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BBC News 2021 (Brasil), Covid-19: Brasil tem quase 30 fábricas de vacina para gado e só 2 para humanos

Covid-19: Brasil tem quase 30 fábricas de vacina para gado e só 2 para humanos

A pandemia da covid-19 escancarou uma fragilidade do Brasil:

a total dependência de importações de insumos da China para fabricar vacinas

Algo que contrasta com a capacidade de fabricar vacinas para animais,

principalmente gado. É isso mesmo: enquanto a grande maioria das vacinas usadas pelo SUS é

importada, mais de 90% das vacinas que protegem os rebanhos brasileiros são feitas no Brasil

Mas nem sempre foi assim

Eu sou Nathalia Passarinho, repórter da BBC News Brasil, e hoje vou explicar como o setor de

vacinas para humanos, que já foi autossuficiente, hoje depende totalmente da Índia e da China

E como, ao mesmo tempo, a indústria nacional de vacinas para gado só prosperou.

No final do vídeo, eu vou falar sobre os pontos positivos e negativos de investir

em tecnologia nacional para vacina humana. Só para vocês terem ideia, no meio da década de

80, o Brasil tinha pelo menos cinco institutos de pesquisa capazes de produzir vacinas para humanos

sem depender de importação. Hoje, só restam dois: Bio-Manguinhos, da Fiocruz e o Instituto Butantan

E mesmo assim, só quatro das 17 vacinas distribuídas por

esses dois institutos são feitas de ponta a ponta em território nacional

Esse sucateamento contrasta com os elevados investimentos na fabricação nacional de

vacinas para animais. Enquanto humanos contam com duas fábricas

de imunizantes, os animais têm quase trinta. Mas primeiro, vamos viajar rapidinho no tempo,

para a década de 80, quando a gente vivia no Brasil o modelo de substituição de importações

O regime militar queria que as indústrias brasileiras se

desenvolvessem e investia pesado para que o país fabricasse aqui o

que costumava comprar do exterior. Com a indústria de vacinas, não foi diferente

Como resultado desse processo, em 1985, ano do fim da ditadura,

foi lançado o Programa de Autossuficiência de Imunobiológicos (Pasni). Recursos do

Ministério da Saúde foram transferidos em peso para quatro instituições de pesquisa:

Bio-Manguinhos, Instituto Butatan, Fundação Ezequiel Dias e Instituto Vital Brasil

Em poucos anos, o Brasil passou a fabricar uma série de vacinas em território nacional,

como a da tríplice viral, febre amarela, tríplice bacteriana,

poliomielite, tuberculose (BCG), e hepatite B

Mas a maré logo iria mudar para a indústria de pesquisa em vacinas

A partir de março de 1990, a abertura comercial promovida pelo então presidente

Fernando Collor permitiu a entrada maciça de produtos importados e muitas indústrias

brasileiras não resistiram, inclusive o setor de imunizantes. Nesse meio tempo,

China e Índia despontaram como grandes produtores de insumos farmacêuticos

O resultado disso foi que institutos e fábricas brasileiras foram fechando as portas,

restando apenas Bio-Manguinhos, da Fiocruz e Butantan, que eu mencionei no início do vídeo

São justamente os dois institutos que estão envolvidos na fabricação hoje da vacina de Oxford/Astrazeneca

e da CoronaVac em território nacional. Outro momento importante na trajetória da

indústria de vacinas foi a criação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, a Anvisa,

em 1999, durante o governo FHC. O Brasil passou a adotar um regime mais criterioso para liberação de medicamentos e foram impostas regras para equiparar o Brasil aos padrões internacionais de segurança em qualidade em pesquisa

Pesquisadores com quem eu conversei dizem que essas medidas foram importantes,

mas destacam que elas não foram acompanhadas de investimentos para que Fiocruz e Butantan

pudessem atualizar sua infraestrutura e continuar a fabricar vacinas de ponta a ponta no país

A consequência disso foi que imunizantes que antes eram produzidos no Brasil passaram

a ser importados. O Butantan, por exemplo, fabricava a vacina Tríplice Bacteriana Acelular,

contra difteria, e a de hepatite B, mas passou a importar esses produtos porque

era mais barato do que atualizar as fábricas e se adequar às exigências regulatórias

Hoje, das sete vacinas que o Instituto Butantan fornece,

só a da gripe é fabricada inteiramente no Brasil, a partir de um acordo de

transferência de tecnologia – ou seja, quando uma empresa estrangeira vende ao Brasil todo

o conhecimento científico e os procedimentos técnicos necessários para fabricar o produto

E das 10 vacinas fornecidas pela Fiocruz, só quatrp não dependem da importação de Insumo

Farmacêutico Ativo, ou IFA, que é uma matéria-prima para a fabricação

Gonzelo Vecina Neto, que foi o primeiro presidente da Anvisa,

avalia que os governos que se seguiram ao de Collor, inclusive os de FHC e Lula,

não tiveram uma visão de longo prazo e também não investiram em pesquisa farmacêutica e de vacinas

Segundo a microbiologista Ana Paula Fernandes, que é professora da UFMG,

o grande gargalo na indústria nacional de vacinas está na falta de laboratórios

tecnológicos e fábricas para viabilizar a transformação da pesquisa em produto final

Esses gargalos são chamados pelos cientistas de "vale da morte". Isso porque, entre a descoberta

científica e o uso desse achado, existe um abismo atualmente intransponível no Brasil

Mas e o setor de vacina veterinária? Por que não parou de crescer?

Alguns fatores ajudam a explicar isso. O primeiro deles é a menor rigidez regulatória

A liberação de vacinas e medicamentos para uso animal é regulamentada pelo Ministério

da Agricultura, que impõe regras mais flexíveis que as da Anvisa

Além disso, um amplo e lucrativo mercado privado garante a compra das vacinas para gado,

suínos e aves, enquanto o maior comprador de vacinas humanas é o governo federal

Vamos lembrar que o Brasil é o maior exportador de gado do mundo. E que hoje o território do Brasil

abriga mais bois do que pessoas. A venda em larga escala de vacinas

para uso animal deixa mais vantajoso fabricar o produto no Brasil a importar de outros países,

até porque o custo de fabricação é menor que o de vacinas para humanos, já que as regras são

menos rígidas que as impostas pela Anvisa. Pra ter uma ideia, o Brasil tem cerca de

220 milhões de cabeças de gado. Cada um desses animais precisa tomar duas

doses de vacina contra febre aftosa — uma exigência do Ministério da Agricultura

E vacinar é sinônimo de competitividade. Se uma doença contagiosa como a febre aftosa se

espalha pelo rebanho, o produtor tem prejuízos milionários com tratamento e morte de animais

Por isso, o rico mercado exportador de gado alimenta a indústria de vacinas veterinárias

Eos lucros são bilionários. O faturamento do setor farmacêutico para animais foi de 6,5 bilhões de

reais em 2019, segundo o Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Saúde Animal

A gente vê que faz sentido econômico investir em vacina para bicho

E é bom lembrar que algumas doenças passam dos bichos para as pessoas

Então proteger o animal também tem efeito sobre a saúde da população

Mas agora, vou falar sobre os prós e contras de investir em vacina para humanos

O principal argumento contrário é o de que hoje é mais barato importar produtos da Índia

ou China do que construir laboratórios e fábricas para ficar autossuficiente

Segundo o dado mais recente, de 2019, o deficit na balança comercial brasileira

de insumos farmacêuticos era de R$ 2,1 bilhões, segundo a Associação Brasileira da Indústria de

Insumos Farmacêuticos (Abiquifi) Como o Brasil já passou por mais

de 30 anos de desinvestimento no setor,

seria preciso um aporte pesado do poder público para reverter esse cenário

Por outro lado, a pandemia do coronavírus mostrou os riscos de depender inteiramente

da importação de insumos. A demora na entrega de matéria-prima pela China

pode significar meses de atraso no cronograma de vacinação da população contra covid-19

Além disso, existem doenças no Brasil que não despertam interesse de pesquisa de

grandes farmacêuticas estrangeiras, por serem um problema regional

Cientistas brasileiros também argumentam que investir na infraestrutura de fabricação nacional

é importante para fazer frente às variantes do coronavírus. Os pesquisadores já alertam

que as vacinas contra a covid-19 terão que ser atualizadas constantemente para

responder a mutações do vírus que escapam à proteção dos anticorpos

O Butantan assinou contrato de transferência de tecnologia para produzir no país a CoronaVac

E a Fiocruz negocia contrato parecido com a Oxford-AstraZeneca. Os dois institutos investiram

milhões na atualização das suas fábricas e laboratórios para viabilizar esses acordos

Enquanto isso, pesquisadores brasileiros tentam captar recursos para colocar no mercado vacinas

feitas com tecnologia 100% nacional Vamos ver se a mobilização gerada pela

pandemia vai ou não se reverter em investimentos em pesquisa no país

Eu fico por aqui. Gostou do vídeo? Comente e compartilhe. Até mais!


Covid-19: Brasil tem quase 30 fábricas de vacina para gado e só 2 para humanos Covid-19: Brazil has almost 30 vaccine factories for cattle and only 2 for humans

A pandemia da covid-19 escancarou  uma fragilidade do Brasil: La pandemia del covid-19 abrió una fragilidad en Brasil:

a total dependência de importações de  insumos da China para fabricar vacinas

Algo que contrasta com a capacidade  de fabricar vacinas para animais,

principalmente gado. É isso mesmo: enquanto a  grande maioria das vacinas usadas pelo SUS é

importada, mais de 90% das vacinas que protegem  os rebanhos brasileiros são feitas no Brasil

Mas nem sempre foi assim

Eu sou Nathalia Passarinho, repórter da BBC  News Brasil, e hoje vou explicar como o setor de

vacinas para humanos, que já foi autossuficiente,  hoje depende totalmente da Índia e da China

E como, ao mesmo tempo, a indústria nacional  de vacinas para gado só prosperou.

No final do vídeo, eu vou falar sobre os  pontos positivos e negativos de investir

em tecnologia nacional para vacina humana. Só para vocês terem ideia, no meio da década de

80, o Brasil tinha pelo menos cinco institutos de  pesquisa capazes de produzir vacinas para humanos

sem depender de importação. Hoje, só restam dois:  Bio-Manguinhos, da Fiocruz e o Instituto Butantan

E mesmo assim, só quatro das  17 vacinas distribuídas por

esses dois institutos são feitas de  ponta a ponta em território nacional

Esse sucateamento contrasta com os elevados  investimentos na fabricação nacional de Este desguace contrasta con las elevadas inversiones en la fabricación nacional de

vacinas para animais. Enquanto  humanos contam com duas fábricas

de imunizantes, os animais têm quase trinta. Mas primeiro, vamos viajar rapidinho no tempo,

para a década de 80, quando a gente vivia no  Brasil o modelo de substituição de importações

O regime militar queria que  as indústrias brasileiras se

desenvolvessem e investia pesado  para que o país fabricasse aqui o

que costumava comprar do exterior. Com a  indústria de vacinas, não foi diferente

Como resultado desse processo,  em 1985, ano do fim da ditadura,

foi lançado o Programa de Autossuficiência  de Imunobiológicos (Pasni). Recursos do

Ministério da Saúde foram transferidos em  peso para quatro instituições de pesquisa:

Bio-Manguinhos, Instituto Butatan, Fundação  Ezequiel Dias e Instituto Vital Brasil

Em poucos anos, o Brasil passou a fabricar  uma série de vacinas em território nacional,

como a da tríplice viral, febre  amarela, tríplice bacteriana,

poliomielite, tuberculose (BCG), e hepatite B

Mas a maré logo iria mudar para a  indústria de pesquisa em vacinas

A partir de março de 1990, a abertura  comercial promovida pelo então presidente

Fernando Collor permitiu a entrada maciça  de produtos importados e muitas indústrias

brasileiras não resistiram, inclusive o  setor de imunizantes. Nesse meio tempo,

China e Índia despontaram como grandes  produtores de insumos farmacêuticos

O resultado disso foi que institutos e  fábricas brasileiras foram fechando as portas,

restando apenas Bio-Manguinhos, da Fiocruz e  Butantan, que eu mencionei no início do vídeo

São justamente os dois institutos que estão envolvidos na fabricação hoje da vacina de Oxford/Astrazeneca

e da CoronaVac em território nacional. Outro momento importante na trajetória da

indústria de vacinas foi a criação da Agência  Nacional de Vigilância Sanitária, a Anvisa,

em 1999, durante o governo FHC. O Brasil passou a adotar um regime mais criterioso para liberação de medicamentos  e foram impostas regras para equiparar o Brasil aos padrões internacionais de  segurança em qualidade em pesquisa

Pesquisadores com quem eu conversei dizem  que essas medidas foram importantes,

mas destacam que elas não foram acompanhadas  de investimentos para que Fiocruz e Butantan

pudessem atualizar sua infraestrutura e continuar  a fabricar vacinas de ponta a ponta no país

A consequência disso foi que imunizantes  que antes eram produzidos no Brasil passaram

a ser importados. O Butantan, por exemplo,  fabricava a vacina Tríplice Bacteriana Acelular,

contra difteria, e a de hepatite B, mas  passou a importar esses produtos porque

era mais barato do que atualizar as fábricas  e se adequar às exigências regulatórias

Hoje, das sete vacinas que o  Instituto Butantan fornece,

só a da gripe é fabricada inteiramente  no Brasil, a partir de um acordo de

transferência de tecnologia – ou seja, quando  uma empresa estrangeira vende ao Brasil todo

o conhecimento científico e os procedimentos  técnicos necessários para fabricar o produto

E das 10 vacinas fornecidas pela Fiocruz,  só quatrp não dependem da importação de Insumo

Farmacêutico Ativo, ou IFA, que é  uma matéria-prima para a fabricação

Gonzelo Vecina Neto, que foi o  primeiro presidente da Anvisa,

avalia que os governos que se seguiram  ao de Collor, inclusive os de FHC e Lula,

não tiveram uma visão de longo prazo e também não  investiram em pesquisa farmacêutica e de vacinas

Segundo a microbiologista Ana Paula  Fernandes, que é professora da UFMG,

o grande gargalo na indústria nacional  de vacinas está na falta de laboratórios

tecnológicos e fábricas para viabilizar a  transformação da pesquisa em produto final

Esses gargalos são chamados pelos cientistas de  "vale da morte". Isso porque, entre a descoberta

científica e o uso desse achado, existe um  abismo atualmente intransponível no Brasil

Mas e o setor de vacina veterinária?  Por que não parou de crescer?

Alguns fatores ajudam a explicar isso. O  primeiro deles é a menor rigidez regulatória

A liberação de vacinas e medicamentos para  uso animal é regulamentada pelo Ministério

da Agricultura, que impõe regras  mais flexíveis que as da Anvisa

Além disso, um amplo e lucrativo mercado  privado garante a compra das vacinas para gado,

suínos e aves, enquanto o maior comprador  de vacinas humanas é o governo federal

Vamos lembrar que o Brasil é o maior exportador de  gado do mundo. E que hoje o território do Brasil

abriga mais bois do que pessoas. A venda em larga escala de vacinas

para uso animal deixa mais vantajoso fabricar o  produto no Brasil a importar de outros países,

até porque o custo de fabricação é menor que o  de vacinas para humanos, já que as regras são

menos rígidas que as impostas pela Anvisa. Pra ter uma ideia, o Brasil tem cerca de

220 milhões de cabeças de gado. Cada  um desses animais precisa tomar duas

doses de vacina contra febre aftosa — uma  exigência do Ministério da Agricultura

E vacinar é sinônimo de competitividade. Se  uma doença contagiosa como a febre aftosa se

espalha pelo rebanho, o produtor tem prejuízos  milionários com tratamento e morte de animais

Por isso, o rico mercado exportador de gado  alimenta a indústria de vacinas veterinárias

Eos lucros são bilionários. O faturamento do setor  farmacêutico para animais foi de 6,5 bilhões de

reais em 2019, segundo o Sindicato Nacional  da Indústria de Produtos para Saúde Animal

A gente vê que faz sentido econômico  investir em vacina para bicho

E é bom lembrar que algumas doenças passam dos bichos para as pessoas

Então proteger o animal também tem efeito sobre a saúde da população

Mas agora, vou falar sobre os prós e  contras de investir em vacina para humanos

O principal argumento contrário é o de que  hoje é mais barato importar produtos da Índia

ou China do que construir laboratórios  e fábricas para ficar autossuficiente

Segundo o dado mais recente, de 2019, o  deficit na balança comercial brasileira

de insumos farmacêuticos era de R$ 2,1 bilhões,  segundo a Associação Brasileira da Indústria de

Insumos Farmacêuticos (Abiquifi) Como o Brasil já passou por mais

de 30 anos de desinvestimento no setor,

seria preciso um aporte pesado do poder  público para reverter esse cenário

Por outro lado, a pandemia do coronavírus  mostrou os riscos de depender inteiramente

da importação de insumos. A demora na  entrega de matéria-prima pela China

pode significar meses de atraso no cronograma  de vacinação da população contra covid-19

Além disso, existem doenças no Brasil que  não despertam interesse de pesquisa de

grandes farmacêuticas estrangeiras,  por serem um problema regional

Cientistas brasileiros também argumentam que  investir na infraestrutura de fabricação nacional

é importante para fazer frente às variantes  do coronavírus. Os pesquisadores já alertam

que as vacinas contra a covid-19 terão  que ser atualizadas constantemente para

responder a mutações do vírus que  escapam à proteção dos anticorpos

O Butantan assinou contrato de transferência de  tecnologia para produzir no país a CoronaVac

E a Fiocruz negocia contrato parecido com a  Oxford-AstraZeneca. Os dois institutos investiram

milhões na atualização das suas fábricas e  laboratórios para viabilizar esses acordos

Enquanto isso, pesquisadores brasileiros tentam  captar recursos para colocar no mercado vacinas

feitas com tecnologia 100% nacional Vamos ver se a mobilização gerada pela

pandemia vai ou não se reverter em  investimentos em pesquisa no país

Eu fico por aqui. Gostou do vídeo?  Comente e compartilhe. Até mais!