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Tecnocracia, Tecnocracia #52: Ao trocar transparência por lucro, Facebook coloca em risco toda a sociedade (2)

Tecnocracia #52: Ao trocar transparência por lucro, Facebook coloca em risco toda a sociedade (2)

A partir da aquisição do Crowdtangle, o Facebook fechou o acesso a ela apenas às pessoas que ele próprio selecionava. Hoje, o Crowdtangle é a melhor forma de se obter acesso aos dados brutos do Facebook e do Instagram, mas só tem acesso à ferramenta quem o Facebook escolhe. Não adianta despejar dinheiro — é baseado em convite. Se você, cientista de dados, quer analisar sem precisar raspar, o único caminho é o Crowdtangle.

Porque também tem esse lado: o Facebook contrata dezenas de pessoas cujo único objetivo é elaborar estratégias anti-scraping. Um dos cargos é o “anti-scraping investigator”. A descrição da vaga tem aquele elã positivo de “no Facebook você vai ajudar a resolver grandes problemas”, quando, na verdade, o trabalho é exatamente dificultar a descoberta e a resolução desses problemas. Quem já tentou raspar o Facebook sabe como é: o HTML é renderizado de tal forma que palavras simples são quebradas dentro de até quatro ou cinco tags. Tudo para dificultar o trabalho dos robôs de raspagem. E se alguém consegue burlar esse sistema, o Facebook usa seu peso contra, processando empresas por trás de plugins do Chrome que facilitam a raspagem dos dados.

A estratégia de transparência seletiva do Facebook foi construída com dois lados: comprar e selecionar quem terá acesso à melhor plataforma de análise do que acontece dentro da rede social e usar seu batalhão de advogados para ameaçar qualquer um que tente acessar os dados de outras formas. E, mesmo com essas restrições, nem o Crowdtangle está a salvo.

Na primeira quinzena de julho deste ano, o jornal New York Times publicou uma reportagem do jornalista Kevin Roose detalhando uma guerra interna no Facebook a respeito da divulgação de dados da plataforma pelo Crowdtangle. “No começo, o Facebook estava feliz que eu e outro jornalista estávamos achando sua ferramenta útil. Com apenas 25 mil usuários, o Crowdtangle é um dos menores produtos do Facebook, mas se tornou um recurso valioso para usuários como organizações de saúde, profissionais envolvidos com eleições e marqueteiros digitais, e fez o Facebook parecer mais transparente que rivais como YouTube e TikTok, que não divulgam tantos dados assim. Mas o clima começou a mudar em 2020, quando eu comecei uma conta no Twitter chamada @FacebooksTop10, no qual publico um ranking diário mostrando as fontes dos links com maior engajamentos no Facebook dentro dos Estados Unidos, baseado em dados do Crowdtangle”.

A conta provou com dados algo que qualquer um que pesquisa ou analise o Facebook já suspeitava: no Facebook, conteúdos extremistas, principalmente de extrema-direita, são muito mais populares que todo o resto. Em alguns dias, os rankings da conta trouxeram apenas páginas de extrema-direita, atrelados ao discurso do ex-presidente Donald Trump. Os mais populares são figuras de extrema-direita que defendem ideias delirantes e mentirosas cujos nomes, seguindo o mantra do mestre Millôr, serão omitidos para não ampliar a voz dos imbecis, uma galera que se apresenta como comentarista ou jornalista independente, mas que apenas ecoa e repete temas e posições defendidas por Trump. É conchavo do Facebook? Tudo indica que não. O problema é o modelo das redes sociais: consegue-se atenção no ultraje, um assunto que já falamos muito aqui no Tecnocracia. O Facebook dá as condições ideais para que esse tipo de conteúdo tenha mais popularidade e trafegue mais fácil.

A conta criada por Roose ganhou tração e desengatilhou uma guerra interna no Facebook.

Executivos do Facebook foram discutir com Roose no Twitter, alegando que os rankings eram enganadores já que “o Crowdtangle mede apenas ‘engajamentos', enquanto a métrica real de popularidade do Facebook seria baseada em ‘alcance', ou o número de pessoas que viram o post”. O problema é que o Facebook não divulga alcance (só os donos das páginas sabem seus próprios). Me lembra uma história de quando eu estava na redação. Um dia um executivo ligou para o diretor de redação querendo passar uma errata. “Ok”, disse o diretor de redação. “Mas tem que ser em off”, ele pediu citando o jargão jornalístico para quando você publica uma informação sem dizer o nome de quem passou, algo comum quando se teme represálias. Meu chefe corretamente disse que não — se vai falar que errou, precisa falar onde errou e mostrar a cara. Correção em off não existe. A postura do Facebook segue essa linha: dizem que os dados (que eles mesmos compilaram, inclusive) não refletem a realidade e o que reflete melhor é essa métrica aqui, mas eu não posso te mostrar, você vai ter que confiar na minha palavra.

Acreditar em palavra de Big Tech já é difícil. Se tem uma palavra que tá mais difícil ainda de acreditar é a do Facebook.

Você já deve ter adivinhado as razões para a guerra interna após a conta no Twitter e quem ganhou.

“De um lado estavam executivos, incluindo Brandon Silverman, fundador e principal executivo do Crowdtangle, e Brian Boland, vice-presidente de parcerias estratégicas, que defendiam que o Facebook deveria compartilhar o máximo de informação possível sobre o que acontece na plataforma — o bom, o ruim e o feio. Do outro lado estavam executivos, incluindo o vice-presidente de analytics e CMO Alex Schultz, que achavam que o Facebook já estava entregando demais. Esse grupo alegava que jornalistas e pesquisadores estavam usando o Crowdtangle para revelar informações que eles não achavam úteis — mostrando, por exemplo, que comentaristas delirantes e imbecis de extrema-direita tinham taxas de engajamento maior em suas páginas que veículos estabelecidos de mídia.”

Um picolé de cupuaçu para quem adivinhar quem ganhou. Em abril, o Facebook tirou a independência interna do Crowdtangle, espalhou funcionários em outros setores da empresa, colocou o serviço abaixo da divisão de integridade e tirou o fundador Silverman da liderança. Com todas as evidências em mãos, o Facebook tinha a opção de fazer um mea-culpa, entender o problema e propor alterações. Não foi o que aconteceu. No melhor estilo marido traído, o Facebook trocou o sofá da sala. Atirou no mensageiro. Aqui, Big Tech e Big Oil se dão um abraço da morte.

O que os executivos que ganharam a queda de braço dentro do Facebook defendem? Que a própria plataforma divulgue compilados de dados que sempre passem uma impressão positiva do negócio. Transparência vira uma tarefa do departamento de relações públicas. Quem já foi envolvido com o Facebook diz que não será surpresa se o Facebook matar o Crowdtangle ou cortar sua verba para matá-lo de inanição. Como resume o Roose na reportagem: “o Facebook adoraria total transparência se houvesse garantia de reportagens e resultados positivos. Mas quando a transparência cria momentos desconfortáveis, sua reação é constantemente de se tornar opaco”. Em vez de resolver o problema, o Facebook o acoberta escondendo os dados.

Uma história pessoal sobre a questão da transparência do Facebook. No Brasil, quem se filia à Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) ganha acesso ao Crowdtangle. Mas existem engasgos: em 2020, o Facebook tirou o acesso ao Crowdtangle dos membros da Abraji alegando que estava “reformulando a plataforma” em novembro. O que teve em novembro do ano passado, bonitinhos? Eleições. O acesso voltou em dezembro, depois das eleições. Sabe aquele emoji de mãozinha no queixo olhando para cima? Pois é.

O perfil de Roose no Twitter não foi o único indício de como o Facebook é um antro da extrema-direita. Um relatório do próprio Facebook, publicado na rede interna da empresa em março de 2021, mostrou que a rede social sabia que pessoas por trás da tentativa de golpe no Capitólio em 6 de janeiro estavam usando as ferramentas do Facebook para organizar o ataque. Para o Congresso norte-americano, Zuckerberg falou que o Facebook vem trabalhando para manter a integridade das eleições e que fez tudo a seu alcance para evitar a tentativa de golpe. Era, de novo, mentira. No relatório, os pesquisadores defendem que a ação da rede social foi insuficiente e que, num próximo episódio, ela possa “se sair melhor”. O relatório não veio à luz por um lapso de consciência do Facebook: quem o revelou foi o BuzzFeed News, em abril.

Quer outro exemplo? Na primeira semana de agosto, o Facebook desativou as contas de pesquisadores da Universidade de Nova York que analisavam a divulgação de mentiras dentro do Facebook por meio dos seus anúncios publicitários. “Os pesquisadores do Ad Observatory Project vem analisando há anos a ferramenta Ad Library, do Facebook, onde é possível buscar quais os anúncios veiculados nos diferentes produtos do Facebook. O acesso era usado para descobrir falhas sistêmicas na Ad Library, para identificar mentiras em anúncios políticos, incluindo muitos semeando desconfiança no nosso sistema eleitoral, e estudar a aparente amplificação de desinformação partidária no Facebook,” afirmou em comunicado Laura Edelson, a principal pesquisadora do grupo Cybersecurity for Democracy da New York University”, diz a reportagem da AP.

O Facebook já conhecia Laura. Em março, o mesmo grupo Cybersecurity for Democracy divulgou um estudo mostrando que contas de extrema-direita conhecidas por espalhar mentiras não apenas estão bombando no Facebook como estão atraindo mais engajamento, sejam eles likes, compartilhamentos e comentários, do que outros tipos de conteúdo.

“Na extrema-direita, fontes de mentiras têm desempenho muito melhor que fontes de notícias reais. Fontes de extrema-direita identificadas como espalhadoras de mentiras tiveram uma média de 426 interações por mil seguidores por semana, enquanto fontes não mentirosas tiveram uma média de 259 interações semanais por mil seguidores”, diz a íntegra do estudo. A ferramenta que Laura e sua equipe usaram para obter e analisar os dados e chegar à conclusão? O Crowdtangle.

Além da pesquisa, o grupo criou uma extensão para Chrome e Firefox chamada Ad Observer, para coletar os anúncios que os usuários veem em seus feeds. Ao instalar a extensão, eles são informados e consentem com o repasse das informações aos pesquisadores. Por que esse detalhe é importante? Para justificar o bloqueio, o Facebook alegou que os pesquisadores estavam raspando dados dos usuários sem que eles tivessem autorizado. Era, de novo, uma mentira. Dona do Firefox, a Mozilla, que não estava envolvida originalmente na querela, veio a público defender os pesquisadores: “O Facebook alega que as contas foram encerradas por problemas de privacidade com o Ad Observer. Para nós, essas alegações não se sustentam. Nós sabemos isso já que, antes de encorajar nossos usuários a contribuírem com dados para o Ad Observer, nós revisamos os códigos nós mesmos.” Não acredita na palavra da Mozilla? O código do Ad Observer e todos os fluxos de dados usados pela extensão são abertos. Você mesmo pode confirmar a mentira do Facebook.

Não é a primeira vez que o Facebook faz isso. Em 2019, a rede social fechou o acesso a uma ferramenta criada pela ProPublica com a Mozilla e a Who Targets Me para dar mais transparência ao funcionamento da publicidade no Facebook.

O caso do Ad Observer nos mostra que, ao contrário do discurso oficial, o Facebook não só não está interessado em combater mentiras, como está engajado em espalhá-las para salvar a própria cara. Como o Facebook pode estar lutando contra desinformação dentro da plataforma quando ele mesmo mente para justificar ações do tipo? A guerra do Facebook não é com a desinformação. É com a informação, tal qual o Big Oil nos últimos 70 anos. Em nome do lucro, esconde-se a realidade revelada pelos dados para se lapidar, mentira sobre mentira, uma narrativa no departamento de relações públicas que não condiz com os horrores que estão acontecendo. Ao ter controle não apenas dos dados, mas também de quem pode ter acesso a eles, o Facebook tranca os próprios podres num cofre e dificulta a vida de quem se dispõe a descobri-los e alertar o resto do mundo. Antes fosse só esse grupo prejudicado: quem sofre com o impedimento somos todos nós. Só se cria políticas públicas para resolver os problemas mais sérios da sociedade quando existem dados concretos

Há quem defenda que, como entidade privada, o Facebook tem todo o direito de divulgar o que quiser. É um erro defender isso.

Tecnocracia #52: Ao trocar transparência por lucro, Facebook coloca em risco toda a sociedade (2) Technocracy #52: Facebook puts society at risk by trading transparency for profit (2) Tecnocracia #52: Facebook pone en peligro a la sociedad al cambiar transparencia por beneficios (2) Technocratie #52 : En troquant la transparence contre le profit, Facebook met en péril la société dans son ensemble (2) Tecnocrazia #52: Facebook mette a rischio la società scambiando la trasparenza per il profitto (2) Technokracja #52: Wymieniając przejrzystość na zysk, Facebook zagraża całemu społeczeństwu (2) 技术民主》第 52 期:以透明度换取利润,Facebook 危害整个社会 (2)

A partir da aquisição do Crowdtangle, o Facebook fechou o acesso a ela apenas às pessoas que ele próprio selecionava. Hoje, o Crowdtangle é a melhor forma de se obter acesso aos dados brutos do Facebook e do Instagram, mas só tem acesso à ferramenta quem o Facebook escolhe. Não adianta despejar dinheiro — é baseado em convite. Es hat keinen Sinn, Geld hineinzuschütten – es basiert auf Einladungen. Se você, cientista de dados, quer analisar sem precisar raspar, o único caminho é o Crowdtangle.

Porque também tem esse lado: o Facebook contrata dezenas de pessoas cujo único objetivo é elaborar estratégias anti-scraping. Um dos cargos é o “anti-scraping investigator”. A descrição da vaga tem aquele elã positivo de “no Facebook você vai ajudar a resolver grandes problemas”, quando, na verdade, o trabalho é exatamente dificultar a descoberta e a resolução desses problemas. Die Stellenbeschreibung hat diesen positiven Elan, dass „auf Facebook Sie helfen werden, große Probleme zu lösen“, obwohl der Job genau darin besteht, es schwierig zu machen, diese Probleme zu entdecken und zu lösen. Quem já tentou raspar o Facebook sabe como é: o HTML é renderizado de tal forma que palavras simples são quebradas dentro de até quatro ou cinco tags. Tudo para dificultar o trabalho dos robôs de raspagem. E se alguém consegue burlar esse sistema, o Facebook usa seu peso contra, processando empresas por trás de plugins do Chrome que facilitam a raspagem dos dados.

A estratégia de transparência seletiva do Facebook foi construída com dois lados: comprar e selecionar quem terá acesso à melhor plataforma de análise do que acontece dentro da rede social e usar seu batalhão de advogados para ameaçar qualquer um que tente acessar os dados de outras formas. E, mesmo com essas restrições, nem o Crowdtangle está a salvo. Und selbst mit diesen Einschränkungen ist nicht einmal Crowdtangle sicher.

Na primeira quinzena de julho deste ano, o jornal New York Times publicou uma reportagem do jornalista Kevin Roose detalhando uma guerra interna no Facebook a respeito da divulgação de dados da plataforma pelo Crowdtangle. “No começo, o Facebook estava feliz que eu e outro jornalista estávamos achando sua ferramenta útil. Com apenas 25 mil usuários, o Crowdtangle é um dos menores produtos do Facebook, mas se tornou um recurso valioso para usuários como organizações de saúde, profissionais envolvidos com eleições e marqueteiros digitais, e fez o Facebook parecer mais transparente que rivais como YouTube e TikTok, que não divulgam tantos dados assim. Mas o clima começou a mudar em 2020, quando eu comecei uma conta no Twitter chamada @FacebooksTop10, no qual publico um ranking diário mostrando as fontes dos links com maior engajamentos no Facebook dentro dos Estados Unidos, baseado em dados do Crowdtangle”.

A conta provou com dados algo que qualquer um que pesquisa ou analise o Facebook já suspeitava: no Facebook, conteúdos extremistas, principalmente de extrema-direita, são muito mais populares que todo o resto. Em alguns dias, os rankings da conta trouxeram apenas páginas de extrema-direita, atrelados ao discurso do ex-presidente Donald Trump. Os mais populares são figuras de extrema-direita que defendem ideias delirantes e mentirosas cujos nomes, seguindo o mantra do mestre Millôr, serão omitidos para não ampliar a voz dos imbecis, uma galera que se apresenta como comentarista ou jornalista independente, mas que apenas ecoa e repete temas e posições defendidas por Trump. É conchavo do Facebook? Sind Sie eine Facebook-Absprachen? Tudo indica que não. O problema é o modelo das redes sociais: consegue-se atenção no ultraje, um assunto que já falamos muito aqui no Tecnocracia. O Facebook dá as condições ideais para que esse tipo de conteúdo tenha mais popularidade e trafegue mais fácil. Facebook bietet die idealen Voraussetzungen dafür, dass diese Art von Inhalten beliebter und einfacher zu reisen ist.

A conta criada por Roose ganhou tração e desengatilhou uma guerra interna no Facebook. Das von Roose erstellte Konto gewann an Bedeutung und löste einen internen Krieg auf Facebook aus.

Executivos do Facebook foram discutir com Roose no Twitter, alegando que os rankings eram enganadores já que “o Crowdtangle mede apenas ‘engajamentos', enquanto a métrica real de popularidade do Facebook seria baseada em ‘alcance', ou o número de pessoas que viram o post”. Facebook-Manager argumentierten mit Roose auf Twitter und behaupteten, die Rankings seien irreführend, da „Crowdtangle nur ‚Engagements‘ misst, während die tatsächliche Popularitätsmetrik von Facebook auf ‚Reichweite‘ oder der Anzahl der Personen basiert, die den Beitrag angesehen haben“. O problema é que o Facebook não divulga alcance (só os donos das páginas sabem seus próprios). Me lembra uma história de quando eu estava na redação. Es erinnert mich an eine Geschichte aus meiner Zeit in der Redaktion. Um dia um executivo ligou para o diretor de redação querendo passar uma errata. Eines Tages rief ein leitender Angestellter den Chefredakteur an und wollte ein Erratum durchgeben. “Ok”, disse o diretor de redação. “Mas tem que ser em off”, ele pediu citando o jargão jornalístico para quando você publica uma informação sem dizer o nome de quem passou, algo comum quando se teme represálias. Meu chefe corretamente disse que não — se vai falar que errou, precisa falar onde errou e mostrar a cara. Correção em off não existe. A postura do Facebook segue essa linha: dizem que os dados (que eles mesmos compilaram, inclusive) não refletem a realidade e o que reflete melhor é essa métrica aqui, mas eu não posso te mostrar, você vai ter que confiar na minha palavra.

Acreditar em palavra de Big Tech já é difícil. Se tem uma palavra que tá mais difícil ainda de acreditar é a do Facebook.

Você já deve ter adivinhado as razões para a guerra interna após a conta no Twitter e quem ganhou.

“De um lado estavam executivos, incluindo Brandon Silverman, fundador e principal executivo do Crowdtangle, e Brian Boland, vice-presidente de parcerias estratégicas, que defendiam que o Facebook deveria compartilhar o máximo de informação possível sobre o que acontece na plataforma — o bom, o ruim e o feio. Do outro lado estavam executivos, incluindo o vice-presidente de analytics e CMO Alex Schultz, que achavam que o Facebook já estava entregando demais. Esse grupo alegava que jornalistas e pesquisadores estavam usando o Crowdtangle para revelar informações que eles não achavam úteis — mostrando, por exemplo, que comentaristas delirantes e imbecis de extrema-direita tinham taxas de engajamento maior em suas páginas que veículos estabelecidos de mídia.” Diese Gruppe behauptete, dass Journalisten und Forscher Crowdtangle benutzten, um Informationen preiszugeben, die sie nicht nützlich fanden – was zum Beispiel zeigte, dass begeisterte Kommentatoren und rechtsextreme Idioten auf ihren Seiten höhere Interaktionsraten hatten als etablierte Medien.“

Um picolé de cupuaçu para quem adivinhar quem ganhou. Em abril, o Facebook tirou a independência interna do Crowdtangle, espalhou funcionários em outros setores da empresa, colocou o serviço abaixo da divisão de integridade e tirou o fundador Silverman da liderança. Com todas as evidências em mãos, o Facebook tinha a opção de fazer um mea-culpa, entender o problema e propor alterações. Não foi o que aconteceu. No melhor estilo marido traído, o Facebook trocou o sofá da sala. Atirou no mensageiro. Aqui, Big Tech e Big Oil se dão um abraço da morte.

O que os executivos que ganharam a queda de braço dentro do Facebook defendem? Que a própria plataforma divulgue compilados de dados que sempre passem uma impressão positiva do negócio. Transparência vira uma tarefa do departamento de relações públicas. Quem já foi envolvido com o Facebook diz que não será surpresa se o Facebook matar o Crowdtangle ou cortar sua verba para matá-lo de inanição. Como resume o Roose na reportagem: “o Facebook adoraria total transparência se houvesse garantia de reportagens e resultados positivos. Mas quando a transparência cria momentos desconfortáveis, sua reação é constantemente de se tornar opaco”. Em vez de resolver o problema, o Facebook o acoberta escondendo os dados.

Uma história pessoal sobre a questão da transparência do Facebook. No Brasil, quem se filia à Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) ganha acesso ao Crowdtangle. Mas existem engasgos: em 2020, o Facebook tirou o acesso ao Crowdtangle dos membros da Abraji alegando que estava “reformulando a plataforma” em novembro. O que teve em novembro do ano passado, bonitinhos? Eleições. O acesso voltou em dezembro, depois das eleições. Sabe aquele emoji de mãozinha no queixo olhando para cima? Pois é. So ist es.

O perfil de Roose no Twitter não foi o único indício de como o Facebook é um antro da extrema-direita. Um relatório do próprio Facebook, publicado na rede interna da empresa em março de 2021, mostrou que a rede social sabia que pessoas por trás da tentativa de golpe no Capitólio em 6 de janeiro estavam usando as ferramentas do Facebook para organizar o ataque. Para o Congresso norte-americano, Zuckerberg falou que o Facebook vem trabalhando para manter a integridade das eleições e que fez tudo a seu alcance para evitar a tentativa de golpe. Era, de novo, mentira. No relatório, os pesquisadores defendem que a ação da rede social foi insuficiente e que, num próximo episódio, ela possa “se sair melhor”. In dem Bericht argumentieren die Forscher, dass die Aktion des sozialen Netzwerks unzureichend war und dass es in einer nächsten Episode möglicherweise „besser wird“. O relatório não veio à luz por um lapso de consciência do Facebook: quem o revelou foi o BuzzFeed News, em abril.

Quer outro exemplo? Na primeira semana de agosto, o Facebook desativou as contas de pesquisadores da Universidade de Nova York que analisavam a divulgação de mentiras dentro do Facebook por meio dos seus anúncios publicitários. In der ersten Augustwoche sperrte Facebook die Konten von Forschern der New York University, die die Verbreitung von Lügen innerhalb von Facebook durch seine Anzeigen analysierten. “Os pesquisadores do Ad Observatory Project vem analisando há anos a ferramenta Ad Library, do Facebook, onde é possível buscar quais os anúncios veiculados nos diferentes produtos do Facebook. O acesso era usado para descobrir falhas sistêmicas na Ad Library, para identificar mentiras em anúncios políticos, incluindo muitos semeando desconfiança no nosso sistema eleitoral, e estudar a aparente amplificação de desinformação partidária no Facebook,” afirmou em comunicado Laura Edelson, a principal pesquisadora do grupo Cybersecurity for Democracy da New York University”, diz a reportagem da AP.

O Facebook já conhecia Laura. Em março, o mesmo grupo Cybersecurity for Democracy divulgou um estudo mostrando que contas de extrema-direita conhecidas por espalhar mentiras não apenas estão bombando no Facebook como estão atraindo mais engajamento, sejam eles likes, compartilhamentos e comentários, do que outros tipos de conteúdo.

“Na extrema-direita, fontes de mentiras têm desempenho muito melhor que fontes de notícias reais. Fontes de extrema-direita identificadas como espalhadoras de mentiras tiveram uma média de 426 interações por mil seguidores por semana, enquanto fontes não mentirosas tiveram uma média de 259 interações semanais por mil seguidores”, diz a íntegra do estudo. Rechtsextreme Quellen, die als Verbreiter identifiziert wurden, verzeichneten durchschnittlich 426 Interaktionen pro 1.000 Follower pro Woche, während Nicht-Lügner-Quellen durchschnittlich 259 Interaktionen pro 1.000 Follower pro Woche verzeichneten. A ferramenta que Laura e sua equipe usaram para obter e analisar os dados e chegar à conclusão? O Crowdtangle.

Além da pesquisa, o grupo criou uma extensão para Chrome e Firefox chamada Ad Observer, para coletar os anúncios que os usuários veem em seus feeds. Ao instalar a extensão, eles são informados e consentem com o repasse das informações aos pesquisadores. Por que esse detalhe é importante? Para justificar o bloqueio, o Facebook alegou que os pesquisadores estavam raspando dados dos usuários sem que eles tivessem autorizado. Era, de novo, uma mentira. Dona do Firefox, a Mozilla, que não estava envolvida originalmente na querela, veio a público defender os pesquisadores: “O Facebook alega que as contas foram encerradas por problemas de privacidade com o Ad Observer. Para nós, essas alegações não se sustentam. Nós sabemos isso já que, antes de encorajar nossos usuários a contribuírem com dados para o Ad Observer, nós revisamos os códigos nós mesmos.” Não acredita na palavra da Mozilla? O código do Ad Observer e todos os fluxos de dados usados pela extensão são abertos. Você mesmo pode confirmar a mentira do Facebook.

Não é a primeira vez que o Facebook faz isso. Em 2019, a rede social fechou o acesso a uma ferramenta criada pela ProPublica com a Mozilla e a Who Targets Me para dar mais transparência ao funcionamento da publicidade no Facebook.

O caso do Ad Observer nos mostra que, ao contrário do discurso oficial, o Facebook não só não está interessado em combater mentiras, como está engajado em espalhá-las para salvar a própria cara. Como o Facebook pode estar lutando contra desinformação dentro da plataforma quando ele mesmo mente para justificar ações do tipo? A guerra do Facebook não é com a desinformação. É com a informação, tal qual o Big Oil nos últimos 70 anos. Em nome do lucro, esconde-se a realidade revelada pelos dados para se lapidar, mentira sobre mentira, uma narrativa no departamento de relações públicas que não condiz com os horrores que estão acontecendo. Ao ter controle não apenas dos dados, mas também de quem pode ter acesso a eles, o Facebook tranca os próprios podres num cofre e dificulta a vida de quem se dispõe a descobri-los e alertar o resto do mundo. Antes fosse só esse grupo prejudicado: quem sofre com o impedimento somos todos nós. Só se cria políticas públicas para resolver os problemas mais sérios da sociedade quando existem dados concretos

Há quem defenda que, como entidade privada, o Facebook tem todo o direito de divulgar o que quiser. É um erro defender isso.