×

We use cookies to help make LingQ better. By visiting the site, you agree to our cookie policy.


image

Cinco Minutos de José de Alencar, Cinco Minutos - José de Alencar - Capítulo 5

Cinco Minutos - José de Alencar - Capítulo 5

Capítulo 5 de Cinco Minutos de José de Alencar. Esta é uma gravação LibriVox, todas as gravações LibriVox estão em domínio público. Para mais informações ou para ser um voluntário, por favor, visite librivox.org. Gravado por Vicente.

Cinco Minutos de José de Alencar. Capítulo 5

Assim ficamos muito tempo imóveis, ela, com a fronte apoiada sobre o meu peito, eu, sob a impressão triste de suas palavras. Por fim ergueu a cabeça; e, recobrando a sua serenidade disse‑me com um tom doce e melancólico: ‑‑ Não pensas que melhor é esquecer do que amar assim? ‑‑ Não! Amar, sentir‑se amado, é sempre um gozo imenso e um grande consolo para a desgraça. O que é triste, o que é cruel, não é essa viuvez da alma separada de sua irmã, não; aí há um sentimento que vive, apesar da morte, apesar do tempo. É, sim, esse vácuo do coração que não tem uma afeição no mundo e que passa como um estranho por entre os prazeres que o cercam. ‑‑ Que santo amor, meu Deus! Era assim que eu sonhava ser amada! ... ‑‑ E me pedias que te esquecesse!... ‑‑ Não! não! Ama‑me; quero que me ames ao menos... ‑‑ Não me fugirás mais? ‑‑ Não. ‑‑ E me deixarás ver aquela que eu amo e que não conheço? perguntei, sorrindo. ‑‑ Desejas? ‑‑ Suplico‑te! ‑‑ Não sou eu tua?... Lancei‑me para a saleta onde havia luz e coloquei o lampião sobre a mesa do gabinete em que estávamos. Para mim, minha prima, era um momento solene; toda essa paixão violenta, incompreensível, todo esse amor ardente por um vulto de mulher, ia depender talvez de um olhar. E tinha medo de ver esvaecer‑se, como um fantasma em face da realidade, essa visão poética de minha imaginação, essa criação que resumia todos os tipos. Foi, portanto, com uma emoção extraordinária que, depois de colocar a luz, voltei‑me. Ah!... Eu sabia que era bela; mas a minha imaginação apenas tinha esboçado o que Deus criara. Ela olhava‑me e sorria. Era um ligeiro sorriso, uma flor que se desfolhava nos seus lábios, um reflexo que iluminava o seu lindo rosto. Seus grandes olhos negros fitavam em mim um desses olhares lânguidos e aveludados que afagam os seios d'alma. Um anel de cabelos negros brincava‑lhe sobre o ombro, fazendo sobressair a alvura diáfana de seu colo gracioso. Tudo quanto a arte tem sonhado de belo e de voluptuoso desenhava‑se naquelas formas soberbas, naqueles contornos harmoniosos que se destacavam entre as ondas de cambraia de seu roupão branco. Vi tudo isto de um só olhar, rápido, ardente e fascinado! depois fui ajoelhar‑me diante dela e esqueci‑me a contemplá‑la. Ela me sorria sempre e se deixava admirar. Por fim tomou‑me a cabeça entre as mãos e seus lábios fecharam‑me os olhos com um beijo. ‑‑ Ama‑me, disse. O sonho esvaeceu‑se. A porta da sala fechou‑se sobre ela, tinha‑me fugido. Voltei ao hotel. Abri a minha janela e sentei‑me ao relento. A brisa da noite trazia‑me de vez em quando um aroma de plantas agrestes que me causava íntimo prazer. Fazia lembrar‑me da vida campestre, dessa existência doce e tranqüila que se passa longe das cidades, quase no seio da natureza. Pensava como seria feliz, vivendo com ela em algum canto isolado, onde pudéssemos abrigar o nosso amor em um leito de flores e de relva. Fazia na imaginação um idílio encantador e sentia‑me tão feliz que não trocaria a minha cabana pelo mais rico palácio da terra. Ela me amava. Só essa idéia embelezava tudo para mim; a noite escura de Petrópolis parecia‑me poética e o murmurejar triste das águas do canal tornava‑se‑me agradável. Uma coisa, porém, perturbava essa felicidade; era um ponto negro, uma nuvem escura que toldava o céu da minha noite de amor. Lembrava‑me daquelas palavras tão cheias de angústia e tão sentidas, que pareciam explicar a causa de sua reserva para comigo: havia nisto um quer que seja que eu não compreendia. Mas esta lembrança desaparecia logo sob a impressão de seu sorriso, que eu tinha em minh'alma, de seu olhar, que eu guardava no coração, e de seus lábios, cujo contato ainda sentia. Dormi embalado por estes sonhos e só acordei quando um raio de sol, alegre e travesso, veio bater‑me nas pálpebras e dar‑me o bom dia. O meu primeiro pensamento foi ir saudar a minha casinha; estava fechada. Eram oito horas. Resolvi dar um passeio para disfarçar a minha impaciência; voltando ao hotel, o criado disse‑me terem trazido um objeto que recomendaram me fosse entregue logo. Em Petrópolis não conhecia ninguém; devia ser dela. Corri ao meu quarto e achei sobre a mesa uma caixinha de pau‑cetim; na tampa havia duas letras de tartaruga incrustadas : C. L. A chave estava fechada em uma sobrecarta com endereço a mim; dispus‑me a abrir a caixa com a mão trêmula e tomado por um triste pressentimento. Parecia‑me que naquele cofre perfumado estava encerrada a minha vida, o meu amor, toda a minha felicidade. Abri. Continha o seu retrato, alguns fios de cabelos e duas folhas de papel escritas por ela e que li de surpresa em surpresa.

Fim do capítulo.


Cinco Minutos - José de Alencar - Capítulo 5 Fünf Minuten - José de Alencar - Kapitel 5 Five Minutes - José de Alencar - Chapter 5 Cinco minutos - José de Alencar - Capítulo 5 Beş Dakika - José de Alencar - Bölüm 5

Capítulo 5 de Cinco Minutos de José de Alencar. Esta é uma gravação LibriVox, todas as gravações LibriVox estão em domínio público. Para mais informações ou para ser um voluntário, por favor, visite librivox.org. Gravado por Vicente.

Cinco Minutos de José de Alencar. Five Minutes of José de Alencar. Capítulo 5

Assim ficamos muito tempo imóveis, ela, com a fronte apoiada sobre o meu peito, eu, sob a impressão triste de suas palavras. So we sat still for a long time, her forehead resting on my chest, me, under the sad impression of her words. Por fim ergueu a cabeça; e, recobrando a sua serenidade disse‑me com um tom doce e melancólico: ‑‑ Não pensas que melhor é esquecer do que amar assim? At last he lifted his head; and, returning to his serenity, he said to me in a sweet, melancholy tone: "Do you not think it better to forget than to love thus?" ‑‑ Não! Amar, sentir‑se amado, é sempre um gozo imenso e um grande consolo para a desgraça. To love, to feel loved, is always an immense joy and a great consolation for misfortune. O que é triste, o que é cruel, não é essa viuvez da alma separada de sua irmã, não; aí há um sentimento que vive, apesar da morte, apesar do tempo. What is sad, what is cruel, is not this widowhood of the soul separated from its sister, no; there is a feeling there that lives on, despite death, despite time. É, sim, esse vácuo do coração que não tem uma afeição no mundo e que passa como um estranho por entre os prazeres que o cercam. It is this heart vacuum that has no affection in the world and passes like a stranger among the pleasures that surround it. ‑‑ Que santo amor, meu Deus! Era assim que eu sonhava ser amada! ...    ‑‑ E me pedias que te esquecesse!... ... -- And you asked me to forget you! ‑‑ Não! não! Ama‑me; quero que me ames ao menos... ‑‑ Não me fugirás mais? He loves me; I want you to love me at least- "" You will not run away? " ‑‑ Não. ‑‑ E me deixarás ver aquela que eu amo e que não conheço? perguntei, sorrindo. I asked, smiling. ‑‑ Desejas? ‑‑ Suplico‑te! ‑‑ Não sou eu tua?... Lancei‑me para a saleta onde havia luz e coloquei o lampião sobre a mesa do gabinete em que estávamos. I threw myself into the room where there was light and placed the lamp on the table in the study we were in. Para mim, minha prima, era um momento solene; toda essa paixão violenta, incompreensível, todo esse amor ardente por um vulto de mulher, ia depender talvez de um olhar. For me, my cousin, it was a solemn moment; all this violent passion, incomprehensible, all this burning love for a figure of woman, was going to depend on a look. E tinha medo de ver esvaecer‑se, como um fantasma em face da realidade, essa visão poética de minha imaginação, essa criação que resumia todos os tipos. And I was afraid to see it vanish like a ghost in the face of reality, this poetic vision of my imagination, that creation that summed up all sorts. Foi, portanto, com uma emoção extraordinária que, depois de colocar a luz, voltei‑me. Ah!... Eu sabia que era bela; mas a minha imaginação apenas tinha esboçado o que Deus criara. I knew it was beautiful; but my imagination had only sketched out what God had created. Ela olhava‑me e sorria. She looked at me and smiled. Era um ligeiro sorriso, uma flor que se desfolhava nos seus lábios, um reflexo que iluminava o seu lindo rosto. It was a slight smile, a flower that peeled off her lips, a reflection that lit up her beautiful face. Seus grandes olhos negros fitavam em mim um desses olhares lânguidos e aveludados que afagam os seios d'alma. His large black eyes stared at me in one of those languid, velvety glances that caress the breasts of his soul. Um anel de cabelos negros brincava‑lhe sobre o ombro, fazendo sobressair a alvura diáfana de seu colo gracioso. A ring of dark hair played over her shoulder, bringing out the diaphanous whiteness of her graceful bosom. Un tirabuzón de pelo negro jugueteaba sobre su hombro, resaltando la blancura diáfana de su grácil pecho. Tudo quanto a arte tem sonhado de belo e de voluptuoso desenhava‑se naquelas formas soberbas, naqueles contornos harmoniosos que se destacavam entre as ondas de cambraia de seu roupão branco. All that art has dreamed of beautiful and voluptuous was drawn in those superb shapes, in those harmonious outlines that stood out among the cambric waves of his white robe. Vi tudo isto de um só olhar, rápido, ardente e fascinado! I saw it all in one glance, fast, ardent and fascinated! depois fui ajoelhar‑me diante dela e esqueci‑me a contemplá‑la. then I went to kneel before her and forgot to look at her. Ela me sorria sempre e se deixava admirar. She always smiled at me and allowed herself to admire. Por fim tomou‑me a cabeça entre as mãos e seus lábios fecharam‑me os olhos com um beijo. Finally he took my head in his hands and his lips closed my eyes with a kiss. Finalmente tomó mi cabeza entre sus manos y sus labios cerraron mis ojos con un beso. ‑‑ Ama‑me, disse. "Love me," he said. O sonho esvaeceu‑se. The dream faded. El sueño se desvaneció. A porta da sala fechou‑se sobre ela, tinha‑me fugido. The living room door closed on her, I had run away. La puerta de la sala se cerró tras ella, se había escapado. La porta del soggiorno si chiuse su di lei, era scappata. Voltei ao hotel. I returned to the hotel. Abri a minha janela e sentei‑me ao relento. I opened my window and sat in the open. Abrí mi ventana y me senté afuera. A brisa da noite trazia‑me de vez em quando um aroma de plantas agrestes que me causava íntimo prazer. The breeze of the night bore from time to time a scent of wild plants that gave me intimate pleasure. Fazia lembrar‑me da vida campestre, dessa existência doce e tranqüila que se passa longe das cidades, quase no seio da natureza. It reminded me of country life, of this sweet and quiet existence that goes far from cities, almost in the midst of nature. Pensava como seria feliz, vivendo com ela em algum canto isolado, onde pudéssemos abrigar o nosso amor em um leito de flores e de relva. I thought how happy I would be, living with her in some isolated corner, where we could shelter our love in a bed of flowers and grass. Fazia na imaginação um idílio encantador e sentia‑me tão feliz que não trocaria a minha cabana pelo mais rico palácio da terra. My imagination was a charming idyll, and I was so happy that I would not trade my hut for the richest palace on earth. Ela me amava. She loved me. Só essa idéia embelezava tudo para mim; a noite escura de Petrópolis parecia‑me poética e o murmurejar triste das águas do canal tornava‑se‑me agradável. Only this idea embellished everything for me; the dark night of Petropolis seemed poetic to me, and the sad murmuring of the waters of the canal would make me agreeable. Uma coisa, porém, perturbava essa felicidade; era um ponto negro, uma nuvem escura que toldava o céu da minha noite de amor. One thing, however, disturbed this happiness; it was a black spot, a dark cloud that clouded the sky of my night of love. Lembrava‑me daquelas palavras tão cheias de angústia e tão sentidas, que pareciam explicar a causa de sua reserva para comigo: havia nisto um quer que seja que eu não compreendia. I remembered those words so filled with anguish and so heartfelt that they seemed to explain the cause of their reservation to me: there was one in which I did not understand. Recordé esas palabras tan llenas de angustia y tan sentidas que parecían explicar el por qué de su reserva hacia mí: había algo en eso que no entendía. Mas esta lembrança desaparecia logo sob a impressão de seu sorriso, que eu tinha em minh'alma, de seu olhar, que eu guardava no coração, e de seus lábios, cujo contato ainda sentia. But this memory faded away under the impression of his smile, which I had in my soul, of his gaze, which I kept in my heart, and of his lips, whose touch I still felt. Dormi embalado por estes sonhos e só acordei quando um raio de sol, alegre e travesso, veio bater‑me nas pálpebras e dar‑me o bom dia. I slept in these dreams and I only woke up when a sunbeam, merry and mischievous, came to beat me on the eyelids and give me the good morning. Dormí arrullado por estos sueños y sólo me desperté cuando un rayo de sol, alegre y travieso, vino a golpearme los párpados y darme los buenos días. O meu primeiro pensamento foi ir saudar a minha casinha; estava fechada. My first thought was to go and say hello to my little house; it was closed. Eram oito horas. It was eight o'clock. Resolvi dar um passeio para disfarçar a minha impaciência; voltando ao hotel, o criado disse‑me terem trazido um objeto que recomendaram me fosse entregue logo. Ich beschloss, einen Spaziergang zu machen, um meine Ungeduld zu verbergen. Als der Bedienstete ins Hotel zurückkehrte, teilte er mir mit, dass er einen Gegenstand mitgebracht habe, den er mir bald ausliefern wollte. I decided to go for a walk to hide my impatience; returning to the hotel, the servant told me that they had brought an object that they recommended to be delivered to me soon. Em Petrópolis não conhecia ninguém; devia ser dela. In Petrópolis I didn't know anyone; it should be hers. Corri  ao  meu  quarto  e  achei  sobre  a  mesa  uma  caixinha  de  pau‑cetim;  na  tampa havia  duas letras  de tartaruga incrustadas : C. L. A chave estava fechada em uma sobrecarta com endereço a mim; dispus‑me a abrir a caixa com a mão trêmula e tomado por um triste pressentimento. I ran to my room and found a little satinwood box on the table; on the lid there were two inlaid tortoiseshell letters: C. L. The key was enclosed in an envelope addressed to me; I set about opening the box with a trembling hand and a sad feeling came over me. Parecia‑me que naquele cofre perfumado estava encerrada a minha vida, o meu amor, toda a minha felicidade. It seemed to me that my life, my love, all my happiness was locked up in that fragrant chest. Abri. Continha o seu retrato, alguns fios de cabelos e duas folhas de papel escritas por ela e que li de surpresa em surpresa. It contained her portrait, a few strands of hair and two sheets of paper written by her and which I read from surprise to surprise.

Fim do capítulo.