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Filosofia - Português Europeu, Pretender o Mal - 11

Pretender o Mal - 11

Deontologia Na filosofia moral — isto é, no nível do pensamento crítico — o duplo efeito só faz sentido integrado numa teoria deontológica da obrigação. Os deontologistas atribuem relevância moral básica às três distinções acima indicadas, embora nem sempre a atribuam a todas elas. Ao fazê-lo afastam-se em duas direcções da perspectiva utilitarista: por um lado, rejeitam a ideia de que é sempre obrigatório maximizar imparcialmente o bem; por outro lado, e este é o aspecto que mais nos interessa, pensam que tal maximização nem sempre é permissível. Os críticos do utilitarismo têm argumentado decisivamente a favor do primeiro tipo de afastamento. Quando os utilitaristas defendem a maximização do bem, estão a exigir que cada agente desenvolva ou preserve os seus projectos e compromissos pessoais apenas na medida em que fazê-lo dê origem à melhor situação global, avaliada de uma perspectiva impessoal. No entanto, as pessoas costumam formar os seus projectos e compromissos independentemente de qualquer contribuição para o maior bem, e por isso dedicam-lhes uma energia e atenção que excedem largamente o que seria apropriado numa tal perspectiva. Deste modo, a um nível prático levar a sério o utilitarismo implicaria abandonar ou negligenciar a maior parte dos nossos projectos e compromissos — deveríamos reestruturar toda a nossa vida em função do Único Grande Projecto digno de atenção. Sendo assim, concluem os críticos, a ética utilitarista não é apenas muito exigente: ameaça a nossa própria integridade, pois obriga-nos a deixar de agir de acordo com os nossos projectos e compromissos pessoais, alienando-nos das nossas acções. Responder a esta objecção é um dos maiores desafios que os utilitaristas têm de enfrentar.

O segundo tipo de afastamento permanece mais controverso. Afinal, por que razão há-de ser por vezes errado dar origem ao melhor estado de coisas? Apontando para casos como o Transplante, o deontologista pode apelar aqui às intuições morais comuns. Se fosse sempre permissível maximizar imparcialmente o bem, o cirurgião poderia assassinar o paciente, o que se nos afigura inaceitável. Para preservar coerentemente as nossas intuições, temos de reconhecer restrições deontológicas: proibições centradas no agente que impedem a realização de certos tipos de actos. Matar pessoas inocentes, por exemplo, é algo que é errado um agente fazer, mesmo quando matar uma pessoa se revele necessário para evitar que outros agentes matem várias pessoas. Os defensores do duplo efeito recorrem à doutrina para delimitar o alcance das restrições deontológicas. Thomas Nagel (1986: 173) é muito claro a este respeito: para violar uma restrição deontológica temos que maltratar alguém intencionalmente. O mal infligido tem de ser algo que fazemos ou escolhemos como um fim ou como um meio, e não algo que não visamos e que as nossas acções se limitam a causar ou a não impedir que se verifique.

No entanto, a ideia de que as intenções têm relevância moral básica é contestada não só pelos utilitaristas, mas também por alguns deontologistas. Aquilo que um agente pretende ao agir de certa maneira, declaram, mesmo que nos possa dizer muito sobre o seu carácter, nunca torna certo ou errado aquilo que ele faz. Gostaria agora de apreciar resumidamente três argumentos a favor desta ideia. Se algum deles fosse convincente, poderíamos desde já excluir a DDE do pensamento moral crítico e assim terminar este estudo. Um desses argumentos é proposto por James Rachels (1986: 93). Imagine-se dois agentes que vão visitar um familiar ao hospital — o primeiro, João, com a intenção de o animar; o segundo, Pedro, com a intenção de ser incluído no testamento. Rachels diz o seguinte sobre estes agentes: A intenção de João foi honrosa, mas a de Pedro não. Poderemos dizer que em virtude disso o que João fez foi certo, mas o que Pedro fez foi errado? Não, porque João e Pedro fizeram a mesma coisa, e se fizeram a mesma coisa, nas mesmas circunstâncias, não podemos dizer que um agiu correctamente e o outro erradamente. A consistência exige que avaliemos similarmente acções semelhantes. Este argumento não pode ser mais que uma simples petição de princípio. É verdade que, sob uma certa descrição, os dois agentes fizeram a mesma coisa, mas as acções são acontecimentos que podem ser descritos de várias maneiras e há descrições que só são satisfeitas pelo acto de um dos agentes. Em vez de descrevermos o que Pedro fez como um acto de visitar um familiar ao hospital podemos dizer, por exemplo, que aquilo que Pedro fez foi manipular um familiar. Esta descrição não é satisfeita pelo acto de João, e por isso não é verdade que ambos tenham feito a mesma coisa. Se dissermos que ainda assim fizeram a mesma coisa nos aspectos moralmente relevantes, tomando como irrelevante a segunda descrição do que Pedro fez por esta dizer respeito à sua intenção, estaremos a pressupor o que queremos provar. Além disso, podemos construir um argumento análogo para «refutar» o utilitarismo mostrando que as consequências dos actos são irrelevantes para a avaliação da conduta. Uma vez mais, João e Pedro vão visitar um familiar ao hospital, mas embora este último fique muito satisfeito com a visita do primeiro, a visita do segundo deixa-o extremamente deprimido. Poderemos dizer que, em virtude das consequências dos actos, o que João fez foi certo, mas o que Pedro fez foi errado? Não, porque João e Pedro fizeram a mesma coisa, e se fizeram a mesma coisa, nas mesmas circunstâncias, não podemos dizer que um agiu correctamente e o outro erradamente. A consistência exige que avaliemos similarmente acções semelhantes. É óbvio que se aceitássemos o argumento de Rachels teríamos também de aceitar este argumento contra o utilitarismo. Rachels (1986: 92) esboça outro argumento contra a relevância das intenções quando diz: «Se [um] acto é errado com uma intenção, como pode ser certo com outra? É difícil ver como se pode fazer uma transformação do errado para o certo simplesmente “purificando a intenção”.» De acordo com esta objecção, se as intenções pudessem determinar a correcção de um acto, então, para tornar certo aquilo que fazemos, muitas vezes bastaria «dirigir a nossa intenção» de uma maneira apropriada, mantendo a nossa mente afastada das más consequências do que fazemos. E parece inaceitável que a correcção de um acto possa alguma vez depender desta espécie de ginástica mental privada. Singer (1993: 230), que considera «artificiosa» a distinção intenção/previsão, põe a questão nestes termos: «Não podemos evitar a responsabilidade dirigindo simplesmente a nossa intenção para um efeito em vez de outro.» Os defensores da DDE respondem dizendo que esta objecção pressupõe uma perspectiva errada da intenção. Gertrude Anscombe (1962: 257) chama «psicologia cartesiana» a essa perspectiva. «De acordo com esta psicologia», declara, «uma intenção é um acto interior da mente que pode ser realizado sempre que quisermos.» Mas, sugere Anscombe, a verdade é que não podemos gerar e eliminar intenções a nosso bel-prazer, e por isso a objecção carece de fundamento. David Oderberg (2000b: 101-5) desenvolve esta crítica fazendo notar que, mesmo que um agente afirme com toda a sinceridade e veemência que não pretendia que um certo mau resultado se verificasse, isso não prova que tal resultado tenha sido meramente previsto: para determinar as suas intenções é preciso examinar o seu comportamento e as circunstâncias em que este teve lugar. Se o agente não fez o que podia para atenuar o mau efeito ou até para impedir a sua ocorrência, isso constitui evidência de que o mesmo foi pretendido, o que não seria o caso se pudéssemos dirigir as intenções como bem entendêssemos. Curiosamente, a ideia de que as intenções estão excessivamente fora do nosso controle também milita a favor da sua irrelevância moral. Bennett (1995: 195-6) deixa isto claro expondo o seguinte argumento, o último que agora nos interessa: (1) Aquilo que pretendemos ao agir de certa maneira é definido pelas crenças e desejos que nos levam a agir dessa maneira; (2) não podemos gerar e eliminar crenças e desejos à nossa vontade; logo, (3) não podemos gerar e eliminar intenções à nossa vontade, o que implica que (4) as intenções não estão sob o domínio da ética. Isto significa que a ética não se dirige às intenções imediatamente futuras dos agentes: não nos diz o que podemos ou devemos pretender, tal como nos diz como podemos ou devemos comportar-nos. No entanto, como Bennett reconhece, este argumento é falacioso, pois não podemos inferir (3) a partir de (1) e (2): embora aparentemente não faça sentido proibir um agente de ter uma certa crença ou um certo desejo, faz sentido proibi-lo de agir em função dessa crença e desse desejo, ou seja, de pretender um certo resultado. Sem pressupor o utilitarismo ou algum outro tipo de consequencialismo, permanecemos assim sem qualquer razão para recusar relevância moral às intenções, mas é claro que isto não dispensa os defensores da DDE de apresentar razões para conceder tal relevância. Embora a apreciação das suas tentativas de justificar a doutrina esteja reservada para o terceiro capítulo, é útil ficarmos desde já com uma noção do seu conteúdo. Um exame à literatura permite identificar três tentativas principais. Temos, em primeiro lugar, a justificação tradicional da doutrina, proposta por absolutistas como Anscombe e Boyle. Sem a doutrina, defendem, seria impossível reconhecer proibições morais absolutas, mas como o absolutismo é verdadeiro devemos aceitar o duplo efeito. A segunda justificação a considerar foi introduzida por Quinn e parte da sua versão muito peculiar da doutrina, que introduzirei no próximo capítulo. Quinn pensa que a DDE se justifica em virtude de reflectir «um ideal kantiano de comunidade e interacção humanas» (1989: 37), pois em seu entender a doutrina discrimina negativamente um tipo de agência em que o agente trata os outros como se estes existissem para servir os seus propósitos. Por fim, encontramos uma justificação baseada no método do equilíbrio recíproco. Entre os deontologistas que advogam este método controverso, alguns, como Foot, subscrevem a DDE por pensarem que esta é necessária «para pôr a teoria moral de acordo com os pensamentos morais comuns» (1985: 71).

Notas:

7 Este tipo de afastamento é proposto de uma forma muito desenvolvida e sistemática por Samuel Scheffler (1982: 7-10, 41-70).

8 Para um desenvolvimento desta crítica, veja-se Oderberg (2000b: 105-10).

Pretender o Mal - 11 Intend Evil - 11 Intención de mal - 11 Intention de nuire - 11 Intenzione di male - 11

Deontologia Na filosofia moral — isto é, no nível do pensamento crítico — o duplo efeito só faz sentido integrado numa teoria deontológica da obrigação. Os deontologistas atribuem relevância moral básica às três distinções acima indicadas, embora nem sempre a atribuam a todas elas. Ao fazê-lo afastam-se em duas direcções da perspectiva utilitarista: por um lado, rejeitam a ideia de que é sempre obrigatório maximizar imparcialmente o bem; por outro lado, e este é o aspecto que mais nos interessa, pensam que tal maximização nem sempre é permissível. Os críticos do utilitarismo têm argumentado decisivamente a favor do primeiro tipo de afastamento. Quando os utilitaristas defendem a maximização do bem, estão a exigir que cada agente desenvolva ou preserve os seus projectos e compromissos pessoais apenas na medida em que fazê-lo dê origem à melhor situação global, avaliada de uma perspectiva impessoal. No entanto, as pessoas costumam formar os seus projectos e compromissos independentemente de qualquer contribuição para o maior bem, e por isso dedicam-lhes uma energia e atenção que excedem largamente o que seria apropriado numa tal perspectiva. Deste modo, a um nível prático levar a sério o utilitarismo implicaria abandonar ou negligenciar a maior parte dos nossos projectos e compromissos — deveríamos reestruturar toda a nossa vida em função do Único Grande Projecto digno de atenção. Sendo assim, concluem os críticos, a ética utilitarista não é apenas muito exigente: ameaça a nossa própria integridade, pois obriga-nos a deixar de agir de acordo com os nossos projectos e compromissos pessoais, alienando-nos das nossas acções. Responder a esta objecção é um dos maiores desafios que os utilitaristas têm de enfrentar.

O segundo tipo de afastamento permanece mais controverso. Afinal, por que razão há-de ser por vezes errado dar origem ao melhor estado de coisas? Apontando para casos como o Transplante, o deontologista pode apelar aqui às intuições morais comuns. Se fosse sempre permissível maximizar imparcialmente o bem, o cirurgião poderia assassinar o paciente, o que se nos afigura inaceitável. Si siempre estuviera permitido maximizar el bien imparcialmente, el cirujano podría asesinar al paciente, lo que nos parece inaceptable. Para preservar coerentemente as nossas intuições, temos de reconhecer restrições deontológicas: proibições centradas no agente que impedem a realização de certos tipos de actos. Matar pessoas inocentes, por exemplo, é algo que é errado um agente fazer, mesmo quando matar uma pessoa se revele necessário para evitar que outros agentes matem várias pessoas. Os defensores do duplo efeito recorrem à doutrina para delimitar o alcance das restrições deontológicas. Thomas Nagel (1986: 173) é muito claro a este respeito: para violar uma restrição deontológica temos que maltratar alguém intencionalmente. O mal infligido tem de ser algo que fazemos ou escolhemos como um fim ou como um meio, e não algo que não visamos e que as nossas acções se limitam a causar ou a não impedir que se verifique. El daño infligido debe ser algo que hacemos o elegimos como fin o como medio, y no algo que no pretendemos y que nuestras acciones simplemente causan o no impiden que suceda.

No entanto, a ideia de que as intenções têm relevância moral básica é contestada não só pelos utilitaristas, mas também por alguns deontologistas. Aquilo que um agente pretende ao agir de certa maneira, declaram, mesmo que nos possa dizer muito sobre o seu carácter, nunca torna certo ou errado aquilo que ele faz. Gostaria agora de apreciar resumidamente três argumentos a favor desta ideia. A continuación quisiera examinar brevemente tres argumentos a favor de esta idea. Se algum deles fosse convincente, poderíamos desde já excluir a DDE do pensamento moral crítico e assim terminar este estudo. Um desses argumentos é proposto por James Rachels (1986: 93). Imagine-se dois agentes que vão visitar um familiar ao hospital — o primeiro, João, com a intenção de o animar; o segundo, Pedro, com a intenção de ser incluído no testamento. Rachels diz o seguinte sobre estes agentes: A intenção de João foi honrosa, mas a de Pedro não. Poderemos dizer que em virtude disso o que João fez foi certo, mas o que Pedro fez foi errado? Não, porque João e Pedro fizeram a mesma coisa, e se fizeram a mesma coisa, nas mesmas circunstâncias, não podemos dizer que um agiu correctamente e o outro erradamente. A consistência exige que avaliemos similarmente acções semelhantes. Este argumento não pode ser mais que uma simples petição de princípio. É verdade que, sob uma certa descrição, os dois agentes fizeram a mesma coisa, mas as acções são acontecimentos que podem ser descritos de várias maneiras e há descrições que só são satisfeitas pelo acto de um dos agentes. Em vez de descrevermos o que Pedro fez como um acto de visitar um familiar ao hospital podemos dizer, por exemplo, que aquilo que Pedro fez foi manipular um familiar. Esta descrição não é satisfeita pelo acto de João, e por isso não é verdade que ambos tenham feito a mesma coisa. Se dissermos que ainda assim fizeram a mesma coisa nos aspectos moralmente relevantes, tomando como irrelevante a segunda descrição do que Pedro fez por esta dizer respeito à sua intenção, estaremos a pressupor o que queremos provar. Além disso, podemos construir um argumento análogo para «refutar» o utilitarismo mostrando que as consequências dos actos são irrelevantes para a avaliação da conduta. Uma vez mais, João e Pedro vão visitar um familiar ao hospital, mas embora este último fique muito satisfeito com a visita do primeiro, a visita do segundo deixa-o extremamente deprimido. Poderemos dizer que, em virtude das consequências dos actos, o que João fez foi certo, mas o que Pedro fez foi errado? Não, porque João e Pedro fizeram a mesma coisa, e se fizeram a mesma coisa, nas mesmas circunstâncias, não podemos dizer que um agiu correctamente e o outro erradamente. A consistência exige que avaliemos similarmente acções semelhantes. É óbvio que se aceitássemos o argumento de Rachels teríamos também de aceitar este argumento contra o utilitarismo. Rachels (1986: 92) esboça outro argumento contra a relevância das intenções quando diz: «Se [um] acto é errado com uma intenção, como pode ser certo com outra? É difícil ver como se pode fazer uma transformação do errado para o certo simplesmente “purificando a intenção”.» De acordo com esta objecção, se as intenções pudessem determinar a correcção de um acto, então, para tornar certo aquilo que fazemos, muitas vezes bastaria «dirigir a nossa intenção» de uma maneira apropriada, mantendo a nossa mente afastada das más consequências do que fazemos. E parece inaceitável que a correcção de um acto possa alguma vez depender desta espécie de ginástica mental privada. Singer (1993: 230), que considera «artificiosa» a distinção intenção/previsão, põe a questão nestes termos: «Não podemos evitar a responsabilidade dirigindo simplesmente a nossa intenção para um efeito em vez de outro.» Os defensores da DDE respondem dizendo que esta objecção pressupõe uma perspectiva errada da intenção. Gertrude Anscombe (1962: 257) chama «psicologia cartesiana» a essa perspectiva. «De acordo com esta psicologia», declara, «uma intenção é um acto interior da mente que pode ser realizado sempre que quisermos.» Mas, sugere Anscombe, a verdade é que não podemos gerar e eliminar intenções a nosso bel-prazer, e por isso a objecção carece de fundamento. David Oderberg (2000b: 101-5) desenvolve esta crítica fazendo notar que, mesmo que um agente afirme com toda a sinceridade e veemência que não pretendia que um certo mau resultado se verificasse, isso não prova que tal resultado tenha sido meramente previsto: para determinar as suas intenções é preciso examinar o seu comportamento e as circunstâncias em que este teve lugar. Se o agente não fez o que podia para atenuar o mau efeito ou até para impedir a sua ocorrência, isso constitui evidência de que o mesmo foi pretendido, o que não seria o caso se pudéssemos dirigir as intenções como bem entendêssemos. Curiosamente, a ideia de que as intenções estão excessivamente fora do nosso controle também milita a favor da sua irrelevância moral. Bennett (1995: 195-6) deixa isto claro expondo o seguinte argumento, o último que agora nos interessa: (1) Aquilo que pretendemos ao agir de certa maneira é definido pelas crenças e desejos que nos levam a agir dessa maneira; (2) não podemos gerar e eliminar crenças e desejos à nossa vontade; logo, (3) não podemos gerar e eliminar intenções à nossa vontade, o que implica que (4) as intenções não estão sob o domínio da ética. Bennett (1995: 195-6) lo aclara exponiendo el siguiente argumento, el último que nos interesa ahora: (1) Lo que pretendemos al actuar de una determinada manera viene definido por las creencias y deseos que nos llevan a actuar de esa manera; (2) no podemos generar y eliminar creencias y deseos a voluntad; por tanto, (3) no podemos generar y eliminar intenciones a voluntad, lo que implica que (4) las intenciones no están bajo el dominio de la ética. Isto significa que a ética não se dirige às intenções imediatamente futuras dos agentes: não nos diz o que podemos ou devemos pretender, tal como nos diz como podemos ou devemos comportar-nos. No entanto, como Bennett reconhece, este argumento é falacioso, pois não podemos inferir (3) a partir de (1) e (2): embora aparentemente não faça sentido proibir um agente de ter uma certa crença ou um certo desejo, faz sentido proibi-lo de agir em função dessa crença e desse desejo, ou seja, de pretender um certo resultado. Sin embargo, como reconoce Bennett, este argumento es falaz, porque no podemos inferir (3) de (1) y (2): aunque aparentemente no tenga sentido prohibir a un agente que tenga una determinada creencia o un determinado deseo, sí tiene sentido prohibirle que actúe de acuerdo con esa creencia y ese deseo, es decir, que quiera un determinado resultado. Sem pressupor o utilitarismo ou algum outro tipo de consequencialismo, permanecemos assim sem qualquer razão para recusar relevância moral às intenções, mas é claro que isto não dispensa os defensores da DDE de apresentar razões para conceder tal relevância. Embora a apreciação das suas tentativas de justificar a doutrina esteja reservada para o terceiro capítulo, é útil ficarmos desde já com uma noção do seu conteúdo. Um exame à literatura permite identificar três tentativas principais. Temos, em primeiro lugar, a justificação tradicional da doutrina, proposta por absolutistas como Anscombe e Boyle. Sem a doutrina, defendem, seria impossível reconhecer proibições morais absolutas, mas como o absolutismo é verdadeiro devemos aceitar o duplo efeito. A segunda justificação a considerar foi introduzida por Quinn e parte da sua versão muito peculiar da doutrina, que introduzirei no próximo capítulo. Quinn pensa que a DDE se justifica em virtude de reflectir «um ideal kantiano de comunidade e interacção humanas» (1989: 37), pois em seu entender a doutrina discrimina negativamente um tipo de agência em que o agente trata os outros como se estes existissem para servir os seus propósitos. Por fim, encontramos uma justificação baseada no método do equilíbrio recíproco. Entre os deontologistas que advogam este método controverso, alguns, como Foot, subscrevem a DDE por pensarem que esta é necessária «para pôr a teoria moral de acordo com os pensamentos morais comuns» (1985: 71).

Notas:

7 Este tipo de afastamento é proposto de uma forma muito desenvolvida e sistemática por Samuel Scheffler (1982: 7-10, 41-70).

8 Para um desenvolvimento desta crítica, veja-se Oderberg (2000b: 105-10).