em relação à ascensão das classes mais baixas.

A PEC das domésticas aprovada, sancionada durante o governo da Dilma,

é um dos elementos que alimentou o ressentimento, e essa é uma tese que eu defendo,

em relação ao antipetismo.

Por conta dessa lógica de que teria destruído a cultura familiar

e considerando toda a lógica de cultura da servidão que remonta à escravização no Brasil,

a gente entende de onde vem esse ressentimento.

Como? Como eu não vou ser servida?

A propósito disso, a Danila...

A Danila organizou um livro sobre o trabalho doméstico lançado em 2021

em parceria com a também pesquisadora e professora Rosali de Seixas Brito.

A gente também conversou com a Rosali.

O ministro da economia, Paulo Guedes, enuncia isso de uma forma muito clara

da questão da... agora tem até empregada doméstica indo pra Disney.

Turismo, todo mundo indo pra Disneyland, empregada doméstica pra Disneyland,

uma festa danada.

Mas peraí, peraí, peraí, vai passear ali em Força do Iguaçu, vai passear ali no Nordeste,

tá cheio de praia bonita.

É um discurso elitista, né?

As elites, exatamente por conta dessa marca colonial,

elas cultuaram a ideia de que elas precisam ser servidas,

elas precisam ser servidas, paparicadas.

Essa cultura do ódio que nós estamos vivendo no Brasil hoje,

ela é uma cultura marcada, sobretudo, pelo ressentimento.

Agora, se tem uma coisa que a boa classe média e a boa gente rica no Brasil sabem fazer,

que esses cidadãos de bem sabem fazer,

é descumprir leis.

E é isso que está acontecendo.

É evidente que a PEC trouxe benefícios imensos, imensos, imensos,

e absolutamente urgentes para sanar essa dívida histórica

que existia no Brasil com as trabalhadoras domésticas.

Porém, as famílias vão encontrando os seus jeitinhos

de continuar se valendo do trabalho doméstico,

mas ao largo da regulamentação.

E eu penso que o contexto da pandemia só agravou isso.

A primeira morte por Covid-19 no estado do Rio de Janeiro

foi de uma trabalhadora doméstica, a Cleonice Gonçalves, de 63 anos.

Ela morava em Miguel Pereira, a 120 quilômetros da capital,

e trabalhava numa casa no Alto Leblon, um dos metros quadrados mais caros do Rio.

A patroa tinha acabado de voltar de uma viagem para a Itália,

que eu não sei se você lembra, mas teve um surto de Covid

muito antes da doença chegar ao Brasil.

E aí, quando a Cleonice morreu, foi notícia no mundo todo.

Uma mulher brasileira pegou Covid nas férias.

Agora, a empregada dela está morta.

Em maio de 2020, quando não existia vacina nenhuma,

e mesmo os cientistas não sabiam praticamente nada sobre o novo vírus,

pelo menos quatro estados brasileiros já tinham incluído o trabalho doméstico

na lista dos serviços essenciais, que mesmo com a pandemia, não podiam parar.

A gente no Brasil estava feita, feita.

Porque uma pessoa estava lá com a gente, faz tudo.

Aqui, para passar 25 dólares a hora a mais.

Para dobrar, 25 dólares.

Para poder esticar o braço aqui, mais 10 dólares.

É assim, assim. Então, você que tem alguém no Brasil,

ajoelha e agradeça a Jesus, porque aqui nos Estados Unidos é diferente.

É desse jeito que funciona.

Quando eu cheguei, eu fiquei louca, louca.

Não, não faz isso!

Infelizmente, o trabalho doméstico é um dos focos desse,

de respeito aos direitos trabalhistas,

porque ele acontece num ambiente que favorece muito isso.

É uma forma de trabalho mais difícil de se fiscalizar,

porque se dá no interior das casas.

Tanto que quando a gente ouve falar, por exemplo,

de trabalho análogo ao trabalho escravo no Brasil,

o que se vê é justamente isso, a dificuldade que os fiscais

do Ministério do Trabalho têm de chegar a esses casos.

Justamente porque eles estão ao abrigo do olhar,

digamos assim, das instituições fiscalizadoras e tal.

Uma idosa foi resgatada em situação análoga à escravidão

em um bairro nobre de São Paulo.

Ela trabalhava para a família há 20 anos e, à 9, não recebia salário.

Quando foi encontrada, estava sem ter acesso sequer ao banheiro.

A dona Laudelina estaria muito brava com tudo isso.

Aqui de novo a Elisabeth Pinto, a biógrafa da Laudelina de Campos Mello.

Estaria brava com o presidente da República.

Elas tiveram dezenas de encontros.

E eu perguntei para a Elisabeth como ela acha que a dona Laudelina

estaria vendo o Brasil de hoje.

Estaria indignada com a população brasileira, pobre, empregada,

mas que votou no presidente da República.

Estaria lutando e se organizando para discutir essa questão

das empregadas domésticas, principalmente na pandemia,

de ter empregadas domésticas que foram mantidas em cárcere privado.

Também estaria brigando muito e estaria expondo,

porque a dona Laudelina expunha os nomes dos maus patrões.

Hoje você tem pessoas que, para abordar a lei, registra,

mas a pessoa tem que trabalhar em duas casas.

Por exemplo, eu sou seu aparente, contratamos uma empregada,

eu a registro, ela trabalha dois dias por semana na minha casa,

três na sua, por exemplo.

Só que ela tem que dar conta da minha casa e da sua casa.

Então isso é uma exploração.

Você tem uma empregada doméstica, você acha que ela é sua mucama.

Você faz a sua empregada comprar o seu cigarro,

você grita para ela trazer a água.

Se você tem filho e as crianças estão brigando,

você grita para ela ir lá acudir essas crianças.

E no final da tarde, depois de ela ter ido duas vezes ao mercado para você,

que era sua obrigação e você não foi,

de ir comprar cigarro, ir na quitanda, atender a porta e levar água para você,

aí não deu conta dela fazer todos os trabalhos.

Daí você exige dela o quê?

Você é mole mesmo, você não deu conta do trabalho.

Então, a dona Maudelina sempre trabalhou para isso.

Empregada doméstica não é mordomo, empregada doméstica não é governanta.

Ela queria que as empregadas domésticas tivessem orgulho do seu trabalho

e que pudesse reivindicar o respeito.

Por quê? É um trabalho como outro qualquer.

Ela lutou para que o emprego doméstico fosse valorizado

e que as empregadas pudessem fazer aquilo que elas querem, quisessem.

Uma aluna minha dizia uma vez que tinha muito orgulho de mim

e não entendia por quê.

Depois que ela olhava para mim, falei, será que essa menina não gosta de mim?

Não. Um dia ela falou, professora, eu tenho muito orgulho

porque você fala da sua história, fala da história da sua mãe com muito orgulho.

E a minha mãe foi tiada uma empregada doméstica.

E eu tenho muito orgulho disso.

O projeto Querino é apoiado pelo Instituto Ibiraputanga.

O podcast é produzido pela Rádio Novelo.

O nosso site projetoquerino.com.br reúne todas as informações

sobre o projeto e conteúdo adicional.

O site foi desenvolvido pela AIE,

que é uma organização que trabalha com a comunidade

e com os projetos que são projetados pelo Instituto Ibiraputanga.

O nosso site foi desenvolvido pela AIE.

E eu te convido a conferir também todo o material do projeto Querino

que está sendo publicado pela revista Piauí,

nas bancas e no site da revista.

Este episódio teve pesquisa de Gilberto Porcidônio,

Rafael Domingos Oliveira e Asmin Santos

e Angélica Paulo, que também fez a produção.

A edição é do Luca Mendes, a sonorização da Julia Matos

e a finalização da Pipoca Sound.

A checagem é do Gilberto Porcidônio

e a música original do Vitor Rodrigues Dias.

Estratégia de promoção, distribuição e conteúdo digital,

Bia Ribeiro.

A identidade visual é do Draco Imagem.

Os transcritores das entrevistas foram Guilherme Póvoas e Rodolfo Viana.

A locução foi gravada no estúdio da Pipoca Sound

com trabalhos técnicos de João Jabás.

O Frederico Faro também fez captação de áudio

para este episódio.

Consultoria em roteiro de Mariana Jaspe, Paula Escarpin

e Flora Thompson Devoe com revisão de Natália Silva.

Consultoria em história Inaê Lopes dos Santos.

Produção executiva Guilherme Alpendre.

A execução financeira do projeto é do ISPIS,

Instituto Sincronicidade para Interação Social.

Idealização, reportagem, roteiro, apresentação e coordenação,

Tiago Rogero.

Este episódio usou áudios do Museu da Imagem e do Som de Campinas,

da TV Brasil, da TV Globo, da TV IgG, da TV Folha e da CNN Brasil.

Agradecimentos a Petrônio Domingues, Aparecida Oliveira,

Bárbara Alves e ao Museu da Imagem e do Som de Campinas.

Até o próximo!

5. Os piores patrões - Part 2 5. Die schlimmsten Chefs - Teil 2 5. The Worst Bosses - Part 2 5. Les pires patrons - Partie 2 5. I peggiori capi - Parte 2 5. Najgorsi szefowie - część 2

na saúde, pensava em questões que mesmo as mulheres negras agora dos sindicatos estão

começando a pensar agora, por exemplo, na saúde das empregadas domésticas e na saúde

mental das empregadas domésticas.

Ela trabalhou muito com uma questão que a gente acaba não discutindo, que era com a

questão do assédio sexual com as empregadas domésticas.

Ela também organizava bailes, porque nos clubes da cidade os negros não eram bem recebidos.

E nesses bailes tinham concursos de beleza negra e também bailes de debutantes para

as meninas negras quando elas completavam 15 anos.

Porque as meninas negras das famílias de negro de classe média, como a gente pode

dizer de uma elite negra campineira, não podia também participar dos bailes das debutantes

dos brancos.

E tem quem diga que o racismo no Brasil é mais brando do que nos Estados Unidos. And there are those who say that racism in Brazil is milder than in the United States.

A gente nunca precisou de lei para ter segregação. We never needed a law for segregation.

A separação entre negros e brancos foi sempre na prática.

Bom, com a redemocratização, a Associação da Laudelina foi reaberta e com a Constituição Well, with redemocratization, Laudelina's Association was reopened and with the Constitution

de 88 transformada em sindicato.

A dona Laudelina morreu em 1991.

Antes de morrer, ela transferiu a casa dela para o Sindicato das Trabalhadoras Domésticas. Before she died, she transferred her house to the Domestic Workers' Union.

E é onde o sindicato funciona até hoje.

Oi gente, ó, estamos gravando. Hi guys, we're recording.

Primeiro eu pergunto para vocês, para a gente tentar situar o ouvinte, onde que a gente

está agora?

A gente está em Campinas, na casa da Laudelina, onde ela morou durante muitos anos. We're in Campinas, at Laudelina's house, where she lived for many years.

Esta é a Terezinha de Fátima da Silva.

Vocês chegaram a conhecer ela?

Sim, eu convivi com ela uns 10 anos, eu acho.

E como que ela era?

Não pode falar tudo, né?

Vou pegar só a parte boa.

Ah, mas assim, como movimento, a Laudelina era extraordinária, né?

Eu acho que não existe, a nível de Brasil, eu não conheço, nem na América Latina,

onde eu participei dos encontros das trabalhadoras, alguém com poder de fala como o de Laudelina.

Porque ela tinha uma oratória fantástica e muito brava, então o pessoal tinha o maior

respeito, né?

Então, onde ela chegava, e aí ela tinha a moral de descascar às vezes a gente ou So, where she arrived, and then she had the moral high ground to sometimes peel us or

qualquer político, é onde ela estava.

E é por isso que você falou que não dá para falar tudo, é esse lado dela mais cascaduro?

É, esse lado cascaduro é difícil.

Você tinha quantos anos quando você conheceu a Dona Laudelina?

Eu tinha 20, que ia fazer 20 ainda. I was 20, about to turn 20.

Eu não tinha ensino nenhum, porque meu pai era aqueles que mudava de fazenda para fazenda,

né? right?

Então a gente só, às vezes, quando matriculava na escola, você ia um dia, dali a pouco já So we just, sometimes, when we enrolled in school, you'd go for a day, and then you'd be gone.

ia mudar para outro lugar, você não ia mais.

Eu juntando todos os dias que eu fui na escola, acho que dava mais ou menos meio ano.

Eu me sentia muito mal.

E aí, quando vim para a associação, né?

E para mim foi um aprendizado, assim, maravilhoso, porque dessas rodas de conversa e com as broncas

de Laudelina é que eu pude crescer um pouco, que eu pude ir para a escola estudar, porque

eu era analfabeta de pai e mãe. I was illiterate.

E isso me fez ir para a escola, depois de velha, para poder dialogar de igual para igual,

com os demais, né?

Ela sempre falava que o estudo, a única coisa que ninguém pode tirar de você é o conhecimento.

Eu, por exemplo, vou ter que estudar por causa da organização sindical, né?

Assim, fiz, sou bacharel em direito.

E por isso que eu estou ainda aí no apoio das companheiras, né?

Eu já tinha lido a transcrição de uma entrevista que a dona Laudelina deu nos últimos dias

de vida para o Museu da Imagem e do Som de Campinas.

A dona Laudelina nasceu em 1904, na virada do século passado.

E eu sempre fico muito empolgado com a possibilidade de ouvir a voz de uma pessoa histórica.

E isso, infelizmente, é bem raro no Brasil.

Se documento de papel já é difícil de achar, imagine gravações em áudio e vídeo.

Meu nome é Oresses Augusto Toledo, trabalho no Museu da Imagem e do Som de Campinas desde

1990.

Trabalhava aqui com os funcionários que eu já conhecia, né?

De longa data.

Um deles era o Juvenal, que era projecionista.

Ele conversou comigo e falou, lá no bairro, no bairro da periferia, né?

Ele falou, tem uma senhora negra, uma referência.

Eu achei interessante.

Falei, vamos entrevistar.

E quando eu fui recebido por ela, até estava presente também algumas diretoras do Sindicato

das Trabalhadoras Domésticas.

Mas que não passou 20, 15 minutos, eu percebi que eu estava diante de uma pessoa fascinante.

Não só do ponto de vista do conteúdo, da sua vivência, da sua biografia, né?

O que me impressionou e me impressiona até hoje é a força, a energia, a convicção.

E aí é importante o audiovisual.

Porque não é só o som, você vê o brilho nos olhos dela.

Infelizmente não dá pra mostrar aqui o brilho nos olhos da dona Laudelina, mas a voz, você

pode ouvir.

Meu nome de nascimento, Laudelina de Campos Melo.

Data de nascimento, 12 de outubro de 1904.

As empregadas domésticas tinham sido destituídas das leis trabalhistas, né?

Porque eles achavam, e até hoje eles acham, que a empregada doméstica não contribui

pra nação.

E que a empregada doméstica não traz dentro do bolso da nação economia.

Ela não traz economia pra própria nação, mas traz pro patrão dela.

Que é ela quem dá a cobertura pra riqueza do patrão.

Que é ela que cria os filhos do patrão, é ela que cuida da casa, que é ela que fica

tomando conta dos filhos.

Toma conta do patrimônio do patrão.

E sem direito a nada, né?

Que a maioria daquelas antigas que trabalham 20, 30 anos morreram na rua do Diniz Mota.

Várias delas a gente teve, cuidou delas e tratou delas e cuidou até a morte.

Porque ela não tinha condição, não tinha família, não tinha ninguém por ela.

Era ainda um resíduo de escravidão, né?

Que era do descendente de escravo, né?

Empregada doméstica, no dia ela faz vários trabalhos, né?

Ela vai tratar um serviço numa casa, ela faz o trabalho de lavadeira, de arrumadeira,

de cozinheira, de passadeira e tudo, né?

E ainda não tem uma profissão.

Ela não está considerada ainda como profissional, mas ela é uma profissional.

Então ela é profissional dentro da cozinha, ela é profissional lavando roupa, ela é

profissional fazendo doce, ela é profissional arrumando uma casa, ela é profissional tomando

conta dos filhos.

Tomando conta dos filhos, ela é uma babá.

Tomando conta da casa, guardando o patrimônio do patrão, ela é uma dona de casa.

Eles só consideram profissional aqueles que têm um diploma na mão, aqueles que trabalham

numa indústria, aqueles que têm um nome ligado à profissão, mas a empregada doméstica

não é considerada.

Está reservada a segunda categoria, porque foi escrava de vocês.

Não tinha profissão pra vocês, mas ela nasceu já dentro da profissão.

Eu, por exemplo, com uns sete anos eu já cozinhava, já tomava conta de uma cozinha.

Eu lembro muito bem que eu trabalhei numa casa aqui na cidade velha e eu comprava aquelas

velas de sete dias, sete noites, porque eu não podia usar a energia da casa pra estudar.

De novo, a Lucy Leide Mafra, cuja história a gente está ouvindo desde o começo do episódio.

Eles diziam que eu sonhava alta, igual o Rubo do Velho Peso, e que empregada doméstica,

empregada doméstica, e não passava disso, e que eu jamais iria conseguir alguma coisa.

A esposa dele era muito legal, mas ela tinha muito medo dele.

Ele era aposentado, ele foi militar e ele servia na reserva, ele ficava em casa o dia inteiro,

perturbando a minha vida.

Ele mandava lavar as janelas duas, três vezes, a minha mão ficava em carne viva pra limpar aquela janela ali.

E quando eu passei na faculdade, eu passei em duas faculdades, eu levei o jornal pra ele e disse

olha, eu passei, e o filho dele não passou em nenhuma, fez vestibular, e ao mesmo tempo não passou em nenhuma.

Eu dizia, sabe, o senhor conhece aquela frase que diz assim,

pro meu inimigo desejo vida longa, para que possa assistir minha vitória de pé.

E quando eu me formei, eu fiz questão que ele fosse meu paranífio, e eu fiz questão de dizer pra toda a turma,

sabe gente, você lembra aquela história que eu contei pra você, que aquele, meu padrão dizia

que empregada doméstica era empregada doméstica, que eu sonhava mais alta do que o Rubo do Velho Peso?

Pois é, é aquele senhor que tá ali na minha frente, que é meu paranífio.

E aí ele ficou com a cara no chão, no chão, né, assim, mas eu sei que foi uma forma grosseira,

mas eu precisava falar aquilo, eu precisava, sabe, que eu engoli aquilo durante anos, a seco ali, ele me falando.

Ele dizia, a única forma de pobre subir na vida é se colocar um sapato alto.

Eu disse, eu vou conseguir escrever minha própria história, vou pedir, quando eu queira alguma coisa, eu vou lá e pego.

Fico esperando que ninguém pegue por mim, enfim.

Então assim, eu nunca deixei que as pessoas me anulassem, eu sempre lutei por aquilo que eu queria.

E aí, desde então, eu fui me especializando, investia muito meu salário em cursos de qualificação profissional,

principalmente na área da gastronomia, que é uma área que eu gosto muito, né, e fui melhorando meu salário,

sempre estudando, lógico, primeiro eu me formei em administração de empresa, aí depois eu me formei em turismo.

E agora eu tô fazendo direito, fazendo pós-graduação, docência no ensino superior.

É muito incrível a história da Lucy Leidy, né?

Passou por todos os perrengues clássicos de uma trabalhadora doméstica no Brasil e deu a volta por cima.

E como, né? Sambando na cara do patrão.

É que nem o que horas ela volta, o filme, mas no caso da Lucy Leidy, não foi nem a filha dela que passou no vestibular,

mas ela mesma.

Mas ainda tem mais coisa nessa história.

A Lucy Leidy foi uma das pessoas diretamente responsáveis, ao lado de várias outras companheiras trabalhadoras domésticas,

por uma das leis trabalhistas mais importantes da história do Brasil.

Boa noite. O Senado acaba de aprovar por unanimidade a proposta de emenda à Constituição

que garante mais direitos trabalhistas aos empregados domésticos.

Em 1972, foi aprovada uma lei que trazia algumas proteções às trabalhadoras domésticas.

A trabalhadora doméstica tinha direito à carteira assinada, tinha direito às férias de 20 dias.

Lógico, não tinha os mesmos direitos que os trabalhadores seletistas, mas tinha algum direito.

Trabalhador seletista é o trabalhador protegido pela CLT.

E esse ainda não era o caso das trabalhadoras domésticas.

Nós não tínhamos nenhum direito de reclamar, nós não recebíamos férias, nós não recebíamos décimo terceiro.

Depois veio a Constituição de 88, que também trouxe alguns avanços,

como a obrigação de pagamento do salário mínimo e a licença maternidade.

Em 2006, foi estabelecido o direito a descanso semanal remunerado aos domingos e feriados.

E olha só pra você ver, só em 2006, antes estava liberado ser de segunda a segunda.

Mas ainda faltava muita coisa.

Por exemplo, a demissão podia ser sem justa causa e sem pagamento de multa.

Trabalhadora doméstica não tinha seguro-desemprego, não tinha jornada de trabalho estipulada, muito menos hora extra.

E aí veio a proposta de emenda à Constituição à PEC, a PEC das domésticas, em 2012.

E começou a polêmica.

Imagina a audácia de exigir direitos para a trabalhadora doméstica,

de equiparar a categoria às demais categorias de trabalho do Brasil.

O quê? Precisar assinar carteira e recolher a FGTS?

E não vai contar com ela só oito horas de trabalho por dia?

Ela tá lá vendo a novela, que não sei o que, o pessoal jantou e tal.

Aí depois da novela ela vem, ela arruma a cozinha. Vai ter que contar essa hora que ela arrumou a cozinha?

Então qual é o primeiro momento? Vou despedir.

Eu já conheço muita gente que despediu.

Porque eu lembro do tempo que eu era pequena, os empregados da minha casa, alguns vieram comigo quando eu casei.

Minha babá me acompanhou. Eu aposentei, ela morreu com 80 anos.

Vim receber o salariozinho dela.

Então ela era uma pessoa da família, a gente dormia na cama abraçada com ela.

Na casa da Tatiana é assim. A babá recebe um salário de R$ 1.400,00 por 12 horas de trabalho.

O custo da empregada doméstica, que trabalha de segunda à sexta, é de R$ 1.000,00.

A Tatiana decidiu não arriscar.

E antes mesmo da emenda ser aprovada, demitiu a empregada doméstica, que acabou se tornando diarista.

A mídia que o Romero Juca tentou implantar, a fala dele na mídia, era que ia ter esse emprego em massa.

O Romero Juca era o relator da PEC das Domésticas no Senado.

Os senadores e deputados começaram a fazer essa mesma fala.

A gente teve alguns problemas no início com as próprias trabalhadoras de dizer

que eu perdi o meu emprego por causa desses direitos que vocês acharam que a gente teria que ter.

Eu fiquei direto em Brasília.

Eu visitei os 513 deputados e isso várias vezes.

Tem deputado que deu visitar 118 vezes.

Ele não querer receber a gente.

Enquanto você não der seu voto para o projeto de lei da categoria das trabalhadoras domésticas,

você vai ver a nossa cara aqui.

Na Câmara, a relatora foi a então deputada Benedita da Silva, que já foi trabalhadora doméstica também.

A proposta teve só dois votos contra. Dois.

Um foi o Vanderlei Sirac, de São Paulo, que depois disse que tinha apertado o botão errado.

O outro, bem, o outro até hoje se vangloria de ter votado contra a PEC das Domésticas.

E ele não só se vangloria disso, como usou na campanha de 2018 várias vezes.

A gente tem no governo do país um presidente que foi abertamente contra a PEC das Domésticas.

Ele era um dos que defendia que essa PEC destruiria as famílias,

que o pai de família não teria mais condições de cuidar dessa dinâmica familiar,

porque não poderia pagar uma trabalhadora doméstica.

Aqui de novo a Danila Kall, que a gente ouviu no começo do episódio.

No debate público, havia o discurso muito forte de que era algo que iria destruir as famílias,

porque os patrões não iam ter mais como contratar trabalhadoras domésticas

e por isso não iam ter mais como desenvolver bem as suas atividades, certo?

A rotina da casa ia ficar prejudicada.

Imagina a trabalhadora doméstica querer hora extra.

Ela trabalha nas casas de família. Não tem hora, gente. Não tem hora pro café, pro jantar.

E isso é revelador do ressentimento que os governos de esquerda no Brasil,

notadamente o governo do Lula e da Dilma, geraram nas classes médias e nas elites

em relação à ascensão das classes mais baixas.

A PEC das domésticas aprovada, sancionada durante o governo da Dilma,

é um dos elementos que alimentou o ressentimento, e essa é uma tese que eu defendo,

em relação ao antipetismo.

Por conta dessa lógica de que teria destruído a cultura familiar

e considerando toda a lógica de cultura da servidão que remonta à escravização no Brasil,

a gente entende de onde vem esse ressentimento.

Como? Como eu não vou ser servida?

A propósito disso, a Danila...

A Danila organizou um livro sobre o trabalho doméstico lançado em 2021

em parceria com a também pesquisadora e professora Rosali de Seixas Brito.

A gente também conversou com a Rosali.

O ministro da economia, Paulo Guedes, enuncia isso de uma forma muito clara

da questão da... agora tem até empregada doméstica indo pra Disney.

Turismo, todo mundo indo pra Disneyland, empregada doméstica pra Disneyland,

uma festa danada.

Mas peraí, peraí, peraí, vai passear ali em Força do Iguaçu, vai passear ali no Nordeste,

tá cheio de praia bonita.

É um discurso elitista, né?

As elites, exatamente por conta dessa marca colonial,

elas cultuaram a ideia de que elas precisam ser servidas,

elas precisam ser servidas, paparicadas.

Essa cultura do ódio que nós estamos vivendo no Brasil hoje,

ela é uma cultura marcada, sobretudo, pelo ressentimento.

Agora, se tem uma coisa que a boa classe média e a boa gente rica no Brasil sabem fazer,

que esses cidadãos de bem sabem fazer,

é descumprir leis.

E é isso que está acontecendo.

É evidente que a PEC trouxe benefícios imensos, imensos, imensos,

e absolutamente urgentes para sanar essa dívida histórica

que existia no Brasil com as trabalhadoras domésticas.

Porém, as famílias vão encontrando os seus jeitinhos

de continuar se valendo do trabalho doméstico,

mas ao largo da regulamentação.

E eu penso que o contexto da pandemia só agravou isso.

A primeira morte por Covid-19 no estado do Rio de Janeiro

foi de uma trabalhadora doméstica, a Cleonice Gonçalves, de 63 anos.

Ela morava em Miguel Pereira, a 120 quilômetros da capital,

e trabalhava numa casa no Alto Leblon, um dos metros quadrados mais caros do Rio.

A patroa tinha acabado de voltar de uma viagem para a Itália,

que eu não sei se você lembra, mas teve um surto de Covid

muito antes da doença chegar ao Brasil.

E aí, quando a Cleonice morreu, foi notícia no mundo todo.

Uma mulher brasileira pegou Covid nas férias.

Agora, a empregada dela está morta.

Em maio de 2020, quando não existia vacina nenhuma,

e mesmo os cientistas não sabiam praticamente nada sobre o novo vírus,

pelo menos quatro estados brasileiros já tinham incluído o trabalho doméstico

na lista dos serviços essenciais, que mesmo com a pandemia, não podiam parar.

A gente no Brasil estava feita, feita.

Porque uma pessoa estava lá com a gente, faz tudo.

Aqui, para passar 25 dólares a hora a mais.

Para dobrar, 25 dólares.

Para poder esticar o braço aqui, mais 10 dólares.

É assim, assim. Então, você que tem alguém no Brasil,

ajoelha e agradeça a Jesus, porque aqui nos Estados Unidos é diferente.

É desse jeito que funciona.

Quando eu cheguei, eu fiquei louca, louca.

Não, não faz isso!

Infelizmente, o trabalho doméstico é um dos focos desse,

de respeito aos direitos trabalhistas,

porque ele acontece num ambiente que favorece muito isso.

É uma forma de trabalho mais difícil de se fiscalizar,

porque se dá no interior das casas.

Tanto que quando a gente ouve falar, por exemplo,

de trabalho análogo ao trabalho escravo no Brasil,

o que se vê é justamente isso, a dificuldade que os fiscais

do Ministério do Trabalho têm de chegar a esses casos.

Justamente porque eles estão ao abrigo do olhar,

digamos assim, das instituições fiscalizadoras e tal.

Uma idosa foi resgatada em situação análoga à escravidão

em um bairro nobre de São Paulo.

Ela trabalhava para a família há 20 anos e, à 9, não recebia salário.

Quando foi encontrada, estava sem ter acesso sequer ao banheiro.

A dona Laudelina estaria muito brava com tudo isso.

Aqui de novo a Elisabeth Pinto, a biógrafa da Laudelina de Campos Mello.

Estaria brava com o presidente da República.

Elas tiveram dezenas de encontros.

E eu perguntei para a Elisabeth como ela acha que a dona Laudelina

estaria vendo o Brasil de hoje.

Estaria indignada com a população brasileira, pobre, empregada,

mas que votou no presidente da República.

Estaria lutando e se organizando para discutir essa questão

das empregadas domésticas, principalmente na pandemia,

de ter empregadas domésticas que foram mantidas em cárcere privado.

Também estaria brigando muito e estaria expondo,

porque a dona Laudelina expunha os nomes dos maus patrões.

Hoje você tem pessoas que, para abordar a lei, registra,

mas a pessoa tem que trabalhar em duas casas.

Por exemplo, eu sou seu aparente, contratamos uma empregada,

eu a registro, ela trabalha dois dias por semana na minha casa,

três na sua, por exemplo.

Só que ela tem que dar conta da minha casa e da sua casa.

Então isso é uma exploração.

Você tem uma empregada doméstica, você acha que ela é sua mucama.

Você faz a sua empregada comprar o seu cigarro,

você grita para ela trazer a água.

Se você tem filho e as crianças estão brigando,

você grita para ela ir lá acudir essas crianças.

E no final da tarde, depois de ela ter ido duas vezes ao mercado para você,

que era sua obrigação e você não foi,

de ir comprar cigarro, ir na quitanda, atender a porta e levar água para você,

aí não deu conta dela fazer todos os trabalhos.

Daí você exige dela o quê?

Você é mole mesmo, você não deu conta do trabalho.

Então, a dona Maudelina sempre trabalhou para isso.

Empregada doméstica não é mordomo, empregada doméstica não é governanta.

Ela queria que as empregadas domésticas tivessem orgulho do seu trabalho

e que pudesse reivindicar o respeito.

Por quê? É um trabalho como outro qualquer.

Ela lutou para que o emprego doméstico fosse valorizado

e que as empregadas pudessem fazer aquilo que elas querem, quisessem.

Uma aluna minha dizia uma vez que tinha muito orgulho de mim

e não entendia por quê.

Depois que ela olhava para mim, falei, será que essa menina não gosta de mim?

Não. Um dia ela falou, professora, eu tenho muito orgulho

porque você fala da sua história, fala da história da sua mãe com muito orgulho.

E a minha mãe foi tiada uma empregada doméstica.

E eu tenho muito orgulho disso.

O projeto Querino é apoiado pelo Instituto Ibiraputanga.

O podcast é produzido pela Rádio Novelo.

O nosso site projetoquerino.com.br reúne todas as informações

sobre o projeto e conteúdo adicional.

O site foi desenvolvido pela AIE,

que é uma organização que trabalha com a comunidade

e com os projetos que são projetados pelo Instituto Ibiraputanga.

O nosso site foi desenvolvido pela AIE.

E eu te convido a conferir também todo o material do projeto Querino

que está sendo publicado pela revista Piauí,

nas bancas e no site da revista.

Este episódio teve pesquisa de Gilberto Porcidônio,

Rafael Domingos Oliveira e Asmin Santos

e Angélica Paulo, que também fez a produção.

A edição é do Luca Mendes, a sonorização da Julia Matos

e a finalização da Pipoca Sound.

A checagem é do Gilberto Porcidônio

e a música original do Vitor Rodrigues Dias.

Estratégia de promoção, distribuição e conteúdo digital,

Bia Ribeiro.

A identidade visual é do Draco Imagem.

Os transcritores das entrevistas foram Guilherme Póvoas e Rodolfo Viana.

A locução foi gravada no estúdio da Pipoca Sound

com trabalhos técnicos de João Jabás.

O Frederico Faro também fez captação de áudio

para este episódio.

Consultoria em roteiro de Mariana Jaspe, Paula Escarpin

e Flora Thompson Devoe com revisão de Natália Silva.

Consultoria em história Inaê Lopes dos Santos.

Produção executiva Guilherme Alpendre.

A execução financeira do projeto é do ISPIS,

Instituto Sincronicidade para Interação Social.

Idealização, reportagem, roteiro, apresentação e coordenação,

Tiago Rogero.

Este episódio usou áudios do Museu da Imagem e do Som de Campinas,

da TV Brasil, da TV Globo, da TV IgG, da TV Folha e da CNN Brasil.

Agradecimentos a Petrônio Domingues, Aparecida Oliveira,

Bárbara Alves e ao Museu da Imagem e do Som de Campinas.

Até o próximo!