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Tempero Drag - Política, ESTEREÓTIPO

ESTEREÓTIPO

Senhor diretor, meu bem, instala o chuveiro pra mim.

Rita, não sei instalar chuveiro. (voz do diretor)

Mas o senhor não é homem?

Sou, mas... (voz do diretor)

Bom, como você já deve ter visto, em algum local desta tela, o tema do vídeo de hoje

é: "Estereótipos". E senta que lá vem história.

Bom, eu sempre gosto de dar início às nossas reflexões propondo

um exercício imaginativo de forma mais prática, né?

Pra que a gente já estabeleça uma relação de horizontalidade

com que vamos aprender. E a primeira coisa quando

a gente traz, aqui, em mente, "estereótipos" é, talvez,

fazer um exercício imaginativo. Eu gostaria

que você, que tá me assistindo, fechasse os olhinhos.

Vamos lá, eu sou um vídeo, mas eu sinto quem

tá de olho aberto. Depois pra eu achar onde você mora e te esfaquear é 1, 2.

Agora, de olhos fechados, eu vou pedir que você traga à mente a primeira imagem

que vem quando você escuta as seguintes palavras:

Palavra número um: "travesti".

Palavra número dois: "mulata".

Palavra número três: "meliante", "delinquente", "menor infrator".

E, agora, eu peço que você abra os olhos.

Bom, essas imagens que apareceram na sua cabeça

elas são resultados de um processo intrincado

de fazer parte de uma cultura, né? É um processo

cognitivo, quase que involuntário, através do qual

essa imagem, que tá armazenada dentro da sua

memória, é trazida à tona quando a gente precisa

fazer com que esse som signifique algo. E essas imagens

elas estão colocadas nas nossas mentes via

nossa vivência, nossa experiência e nossa cultura.

A gente não controla o campo da cultura.

Aqui, no canal, a gente fala muito sobre isso.

E a grande questão central de pensar "estereótipo" é pensar:

quando eu te convidei a pensar "travesti", a imagem

que veio na sua cabeça era periférica? Era imagem

de exclusão? Tava hipersexualizada? Tava relegada à prostituição?

Quando eu falei "mulata", tinha alguma coisa a ver

com as mulatas do Sargentelli? Como "mulata tipo exportação"?

Tinha a ver com o corpo nu da globeleza, domingo

no horário nobre, só coberto de glitter, sambando

para que você, família tradicional brasileira, se divertisse ao assistir?

E, por um acaso, o "meliante", o "delinquente",

o "menor infrator" eram racializados? Eram corpos

marcados pela negritude? Eles estavam periféricos,

eles eram corpos reconhecíveis como "da favela"?

E se você respondeu "sim" pra alguma dessas coisas,

eu não sou adivinha, né? Eu tô só fazendo um processo

de análise da nossa cultura e de quais são as

imagens que permeiam os nossos meios de comunicação

e, muito provavelmente, se ligam a esse significado

ideal que esse som puxa no nosso cérebro.

O que eu pretendo mostrar, aqui no vídeo muito curto, é como esse

processo de estereotipagem tem efeitos e impactos

negativos em toda nossa vida e, por

exemplo, na nossa pretensa democracia.

"Mas, Dona Rita, estereótipo é só negativo?"

E aí, logo de cara, eu te respondo, a gente vai ver isso

durante o vídeo, mas, de primeira, depende.

Depende para quem, né? Você que tá vendo o vídeo,

já foi autuado, autuada, autuade pela polícia? Já tomou

um enquadro? Já foi alvo de revista policial?

De violência policial? Blitz da Lei Seca, já pararam

seu carro? E aí a resposta, talvez, tem a ver com

o estereótipo. Porque que alguns carros são parados

e outros não. Porque que alguns corpos são abordados

com violência e outros não. E tudo isso tem a ver

com essa ideia. Será que existem estereótipos

positivos? Ô se existem, né? Basta conversar com

quem nunca tomou enquadro da polícia. Nunca

foi parado por uma blitz, etc, etc, etc.

Como boa aluna que sou do Raymond Williams, eu quero aqui traçar com vocês,

talvez, primeiro, um entendimento da palavra "estereótipo".

Neste livro do Raymond Williams, "Palavras-chave",

o Seu Raimundinho vai fazer uma pesquisa atenciosa

para quando palavras entram na língua inglesa

e o que elas significam então. Quais são os processos

sociais que transformam seus significados

e o que acontece toda vez que existe uma disputa

pelo sentido das palavras. Quando a gente pensa

em "estereótipo", a gente tá falando de dois radicais

gregos: "esteros", que ainda tá vivo no português como "austeridade", né?

Essa coisa rígida, dura. E "tipos", que ainda tá

vivo no português como "tipógrafo", "tipologia"

é "que é escrita". Logo, "estero" "tipos", né, seria uma escrita dura, rígida

O primeiro uso que a gente tem registrado é de

1798, por esse rapaz simpático, Firmim Didot,

que trabalhava com prensa, com a imprensa na Europa. E "estereótipo"

surge como "rebimboca da parafuseta", o nome duma

peça numa indústria, né? O "estereótipo" era uma

chapa dura de metal, rígida, que era usada, no

lugar do original, para fazer cópias em sequência.

Atentem para o fato de que, em 1850, no dicionário

de Oxford, a gente tem a primeira entrada do termo,

na língua inglesa, então ele vem do francês

para o inglês, não mais como rebimboca da parafuseta,

não mais como uma peça numa indústria, mas já como

uma imagem. É um substantivo que designa uma

imagem replicada, em série, sem alterações.

Essa já é uma noção muito aproximada da que a

gente tem hoje quando pensa em estereótipo, mas eu vou

levar a gente além. 1922 é um ano no qual Walter

Lippmann, esse jornalista norte-americano

publica um livro, famosérrimo pra quem estuda Teoria

da Comunicação, que é "The Public Opinion", né, "Opinião Pública".

E eu acredito que bons livros eles fazem esse

trabalho de, já no título, nos informarem ao que vieram.

Opinião Pública? "Pera! Opinião não era particular? Privada?

A gente não fala 'essa é a minha opinião?"

Então, o que que Walter Lippmann, em 1922, tá querendo dizer quando

ele chama um livro de "A Opinião Pública"? E essa

é uma discussão para a gente ter no horizonte quando

pensa o estereótipo como um fenômeno social.

Meu capítulo preferido da obra, é o capítulo 15,

onde Walter Lippmann vai debater conosco que

a noção de democracia passa por uma mudança,

sem precedentes, a partir do momento que a gente

tem um quarto poder, uma imprensa. Walter está

debatendo a democracia norte-americana de

mil novecentos... então, pera... é democracia? Pobre vota? Favelado vota? Preto vota?

Analfabeto vota? Mulher vota? Aqui, no Brasil,

a mulher só ia começar a votar, de forma FA-CUL-TA-TI-VA,

lá pros anos 30, começo dos anos 30. Então, primeiro, né,

não é democracia. Não, não são todos que participam,

não é democracia porque não é para todos, né?

Chama "ditadura da burguesia", mas bora lá. Vamos entender do que que eu tô falando.

Então, nesse livro, "Opinião Pública", o Walter Lippmann tá tentando

fazer com que a gente ENTENDA que essa classe

capaz de produzir e circular mensagens, imagens

e ideias, tende a desenvolver uma coisa

que ele chama de "a fabricação do consenso" e esse

termo é ótimo porque "fa-bri-ca-ção" nos chama a atenção

pra um processo industrial, um processo de

produção em série. E quando a gente tem em mente as mídias

que conhecemos, inclusive as redes sociais,

é disso que a gente tá falando, de uma produção em série de um conteúdo

que pode gerar consensos nas pessoas que apenas

acessam este conteúdo por esta via. Daí a importância

de você entender quem é a pessoa, a classe, a empresa

que produz as informações que você acessa. É,

quais são os interesses dessa pessoa, classe, empresa.

E o que acontece quando a sua única fonte

de acesso à informação é UMA fonte exclusiva.

Inclusive esse tema da "manufatura do consenso",

ele vai ser desdobrado aqui, no Ocidente, muito

depois do Walter Lippmann. Tem esse livro, de 88, do Noam Chomsky,

e do Edward S. Herman, chamado "Manufaturando", né, "Fabricando

o Consenso - o processo político da mídia de massas".

No Brasil, também, o Paulo Henrique Amorim publicou esse

"O Quarto Poder", né? No qual ele vai tentar entender,

desde o Vargas até o PT, o que que acontece e como

são esses movimentos de aproximação da mídia com

a política, quão política é a mídia.

"Mas, Dona Rita, a gente não veio discutir estereótipo?"

Mas, meus anges, vocês acham que os estereótipos que são

produzidos em uma cultura, são produzidos, circulados

e se agarram como significado aos nossos termos

através do quê? Eu espero que vá ficando delimitado pra vocês

que esse processo de produzir o estereótipo,

ele é, como tudo, um processo industrial e, portanto,

político. Ou vocês nunca perceberam que os grupos

pior estereotipados são os grupos minorizados

politicamente? Pra Psicologia Social, a gente

tem três momentos importantes, no século passado,

no Século 20, pra pensar o estudo do estereótipo.

O primeiro momento, sendo esse estudo seminal

do Daniel Katz e do Kenneth Braly, pra entende como grupos são estereotipados.

E eles vão pegar um grupo de alunos de uma universidade

de elite, em 33 (1933), nos Estados Unidos (ou seja,

grupo de homens brancos) E vão apresentar para

esse grupo uma série de estereótipos raciais:

italiano, negro, polonês, cigano e vão pedir, então,

que os alunos adequem, a esses estereótipos

raciais, adjetivos que eles podem escolher

de uma caixa com opções. Talvez não seja surpresa

para ninguém que o único grupo que vai receber

adjetivos positivos é o grupo do norte-americano branco.

Os demais grupos todos vão ser retratados com

adjetivos negativos como preguiçoso, displicente,

corrupto e etc. É ainda lá nesse estudo de 33, que a gente

começa a se instrumentalizar com palavras

diferentes para debater o tema: estereótipo,

preconceito e discriminação. Estereótipo sendo essa

esfera cognitiva, quase inconsciente,

de como circulam as imagens naquela cultura

e de como aquelas imagens aparecem para nós.

Se agente desce um pouco, a gente chegaria em preconceito

sendo resultado do estereótipo e se debruçando

sobre um campo sentimental. A gente passa dum campo

de cognição pra um campo afetivo e o preconceito

é como a gente se sente em relação a grupos estereotipados.

Se a gente caminhar um passo além, quando esse

sentimento vira ação, nós estamos falando de consciência

e de discriminação. Toda discriminação é consciente

e ela é um processo onde estereótipo vira preconceito e, agora,

preconceito vira política. Vira uma forma de agir

no mundo. Os estudos mais pro meado do século

passado, eles vão nos ajudar a entender que o estereótipo

nem sempre é negativo. A gente começa a pensar

os estereótipos nessas duas linhas como competência

e amistosidade. Competência sendo "qual é o status

com qual aquele grupo é representado naquela

sociedade?". E amistosidade é "aquele grupo compete

comigo por recursos ou vagas?". A partir daí, a gente

teria, por exemplo, a ideia "judeu", na Europa

Um grupo entendido como "pouco amistoso" porque existe

competição por vagas, por recursos. E "muito competente"

porque, normalmente, alcança posições de destaque.

Esse seria o resultado de uma estrutura de sentimento

em relação ao estereótipo. Quando lá do início do vídeo,

eu peço que você imagine a mulata e esse

corpo específico, que durante muito tempo,

na cultura brasileira, era colocado nu, semi nu,

hipersexualizado, associado ao Carnaval, associado

a exploração sexual. Quando esse corpo aparece,

no jogo da velha, a gente teria algo como "baixa

competência" e "alta amistosidade". É um corpo

que não compete com o meu por recursos, por vagas,

mas é um corpo retratado como de baixo nível

intelectual. A partir daqui, toda vez que a gente

troca o grupo que olha e o grupo que é representado,

a gente conseguiria, nesse joguinho da velha, entender

qual é o estereótipo, o preconceito e a discriminação

que advém daí. Em 1995, existe um estudo seminal,

também publicado, que entende a ameaça do estereótipo

e é uma investigação sobre o desempenho intelectual

de alunos afro-americanos nos Estados Unidos.

Esse estudo foi feito pelo Claude Steele e o Joshua Aronson.

Basicamente é uma prova que vai ser aplicada

em quatro contextos diferentes sendo sempre

a mesma prova. Numa universidade de elite, Standord, nos

Estados Unidos. Os alunos são recolhidos em

nível racial parecido, então eles são submetidos

a uma prova, um número X de alunos afrodescendentes e

número X de alunos não afrodescendentes, ou

seja, brancos e racializados, na sua maioria,

afrodescendentes. Na primeira fase do teste,

ele é aplicado como um teste corriqueiro, que não

não vai ter impacto na vida acadêmica dos alunos,

que não vai medir nada. Que é um teste de rotina.

E os alunos brancos e negros performam mais ou menos

igual. Existe um outro cenário no qual,

antes de ser aplicado, existe uma pressão que é feita

"Esse teste mede a capacidade intelectual,

ele pode ter resultado na sua bolsa de estudos, ele é muito

importante para a universidade, você vai ficar

conhecida pelo seu resul..." E aí os alunos negros performam

pior que os alunos brancos. Na mesma prova. O teste

é reformulado e, agora, a primeira página dele, dessa segunda etapa,

é um questionário socioeconômico. Na

primeira vez que ele é aplicado, não existe nenhuma

pergunta referente a etnia ou raça e alunos

brancos e negros performam mais ou menos iguais.

No segundo cenário, o teste pergunta coisas como

grau de instrução dos pais, dos avós. E aí eu peço

que você imagine um aluno ou uma aluna afrodescendente,

em 1995, quando pensa sobre seus avós, tá pensando

nas leis de segregação racial "Jim Craw", dos Estados Unidos

Tá pensando num processo de Apartheid,

violência, apagamento, assassinato, perseguição.

E "grau de instrução"? Que tipo de pergunta é essa?

E esse questionário socioeconômico se encerra pedindo que o aluno preencha a sua etnia,

se ele é branco, hispânico, afrodescendente ou outro.

O resultado é que os alunos afrodescendentes performam

muito pior do que os alunos brancos.

A partir desse estudo, a gente absorve o entendimento

de que os estereótipos têm impacto nos nossos desempenhos,

nos nossos seres sociais, quer acreditemos

neles ou não. Estar exposto a essa situação de

estigma, de estresse, né? Tem um impacto super

negativo sobre quem a gente é, como a gente se comporta,

qual é o resultado da nossa produtividade em

sociedade e também na nossa saúde psíquica.

"Mas, Dona Ritinha, como a gente combate o estereótipo?"

Bom, existem muitas frentes de combate. Aqui, eu poderia falar, talvez,

de uma ação numa micro esfera pessoal

e numa macro esfera política. Nessa micro esfera pessoal,

a gente precisa, ativamente, buscar outras referências.

Como quando a gente debate a questão da representatividade,

a importância de saber intelectuais

mulheres negras e mostrar para as pessoas que

esse caminho existe e que as mulheres negras

são intelectuais, não são apenas corpos que sambam

na TV. No entanto, a micro esfera e a representatividade

não são pontos de mudança e transformação social.

Quando a gente pensa nossa macro esfera, quando a gente

pensa o confronto político e histórico das

classes é aí que a gente tá falando sobre transformações

sociais. E aí a gente pode ter em mente sistemas

de cotas, a gente pode ter em mente leis que reformam

sistemas. Mas tudo isso ainda não muda as coisas

como um todo, né? O que mudaria seria a possibilidade

de que imagens e ideias não fossem produzidas

e circuladas por uma única classe. Que os processos

de violência não fossem destinados a um único

grupo racial. Que funções sociais não fossem desempenhadas

por um único gênero. E a única coisa que pode transformar

isso é uma mudança estrutural na sociedade.

Bom, essa fui eu tentando resumir uma aula minha

de 4 horas num videozinho de 20 minutos.

Espero que vocês saiam daqui com questionamentos,

com apontamentos e com referências pra continuar

a provocação, a discussão e a reflexão de vocês.

É isso. Muito obrigada e até a próxima. Um beijinho. Tchaaau.


ESTEREÓTIPO STEREOTYPE

Senhor diretor, meu bem, instala o chuveiro pra mim.

Rita, não sei instalar chuveiro. (voz do diretor)

Mas o senhor não é homem?

Sou, mas... (voz do diretor)

Bom, como você já deve ter visto, em algum local desta tela, o tema do vídeo de hoje

é: "Estereótipos". E senta que lá vem história.

Bom, eu sempre gosto de dar início às nossas reflexões propondo

um exercício imaginativo de forma mais prática, né?

Pra que a gente já estabeleça uma relação de horizontalidade

com que vamos aprender. E a primeira coisa quando

a gente traz, aqui, em mente, "estereótipos" é, talvez,

fazer um exercício imaginativo. Eu gostaria

que você, que tá me assistindo, fechasse os olhinhos.

Vamos lá, eu sou um vídeo, mas eu sinto quem

tá de olho aberto. Depois pra eu achar onde você mora e te esfaquear é 1, 2.

Agora, de olhos fechados, eu vou pedir que você traga à mente a primeira imagem

que vem quando você escuta as seguintes palavras:

Palavra número um: "travesti".

Palavra número dois: "mulata".

Palavra número três: "meliante", "delinquente", "menor infrator".

E, agora, eu peço que você abra os olhos.

Bom, essas imagens que apareceram na sua cabeça

elas são resultados de um processo intrincado

de fazer parte de uma cultura, né? É um processo

cognitivo, quase que involuntário, através do qual

essa imagem, que tá armazenada dentro da sua

memória, é trazida à tona quando a gente precisa

fazer com que esse som signifique algo. E essas imagens

elas estão colocadas nas nossas mentes via

nossa vivência, nossa experiência e nossa cultura.

A gente não controla o campo da cultura.

Aqui, no canal, a gente fala muito sobre isso.

E a grande questão central de pensar "estereótipo" é pensar:

quando eu te convidei a pensar "travesti", a imagem

que veio na sua cabeça era periférica? Era imagem

de exclusão? Tava hipersexualizada? Tava relegada à prostituição?

Quando eu falei "mulata", tinha alguma coisa a ver

com as mulatas do Sargentelli? Como "mulata tipo exportação"?

Tinha a ver com o corpo nu da globeleza, domingo

no horário nobre, só coberto de glitter, sambando

para que você, família tradicional brasileira, se divertisse ao assistir?

E, por um acaso, o "meliante", o "delinquente",

o "menor infrator" eram racializados? Eram corpos

marcados pela negritude? Eles estavam periféricos,

eles eram corpos reconhecíveis como "da favela"?

E se você respondeu "sim" pra alguma dessas coisas,

eu não sou adivinha, né? Eu tô só fazendo um processo

de análise da nossa cultura e de quais são as

imagens que permeiam os nossos meios de comunicação

e, muito provavelmente, se ligam a esse significado

ideal que esse som puxa no nosso cérebro.

O que eu pretendo mostrar, aqui no vídeo muito curto, é como esse

processo de estereotipagem tem efeitos e impactos

negativos em toda nossa vida e, por

exemplo, na nossa pretensa democracia.

"Mas, Dona Rita, estereótipo é só negativo?"

E aí, logo de cara, eu te respondo, a gente vai ver isso

durante o vídeo, mas, de primeira, depende.

Depende para quem, né? Você que tá vendo o vídeo,

já foi autuado, autuada, autuade pela polícia? Já tomou

um enquadro? Já foi alvo de revista policial?

De violência policial? Blitz da Lei Seca, já pararam

seu carro? E aí a resposta, talvez, tem a ver com

o estereótipo. Porque que alguns carros são parados

e outros não. Porque que alguns corpos são abordados

com violência e outros não. E tudo isso tem a ver

com essa ideia. Será que existem estereótipos

positivos? Ô se existem, né? Basta conversar com

quem nunca tomou enquadro da polícia. Nunca

foi parado por uma blitz, etc, etc, etc.

Como boa aluna que sou do Raymond Williams, eu quero aqui traçar com vocês,

talvez, primeiro, um entendimento da palavra "estereótipo".

Neste livro do Raymond Williams, "Palavras-chave",

o Seu Raimundinho vai fazer uma pesquisa atenciosa

para quando palavras entram na língua inglesa

e o que elas significam então. Quais são os processos

sociais que transformam seus significados

e o que acontece toda vez que existe uma disputa

pelo sentido das palavras. Quando a gente pensa

em "estereótipo", a gente tá falando de dois radicais

gregos: "esteros", que ainda tá vivo no português como "austeridade", né?

Essa coisa rígida, dura. E "tipos", que ainda tá

vivo no português como "tipógrafo", "tipologia"

é "que é escrita". Logo, "estero" "tipos", né, seria uma escrita dura, rígida

O primeiro uso que a gente tem registrado é de

1798, por esse rapaz simpático, Firmim Didot,

que trabalhava com prensa, com a imprensa na Europa. E "estereótipo"

surge como "rebimboca da parafuseta", o nome duma

peça numa indústria, né? O "estereótipo" era uma

chapa dura de metal, rígida, que era usada, no

lugar do original, para fazer cópias em sequência.

Atentem para o fato de que, em 1850, no dicionário

de Oxford, a gente tem a primeira entrada do termo,

na língua inglesa, então ele vem do francês

para o inglês, não mais como rebimboca da parafuseta,

não mais como uma peça numa indústria, mas já como

uma imagem. É um substantivo que designa uma

imagem replicada, em série, sem alterações.

Essa já é uma noção muito aproximada da que a

gente tem hoje quando pensa em estereótipo, mas eu vou

levar a gente além. 1922 é um ano no qual Walter

Lippmann, esse jornalista norte-americano

publica um livro, famosérrimo pra quem estuda Teoria

da Comunicação, que é "The Public Opinion", né, "Opinião Pública".

E eu acredito que bons livros eles fazem esse

trabalho de, já no título, nos informarem ao que vieram.

Opinião Pública? "Pera! Opinião não era particular? Privada?

A gente não fala 'essa é a minha opinião?"

Então, o que que Walter Lippmann, em 1922, tá querendo dizer quando

ele chama um livro de "A Opinião Pública"? E essa

é uma discussão para a gente ter no horizonte quando

pensa o estereótipo como um fenômeno social.

Meu capítulo preferido da obra, é o capítulo 15,

onde Walter Lippmann vai debater conosco que

a noção de democracia passa por uma mudança,

sem precedentes, a partir do momento que a gente

tem um quarto poder, uma imprensa. Walter está

debatendo a democracia norte-americana de

mil novecentos... então, pera... é democracia? Pobre vota? Favelado vota? Preto vota?

Analfabeto vota? Mulher vota? Aqui, no Brasil,

a mulher só ia começar a votar, de forma FA-CUL-TA-TI-VA,

lá pros anos 30, começo dos anos 30. Então, primeiro, né,

não é democracia. Não, não são todos que participam,

não é democracia porque não é para todos, né?

Chama "ditadura da burguesia", mas bora lá. Vamos entender do que que eu tô falando.

Então, nesse livro, "Opinião Pública", o Walter Lippmann tá tentando

fazer com que a gente ENTENDA que essa classe

capaz de produzir e circular mensagens, imagens

e ideias, tende a desenvolver uma coisa

que ele chama de "a fabricação do consenso" e esse

termo é ótimo porque "fa-bri-ca-ção" nos chama a atenção

pra um processo industrial, um processo de

produção em série. E quando a gente tem em mente as mídias

que conhecemos, inclusive as redes sociais,

é disso que a gente tá falando, de uma produção em série de um conteúdo

que pode gerar consensos nas pessoas que apenas

acessam este conteúdo por esta via. Daí a importância

de você entender quem é a pessoa, a classe, a empresa

que produz as informações que você acessa. É,

quais são os interesses dessa pessoa, classe, empresa.

E o que acontece quando a sua única fonte

de acesso à informação é UMA fonte exclusiva.

Inclusive esse tema da "manufatura do consenso",

ele vai ser desdobrado aqui, no Ocidente, muito

depois do Walter Lippmann. Tem esse livro, de 88, do Noam Chomsky,

e do Edward S. Herman, chamado "Manufaturando", né, "Fabricando

o Consenso - o processo político da mídia de massas".

No Brasil, também, o Paulo Henrique Amorim publicou esse

"O Quarto Poder", né? No qual ele vai tentar entender,

desde o Vargas até o PT, o que que acontece e como

são esses movimentos de aproximação da mídia com

a política, quão política é a mídia.

"Mas, Dona Rita, a gente não veio discutir estereótipo?"

Mas, meus anges, vocês acham que os estereótipos que são

produzidos em uma cultura, são produzidos, circulados

e se agarram como significado aos nossos termos

através do quê? Eu espero que vá ficando delimitado pra vocês

que esse processo de produzir o estereótipo,

ele é, como tudo, um processo industrial e, portanto,

político. Ou vocês nunca perceberam que os grupos

pior estereotipados são os grupos minorizados

politicamente? Pra Psicologia Social, a gente

tem três momentos importantes, no século passado,

no Século 20, pra pensar o estudo do estereótipo.

O primeiro momento, sendo esse estudo seminal

do Daniel Katz e do Kenneth Braly, pra entende como grupos são estereotipados.

E eles vão pegar um grupo de alunos de uma universidade

de elite, em 33 (1933), nos Estados Unidos (ou seja,

grupo de homens brancos) E vão apresentar para

esse grupo uma série de estereótipos raciais:

italiano, negro, polonês, cigano e vão pedir, então,

que os alunos adequem, a esses estereótipos

raciais, adjetivos que eles podem escolher

de uma caixa com opções. Talvez não seja surpresa

para ninguém que o único grupo que vai receber

adjetivos positivos é o grupo do norte-americano branco.

Os demais grupos todos vão ser retratados com

adjetivos negativos como preguiçoso, displicente,

corrupto e etc. É ainda lá nesse estudo de 33, que a gente

começa a se instrumentalizar com palavras

diferentes para debater o tema: estereótipo,

preconceito e discriminação. Estereótipo sendo essa

esfera cognitiva, quase inconsciente,

de como circulam as imagens naquela cultura

e de como aquelas imagens aparecem para nós.

Se agente desce um pouco, a gente chegaria em preconceito

sendo resultado do estereótipo e se debruçando

sobre um campo sentimental. A gente passa dum campo

de cognição pra um campo afetivo e o preconceito

é como a gente se sente em relação a grupos estereotipados.

Se a gente caminhar um passo além, quando esse

sentimento vira ação, nós estamos falando de consciência

e de discriminação. Toda discriminação é consciente

e ela é um processo onde estereótipo vira preconceito e, agora,

preconceito vira política. Vira uma forma de agir

no mundo. Os estudos mais pro meado do século

passado, eles vão nos ajudar a entender que o estereótipo

nem sempre é negativo. A gente começa a pensar

os estereótipos nessas duas linhas como competência

e amistosidade. Competência sendo "qual é o status

com qual aquele grupo é representado naquela

sociedade?". E amistosidade é "aquele grupo compete

comigo por recursos ou vagas?". A partir daí, a gente

teria, por exemplo, a ideia "judeu", na Europa

Um grupo entendido como "pouco amistoso" porque existe

competição por vagas, por recursos. E "muito competente"

porque, normalmente, alcança posições de destaque.

Esse seria o resultado de uma estrutura de sentimento

em relação ao estereótipo. Quando lá do início do vídeo,

eu peço que você imagine a mulata e esse

corpo específico, que durante muito tempo,

na cultura brasileira, era colocado nu, semi nu,

hipersexualizado, associado ao Carnaval, associado

a exploração sexual. Quando esse corpo aparece,

no jogo da velha, a gente teria algo como "baixa

competência" e "alta amistosidade". É um corpo

que não compete com o meu por recursos, por vagas,

mas é um corpo retratado como de baixo nível

intelectual. A partir daqui, toda vez que a gente

troca o grupo que olha e o grupo que é representado,

a gente conseguiria, nesse joguinho da velha, entender

qual é o estereótipo, o preconceito e a discriminação

que advém daí. Em 1995, existe um estudo seminal,

também publicado, que entende a ameaça do estereótipo

e é uma investigação sobre o desempenho intelectual

de alunos afro-americanos nos Estados Unidos.

Esse estudo foi feito pelo Claude Steele e o Joshua Aronson.

Basicamente é uma prova que vai ser aplicada

em quatro contextos diferentes sendo sempre

a mesma prova. Numa universidade de elite, Standord, nos

Estados Unidos. Os alunos são recolhidos em

nível racial parecido, então eles são submetidos

a uma prova, um número X de alunos afrodescendentes e

número X de alunos não afrodescendentes, ou

seja, brancos e racializados, na sua maioria,

afrodescendentes. Na primeira fase do teste,

ele é aplicado como um teste corriqueiro, que não

não vai ter impacto na vida acadêmica dos alunos,

que não vai medir nada. Que é um teste de rotina.

E os alunos brancos e negros performam mais ou menos

igual. Existe um outro cenário no qual,

antes de ser aplicado, existe uma pressão que é feita

"Esse teste mede a capacidade intelectual,

ele pode ter resultado na sua bolsa de estudos, ele é muito

importante para a universidade, você vai ficar

conhecida pelo seu resul..." E aí os alunos negros performam

pior que os alunos brancos. Na mesma prova. O teste

é reformulado e, agora, a primeira página dele, dessa segunda etapa,

é um questionário socioeconômico. Na

primeira vez que ele é aplicado, não existe nenhuma

pergunta referente a etnia ou raça e alunos

brancos e negros performam mais ou menos iguais.

No segundo cenário, o teste pergunta coisas como

grau de instrução dos pais, dos avós. E aí eu peço

que você imagine um aluno ou uma aluna afrodescendente,

em 1995, quando pensa sobre seus avós, tá pensando

nas leis de segregação racial "Jim Craw", dos Estados Unidos

Tá pensando num processo de Apartheid,

violência, apagamento, assassinato, perseguição.

E "grau de instrução"? Que tipo de pergunta é essa?

E esse questionário socioeconômico se encerra pedindo que o aluno preencha a sua etnia,

se ele é branco, hispânico, afrodescendente ou outro.

O resultado é que os alunos afrodescendentes performam

muito pior do que os alunos brancos.

A partir desse estudo, a gente absorve o entendimento

de que os estereótipos têm impacto nos nossos desempenhos,

nos nossos seres sociais, quer acreditemos

neles ou não. Estar exposto a essa situação de

estigma, de estresse, né? Tem um impacto super

negativo sobre quem a gente é, como a gente se comporta,

qual é o resultado da nossa produtividade em

sociedade e também na nossa saúde psíquica.

"Mas, Dona Ritinha, como a gente combate o estereótipo?"

Bom, existem muitas frentes de combate. Aqui, eu poderia falar, talvez,

de uma ação numa micro esfera pessoal

e numa macro esfera política. Nessa micro esfera pessoal,

a gente precisa, ativamente, buscar outras referências.

Como quando a gente debate a questão da representatividade,

a importância de saber intelectuais

mulheres negras e mostrar para as pessoas que

esse caminho existe e que as mulheres negras

são intelectuais, não são apenas corpos que sambam

na TV. No entanto, a micro esfera e a representatividade

não são pontos de mudança e transformação social.

Quando a gente pensa nossa macro esfera, quando a gente

pensa o confronto político e histórico das

classes é aí que a gente tá falando sobre transformações

sociais. E aí a gente pode ter em mente sistemas

de cotas, a gente pode ter em mente leis que reformam

sistemas. Mas tudo isso ainda não muda as coisas

como um todo, né? O que mudaria seria a possibilidade

de que imagens e ideias não fossem produzidas

e circuladas por uma única classe. Que os processos

de violência não fossem destinados a um único

grupo racial. Que funções sociais não fossem desempenhadas

por um único gênero. E a única coisa que pode transformar

isso é uma mudança estrutural na sociedade.

Bom, essa fui eu tentando resumir uma aula minha

de 4 horas num videozinho de 20 minutos.

Espero que vocês saiam daqui com questionamentos,

com apontamentos e com referências pra continuar

a provocação, a discussão e a reflexão de vocês.

É isso. Muito obrigada e até a próxima. Um beijinho. Tchaaau.