Entrelinhas | O Uraguai (08/10/20) (1)
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à primeira edição do Entrelinhas de 2020.
♫ música ♫
Eu sou Vitor Batista e ao longo desses próximos meses a gente vai falar tudo sobre
as obras literárias que estão no Vestibular da UFPR.
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Hoje a gente vai falar sobre a obra "O Uraguai", de Basílio da Gama.
Com a ajuda da Historiadora e Especialista em Estudos Literários, Gisele Thiel,
o vídeo está recheado de informação.
No final, vou fazer um paralelo com o contexto atual do nosso país
e vou te dar algumas dicas também. Então, vem comigo!
♫ música ♫
Então, vamos começar do básico.
O período histórico de publicação da obra, que também serve como
pano de fundo da história, que se desenrola em "O Uraguai".
A obra foi publicada no século 18 e muitas coisas importantes aconteceram aqui
que mudaram completamente o percurso da história:
a Revolução Industrial, a Revolução Comercial,
a Independência das Treze Colônias da América do Norte, a Revolução Francesa
e, aqui no Brasil, tivemos a Inconfidência Mineira.
Esse século ficou conhecido como "Século das Luzes", por conta do Iluminismo.
Essas ideias iluministas vão dar uma grande efervescência na Europa
e vão gerar todos esses movimentos revolucionários que eu comentei.
Alguns reis vão observar essas mudanças que andam ocorrendo e vão absorver
algumas dessas ideias do Movimento Iluminista e suas práticas políticas. Mas não todas.
Eles vão se apropriando de algo aqui, algo ali e vão montando a sua própria combinação.
Esses reis ficaram conhecidos como "Déspotas Esclarecidos".
Em Portugal, o grande representante do despotismo esclarecido foi o Marquês de Pombal.
Ele foi o responsável por reformas políticas, econômicas, sociais e religiosas naquele país.
Período que ficou conhecido como "Pombalismo".
Foi ele um dos principais responsáveis pela expulsão dos jesuítas de Portugal
e também das colônias aqui na América.
Entender a expulsão dos jesuítas é muito importante para a gente
entender o que acontece em "O Uraguai".
Para isso a gente precisa voltar um pouco no tempo.
♫ música ♫
Em 1494, foi assinado o Tratado de Tordesilhas, entre Portugal e Espanha,
para dividir as terras descobertas.
Depois disso, durante a União Ibérica, entre 1580 e 1640, os portugueses já haviam ocupado
várias regiões que pertenciam à Espanha, e os espanhóis também já
haviam ocupado os territórios portugueses.
E aí, a gente avança um pouco no tempo para meados de 1750,
e o Tratado de Tordesilhas já tá muito antigo e desatualizado.
Ninguém mais estava respeitando as fronteiras na prática.
Foi então que os reis Portugal e da Espanha assinaram o Tratado de Madri,
que definiu novos limites entre as colônias desses dois países aqui na América.
O Tratado determinava que Portugal deveria entregar a Colônia do Sacramento para Espanha.
Em contrapartida, a Espanha daria quase todas as fronteiras que hoje fazem parte do Brasil.
Se, por um lado, o Tratado de Madri resolvia os conflitos entre Portugal e Espanha,
por outro, ele criava outros problemas.
Esse acordo também estabelecia a retirada dos povos Guarani da região dos
Sete Povos das Missões, que agora passa a ser controlada por Portugal, ou seja,
eles queriam a remoção em massa de todos aqueles índios que viviam ali,
que eram cerca de 30 mil.
Isso é equivalente à população de Lapa, no Paraná, ou Guaratuba, no litoral do estado,
ou Matinhos, Campo Magro, Campina Grande do Sul.
É como se o governo chegasse para a população de uma dessas cidades
e dissesse: "vaza".
O que é um absurdo!
Mas os indígenas não cederam tão facilmente.
Eles resistiram a essas exigências, até porque, se eles saíssem do lado do território português,
onde eles estavam, para irem para o lado espanhol, lá havia um decreto da Administração
Colonial Espanhola permitindo o uso oficial de indígenas como mão de obra escrava.
Quem se aliou aos índios e comprou essa briga foram os jesuítas.
Eles armaram as populações indígenas contra as tropas espanholas e portuguesas,
que vinham para cá cumprir o Tratado de Madri.
Foi então que, entre os anos de 1753 e 1756, ocorreram as Guerras Guaraníticas,
um verdadeiro massacre da população indígena pelos colonizadores.
E é essa guerra que está escrita em "O Uraguai".
♫ música ♫
José Basílio da Gama, cujo pseudônimo árcade é Termindo Sipílio,
nasceu em Minas Gerais na cidade de Tiradentes, em 1741.
Em 1757, já com 16 aninhos de idade, ele foi cursar o ensino médio no Rio de Janeiro,
no colégio dos jesuítas, e ali começou a sua formação religiosa.
Em 1759, começa uma campanha oficial em alguns países europeus,
e em suas respectivas colônias também, contra os jesuítas.
Por conta disso, o colégio foi fechado pela política pombalina.
O jovem José Basílio segue, então, para Roma, onde é admitido na Arcádia Romana,
uma academia literária que reunia escritores para difundir as ideias do arcadismo.
Em 1768, já em Lisboa, ele foi acusado de jesuitofilia - de ser amigo dos jesuítas,
que na época eram perseguidos pelo Marquês de Pombal.
"Basílio, seu jesuitófilo".
Ele foi preso e condenado ao exílio em Angola, na África.
Mas como o Basílio não era bobo, nem nada, e pelo contrário, muito esperto,
o que ele fez: para se livrar da condenação, ele recua do seu engajamento pró-jesuíta
e, em 1769, escreve um poema em louvor ao casamento da filha do Marquês:
o "Epitalâmio às Núpcias da Senhora Dona Maria Amália".
Depois desse puxa-saquismo, o Marquês ficou comovidíssimo e Basílio foi liberado.
Foi por volta dessa época que ele escreveu "O Uraguai", em que ele critica os jesuítas
e defende a política do Marquês de Pombal.
Depois da publicação do livro, Basílio se tornou oficial da Secretaria do Reino.
É aquele ditado: "o mundo é dos espertos".
♫ música ♫
Quando eu me deparei pela primeira vez com a palavra "Arcadismo",
pensei que tinha alguma coisa a ver com "arcaico", mas não!
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A palavra "Arcadismo" seria uma derivação de "Arcádia", que, segundo a mitologia grega,
é uma região da Antiga Grécia em que os poetas ficavam em permanente contato com a natureza.
Quem comandava a arcádia era o deus Pã, deus da música, da poesia e da dança.
Era um lugar habitado por pastores, poetas e suas musas inspiradoras.
O Arcadismo é a escola literária da segunda metade do século 18.
Imaginava-se que os poetas eram pastores e que podiam viver em harmonia com o campo,
as fontes, as flores, os pássaros, as árvores e as ovelhas.
Era um universo rural, bucólico, quase como um paraíso.
É por isso que os poetas árcades valorizavam tanto o campo e usavam pseudônimos pastoris.
De modo geral, o Arcadismo valorizou essa vida simples no campo, mas surge uma dúvida:
por que uma escola literária, em meio ao progresso industrial do século 18,
vai valorizar justamente o oposto, o campo e a natureza?
Uma das explicações mais aceitas é que talvez eles estivessem apreensivos, com medo.
Sim, medo.
Existia um medo de perder contato com que é natural.
Os árcades estavam com receio de que o progresso, as invenções e a industrialização
acelerada acabassem com seus paraísos de florestas conservadas e de rios limpos.
E, como ONGs que militam em defesa da natureza, eles tentaram preservar e conservar
esse mundo que estava acabando, mesmo que no universo dos poemas.
Aqui no Brasil, o Arcadismo teve início com a publicação de "Obras Poéticas",
de Cláudio Manoel da Costa, e teve fim em 1836, com o começo do Romantismo.
O Arcadismo floresceu em Vila Rica, hoje, atual Ouro Preto, em Minas Gerais.
Sua história está intimamente ligada ao Ciclo do Ouro, mas o Arcadismo Brasileiro
deu uma distanciada dos temas do Arcadismo Europeu.
Por aqui, os temas relacionados à História ganharam espaço como a
Guerra dos Sete Povos das Missões, em O Uraguai,
a fundação de Vila Rica, no poema épico "Vila Rica", de Cláudio Manoel da Costa,
e a descoberta da Bahia, com o poema épico Caramuru, o famigerado, de Frei Santa Rita Durão.
No nosso Arcadismo, temos também o índio como o herói das epopeias.
É aqui que ele aparece pela primeira vez como herói, e vai influenciar bastante
o Movimento Indigenista, no Romantismo.
♫ música ♫
"O Uraguai" narra uma guerra.
No Rio Grande do Sul, existiam sete povoados que eram administrados
pelos jesuítas espanhóis e que viviam em comunhão perfeita com os índios guaranis.
Ao sul do Uruguai existia uma colônia chamada Sacramento,
administrada por jesuítas portugueses.
Com a assinatura do Tratado de Madri, em 1750, Portugal deveria passar a colônia de Sacramento
para a Espanha e a Espanha passaria as Sete Colônias para Portugal,
chamadas de Sete Povos das Missões.
Mas os índios que habitavam Os Sete Povos das Missões resistiram à essa
delimitação de terras e foram instigados pelos jesuítas a defenderem essas terras.
Para combatê-los, um exército luso-espanhol é formado e vai ser chefiado pelos comandantes
Gomes Freire de Andrade, de Portugal e Catâneo, da Espanha.
E quem são os personagens dessa história?
De um lado desse conflito temos o General Gomes Freire de Andrade, chefe das tropas portuguesas,
e Catâneo, chefe das tropas espanholas.
Do outro lado, temos o Padre Balda, jesuíta administrador de Sete Povos das Missões,
Baldeta, afiliado do Padre Balda, só que, na verdade, a gente sabe que é filho dele,
Sepé, índio guerreiro,
Cacambo, chefe indígena,
Lindóia, esposa de Cacambo,
Caititu, guerreio indígena e irmão de Lindóia,
e, por fim, a feiticeira Tanajura.
Vale ressaltar que, por conta da estratégia de Basílio, a todo momento ele exalta
os índios e os portugueses e combate os jesuítas abertamente.
O Canto 1 começa com flashback.
Logo ali no começo, já é dado o "spoiler" da vitória das tropas portuguesas
sobre os povos indígenas que viviam às margens do Rio Uruguai,
chamado naquela época de "Uraguai".
Por isso, o título da obra utiliza "Uraguai" e não "Uruguai".
Esse "spoiler" é uma técnica literária chamada "in media res", que é quando a narrativa
começa pelo meio da história, e não no começo.
Daí, a história retorna ao eixo normal dos acontecimentos:
O General Andrade explica as razões da guerra e as tropas portuguesas e espanholas
se reúnem para combater os indígenas e os jesuítas.
No Canto 2, os exércitos marcham em direção a Sete Povos das Missões.
Chegando lá, Andrade manda soltar alguns índios prisioneiros,
na tentativa de resolver a questão com diplomacia.
Depois disso, ele se encontra com Sepé e Cacambo, mas o acordo é impossível.
Ocorre, então, um combate.
Os índios lutam com bravura, mas não têm chances diante
das armas de fogo dos brancos europeus.
Sepé morre em combate e Cacambo comanda a retirada.
No Canto 3, as tropas acampam em uma das margens do Rio Uraguai depois da batalha.
Enquanto isso, na outra margem do rio, Cacambo, que ainda não tinha voltado para casa
depois do combate, descansa e sonha com espírito de Sepé,
que incentiva Cacambo a incendiar o acampamento inimigo.
Cacambo então atravessa o rio incendeia todo o acampamento e foge correndo
para casa para contar a notícia.
Mas ele tem o azar de encontrar o Padre Balda primeiro,
que manda prendê-lo e matá-lo envenenado porque deseja que seu afilhado Baldeta
se torne Cacique, no lugar de Cacambo, e se case com Lindóia, no lugar de Cacambo.
Lindóia fica sabendo da morte do amado e procura a ajuda da feiticeira Tanajura
para também encontrar a morte.
A velha prepara um feitiço, mas ao invés de conseguir o que queria,
Lindóia têm visões dos grandes feitos do Marquês de Pombal em Portugal.
Ela não entende nada e volta para casa.
No canto 4, acontecem os preparativos do casamento de Lindóia com Baldeta,
por vontade do Padre Balda.
Mas Lindóia está sofrendo por ter perdido seu amado Cacambo, não quer casar
e decide fugir para um bosque, onde se deixa ser picada por uma cobra e morre.
Enquanto isso, os brancos chegam na aldeia e os indígenas fogem,
mas antes colocam fogo em tudo.
E, finalmente, no Canto 5, o último canto, Basílio da Gama encerra a tarefa e se despede.