×

We use cookies to help make LingQ better. By visiting the site, you agree to our cookie policy.


image

Os Lusíadas, de Luís de Camões (Livro completo), Canto Primeiro de Os Lusíadas, de Luís de Camões (1 de 10)

Canto Primeiro de Os Lusíadas, de Luís de Camões (1 de 10)

Luís Vaz de Camões Os Lusíadas Canto Primeiro

1 As armas e os barões assinalados, Que da ocidental praia Lusitana, Por mares nunca de antes navegados, Passaram ainda além da Taprobana, Em perigos e guerras esforçados, Mais do que prometia a força humana, E entre gente remota edificaram Novo Reino, que tanto sublimaram;

2 E também as memórias gloriosas Daqueles Reis, que foram dilatando A Fé, o Império, e as terras viciosas De África e de Ásia andaram devastando; E aqueles, que por obras valerosas Se vão da lei da morte libertando; Cantando espalharei por toda parte, Se a tanto me ajudar o engenho e arte.

3 Cessem do sábio Grego e do Troiano As navegações grandes que fizeram; Cale-se de Alexandro e de Trajano A fama das vitórias que tiveram; Que eu canto o peito ilustre Lusitano, A quem Neptuno e Marte obedeceram: Cesse tudo o que a Musa antígua canta, Que outro valor mais alto se alevanta.

4 E vós, Tágides minhas, pois criado Tendes em mim um novo engenho ardente, Se sempre em verso humilde celebrado Foi de mim vosso rio alegremente, Dai-me agora um som alto e sublimado, Um estilo grandíloquo e corrente, Porque de vossas águas, Febo ordene Que não tenham inveja às de Hipoerene.

5 Dai-me uma fúria grande e sonorosa, E não de agreste avena ou frauta ruda, Mas de tuba canora e belicosa, Que o peito acende e a cor ao gesto muda; Dai-me igual canto aos feitos da famosa Gente vossa, que a Marte tanto ajuda; Que se espalhe e se cante no universo, Se tão sublime preço cabe em verso.

6 E vós, ó bem nascida segurança Da Lusitana antígua liberdade, E não menos certíssima esperança De aumento da pequena Cristandade; Vós, ó novo temor da Maura lança, Maravilha fatal da nossa idade, Dada ao mundo por Deus, que todo o mande, Para do mundo a Deus dar parte grande;

7 Vós, tenro e novo ramo florescente De uma árvore de Cristo mais amada Que nenhuma nascida no Ocidente, Cesárea ou Cristianíssima chamada; (Vede-o no vosso escudo, que presente Vos amostra a vitória já passada, Na qual vos deu por armas, e deixou As que Ele para si na Cruz tomou)

8 Vós, poderoso Rei, cujo alto Império O Sol, logo em nascendo, vê primeiro; Vê-o também no meio do Hemisfério, E quando desce o deixa derradeiro; Vós, que esperamos jugo e vitupério Do torpe Ismaelita cavaleiro, Do Turco oriental, e do Gentio, Que inda bebe o licor do santo rio;

9 Inclinai por um pouco a majestade, Que nesse tenro gesto vos contemplo, Que já se mostra qual na inteira idade, Quando subindo ireis ao eterno templo; Os olhos da real benignidade Ponde no chão: vereis um novo exemplo De amor dos pátrios feitos valerosos, Em versos divulgado numerosos.

10 Vereis amor da pátria, não movido De prémio vil, mas alto e quase eterno: Que não é prémio vil ser conhecido Por um pregão do ninho meu paterno. Ouvi: vereis o nome engrandecido Daqueles de quem sois senhor superno, E julgareis qual é mais excelente, Se ser do mundo Rei, se de til gente.

11 Ouvi, que não vereis com vãs façanhas, Fantásticas, fingidas, mentirosas, Louvar os vossos, como nas estranhas Musas, de engrandecer-se desejosas: As verdadeiras vossas são tamanhas, Que excedem as sonhadas, fabulosas; Que excedem Rodamonte, e o vão Rugeiro, E Orlando, inda que fora verdadeiro,

12 Por estes vos darei um Nuno fero, Que fez ao Rei o ao Reino tal serviço, Um Egas, e um D. Fuas, que de Homero A cítara para eles só cobiço. Pois pelos doze Pares dar-vos quero Os doze de Inglaterra, e o seu Magriço; Dou-vos também aquele ilustre Gama, Que para si de Eneias toma a fama.

13 Pois se a troco de Carlos, Rei de França, Ou de César, quereis igual memória, Vede o primeiro Afonso, cuja lança Escura faz qualquer estranha glória; E aquele que a seu Reino a segurança Deixou com a grande e próspera vitória; Outro Joane, invicto cavaleiro, O quarto e quinto Afonsos, e o terceiro.

14 Nem deixarão meus versos esquecidos Aqueles que nos Reinos lá da Aurora Fizeram, só por armas tão subidos, Vossa bandeira sempre vencedora: Um Pacheco fortíssimo, e os temidos Almeidas, por quem sempre o Tejo chora; Albuquerque terríbil, Castro forte, E outros em quem poder não teve a morte.

15 E enquanto eu estes canto, e a vós não posso, Sublime Rei, que não me atrevo a tanto, Tomai as rédeas vós do Reino vosso: Dareis matéria a nunca ouvido canto. Comecem a sentir o peso grosso (Que pelo mundo todo faça espanto) De exércitos e feitos singulares, De África as terras, e do Oriente os marços,

16 Em vós os olhos tem o Mouro frio, Em quem vê seu exício afigurado; Só com vos ver o bárbaro Gentio Mostra o pescoço ao jugo já inclinado; Tethys todo o cerúleo senhorio Tem para vós por dote aparelhado; Que afeiçoada ao gesto belo e tenro, Deseja de comprar-vos para genro.

17 Em vós se vêm da olímpica morada Dos dois avós as almas cá famosas, Uma na paz angélica dourada, Outra pelas batalhas sanguinosas; Em vós esperam ver-se renovada Sua memória e obras valerosas; E lá vos tem lugar, no fim da idade, No templo da suprema Eternidade.

18 Mas enquanto este tempo passa lento De regerdes os povos, que o desejam, Dai vós favor ao novo atrevimento, Para que estes meus versos vossos sejam; E vereis ir cortando o salso argento Os vossos Argonautas, por que vejam Que são vistos de vós no mar irado, E costumai-vos já a ser invocado.

19 Já no largo Oceano navegavam, As inquietas ondas apartando; Os ventos brandamente respiravam, Das naus as velas côncavas inchando; Da branca escuma os mares se mostravam Cobertos, onde as proas vão cortando As marítimas águas consagradas, Que do gado de Próteo são cortadas

20 Quando os Deuses no Olimpo luminoso, Onde o governo está da humana gente, Se ajuntam em concílio glorioso Sobre as cousas futuras do Oriente. Pisando o cristalino Céu formoso, Vêm pela Via-Láctea juntamente, Convocados da parte do Tonante, Pelo neto gentil do velho Atlante.

21 Deixam dos sete Céus o regimento, Que do poder mais alto lhe foi dado, Alto poder, que só co'o pensamento Governa o Céu, a Terra, e o Mar irado. Ali se acharam juntos num momento Os que habitam o Arcturo congelado, E os que o Austro tem, e as partes onde A Aurora nasce, e o claro Sol se esconde.

22 Estava o Padre ali sublime e dino, Que vibra os feros raios de Vulcano, Num assento de estrelas cristalino, Com gesto alto, severo e soberano. Do rosto respirava um ar divino, Que divino tornara um corpo humano; Com uma coroa e ceptro rutilante, De outra pedra mais clara que diamante.

23 Em luzentes assentos, marchetados De ouro e de perlas, mais abaixo estavam Os outros Deuses todos assentados, Como a razão e a ordem concertavam: Precedem os antíguos mais honrados; Mais abaixo os menores se assentavam; Quando Júpiter alto, assim dizendo, C'um tom de voz começa, grave e horrendo:

24 "Eternos moradores do luzente Estelífero pólo, e claro assento, Se do grande valor da forte gente De Luso não perdeis o pensamento, Deveis de ter sabido claramente, Como é dos fados grandes certo intento, Que por ela se esqueçam os humanos De Assírios, Persas, Gregos e Romanos. 25 "Já lhe foi (bem o vistes) concedido C'um poder tão singelo e tão pequeno, Tomar ao Mouro forte e guarnecido Toda a terra, que rega o Tejo ameno: Pois contra o Castelhano tão temido, Sempre alcançou favor do Céu sereno. Assim que sempre, enfim, com fama e glória, Teve os troféus pendentes da vitória.

26 "Deixo, Deuses, atrás a fama antiga, Que coa gente de Rómulo alcançaram, Quando com Viriato, na inimiga Guerra romana tanto se afamaram; Também deixo a memória, que os obriga A grande nome, quando alevantaram Um por seu capitão, que peregrino Fingiu na cerva espírito divino. 27 "Agora vedes bem que, cometendo O duvidoso mar num lenho leve, Por vias nunca usadas, não temendo De Áf rico e Noto a força, a mais se atreve: Que havendo tanto já que as partes vendo Onde o dia é comprido e onde breve, Inclinam seu propósito e porfia A ver os berços onde nasce o dia. 28 "Prometido lhe está do Fado eterno, Cuja alta Lei não pode ser quebrada, Que tenham longos tempos o governo Do mar, que vê do Sol a roxa entrada. Nas águas têm passado o duro inverno; A gente vem perdida e trabalhada; Já parece bem feito que lhe seja Mostrada a nova terra, que deseja.

29 "E porque, como vistes, têm passados Na viagem tão ásperos perigos, Tantos climas e céus experimentados, Tanto furor de ventos inimigos, Que sejam, determino, agasalhados Nesta costa africana, como amigos. E tendo guarnecida a lassa frota, Tornarão a seguir sua longa rota.

30 Estas palavras Júpiter dizia, Quando os Deuses por ordem respondendo, Na sentença um do outro diferia, Razões diversas dando e recebendo. O padre Baco ali não consentia No que Júpiter disse, conhecendo Que esquecerão seus feitos no Oriente, Se lá passar a Lusitana gente.

31 Ouvido tinha aos Fados que viria Uma gente fortíssima de Espanha Pelo mar alto, a qual sujeitaria Da índia tudo quanto Dóris banha, E com novas vitórias venceria A fama antiga, ou sua, ou fosse estranha. Altamente lhe dói perder a glória, De que Nisa celebra inda a memória.

32 Vê que já teve o Indo sojugado, E nunca lhe tirou Fortuna, ou caso, Por vencedor da Índia ser cantado De quantos bebem a água de Parnaso. Teme agora que seja sepultado Seu tão célebre nome em negro vaso D'água do esquecimento, se lá chegam Os fortes Portugueses, que navegam.

33 Sustentava contra ele Vénus bela, Afeiçoada à gente Lusitana, Por quantas qualidades via nela Da antiga tão amada sua Romana; Nos fortes corações, na grande estrela, Que mostraram na terra Tingitana, E na língua, na qual quando imagina, Com pouca corrupção crê que é a Latina.

34 Estas causas moviam Citereia, E mais, porque das Parcas claro entende Que há de ser celebrada a clara Deia, Onde a gente belígera se estende. Assim que, um pela infâmia, que arreceia, E o outro pelas honras, que pretende, Debatem, e na porfia permanecem; A qualquer seus amigos favorecem.

35 Qual Austro fero, ou Bóreas na espessura De silvestre arvoredo abastecida, Rompendo os ramos vão da mata escura, Com ímpeto e braveza desmedida; Brama toda a montanha, o som murmura, Rompem-se as folhas, ferve a serra erguida: Tal andava o tumulto levantado, Entre os Deuses, no Olimpo consagrado.

36 Mas Marte, que da Deusa sustentava Entre todos as partes em porfia, Ou porque o amor antigo o obrigava, Ou porque a gente forte o merecia, De entre os Deuses em pé se levantava: Merencório no gesto parecia; O forte escudo ao colo pendurado Deitando para trás, medonho e irado,

37 A viseira do elmo de diamante Alevantando um pouco, mui seguro, Por dar seu parecer, se pôs diante De Júpiter, armado, forte e duro: E dando uma pancada penetrante, Com o conto do bastão no sólio puro, O Céu tremeu, e Apolo, de torvado, Um pouco a luz perdeu, como enfiado.

38 E disse assim: "Ó Padre, a cujo império Tudo aquilo obedece, que criaste, Se esta gente, que busca outro hemisfério, Cuja valia, e obras tanto amaste, Não queres que padeçam vitupério, Como há já tanto tempo que ordenaste, Não onças mais, pois és juiz direito, Razões de quem parece que é suspeito. 39 "Que, se aqui a razão se não mostrasse Vencida do temor demasiado, Bem fora que aqui Baco os sustentasse, Pois que de Luso vem, seu tão privado; Mas esta tenção sua agora passe, Porque enfim vem de estâmago danado; Que nunca tirará alheia inveja O bem, que outrem merece, e o Céu deseja. 40 "E tu, Padre de grande fortaleza, Da determinação, que tens tomada, Não tornes por detrás, pois é fraqueza Desistir-se da cousa começada. Mercúrio, pois excede em ligeireza Ao vento leve, e à seta bem talhada, Lhe vá mostrar a terra, onde se informe Da índia, e onde a gente se reforme. " 41 Como isto disse, o Padre poderoso, A cabeça inclinando, consentiu No que disse Mavorte valeroso, E néctar sobre todos esparziu. Pelo caminho Lácteo glorioso Logo cada um dos Deuses se partiu, Fazendo seus reais acatamentos, Para os determinados aposentos.

42 Enquanto isto se passa na formosa Casa etérea do Olimpo onipotente, Cortava o mar a gente belicosa, Já lá da banda do Austro e do Oriente, Entre a costa Etiópica e a famosa Ilha de São Lourenço; e o Sol ardente Queimava então os Deuses, que Tifeu Com o temor grande em peixes converteu.

43 Tão brandamente os ventos os levavam, Como quem o céu tinha por amigo: Sereno o ar, e os tempos se mostravam Sem nuvens, sem receio de perigo. O promontório Prasso já passavam, Na costa de Etiópia, nome antigo, Quando o mar descobrindo lhe mostrava Novas ilhas, que em torno cerca e lava.

44 Vasco da Gama, o forte capitão, Que a tamanhas empresas se oferece, De soberbo e de altivo coração, A quem Fortuna sempre favorece, Para se aqui deter não vê razão, Que inabitada a terra lhe parece: Por diante passar determinava; Mas não lhe sucedeu como cuidava.

45 Eis aparecem logo em companhia Uns pequenos batéis, que vêm daquela Que mais chegada à terra parecia, Cortando o longo mar com larga vela. A gente se alvoroça, e de alegria Não sabe mais que olhar a causa dela. Que gente será esta, em si diziam, Que costumes, que Lei, que Rei teriam?

46 As embarcações eram, na maneira, Mui veloces, estreitas e compridas: As velas, com que, vêm, eram de esteira Dumas folhas de palma, bem tecidas; A gente da cor era verdadeira, Que Faeton, nas terras acendidas, Ao mundo deu, de ousado, o não prudente: O Pado o sabe, o Lampetusa o sente.

47 De panos de algodão vinham vestidos, De várias cores, brancos e listrados: Uns trazem derredor de si cingidos, Outros em modo airoso sobraçados: Da cinta para cima vêm despidos; Por armas têm adargas o terçados; Com toucas na cabeça; e navegando, Anafis sonoros vão tocando.

48 Co'os panos e co'os braços acenavam As gentes Lusitanas, que esperassem; Mas já as proas ligeiras se inclinavam Para que junto às ilhas amainassem. A gente e marinheiros trabalhavam, Como se aqui os trabalhos se acabassem; Tomam velas; amaina-se a verga alta; Da âncora, o mar ferido, em cima salta.

49 Não eram ancorados, quando a gente Estranha pelas cordas já subia. No gesto ledos vêm, e humanamente O Capitão sublime os recebia: As mesas manda pôr em continente; Do licor que Lieo prantado havia Enchem vasos de vidro, e do que deitam, Os de Faeton queimados nada enjeitam.

50 Comendo alegremente perguntavam, Pela Arábica língua, donde vinham, Quem eram, de que terra, que buscavam, Ou que partes do mar corrido tinham? Os fortes Lusitanos lhe tornavam As discretas respostas, que convinham: "Os Portugueses somos do Ocidente, Imos buscando as terras do Oriente. 51 "Do mar temos corrido e navegado Toda a parte do Antártico e Calisto, Toda a costa Africana rodeado, Diversos céus e terras temos visto; Dum Rei potente somos, tão amado, Tão querido de todos, e benquisto, Que não no largo mar, com leda fronte, Mas no lago entraremos de Aqueronte. 52 "E por mandado seu, buscando andamos A terra Oriental que o Indo rega; Por ele, o mar remoto navegamos, Que só dos feios focas se navega. Mas já razão parece que saibamos, Se entre vós a verdade não se nega, Quem sois, que terra é esta que habitais, Ou se tendes da Índia alguns sinais? " 53 "Somos, um dos das ilhas lhe tornou, Estrangeiros na terra, Lei e nação; Que os próprios são aqueles, que criou A natura sem Lei e sem razão. Nós temos a Lei certa, que ensinou O claro descendente de Abraão Que agora tem do mundo o senhorio, A mãe Hebréia teve, e o pai Gentio. Informações. A Ilha de Moçambique.

54 "Esta ilha pequena, que habitamos, em toda esta terra certa escala De todos os que as ondas navegamos De Quíloa, de Mombaça e de Sofala; E, por ser necessária, procuramos, Como próprios da terra, de habitá-la; E por que tudo enfim vos notifique, Chama-se a pequena ilha Moçambique. 55 "E já que de tão longe navegais, Buscando o Indo Idaspe e terra ardente, Piloto aqui tereis, por quem sejais Guiados pelas ondas sabiamente. Também será bem feito que tenhais Da terra algum refresco, e que o Regente Que esta terra governa, que vos veja, E do mais necessário vos proveja. " 56 Isto dizendo, o Mouro se tornou A seus batéis com toda a companhia; Do Capitão e gente se apartou Com mostras de devida cortesia. Nisto Febo nas águas encerrou, Co'o carro de cristal, o claro dia, Dando cargo à irmã, que alumiasse O largo mundo, enquanto repousasse.

57 A noite se passou na lassa frota Com estranha alegria, e não cuidada, Por acharem da terra tão remota Nova de tanto tempo desejada. Qualquer então consigo cuida e nota Na gente e na maneira desusada, E como os que na errada Seita creram, Tanto por todo o mundo se estenderam,

58 Da Lua os claros raios rutilavam Pelas argênteas ondas Neptuninas, As estrelas os Céus acompanhavam, Qual campo revestido de boninas; Os furiosos ventos repousavam Pelas covas escuras peregrinas; Porém da armada a gente vigiava, Como por longo tempo costumava.

59 Mas assim como a Aurora marchetada Os formosos cabelos espalhou No Céu sereno, abrindo a roxa entrada Ao claro Hiperiónio, que acordou, Começa a embandeirar-se toda a armada, E de toldos alegres se adornou, Por receber com festas e alegria O Regedor das ilhas, que partia.

60 Partia alegremente navegando, A ver as naus ligeiras Lusitanas, Com refresco da terra, em si cuidando Que são aquelas gentes inumanas, Que, os aposentos cáspios habitando, A conquistar as terras Asianas Vieram; e por ordem do Destino, O Império tomaram a Constantino.

61 Recebe o Capitão alegremente O Mouro, e toda a sua companhia; Dá-lhe de ricas peças um presente, Que só para este efeito já trazia; Dá-lhe conserva doce, e dá-lhe o ardente Não usado licor, que dá alegria. Tudo o Mouro contente bem recebe; E muito mais contente come e bebe.

62 Está a gente marítima de Luso Subida pela enxárcia, de admirada, Notando o estrangeiro modo e uso, E a linguagem tão bárbara e enleada. Também o Mouro astuto está confuso, Olhando a cor, o trajo, e a forte armada; E perguntando tudo, lhe dizia "Se por ventura vinham de Turquia? " 63 E mais lhe diz também, que ver deseja Os livros de sua Lei, preceito eu fé, Para ver se conforme à sua seja, Ou se são dos de Cristo, como Crê. E porque tudo note e tudo veja, Ao Capitão pedia que lhe dê Mostra das fortes armas de que usavam, Quando co'os inimigos pelejavam.

64 Responde o valeroso Capitão Por um, que a língua escura bem sabia: "Dar-te-ei, Senhor ilustre, relação De mim, da Lei, das armas que trazia. Nem sou da terra, nem da geração Das gentes enojosas de Turquia: Mas sou da forte Europa belicosa, Busco as terras da índia tão famosa.

65 A lei tenho daquele, a cujo império Obedece o visíbil e ínvisíbil Aquele que criou todo o Hemisfério, Tudo o que sente, o todo o insensíbil; Que padeceu desonra e vitupério, Sofrendo morte injusta e insofríbil, E que do Céu à Terra, enfim desceu, Por subir os mortais da Terra ao Céu.

66 Deste Deus-Homem, alto e infinito, Os livros, que tu pedes não trazia, Que bem posso escusar trazer escrito Em papel o que na alma andar devia. Se as armas queres ver, como tens dito, Cumprido esse desejo te seria; Como amigo as verás; porque eu me obrigo, Que nunca as queiras ver como inimigo. " 67 Isto dizendo, manda os diligentes Ministros amostrar as armaduras: Vêm arneses, e peitos reluzentes, Malhas finas, e lâminas seguras, Escudos de pinturas diferentes, Pelouros, espingardas de aço puras, Arcos, e sagitíferas aljavas, Partazanas agudas, chuças bravas:

68 As bombas vêm de fogo, e juntamente As panelas sulfúreas, tão danosas; Porém aos de Vulcano não consente Que dêem fogo às bombardas temerosas; Porque o generoso ânimo e valente, Entre gentes tão poucas e medrosas, Não mostra quanto pode, e com razão, Que é fraqueza entre ovelhas ser leão.

69 Porém disto, que o Mouro aqui notou, E de tudo o que viu com olho atento Um ódio certo na alma lhe ficou, Uma vontade má de pensamento. Nas mostras e no gesto o não mostrou; Mas com risonho e ledo fingimento Tratá-los brandamente determina, Até que mostrar possa o que imagina.

70 Pilotos lhe pedia o Capitão, Por quem pudesse à Índia ser levado; Diz-lhe que o largo prémio levarão Do trabalho que nisso for tomado. Promete-lhos o Mouro, com tenção De peito venenoso, e tão danado, Que a morte, se pudesse, neste dia, Em lugar de pilotos lhe daria.

71 Tamanho o ódio foi, e a má vontade, Que aos estrangeiros súbito tomou, Sabendo ser sequazes da verdade, Que o Filho de David nos ensinou. ó segredos daquela Eternidade, A quem juízo algum nunca alcançou! Que nunca falte um pérfido inimigo Aqueles de quem foste tanto amigo!

72 Partiu-se Disto enfim coa companhia, Das naus o falso Mouro despedido, Com enganosa e grande cortesia, Com gesto ledo a todos, e fingido. Cortaram os batéis a curta via Das águas de Neptuno, e recebido Na terra do obsequente ajuntamento Se foi o Mouro ao cógnito aposento.

73 Do claro assento etóreo o grão Tebano, Que da paternal coxa foi nascido, Olhando o ajuntamento Lusitano Ao Mouro ser molesto e avorrecido, No pensamento cuida um falso engano, Com que seja de todo destruído. E enquanto isto só na alma imaginava, Consigo estas palavras praticava:

74 "Está do fado já determinado, Que tamanhas vitórias, tão famosas, Hajam os Portugueses alcançado Das Indianas gentes belicosas. E eu só, filho do Padre sublimado, Com tantas qualidades generosas, Hei de sofrer que o fado favoreça Outrem, por quem meu nome se escureça?

75 "Já quiseram os Deuses que tivesse O filho de Filipo nesta parte Tanto poder, que tudo submetesse Debaixo de seu jugo o fero Marte. Mas há-se de sofrer que o fado desse A tão poucos tamanho esforço e arte, Que eu co'o grão Macedónio, e o Romano, Demos lugar ao nome Lusitano?

76 "Não será assim, porque antes que chegado Seja este Capitão, astutamente Lhe será tanto engano fabricados Que nunca veja as partes do Oriente. Eu descerei à Terra, e o indignado Peito revolverei da Maura gente; Porque sempre por via irá direita Quem do oportuno tempo se aproveita. " 77 Isto dizendo, irado e quase insano, Sobre a terra africana descendeu, Onde vestindo a forma e gesto humano, Para o Prasso sabido se moveu. E por melhor tecer o astuto engano, No gesto natural se converteu Dum Mouro, em Moçambique conhecido Velho, sábio, e co'o Xeque mui valido.

78 E entrando assim a falar-lhe a tempo e horas A sua falsidade acomodadas, Lhe diz como eram gentes roubadoras, Estas que ora de novo são chegadas; Que das nações na costa moradoras Correndo a fama veio que roubadas Foram por estes homens que passavam, Que com pactos de paz sempre ancoravam.

79 E sabe mais, lhe diz, como entendido Tenho destes cristãos sanguinolentos, Que quase todo o mar têm destruído Com roubos, com incêndios violentos; E trazem já de longe engano urdido Contra nós; e que todos seus intentos São para nos matarem e roubarem, E mulheres e filhos cativarem.

80 "E também sei que tem determinado De vir por água a terra muito cedo O Capitão dos seus acompanhado, Que da tensão danada nasce o medo. Tu deves de ir também co'os teus armado Esperá-lo em cilada, oculto e quedo; Porque, saindo a gente descuidada, Cairão facilmente na cilada.

81 "E se inda não ficarem deste jeito Destruídos, ou mortos totalmente Eu tenho imaginado no conceito Outra manha e ardil, que te contente: Manda-lhe dar piloto, que de jeito Seja astuto no engano, e tão prudente, Que os leve aonde sejam destruídos, Desbaratados, mortos, ou perdidos. " 82 Tanto que estas palavras acabou, O Mouro, nos tais casos sábio e velho, Os braços pelo colo lhe lançou, Agradecendo muito o tal conselho; E logo nesse instante concertou Para a guerra o belígero aparelho, Para que ao Português se lhe tornasse Em roxo sangue a água, que buscasse.

83 E busca mais, para o cuidado engano, Mouro, que por piloto à nau lhe mande, Sagaz, astuto, e sábio em todo o dano, De quem fiar-se possa um feito grande. Diz-lhe que acompanhando o Lusitano, Por tais costas e mares com ele ande, Que, se daqui escapar, que lá diante Vá cair onde nunca se alevante.

84 Já o raio Apolíneo visitava Os montes Nabatêos acendido, Quando o Gama, colos seus determinava De vir por água a terra apercebido. A gente nos batéis se concertava, Como se fosse o engano já sabido: Mas pode suspeitar-se facilmente, Que o coração pressago nunca mente.

85 E mais também mandado tinha a terra, De antes, pelo piloto necessário, E foi-lhe respondido em som de guerra, Caso do que cuidava mui contrário; Por isto, e porque sabe quanto erra Quem se crê de seu pérfido adversário, Apercebido vai como podia, Em três batéis somente que trazia.

86 Mas os Mouros que andavam pela praia, Por lhe defender a água desejada, Um de escudo embraçado e de azagaia, Outro de arco encurvado e seta ervada, Esperam que a guerreira gente saia, Outros muitos já postos em cilada. E, porque o caso leve se lhe faça, Põem uns poucos diante por negaça,

87 Andam pela ribeira alva, arenosa, Os belicosos Mouros acenando Com a adarga e co'a hástia perigosa, Os fortes Portugueses incitando. Não sofre muito a gente generosa Andar-lhe os cães os dentes amostrando. Qualquer em terra salta tão ligeiro, Que nenhum dizer pode que é primeiro.

88 Qual no corro sanguino o ledo amante, Vendo a formosa dama desejada, O touro busca, e pondo-se diante, Salta, corre, sibila, acena, e brada, Mas o animal atroce, nesse instante, Com a fronte cornígera inclinada, Bramando duro corre, e os olhos cerra, Derriba, fere e mata, e põe por terra:

89 Eis nos batéis o fogo se levanta Na furiosa e dura artilharia, A plúmbea péla mata, o brado espanta, Ferido o ar retumba e assovia: O coração dos Mouros se quebranta, O temor grande o sangue lhe resfria. Já foge o escondido de medroso, E morre o descoberto aventuroso.

90 Não se contenta a gente Portuguesa, Mas seguindo a vitória estrui e mata; A povoação, sem muro e sem defesa, Esbombardeia, acende e desbarata. Da cavalgada ao Mouro já lhe pesa, Que bem cuidou comprá-la mais barata; Já blasfema da guerra, e maldizia, O velho inerte, e a mãe que o filho cria.

91 Fugindo, a seta o Mouro vai tirando Sem força, de covarde e de apressado, A pedra, o pau, e o canto arremessando; Dá-lhe armas o furor desatinado. Já a ilha e todo o mais desemparando, A terra firme foge amedrontado; Passa e corta do mar o estreito braço, Que a ilha em torno cerca, em pouco espaço

92 Uns vão nas almadias carregadas, Um corta o mar a nado diligente, Quem se afoga nas ondas encurvadas, Quem bebe o mar, e o deita juntamente. Arrombam as miúdas bombardadas Os pangaios subtis da bruta gente: Desta arte o Português enfim castiga A vil malícia, pérfida, inimiga.

93 Tornam vitoriosos para a armada, Co'o despojo da guerra e rica presa, E vão a seu prazer fazer aguada, Sem achar resistência, nem defesa. Ficava a Maura gente magoada, No ódio antigo mais que nunca acesa; E vendo sem vingança tanto dano, Somente estriba no segundo engano.

94 Pazes cometer manda arrependido O Regedor daquela iníqua terra, Sem ser dos Lusitanos entendido, Que em figura de paz lhe manda guerra; Porque o piloto falso prometido, Que toda a má tenção no peito encerra, Para os guiar à morte lhe mandava, Como em sinal das pazes que tratava.

95 O Capitão, que já lhe então convinha Tornar a seu caminho acostumado, Que tempo concertado e ventos tinha Para ir buscar o Indo desejado, Recebendo o piloto, que lhe vinha, Foi dele alegremente agasalhado; E respondendo ao mensageiro a tento, As velas manda dar ao largo vento.

96 Desta arte despedida a forte armada, As ondas de Anfitrite dividia, Das filhas de Nereu acompanhada, Fiel, alegre e doce companhia. O Capitão, que não caía em nada Do enganoso ardil, que o Mouro urdia, Dele mui largamente se informava Da Índia toda, e costas que passava.

97 Mas o Mouro, instruído nos enganos Que o malévolo Baco lhe ensinara, De morte ou cativeiro novos danos, Antes que à Índia chegue, lhe prepara: Dando razões dos portos Indianos, Também tudo o que pede lhe declara, Que, havendo por verdade o que dizia, De nada a forte gente se temia.

98 E diz-lhe mais, com o falso pensamento Com que Sinon os Frígios enganou: Que perto está uma ilha, cujo assento Povo antigo cristão sempre habitou. O Capitão, que a tudo estava a tento, Tanto com estas novas se alegrou, Que com dádivas grandes lhe rogava, Que o leve à terra onde esta gente estava.

99 O mesmo o falso Mouro determina, Que o seguro Cristão lhe manda e pede; Que a ilha é possuída da malina Gente que segue o torpe Mahamede. Aqui o engano e morte lhe imagina, Porque em poder e forças muito excede A Moçambique esta ilha, que se chama Quíloa, mui conhecida pela fama.

100 Para lá se inclinava a leda frota; Mas a Deusa em Citere celebrada, Vendo como deixava a certa rota Por ir buscar a morte não cuidada, Não consente que em terra tão remota Se perca a gente dela tanto amada. E com ventos contrários a desvia Donde o piloto falso a leva e guia.

101 Mas o malvado Mouro, não podendo Tal determinação levar avante, Outra maldade iníqua cometendo, Ainda em seu propósito constante, Lhe diz que, pois as águas discorrendo Os levaram por força por diante, Que outra ilha tem perto, cuja gente Eram Cristãos com Mouros juntamente.

102 Também nestas palavras lhe mentia, Como por regimento enfim levava, Que aqui gente de Cristo não havia, Mas a que a Mahamede celebrava. O Capitão, que em tudo o Mouro cria, Virando as velas, a ilha demandava; Mas, não querendo a Deusa guardadora, Não entra pela barra, e surge fora.

103 Estava a ilha à terra tão chegada, Que um estreito pequeno a dividia; Uma cidade nela situada, Que na fronte do mar aparecia, De nobres edifícios fabricada, Como por fora ao longe descobria, Regida por um Rei de antiga idade: Mombaça é o nome da ilha e da cidade.

104 E sendo a ela o Capitão chegado, Estranhamente ledo, porque espera De poder ver o povo batizado, Como o falso piloto lhe dissera, Eis vêm batéis da terra com recado Do Rei, que já sabia a gente que era: Que Baco muito de antes o avisara, Na forma doutro Mouro, que tomara.

105 O recado que trazem é de amigos, Mas debaixo o veneno vem coberto; Que os pensamentos eram de inimigos, Segundo foi o engano descoberto. Ó grandes e gravíssimos perigos! Ó caminho de vida nunca certo: Que aonde a gente põe sua esperança, Tenha a vida tão pouca segurança!

106 No mar tanta tormenta, e tanto dano, Tantas vezes a morte apercebida! Na terra tanta guerra, tanto engano, Tanta necessidade avorrecida! Onde pode acolher-se um fraco humano, Onde terá segura a curta vida, Que não se arme, e se indigne o Céu sereno Contra um bicho da terra tão pequeno?


Canto Primeiro de Os Lusíadas, de Luís de Camões (1 de 10) الأغنية الأولى لـ Os Lusíadas، بقلم لويس دي كامويس (1 من 10) Erster Gesang von Os Lusíadas, von Luís de Camões (1 von 10) Canto Primeiro de Os Lusíadas, του Luís de Camões (1 από 10) First Canto of Os Lusíadas, by Luís de Camões (1 of 10) Canto Primeiro de Os Lusíadas, de Luís de Camões (1 de 10) Premier chant des Lusiades, par Luís de Camões (1 de 10) Canto Primeiro de Os Lusíadas, di Luís de Camões (1 di 10) ルイス・デ・カモンイスの「ルシアーダのカント第一番」 (1 of 10) Eerste Canto van De Lusiaden, door Luís de Camões (1 van 10) Первая песнь Os Lusíadas Луиса де Камоэнса (1 из 10) 《Os Lusíadas》第一首歌曲,作者:路易斯·德·卡蒙斯(Luís de Camões)(共 10 首)

Luís Vaz de Camões Os Lusíadas Canto Primeiro لويس فاز دي كامويس أوس لوسياداس كانتو أولاً Luís Vaz de Camões Os Lusiadas Canto Primeiro Luís Vaz de Camões Os Lusíadas Singing First Луис Вас де Камоэнс Лусиады поют первыми LuísVazdeCamõesLusíadasCornerFirst

1 As armas e os barões assinalados, Que da ocidental praia Lusitana, Por mares nunca de antes navegados, Passaram ainda além da Taprobana, Em perigos e guerras esforçados, Mais do que prometia a força humana, E entre gente remota edificaram Novo Reino, que tanto sublimaram; 1 Die Arme und die Barone von Rang, Die von den westlichen Ufern Lusitaniens, Durch nie zuvor gesegelte Meere, Sogar jenseits des Taprobana, In Gefahren und Kriegen sich bemühten, Mehr als menschliche Kraft versprach, Und unter fernen Völkern Ein neues Reich errichteten, das sie so sublimierten; 1 The weapons and the marked barons, That of the western Lusitana beach, For seas never before sailed, They passed even beyond the Taprobana, In endeavors and wars fought, More than promised the human strength, And among remote people they built New Kingdom, that they both sublimated; 1 Las armas y los barones marcados, el de la playa occidental de Lusitana, porque los mares nunca navegaron antes, pasaron aún más allá de la Taprobana, en sus esfuerzos y guerras combatidas, más de lo que prometieron la fuerza humana, y entre las personas remotas construyeron el Nuevo Reino, que ambos se sublimaron; 1 Le armi e i baroni nominati, Che dalla spiaggia lusitana occidentale, Per mari mai prima navigati, Passarono anche al di là di Taprobana, In perigli e strenue guerre, Più che la forza umana prometteva, E tra remoti popoli costruirono Nuovo Regno, che tanto sublimò ; 1 As armas e os barões assinalados, Que da ocidental praia Lusitana, Por mares nunca de antes navegados, Passaram ainda além da Taprobana, Em perigos e guerras esforçados, Mais do que prometia a força humana, E entre gente remota edificaram Novo Reino, que tanto sublimaram; 1 Оружие и знатные бароны, Которые от западных берегов Лузитании, Через моря невиданные, Прошли даже за Тапробану, В опасностях и войнах старались, Больше, чем сила человеческая обещала, И среди отдаленных народов Построили новое царство, Которое так возвысили; 1 Vũ khí và nam tước được chỉ định, Từ bãi biển phía tây Lusitanian, Qua những vùng biển chưa từng đi thuyền trước đây, Thậm chí đã vượt qua Taprobana, Trong những cuộc chiến gian khổ và nguy hiểm, Hơn cả sức mạnh con người đã hứa, Và giữa những dân tộc xa xôi, họ đã xây dựng Vương quốc mới, đã thăng hoa rất nhiều ; 西部卢西塔尼亚海滩的武器,在海上航行之前从未超越过Taprobana,在危险和奋斗的战争中,超过承诺的人类力量,并在偏远的人民中建造了新的王国,都升华了;

2 E também as memórias gloriosas Daqueles Reis, que foram dilatando A Fé, o Império, e as terras viciosas De África e de Ásia andaram devastando; E aqueles, que por obras valerosas Se vão da lei da morte libertando; Cantando espalharei por toda parte, Se a tanto me ajudar o engenho e arte. 2 And also the glorious memories of those Kings, who were spreading The Faith, the Empire, and the vicious lands of Africa and Asia have been devastating; And those who, through valuable works, leave the law of death freeing; Singing I will scatter everywhere, If ingenuity and art help me so much. 2 Y también los gloriosos recuerdos de aquellos reyes que expandieron la fe, el imperio y las viciosas tierras de África y Asia que devastaron; y los de aquellos que, mediante valerosas hazañas, se están liberando de la ley de la muerte. 2 Và cả những ký ức vinh quang Về các vị Vua đó, những người đang mở rộng Đức tin, Đế chế và các vùng đất xấu xa của Châu Phi và Châu Á, họ đã đi tàn phá; Và những người nhờ những việc làm dũng cảm Thoát khỏi định luật giải thoát sự chết; Tiếng hát tôi sẽ lan tỏa khắp nơi, Nếu sự khéo léo và nghệ thuật giúp tôi rất nhiều. 2那些正在扩张信仰,帝国和非洲及亚洲恶性土地的国王的辉煌记忆也是毁灭性的;而那些勇敢行为的人则从死亡法则中解脱出来;唱歌我会到处传播,如果只有聪明才智和艺术帮助我。

3 Cessem do sábio Grego e do Troiano As navegações grandes que fizeram; Cale-se de Alexandro e de Trajano A fama das vitórias que tiveram; Que eu canto o peito ilustre Lusitano, A quem Neptuno e Marte obedeceram: Cesse tudo o que a Musa antígua canta, Que outro valor mais alto se alevanta. 3 Cease the Greek sage and the Trojan The great navigations they made; Shut up Alexandro and Trajan The fame of the victories they had; May I sing the illustrious Lusitano's chest, Whom Neptune and Mars obeyed: Cease all that the Antigua Muse sings, What a higher value rises. 3 Dừng lại từ người Hy Lạp khôn ngoan và thành Troia Những cuộc điều hướng vĩ đại mà họ đã thực hiện; Sự im lặng của Alexandro và Trajano Danh tiếng về những chiến công mà họ có được; Rằng tôi hát lên bầu ngực lừng lẫy của Lusitano, Người mà Neptune và Mars đã tuân theo: Hãy chấm dứt tất cả những gì Nàng thơ cổ đại hát, Rằng một giá trị cao hơn khác sẽ trỗi dậy.

4 E vós, Tágides minhas, pois criado Tendes em mim um novo engenho ardente, Se sempre em verso humilde celebrado Foi de mim vosso rio alegremente, Dai-me agora um som alto e sublimado, Um estilo grandíloquo e corrente, Porque de vossas águas, Febo ordene Que não tenham inveja às de Hipoerene. 4 And you, my Tágides, for created You have in me a new fiery device, If always in humble verse celebrated It was your river joyfully from me, Give me now a loud and sublimated sound, A grandiloquent and current style, Because of your waters , Febo orders that they do not envy those of Hypoerene. 4 Y tú, Tágides mío, desde que fuiste creado Tienes en mí un nuevo ingenio ardiente, Si siempre en humilde verso celebrado Tu río fue alegre de mí, Dame ahora un sonido fuerte y sublimado, Un estilo grandioso y fluido, Porque de tus aguas Febo manda Que no envidien a las de Hipoerene.

5 Dai-me uma fúria grande e sonorosa, E não de agreste avena ou frauta ruda, Mas de tuba canora e belicosa, Que o peito acende e a cor ao gesto muda; Dai-me igual canto aos feitos da famosa Gente vossa, que a Marte tanto ajuda; Que se espalhe e se cante no universo, Se tão sublime preço cabe em verso. 5 Give me a great and sonorous fury, And not of wild avena or rough fruta, But of song and bellicose tuba, That the breast lights up and the color of the gesture changes; Give me the same song to the achievements of the famous People of yours, which Mars helps so much; Let it spread and sing in the universe, If such a sublime price fits in verse. 5 Dame una furia grande y sonora, no de salvaje avena ni de áspera frauta, sino de tuba cantarina y belicosa, Que encienda el pecho y cambie el color del gesto; Dame un canto igual a las hazañas de tu pueblo famoso, Que tanto ayuda a Marte; Que se difunda y se cante en el universo, Si tan sublime precio puede ponerse en verso.

6 E vós, ó bem nascida segurança Da Lusitana antígua liberdade, E não menos certíssima esperança De aumento da pequena Cristandade; Vós, ó novo temor da Maura lança, Maravilha fatal da nossa idade, Dada ao mundo por Deus, que todo o mande, Para do mundo a Deus dar parte grande; 6 And you, O well-born security Of Lusitania's ancient freedom, And no less certain hope Of the increase of little Christendom; You, O new fear of the Maura lança, Fatal wonder of our age, Given to the world by God, who sends it all, To give God a large share of the world;

7 Vós, tenro e novo ramo florescente De uma árvore de Cristo mais amada Que nenhuma nascida no Ocidente, Cesárea ou Cristianíssima chamada; (Vede-o no vosso escudo, que presente Vos amostra a vitória já passada, Na qual vos deu por armas, e deixou As que Ele para si na Cruz tomou) 7 You, tender and new blossoming branch Of a tree of Christ more loved Than none born in the West, Caesarea or most Christian called; (See him on your shield, which gift shows You the victory already past, In which he gave you arms, and left The Ones He took for himself on the Cross)

8 Vós, poderoso Rei, cujo alto Império O Sol, logo em nascendo, vê primeiro; Vê-o também no meio do Hemisfério, E quando desce o deixa derradeiro; Vós, que esperamos jugo e vitupério Do torpe Ismaelita cavaleiro, Do Turco oriental, e do Gentio, Que inda bebe o licor do santo rio; 8 You, mighty King, whose high Empire The Sun, soon rising, sees first; He sees it also in the midst of the Hemisphere, And when it descends the last leaves; You, who expect yoke and reproach from the clumsy Ismaelite knight, from the Eastern Turk, and from the Gentile, Who indulges in the liquor of the holy river; 8 Tú, Rey poderoso, cuyo alto imperio el sol ve primero cuando sale; también lo ve en medio del hemisferio, y cuando desciende lo deja al final; tú, que esperas yugo y vituperio del torpe caballero ismaelita, del turco oriental y del gentil que aún bebe el licor del río sagrado;

9 Inclinai por um pouco a majestade, Que nesse tenro gesto vos contemplo, Que já se mostra qual na inteira idade, Quando subindo ireis ao eterno templo; Os olhos da real benignidade Ponde no chão: vereis um novo exemplo De amor dos pátrios feitos valerosos, Em versos divulgado numerosos. 9 Inclina tu majestad un momento, Te contemplo en este tierno gesto, Que ya se muestra como en plena edad, Cuando ascenderás al templo eterno; Los ojos de la real benignidad Ponlos en el suelo: verás un nuevo ejemplo De amor a las valerosas hazañas de tu patria, En numerosos versos.

10 Vereis amor da pátria, não movido De prémio vil, mas alto e quase eterno: Que não é prémio vil ser conhecido Por um pregão do ninho meu paterno. 10 Veréis amor a la patria, no movido De vil premio, sino alto y casi eterno: Que no es vil premio ser conocido Por una predicación del nido de mi padre. Ouvi: vereis o nome engrandecido Daqueles de quem sois senhor superno, E julgareis qual é mais excelente, Se ser do mundo Rei, se de til gente. Listen: you will see the magnified name of those of whom you are supreme lord, and you will judge which is more excellent, whether to be King of the world, or of the people.

11 Ouvi, que não vereis com vãs façanhas, Fantásticas, fingidas, mentirosas, Louvar os vossos, como nas estranhas Musas, de engrandecer-se desejosas: As verdadeiras vossas são tamanhas, Que excedem as sonhadas, fabulosas; Que excedem Rodamonte, e o vão Rugeiro, E Orlando, inda que fora verdadeiro,

12 Por estes vos darei um Nuno fero, Que fez ao Rei o ao Reino tal serviço, Um Egas, e um D. Fuas, que de Homero A cítara para eles só cobiço. 12 For these I will give you a fierce Nuno, who did the King and the Kingdom such service, an Egas, and a D. Fuas, who from Homer I only covet the zither for them. Pois pelos doze Pares dar-vos quero Os doze de Inglaterra, e o seu Magriço; Dou-vos também aquele ilustre Gama, Que para si de Eneias toma a fama. For for the twelve Peers I want to give you The twelve from England, and their Magriço; I also give you that illustrious Gama, Who takes fame for himself from Aeneas.

13 Pois se a troco de Carlos, Rei de França, Ou de César, quereis igual memória, Vede o primeiro Afonso, cuja lança Escura faz qualquer estranha glória; E aquele que a seu Reino a segurança Deixou com a grande e próspera vitória; Outro Joane, invicto cavaleiro, O quarto e quinto Afonsos, e o terceiro. 13 For if you want the same memory as Charles, King of France, or Caesar, look at the first Afonso, whose dark spear makes any strange glory; and the one who left his kingdom secure with a great and prosperous victory; another Joane, an undefeated knight, the fourth and fifth Afonsos, and the third.

14 Nem deixarão meus versos esquecidos Aqueles que nos Reinos lá da Aurora Fizeram, só por armas tão subidos, Vossa bandeira sempre vencedora: Um Pacheco fortíssimo, e os temidos Almeidas, por quem sempre o Tejo chora; Albuquerque terríbil, Castro forte, E outros em quem poder não teve a morte. 14 Nor will my verses be forgotten by those who, in the kingdoms of the dawn, made your banner always victorious by arms alone: a very strong Pacheco, and the feared Almeidas, for whom the Tagus always weeps; a terrible Albuquerque, a strong Castro, and others in whose power death had no power.

15 E enquanto eu estes canto, e a vós não posso, Sublime Rei, que não me atrevo a tanto, Tomai as rédeas vós do Reino vosso: Dareis matéria a nunca ouvido canto. 15 And while I sing to them, and to you I cannot, Sublime King, I dare not do so, Take the reins of your kingdom: You will give matter to never heard song. Comecem a sentir o peso grosso (Que pelo mundo todo faça espanto) De exércitos e feitos singulares, De África as terras, e do Oriente os marços, They begin to feel the heavy weight (That astonishes the whole world) Of armies and singular deeds, Of Africa the lands, and the Orient the seas,

16 Em vós os olhos tem o Mouro frio, Em quem vê seu exício afigurado; Só com vos ver o bárbaro Gentio Mostra o pescoço ao jugo já inclinado; Tethys todo o cerúleo senhorio Tem para vós por dote aparelhado; Que afeiçoada ao gesto belo e tenro, Deseja de comprar-vos para genro. 16 The Moor has a cold eye for you, He sees your exile in his eyes; Only at the sight of you does the barbarian Gentile Show his neck to the yoke already bowed; Tethys, all her cerulean lordship, Has you for a dowry; Who, fond of the beautiful and tender gesture, Wants to buy you for a son-in-law.

17 Em vós se vêm da olímpica morada Dos dois avós as almas cá famosas, Uma na paz angélica dourada, Outra pelas batalhas sanguinosas; Em vós esperam ver-se renovada Sua memória e obras valerosas; E lá vos tem lugar, no fim da idade, No templo da suprema Eternidade. 17 In you the famous souls come from the Olympian abode Of the two grandfathers, One in golden angelic peace, The other in bloody battles; In you they hope to see Their memory and valiant deeds renewed; And there you take your place, at the end of the age, In the temple of supreme Eternity.

18 Mas enquanto este tempo passa lento De regerdes os povos, que o desejam, Dai vós favor ao novo atrevimento, Para que estes meus versos vossos sejam; E vereis ir cortando o salso argento Os vossos Argonautas, por que vejam Que são vistos de vós no mar irado, E costumai-vos já a ser invocado. 18 But while this time is slow To rule the peoples who desire it, Give favor to the new daring, So that these verses of mine may be yours; And you will see your Argonauts cutting the clayey sands, So that they will see That they are seen of you on the angry sea, And you are used to being invoked.

19 Já no largo Oceano navegavam, As inquietas ondas apartando; Os ventos brandamente respiravam, Das naus as velas côncavas inchando; Da branca escuma os mares se mostravam Cobertos, onde as proas vão cortando As marítimas águas consagradas, Que do gado de Próteo são cortadas 19 They were already sailing on the wide ocean, the restless waves parting; the winds were softly breathing, the sails were swelling concave; the seas were covered with white scum, where the prows were cutting the consecrated sea waters, which were cut from the cattle of Protheus.

20 Quando os Deuses no Olimpo luminoso, Onde o governo está da humana gente, Se ajuntam em concílio glorioso Sobre as cousas futuras do Oriente. 20 When the Gods on the shining Olympus, Where the human people are governed, Gather in glorious council On the future things of the East. Pisando o cristalino Céu formoso, Vêm pela Via-Láctea juntamente, Convocados da parte do Tonante, Pelo neto gentil do velho Atlante. Treading the crystalline beautiful sky, They come through the Milky Way together, Summoned from the Tonante, By the gentle grandson of old Atlante.

21 Deixam dos sete Céus o regimento, Que do poder mais alto lhe foi dado, Alto poder, que só co’o pensamento Governa o Céu, a Terra, e o Mar irado. 21 They leave the regiment of the seven Heavens, Which of the highest power has been given to it, High power, which alone with thought Governs heaven, earth, and the angry sea. Ali se acharam juntos num momento Os que habitam o Arcturo congelado, E os que o Austro tem, e as partes onde A Aurora nasce, e o claro Sol se esconde. There they met together in a moment Those who inhabit the frozen Arcturium, And those who have the Austro, And the parts where the Aurora rises, And the clear Sun hides.

22 Estava o Padre ali sublime e dino, Que vibra os feros raios de Vulcano, Num assento de estrelas cristalino, Com gesto alto, severo e soberano. 22 There stood the sublime and divine Father, Who vibrates the fierce rays of Vulcan, On a seat of crystalline stars, With a tall, severe and sovereign gesture. Do rosto respirava um ar divino, Que divino tornara um corpo humano; Com uma coroa e ceptro rutilante, De outra pedra mais clara que diamante. Un aire divino respiraba de su rostro, que divino había hecho un cuerpo humano; Con una corona y cetro brillante, De otra piedra más ligera que el diamante.

23 Em luzentes assentos, marchetados De ouro e de perlas, mais abaixo estavam Os outros Deuses todos assentados, Como a razão e a ordem concertavam: Precedem os antíguos mais honrados; Mais abaixo os menores se assentavam; Quando Júpiter alto, assim dizendo, C’um tom de voz começa, grave e horrendo:

24 "Eternos moradores do luzente Estelífero pólo, e claro assento, Se do grande valor da forte gente De Luso não perdeis o pensamento, Deveis de ter sabido claramente, Como é dos fados grandes certo intento, Que por ela se esqueçam os humanos De Assírios, Persas, Gregos e Romanos. 24 "Eternal dwellers of the shining Stelliferous Pole, and clear seat, If you do not lose your thoughts of the great value of the strong people of Luso, you must have known clearly, How it is a certain intention of the great fates, That humans forget the Assyrians, Persians, Greeks and Romans for her. 25 "Já lhe foi (bem o vistes) concedido C’um poder tão singelo e tão pequeno, Tomar ao Mouro forte e guarnecido Toda a terra, que rega o Tejo ameno: Pois contra o Castelhano tão temido, Sempre alcançou favor do Céu sereno. 25 "It has already been granted to him (you have seen) With a power so simple and so small, To take from the Moor strong and garrisoned All the land that waters the mild Tagus: For against the Castilian so feared, He has always obtained favor from the serene Heaven. Assim que sempre, enfim, com fama e glória, Teve os troféus pendentes da vitória. So that always, at last, with fame and glory, He had the trophies pending victory.

26 "Deixo, Deuses, atrás a fama antiga, Que coa gente de Rómulo alcançaram, Quando com Viriato, na inimiga Guerra romana tanto se afamaram; Também deixo a memória, que os obriga A grande nome, quando alevantaram Um por seu capitão, que peregrino Fingiu na cerva espírito divino. 26 "I leave behind, Gods, the ancient fame, Which they achieved with Romulus' people, When they were so famous with Viriatus in the Roman war against the enemy; I also leave the memory, which obliges them to a great name, When they raised one for their captain, who, a pilgrim, Pretended to be a divine spirit in the deer. 27 "Agora vedes bem que, cometendo O duvidoso mar num lenho leve, Por vias nunca usadas, não temendo De Áf rico e Noto a força, a mais se atreve: Que havendo tanto já que as partes vendo Onde o dia é comprido e onde breve, Inclinam seu propósito e porfia A ver os berços onde nasce o dia. 27 "Now you see well that, committing The doubtful sea on a light wood, By ways never used, not fearing Of rich Af and Noto the force, he dares more: That, seeing so much where the day is long and where it is short, They incline their purpose and porphyry To see the cradles where the day is born. 28 "Prometido lhe está do Fado eterno, Cuja alta Lei não pode ser quebrada, Que tenham longos tempos o governo Do mar, que vê do Sol a roxa entrada. 28 "Promised to him is eternal Fate, Whose high Law cannot be broken, That long ages may rule The sea, which sees the purple entrance of the Sun. Nas águas têm passado o duro inverno; A gente vem perdida e trabalhada; Já parece bem feito que lhe seja Mostrada a nova terra, que deseja. In the waters they have spent the hard winter; the people come lost and toiled; it already seems right that they should be shown the new land they desire.

29 "E porque, como vistes, têm passados Na viagem tão ásperos perigos, Tantos climas e céus experimentados, Tanto furor de ventos inimigos, Que sejam, determino, agasalhados Nesta costa africana, como amigos. 29 "And because, as you have seen, they have gone through such harsh dangers on their voyage, so many climates and skies they have experienced, so much fury from enemy winds, I determine that they should be sheltered on this African coast as friends. E tendo guarnecida a lassa frota, Tornarão a seguir sua longa rota. And having garrisoned the lassie fleet, They will set out again on their long course.

30 Estas palavras Júpiter dizia, Quando os Deuses por ordem respondendo, Na sentença um do outro diferia, Razões diversas dando e recebendo. 30 These words Jupiter said, When the Gods were answering in order, In sentence one from the other differed, Different reasons giving and receiving. O padre Baco ali não consentia No que Júpiter disse, conhecendo Que esquecerão seus feitos no Oriente, Se lá passar a Lusitana gente. Father Bacchus didn't consent to what Jupiter said, knowing that they will forget his deeds in the East if the Lusitanian people pass through.

31 Ouvido tinha aos Fados que viria Uma gente fortíssima de Espanha Pelo mar alto, a qual sujeitaria Da índia tudo quanto Dóris banha, E com novas vitórias venceria A fama antiga, ou sua, ou fosse estranha. 31 I had heard from the Fates that a very strong people from Spain would come across the high seas, who would subjugate all that Doris bathes in India, and with new victories would vanquish the old fame, whether their own or a stranger. Altamente lhe dói perder a glória, De que Nisa celebra inda a memória. It pains him greatly to lose the glory of which Nisa still celebrates the memory.

32 Vê que já teve o Indo sojugado, E nunca lhe tirou Fortuna, ou caso, Por vencedor da Índia ser cantado De quantos bebem a água de Parnaso. 32 He sees that the Indus has already been soiled, And he has never taken from it Fortune, or case, For the winner of India to be sung Of those who drink the water of Parnassus. Teme agora que seja sepultado Seu tão célebre nome em negro vaso D’água do esquecimento, se lá chegam Os fortes Portugueses, que navegam. He now fears that his famous name will be buried in a black vase of water of oblivion, if the strong Portuguese who are sailing arrive.

33 Sustentava contra ele Vénus bela, Afeiçoada à gente Lusitana, Por quantas qualidades via nela Da antiga tão amada sua Romana; Nos fortes corações, na grande estrela, Que mostraram na terra Tingitana, E na língua, na qual quando imagina, Com pouca corrupção crê que é a Latina. 33 He held up beautiful Venus against him, fond of the Lusitanian people, for all the qualities he saw in her of the ancient Roman so beloved; in the strong hearts, in the great star, which they showed in the Tingitanian land, and in the language, which, when he imagines it, he believes to be Latin with little corruption.

34 Estas causas moviam Citereia, E mais, porque das Parcas claro entende Que há de ser celebrada a clara Deia, Onde a gente belígera se estende. 34 These causes moved Citereia, And more, because from the Parcas it is clear that the clear Deia must be celebrated, Where the beautiful people are spread out. Assim que, um pela infâmia, que arreceia, E o outro pelas honras, que pretende, Debatem, e na porfia permanecem; A qualquer seus amigos favorecem. So, one for the infamy he cherishes, And the other for the honors he seeks, They debate, and in the fray they remain; Whichever one their friends favor.

35 Qual Austro fero, ou Bóreas na espessura De silvestre arvoredo abastecida, Rompendo os ramos vão da mata escura, Com ímpeto e braveza desmedida; Brama toda a montanha, o som murmura, Rompem-se as folhas, ferve a serra erguida: Tal andava o tumulto levantado, Entre os Deuses, no Olimpo consagrado. 35 Like Austro fero, or Boreas in the thick of the wild grove, breaking the branches of the dark forest, with impetus and unbridled bravery; the whole mountain roars, the sound murmurs, the leaves break, the raised mountain boils: Such was the tumult raised, Among the Gods, on the consecrated Olympus.

36 Mas Marte, que da Deusa sustentava Entre todos as partes em porfia, Ou porque o amor antigo o obrigava, Ou porque a gente forte o merecia, De entre os Deuses em pé se levantava: Merencório no gesto parecia; O forte escudo ao colo pendurado Deitando para trás, medonho e irado, 36 But Mars, who upheld the Goddess Among all the parties in a quarrel, Either because ancient love compelled him, Or because the strong people deserved him, From among the Gods he stood upright: Mercian in his gesture he seemed; His strong shield hung in his lap Lying back, fearful and angry,

37 A viseira do elmo de diamante Alevantando um pouco, mui seguro, Por dar seu parecer, se pôs diante De Júpiter, armado, forte e duro: E dando uma pancada penetrante, Com o conto do bastão no sólio puro, O Céu tremeu, e Apolo, de torvado, Um pouco a luz perdeu, como enfiado. 37 The visor of the diamond helmet Rising a little, very sure, To give his opinion, he stood before Jupiter, Armed, strong and hard: And giving a piercing blow, With the tale of the staff on the pure solidium, Heaven trembled, and Apollo, twisted, A little lost the light, as stuck.

38 E disse assim: "Ó Padre, a cujo império Tudo aquilo obedece, que criaste, Se esta gente, que busca outro hemisfério, Cuja valia, e obras tanto amaste, Não queres que padeçam vitupério, Como há já tanto tempo que ordenaste, Não onças mais, pois és juiz direito, Razões de quem parece que é suspeito. 38 And he said: "Father, whose empire everything obeys that you have created, If these people, who seek another hemisphere, Whose worth and works you have loved so much, Do not want them to suffer vituperation, As you have ordered for so long, Don't wave any more, because you are the right judge, Reasons for those who seem to be suspected. 39 "Que, se aqui a razão se não mostrasse Vencida do temor demasiado, Bem fora que aqui Baco os sustentasse, Pois que de Luso vem, seu tão privado; Mas esta tenção sua agora passe, Porque enfim vem de estâmago danado; Que nunca tirará alheia inveja O bem, que outrem merece, e o Céu deseja. 39 "If reason were not overcome by too much fear here, it would be good if Bacchus could support them here, since he comes from Luso, his own so deprived; but this tension of his will now pass, because he finally comes from a damaged stomach; that he will never take away from envy the good that others deserve and Heaven desires. 40 "E tu, Padre de grande fortaleza, Da determinação, que tens tomada, Não tornes por detrás, pois é fraqueza Desistir-se da cousa começada. 40 "And you, Father of great strength, from the determination you have taken, do not go back, for it is weakness to give up on the thing begun. Mercúrio, pois excede em ligeireza Ao vento leve, e à seta bem talhada, Lhe vá mostrar a terra, onde se informe Da índia, e onde a gente se reforme. " Mercury, since you are superior in lightness to the light wind and the well-crafted arrow, go show him the land where he can learn about India and where the people can reform." 41 Como isto disse, o Padre poderoso, A cabeça inclinando, consentiu No que disse Mavorte valeroso, E néctar sobre todos esparziu. 41 As he said this, the mighty Father, bowing his head, consented to what brave Mavorte said, and sprinkled nectar on everyone. Pelo caminho Lácteo glorioso Logo cada um dos Deuses se partiu, Fazendo seus reais acatamentos, Para os determinados aposentos. Down the glorious Milky Way Soon each of the Gods departed, Making their royal accoutrements, To their appointed chambers.

42 Enquanto isto se passa na formosa Casa etérea do Olimpo onipotente, Cortava o mar a gente belicosa, Já lá da banda do Austro e do Oriente, Entre a costa Etiópica e a famosa Ilha de São Lourenço; e o Sol ardente Queimava então os Deuses, que Tifeu Com o temor grande em peixes converteu. 42 While this is going on in the beautiful ethereal house of omnipotent Olympus, the bellicose people were cutting through the sea, already there on the Austrian and Eastern side, between the Ethiopian coast and the famous island of St. Lawrence; and the burning sun was then burning the gods, whom Typhus turned into fish with great fear.

43 Tão brandamente os ventos os levavam, Como quem o céu tinha por amigo: Sereno o ar, e os tempos se mostravam Sem nuvens, sem receio de perigo. O promontório Prasso já passavam, Na costa de Etiópia, nome antigo, Quando o mar descobrindo lhe mostrava Novas ilhas, que em torno cerca e lava. The Prasso promontory they had already passed, On the coast of Ethiopia, an ancient name, When the sea, discovering it, showed them New islands, which surround and wash.

44 Vasco da Gama, o forte capitão, Que a tamanhas empresas se oferece, De soberbo e de altivo coração, A quem Fortuna sempre favorece, Para se aqui deter não vê razão, Que inabitada a terra lhe parece: Por diante passar determinava; Mas não lhe sucedeu como cuidava. 44 Vasco da Gama, the strong captain, who offers himself to such great enterprises, with a proud and haughty heart, whom Fortune always favors, sees no reason to stop here, since the land seems to him to be uninhabited: He determined to pass on, but it didn't happen as he thought.

45 Eis aparecem logo em companhia Uns pequenos batéis, que vêm daquela Que mais chegada à terra parecia, Cortando o longo mar com larga vela. 45 Soon there appeared in company Some small barges, coming from the one that seemed closest to land, Cutting the long sea with a wide sail. A gente se alvoroça, e de alegria Não sabe mais que olhar a causa dela. People get excited, and with joy they don't know how to look at the cause of it. Que gente será esta, em si diziam, Que costumes, que Lei, que Rei teriam? What kind of people, they said, what kind of customs, what kind of law, what kind of king would they have?

46 As embarcações eram, na maneira, Mui veloces, estreitas e compridas: As velas, com que, vêm, eram de esteira Dumas folhas de palma, bem tecidas; A gente da cor era verdadeira, Que Faeton, nas terras acendidas, Ao mundo deu, de ousado, o não prudente: O Pado o sabe, o Lampetusa o sente. 46 The ships were very swift, narrow and long: The sails, with which they came, were of matting Of palm leaves, well woven; The people of color were true, That Faeton, in the lighted lands, Gave to the world, the bold, the unwise: Pado knows it, Lampetusa feels it.

47 De panos de algodão vinham vestidos, De várias cores, brancos e listrados: Uns trazem derredor de si cingidos, Outros em modo airoso sobraçados: Da cinta para cima vêm despidos; Por armas têm adargas o terçados; Com toucas na cabeça; e navegando, Anafis sonoros vão tocando. 47 They were dressed in cotton cloths of various colors, white and striped: Some were girded about them, Others gaily draped: From the girdle upwards they were stripped bare; For weapons they wore their shoes; With headdresses on their heads; And sailing along, sounding anaphylls.

48 Co’os panos e co’os braços acenavam As gentes Lusitanas, que esperassem; Mas já as proas ligeiras se inclinavam Para que junto às ilhas amainassem. A gente e marinheiros trabalhavam, Como se aqui os trabalhos se acabassem; Tomam velas; amaina-se a verga alta; Da âncora, o mar ferido, em cima salta.

49 Não eram ancorados, quando a gente Estranha pelas cordas já subia. No gesto ledos vêm, e humanamente O Capitão sublime os recebia: As mesas manda pôr em continente; Do licor que Lieo prantado havia Enchem vasos de vidro, e do que deitam, Os de Faeton queimados nada enjeitam. The tables are set on the mainland; they fill glass vases with the liquor that Lieo had poured into them, and what they pour out, Faeton's burnt ones do not reject. En el gesto de los ledos, vienen y, humanamente, el sublime Capitán los recibió: las mesas los colocan en el continente; Del licor que lloró Lieo había jarrones de vidrio de relleno, y de lo que vierten, los quemados de Faeton no descartan nada.

50 Comendo alegremente perguntavam, Pela Arábica língua, donde vinham, Quem eram, de que terra, que buscavam, Ou que partes do mar corrido tinham? 50 Eating happily, they asked, In Arabic, where they came from, Who they were, what land they sought, Or what parts of the sea they ran? Os fortes Lusitanos lhe tornavam As discretas respostas, que convinham: "Os Portugueses somos do Ocidente, Imos buscando as terras do Oriente. The strong Lusitanians gave him discreet answers, which suited him: "We Portuguese are from the West, we are going to seek the lands of the East. 51 "Do mar temos corrido e navegado Toda a parte do Antártico e Calisto, Toda a costa Africana rodeado, Diversos céus e terras temos visto; Dum Rei potente somos, tão amado, Tão querido de todos, e benquisto, Que não no largo mar, com leda fronte, Mas no lago entraremos de Aqueronte. 51 "Desde el mar hemos corrido y navegado Cada parte de la Antártida y Calisto, Toda la costa africana rodeada, Varios cielos y tierras que hemos visto; , con frente de leda, pero en el lago entraremos en Aqueronte. 52 "E por mandado seu, buscando andamos A terra Oriental que o Indo rega; Por ele, o mar remoto navegamos, Que só dos feios focas se navega. Mas já razão parece que saibamos, Se entre vós a verdade não se nega, Quem sois, que terra é esta que habitais, Ou se tendes da Índia alguns sinais? " 53 "Somos, um dos das ilhas lhe tornou, Estrangeiros na terra, Lei e nação; Que os próprios são aqueles, que criou A natura sem Lei e sem razão. Nós temos a Lei certa, que ensinou O claro descendente de Abraão Que agora tem do mundo o senhorio, A mãe Hebréia teve, e o pai Gentio. Informações. A Ilha de Moçambique.

54 "Esta ilha pequena, que habitamos, em toda esta terra certa escala De todos os que as ondas navegamos De Quíloa, de Mombaça e de Sofala; E, por ser necessária, procuramos, Como próprios da terra, de habitá-la; E por que tudo enfim vos notifique, Chama-se a pequena ilha Moçambique. 55 "E já que de tão longe navegais, Buscando o Indo Idaspe e terra ardente, Piloto aqui tereis, por quem sejais Guiados pelas ondas sabiamente. Também será bem feito que tenhais Da terra algum refresco, e que o Regente Que esta terra governa, que vos veja, E do mais necessário vos proveja. " 56 Isto dizendo, o Mouro se tornou A seus batéis com toda a companhia; Do Capitão e gente se apartou Com mostras de devida cortesia. Nisto Febo nas águas encerrou, Co’o carro de cristal, o claro dia, Dando cargo à irmã, que alumiasse O largo mundo, enquanto repousasse.

57 A noite se passou na lassa frota Com estranha alegria, e não cuidada, Por acharem da terra tão remota Nova de tanto tempo desejada. Qualquer então consigo cuida e nota Na gente e na maneira desusada, E como os que na errada Seita creram, Tanto por todo o mundo se estenderam,

58 Da Lua os claros raios rutilavam Pelas argênteas ondas Neptuninas, As estrelas os Céus acompanhavam, Qual campo revestido de boninas; Os furiosos ventos repousavam Pelas covas escuras peregrinas; Porém da armada a gente vigiava, Como por longo tempo costumava.

59 Mas assim como a Aurora marchetada Os formosos cabelos espalhou No Céu sereno, abrindo a roxa entrada Ao claro Hiperiónio, que acordou, Começa a embandeirar-se toda a armada, E de toldos alegres se adornou, Por receber com festas e alegria O Regedor das ilhas, que partia.

60 Partia alegremente navegando, A ver as naus ligeiras Lusitanas, Com refresco da terra, em si cuidando Que são aquelas gentes inumanas, Que, os aposentos cáspios habitando, A conquistar as terras Asianas Vieram; e por ordem do Destino, O Império tomaram a Constantino.

61 Recebe o Capitão alegremente O Mouro, e toda a sua companhia; Dá-lhe de ricas peças um presente, Que só para este efeito já trazia; Dá-lhe conserva doce, e dá-lhe o ardente Não usado licor, que dá alegria. Tudo o Mouro contente bem recebe; E muito mais contente come e bebe.

62 Está a gente marítima de Luso Subida pela enxárcia, de admirada, Notando o estrangeiro modo e uso, E a linguagem tão bárbara e enleada. Também o Mouro astuto está confuso, Olhando a cor, o trajo, e a forte armada; E perguntando tudo, lhe dizia "Se por ventura vinham de Turquia? " 63 E mais lhe diz também, que ver deseja Os livros de sua Lei, preceito eu fé, Para ver se conforme à sua seja, Ou se são dos de Cristo, como Crê. E porque tudo note e tudo veja, Ao Capitão pedia que lhe dê Mostra das fortes armas de que usavam, Quando co’os inimigos pelejavam.

64 Responde o valeroso Capitão Por um, que a língua escura bem sabia: "Dar-te-ei, Senhor ilustre, relação De mim, da Lei, das armas que trazia. Nem sou da terra, nem da geração Das gentes enojosas de Turquia: Mas sou da forte Europa belicosa, Busco as terras da índia tão famosa.

65 A lei tenho daquele, a cujo império Obedece o visíbil e ínvisíbil Aquele que criou todo o Hemisfério, Tudo o que sente, o todo o insensíbil; Que padeceu desonra e vitupério, Sofrendo morte injusta e insofríbil, E que do Céu à Terra, enfim desceu, Por subir os mortais da Terra ao Céu.

66 Deste Deus-Homem, alto e infinito, Os livros, que tu pedes não trazia, Que bem posso escusar trazer escrito Em papel o que na alma andar devia. Se as armas queres ver, como tens dito, Cumprido esse desejo te seria; Como amigo as verás; porque eu me obrigo, Que nunca as queiras ver como inimigo. " 67 Isto dizendo, manda os diligentes Ministros amostrar as armaduras: Vêm arneses, e peitos reluzentes, Malhas finas, e lâminas seguras, Escudos de pinturas diferentes, Pelouros, espingardas de aço puras, Arcos, e sagitíferas aljavas, Partazanas agudas, chuças bravas: 67 Dicho esto, los Ministros diligentes tienen que probar la armadura: arneses y senos brillantes, mallas finas y cuchillas seguras, escudos de diferentes pinturas, cuero, rifles de acero puro, arcos y carcaj caídos, partazanas afiladas, duchas pesadas:

68 As bombas vêm de fogo, e juntamente As panelas sulfúreas, tão danosas; Porém aos de Vulcano não consente Que dêem fogo às bombardas temerosas; Porque o generoso ânimo e valente, Entre gentes tão poucas e medrosas, Não mostra quanto pode, e com razão, Que é fraqueza entre ovelhas ser leão. 68 bombas provienen del fuego, y juntas cacerolas de azufre, tan dañinas; Sin embargo, los de Vulcano no consienten en disparar las temidas bombas; Porque el coraje generoso y el coraje, entre las personas tan pocas y temerosas, no muestra tanto como puede, y con razón, que es una debilidad entre las ovejas ser un león.

69 Porém disto, que o Mouro aqui notou, E de tudo o que viu com olho atento Um ódio certo na alma lhe ficou, Uma vontade má de pensamento. Nas mostras e no gesto o não mostrou; Mas com risonho e ledo fingimento Tratá-los brandamente determina, Até que mostrar possa o que imagina.

70 Pilotos lhe pedia o Capitão, Por quem pudesse à Índia ser levado; Diz-lhe que o largo prémio levarão Do trabalho que nisso for tomado. Promete-lhos o Mouro, com tenção De peito venenoso, e tão danado, Que a morte, se pudesse, neste dia, Em lugar de pilotos lhe daria.

71 Tamanho o ódio foi, e a má vontade, Que aos estrangeiros súbito tomou, Sabendo ser sequazes da verdade, Que o Filho de David nos ensinou. ó segredos daquela Eternidade, A quem juízo algum nunca alcançou! Que nunca falte um pérfido inimigo Aqueles de quem foste tanto amigo!

72 Partiu-se Disto enfim coa companhia, Das naus o falso Mouro despedido, Com enganosa e grande cortesia, Com gesto ledo a todos, e fingido. Cortaram os batéis a curta via Das águas de Neptuno, e recebido Na terra do obsequente ajuntamento Se foi o Mouro ao cógnito aposento.

73 Do claro assento etóreo o grão Tebano, Que da paternal coxa foi nascido, Olhando o ajuntamento Lusitano Ao Mouro ser molesto e avorrecido, No pensamento cuida um falso engano, Com que seja de todo destruído. E enquanto isto só na alma imaginava, Consigo estas palavras praticava:

74 "Está do fado já determinado, Que tamanhas vitórias, tão famosas, Hajam os Portugueses alcançado Das Indianas gentes belicosas. E eu só, filho do Padre sublimado, Com tantas qualidades generosas, Hei de sofrer que o fado favoreça Outrem, por quem meu nome se escureça?

75 "Já quiseram os Deuses que tivesse O filho de Filipo nesta parte Tanto poder, que tudo submetesse Debaixo de seu jugo o fero Marte. Mas há-se de sofrer que o fado desse A tão poucos tamanho esforço e arte, Que eu co’o grão Macedónio, e o Romano, Demos lugar ao nome Lusitano?

76 "Não será assim, porque antes que chegado Seja este Capitão, astutamente Lhe será tanto engano fabricados Que nunca veja as partes do Oriente. Eu descerei à Terra, e o indignado Peito revolverei da Maura gente; Porque sempre por via irá direita Quem do oportuno tempo se aproveita. " 77 Isto dizendo, irado e quase insano, Sobre a terra africana descendeu, Onde vestindo a forma e gesto humano, Para o Prasso sabido se moveu. E por melhor tecer o astuto engano, No gesto natural se converteu Dum Mouro, em Moçambique conhecido Velho, sábio, e co’o Xeque mui valido.

78 E entrando assim a falar-lhe a tempo e horas A sua falsidade acomodadas, Lhe diz como eram gentes roubadoras, Estas que ora de novo são chegadas; Que das nações na costa moradoras Correndo a fama veio que roubadas Foram por estes homens que passavam, Que com pactos de paz sempre ancoravam.

79 E sabe mais, lhe diz, como entendido Tenho destes cristãos sanguinolentos, Que quase todo o mar têm destruído Com roubos, com incêndios violentos; E trazem já de longe engano urdido Contra nós; e que todos seus intentos São para nos matarem e roubarem, E mulheres e filhos cativarem.

80 "E também sei que tem determinado De vir por água a terra muito cedo O Capitão dos seus acompanhado, Que da tensão danada nasce o medo. Tu deves de ir também co’os teus armado Esperá-lo em cilada, oculto e quedo; Porque, saindo a gente descuidada, Cairão facilmente na cilada.

81 "E se inda não ficarem deste jeito Destruídos, ou mortos totalmente Eu tenho imaginado no conceito Outra manha e ardil, que te contente: Manda-lhe dar piloto, que de jeito Seja astuto no engano, e tão prudente, Que os leve aonde sejam destruídos, Desbaratados, mortos, ou perdidos. " 82 Tanto que estas palavras acabou, O Mouro, nos tais casos sábio e velho, Os braços pelo colo lhe lançou, Agradecendo muito o tal conselho; E logo nesse instante concertou Para a guerra o belígero aparelho, Para que ao Português se lhe tornasse Em roxo sangue a água, que buscasse.

83 E busca mais, para o cuidado engano, Mouro, que por piloto à nau lhe mande, Sagaz, astuto, e sábio em todo o dano, De quem fiar-se possa um feito grande. Diz-lhe que acompanhando o Lusitano, Por tais costas e mares com ele ande, Que, se daqui escapar, que lá diante Vá cair onde nunca se alevante.

84 Já o raio Apolíneo visitava Os montes Nabatêos acendido, Quando o Gama, colos seus determinava De vir por água a terra apercebido. A gente nos batéis se concertava, Como se fosse o engano já sabido: Mas pode suspeitar-se facilmente, Que o coração pressago nunca mente.

85 E mais também mandado tinha a terra, De antes, pelo piloto necessário, E foi-lhe respondido em som de guerra, Caso do que cuidava mui contrário; Por isto, e porque sabe quanto erra Quem se crê de seu pérfido adversário, Apercebido vai como podia, Em três batéis somente que trazia.

86 Mas os Mouros que andavam pela praia, Por lhe defender a água desejada, Um de escudo embraçado e de azagaia, Outro de arco encurvado e seta ervada, Esperam que a guerreira gente saia, Outros muitos já postos em cilada. E, porque o caso leve se lhe faça, Põem uns poucos diante por negaça,

87 Andam pela ribeira alva, arenosa, Os belicosos Mouros acenando Com a adarga e co’a hástia perigosa, Os fortes Portugueses incitando. Não sofre muito a gente generosa Andar-lhe os cães os dentes amostrando. Qualquer em terra salta tão ligeiro, Que nenhum dizer pode que é primeiro.

88 Qual no corro sanguino o ledo amante, Vendo a formosa dama desejada, O touro busca, e pondo-se diante, Salta, corre, sibila, acena, e brada, Mas o animal atroce, nesse instante, Com a fronte cornígera inclinada, Bramando duro corre, e os olhos cerra, Derriba, fere e mata, e põe por terra:

89 Eis nos batéis o fogo se levanta Na furiosa e dura artilharia, A plúmbea péla mata, o brado espanta, Ferido o ar retumba e assovia: O coração dos Mouros se quebranta, O temor grande o sangue lhe resfria. Já foge o escondido de medroso, E morre o descoberto aventuroso.

90 Não se contenta a gente Portuguesa, Mas seguindo a vitória estrui e mata; A povoação, sem muro e sem defesa, Esbombardeia, acende e desbarata. 90 El pueblo portugués no está satisfecho, pero después de la victoria se rompe y mata; El pueblo, sin muro y sin defensa, Esbombardeia, se ilumina y se estrella. Da cavalgada ao Mouro já lhe pesa, Que bem cuidou comprá-la mais barata; Já blasfema da guerra, e maldizia, O velho inerte, e a mãe que o filho cria.

91 Fugindo, a seta o Mouro vai tirando Sem força, de covarde e de apressado, A pedra, o pau, e o canto arremessando; Dá-lhe armas o furor desatinado. Já a ilha e todo o mais desemparando, A terra firme foge amedrontado; Passa e corta do mar o estreito braço, Que a ilha em torno cerca, em pouco espaço

92 Uns vão nas almadias carregadas, Um corta o mar a nado diligente, Quem se afoga nas ondas encurvadas, Quem bebe o mar, e o deita juntamente. Arrombam as miúdas bombardadas Os pangaios subtis da bruta gente: Desta arte o Português enfim castiga A vil malícia, pérfida, inimiga. Las chicas bombardeadas irrumpen. Los pangaios sutiles de la gente bruta: Este arte finalmente castiga a los portugueses La vil malicia, pérfida, enemiga.

93 Tornam vitoriosos para a armada, Co’o despojo da guerra e rica presa, E vão a seu prazer fazer aguada, Sem achar resistência, nem defesa. Ficava a Maura gente magoada, No ódio antigo mais que nunca acesa; E vendo sem vingança tanto dano, Somente estriba no segundo engano.

94 Pazes cometer manda arrependido O Regedor daquela iníqua terra, Sem ser dos Lusitanos entendido, Que em figura de paz lhe manda guerra; Porque o piloto falso prometido, Que toda a má tenção no peito encerra, Para os guiar à morte lhe mandava, Como em sinal das pazes que tratava.

95 O Capitão, que já lhe então convinha Tornar a seu caminho acostumado, Que tempo concertado e ventos tinha Para ir buscar o Indo desejado, Recebendo o piloto, que lhe vinha, Foi dele alegremente agasalhado; E respondendo ao mensageiro a tento, As velas manda dar ao largo vento.

96 Desta arte despedida a forte armada, As ondas de Anfitrite dividia, Das filhas de Nereu acompanhada, Fiel, alegre e doce companhia. O Capitão, que não caía em nada Do enganoso ardil, que o Mouro urdia, Dele mui largamente se informava Da Índia toda, e costas que passava.

97 Mas o Mouro, instruído nos enganos Que o malévolo Baco lhe ensinara, De morte ou cativeiro novos danos, Antes que à Índia chegue, lhe prepara: Dando razões dos portos Indianos, Também tudo o que pede lhe declara, Que, havendo por verdade o que dizia, De nada a forte gente se temia.

98 E diz-lhe mais, com o falso pensamento Com que Sinon os Frígios enganou: Que perto está uma ilha, cujo assento Povo antigo cristão sempre habitou. O Capitão, que a tudo estava a tento, Tanto com estas novas se alegrou, Que com dádivas grandes lhe rogava, Que o leve à terra onde esta gente estava.

99 O mesmo o falso Mouro determina, Que o seguro Cristão lhe manda e pede; Que a ilha é possuída da malina Gente que segue o torpe Mahamede. Aqui o engano e morte lhe imagina, Porque em poder e forças muito excede A Moçambique esta ilha, que se chama Quíloa, mui conhecida pela fama.

100 Para lá se inclinava a leda frota; Mas a Deusa em Citere celebrada, Vendo como deixava a certa rota Por ir buscar a morte não cuidada, Não consente que em terra tão remota Se perca a gente dela tanto amada. E com ventos contrários a desvia Donde o piloto falso a leva e guia.

101 Mas o malvado Mouro, não podendo Tal determinação levar avante, Outra maldade iníqua cometendo, Ainda em seu propósito constante, Lhe diz que, pois as águas discorrendo Os levaram por força por diante, Que outra ilha tem perto, cuja gente Eram Cristãos com Mouros juntamente.

102 Também nestas palavras lhe mentia, Como por regimento enfim levava, Que aqui gente de Cristo não havia, Mas a que a Mahamede celebrava. O Capitão, que em tudo o Mouro cria, Virando as velas, a ilha demandava; Mas, não querendo a Deusa guardadora, Não entra pela barra, e surge fora.

103 Estava a ilha à terra tão chegada, Que um estreito pequeno a dividia; Uma cidade nela situada, Que na fronte do mar aparecia, De nobres edifícios fabricada, Como por fora ao longe descobria, Regida por um Rei de antiga idade: Mombaça é o nome da ilha e da cidade.

104 E sendo a ela o Capitão chegado, Estranhamente ledo, porque espera De poder ver o povo batizado, Como o falso piloto lhe dissera, Eis vêm batéis da terra com recado Do Rei, que já sabia a gente que era: Que Baco muito de antes o avisara, Na forma doutro Mouro, que tomara.

105 O recado que trazem é de amigos, Mas debaixo o veneno vem coberto; Que os pensamentos eram de inimigos, Segundo foi o engano descoberto. Ó grandes e gravíssimos perigos! Ó caminho de vida nunca certo: Que aonde a gente põe sua esperança, Tenha a vida tão pouca segurança!

106 No mar tanta tormenta, e tanto dano, Tantas vezes a morte apercebida! Na terra tanta guerra, tanto engano, Tanta necessidade avorrecida! Onde pode acolher-se um fraco humano, Onde terá segura a curta vida, Que não se arme, e se indigne o Céu sereno Contra um bicho da terra tão pequeno?