OCDE vai monitorar país após sinais de retrocesso no combate à corrupção
Entrar na OCDE, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico,
tem sido uma das prioridades do presidente Jair Bolsonaro na esfera internacional.
Mas, nesta semana, eu revelei algumas notícias que chegaram da organização,
também conhecida como "clube dos países ricos", que não foram boas para os planos brasileiros.
Eu sou Mariana Sanches, correspondente da BBC News Brasil em Washington,
e neste vídeo eu conto pra vocês que a OCDE decidiu criar um grupo para
monitorar a situação do combate à corrupção no Brasil, diante do que eles veem como sinais de
retrocesso na área. Segundo a própria OCDE, é a primeira vez em quase 60 anos que um país,
membro ou candidato, como é o caso do Brasil, é submetido a isso.
E, é claro, explico por que isso é uma má notícia para os planos do governo.
Mas primeiro, vamos lembrar o que é a OCDE e qual é o papel dela.
Pois bem, a OCDE é a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico e, como o próprio nome
sugere, ela é um fórum de 37 países em que eles compartilham experiências e recomendações para
melhorar a qualidade das instituições democráticas e facilitar o crescimento de economias de mercado.
O Brasil pediu pra se juntar ao bloco ainda em 2017, durante o governo Temer,
mas foi com Bolsonaro que essa candidatura se tornou uma grande prioridade.
Duas semanas atrás, em um evento para investidores americanos no Council of the Americas,
o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, deixou isso claro quando ele afirmou:
"O Brasil vai integrar em breve a OCDE, o que é algo decisivo para nós,
muito importante, uma maneira de ancorar o Brasil
na atmosfera de democracias liberais e economias orientadas pelo mercado"
Em nome do apoio dos Estados Unidos para a entrada do Brasil no grupo, Bolsonaro fez uma
série de concessões nos últimos dois anos ao então presidente americano, Donald Trump.
Algumas delas foram os aumentos das cotas de importação de trigo e etanol americano,
além da dispensa do status de país em desenvolvimento na Organização
Mundial do Comércio, o que trazia vantagens em negociações comerciais.
A quantidade e a importância dessas concessões geraram críticas de que
talvez o Brasil estivesse entregando mais do que receberia. Mas quando Trump
anunciou o apoio à entrada brasileira na OCDE, em janeiro de 2020, o governo
brasileiro afirmou que recebia a notícia com "satisfação" e que esperava que isso
destravasse o processo de expansão do grupo, que vinha dificultando a admissão do Brasil.
Acontece que agora o governo Bolsonaro, eleito justamente sob a bandeira do combate à corrupção,
vê o ingresso na OCDE ameaçado caso o desempenho brasileiro no assunto não melhore.
A entidade está preocupada com o fim, abre aspas "surpreendente
da Lava Jato", o uso da lei contra abuso de autoridades e as dificuldades
no compartilhamento de informações de órgãos financeiros com investigações.
Esse último item, aliás, envolve o caso do filho do presidente, o senador Flávio Bolsonaro,
que tenta evitar que relatórios de sua movimentação bancária sejam usados no
processo em que ele é acusado de rachadinhas, ou seja, de ficar com parte do salário de
funcionários do seu gabinete quando era deputado estadual no Rio, o que ele nega.
A criação do grupo de monitoramento da corrupção no Brasil representa
uma escalada — com tons de advertência – na posição da OCDE em relação ao país.
Desde 2019, primeiro ano de Bolsonaro no poder, a organização tem divulgado alertas públicos ao
governo e chegou a enviar ao país uma missão de alto nível para conversar com autoridades e tentar
reverter ações de desmonte da capacidade investigativa contra práticas corruptas.
É é importante eu dizer aqui o que o governo respondeu quando questionei sobre esse assunto.
Primeiro, o Itamaraty me disse em nota que:
"A iniciativa de criação do subgrupo para o atual monitoramento do país contou com a
anuência da delegação brasileira, interessada em aprimorar o processo de
apresentação dos elementos de interesse do Grupo [de Trabalho Antissuborno da OCDE]."
E também que não existe
"nenhuma razão de mérito ou demérito na origem da criação do subgrupo. Logo,
é incorreta a interpretação de que o subgrupo foi criado 'diante do que tem
sido visto como um recuo no combate à corrupção'. Tratou-se tão-somente
de decisão processual para estruturar o debate sobre o monitoramento comum a
que se submetem voluntariamente todos os membros do Grupo de Combate ao Suborno".
Ou seja, o governo negou que isso fosse um problema e que a
OCDE estivesse vendo recuos no combate à corrupção no Brasil.
Mas o próprio site da OCDE, na página dedicada
às regras da Convenção Antissuborno da qual o Brasil é signatário, diz:
"Nos casos em que um país implementou de forma inadequada ou continuamente falhou
em implementar de forma adequada a Convenção Antissuborno da OCDE,
outras etapas podem ser consideradas, tais como a criação de um grupo de monitoramento."
Isso quer dizer que a criação do grupo ocorre no caso de uma
falha do país em cumprir com o que é esperado dele no combate à corrupção.
Eu falei com um representante importante da entidade, Drago Kos, presidente do Grupo
de Trabalho Antissuborno da OCDE e membro do Conselho Consultivo Internacional Anticorrupção.
Foi o grupo liderado por Kos que decidiu sobre a criação do grupo de monitoramento
do Brasil. E ele me confirmou tudo isso que estou contando para vocês.
Mas no dia seguinte à publicação da reportagem, o Itamaraty, a Casa Civil,
o Ministério da Justiça e a Controladoria Geral
da União enviaram nota a toda a imprensa questionando o teor da nossa reportagem.
Segundo a nota, abre aspas, "desde 2019, nunca houve por parte da OCDE qualquer manifestação
oficial ao Governo Brasileiro sobre suposto retrocesso do país no combate à Corrupção".
A própria página de comunicados oficiais da OCDE contraria essa afirmação. Só em 2019,
foram duas notas públicas ao Brasil demonstrando preocupações:
Em 21 de outubro daquele ano, foi emitida uma com o seguinte título:
"A capacidade de aplicação da lei no Brasil para investigar e processar o
suborno estrangeiro está seriamente ameaçada, diz Grupo de Trabalho Antissuborno da OCDE".
Antes disso, em julho, outra nota pública alertava o país sobre os riscos da aprovação
da lei contra abuso de autoridade, que segundo a OCDE poderia minar o trabalho de investigadores.
A lei foi aprovada pelo Congresso brasileiro, com o apoio do presidente Bolsonaro,
em agosto daquele ano. De acordo com Bolsonaro, a lei seria necessária para criminalizar condutas de
investigadores porque, abre aspas, "o Ministério Público, em muitas oportunidades, abusa".
Mas os alertas da OCDE não ficaram apenas em comunicados:
a entidade enviou até uma missão ao país, como eu mencionei agora há pouco.
Drago Kos recordou para mim os passos de sua equipe até a decisão de agora.
Ele disse:
"Em 2019, emitimos duas declarações públicas destacando nossas preocupações
e anunciamos o próximo passo, que não aplicamos com muita frequência:
uma missão de alto nível ao Brasil para encontrar os mais altos
funcionários do país para expressar nossas preocupações e discutir questões pendentes"
Drago continuou:
"A missão aconteceu em novembro de 2019 e saímos do país bastante satisfeitos,
apenas para descobrir logo depois que os problemas - com raras exceções - ainda
existiam e que novos problemas que ameaçavam a capacidade do Brasil de
combater o suborno internacional continuavam a existir"
Ele completou dizendo que, por causa disso,
em dezembro do ano passado a entidade decidiu criar um grupo que vai acompanhar o país e
relatar o que encontrar ao Grupo de Trabalho antissuborno da OCDE.
O governo brasileiro também negou que isso fosse inédito: mencionou como equivalente uma decisão
da OCDE de outubro de 2007 em relação ao Japão, na qual a entidade estabelecia "encontros anuais
informais" com autoridades japonesas para checar o progresso do combate à corrupção naquele país.
Eu questionei a OCDE sobre isso, e eles reafirmaram que essa é a primeira
vez que um grupo de monitoramento sobre um país é criado pela OCDE
e que existe uma clara diferença entre o Japão de 2007 e o Brasil de 2020/21.
A situação do Japão poderia ser descrita como "solicitação de informação adicional",
enquanto a medida contra o Brasil é uma das mais severas que a entidade pode aplicar já
que inclui monitoramento contínuo por um grupo de especialistas estrangeiros.
Drago Kos, disse:
"Já emitimos muitas declarações públicas a respeito de outros países e também
organizamos algumas missões de alto nível. Mas nunca antes estabelecemos
um subgrupo para acompanhar o que está acontecendo em um país de interesse
Mas o fato é que agora especialistas de três países membros da OCDE irão
monitorar a situação do combate à corrupção no país de maneira contínua e independente,
e manter consultas frequentes com autoridades brasileiras.
Diante disso, eu perguntei ao presidente do Grupo Antissuborno
da OCDE se as práticas brasileiras de combate à corrupção atuais estariam de
acordo com os parâmetros mínimos para que o país fosse aceito na entidade.
Ele afirmou:
"Se você tivesse me feito essa pergunta há alguns anos, minha resposta teria sido um
"sim" definitivo. Hoje eu simplesmente não sei: enquanto a Operação Lava Jato nos deu informações
tão positivas sobre a capacidade do Brasil de combater a corrupção nacional e internacional,
hoje parece que alguns dos processos iniciados em 2014 estão dando marcha a ré".
Kos frisou que essa é apenas uma opinião pessoal e que o órgão que ele comanda
deverá deliberar sobre o assunto em algum momento, o que não tem data para acontecer.
A revelação feita pela BBC News Brasil da decisão da OCDE levou a Câmara dos
Deputados a pedir informações sobre o assunto para o Ministério da Justiça,
o Itamaraty e o Banco Central. O líder do Cidadania, deputado Alex Manente, autor do pedido,
me disse perceber com preocupação o fato de o combate à corrupção não estar em nenhuma lista
de prioridades do atual governo. Eleitor de Bolsonaro em 2018, o deputado relembrou
que a luta contra a corrupção era uma das maiores promessas de campanha do capitão.
Lamentar o fato de o Brasil ter sido alvo de uma medida inédita da OCDE, de ter um grupo permanente
de acompanhamento ao retrocesso no combate à corrupção.
Nós, infelizmente, estamos num cenário desolador em relação a esse tema, um tema que pautou, inclusive, a eleição
do próprio presidente Jair Bolsonaro, mas que, infelizmente, não tem sido prática da conduta do seu mandato,
Bem, é isso. Eu vou continuar acompanhando esse assunto de perto.
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Tchau.