-Preparado? -Mais ou menos.
O senhor deve imaginar que a gente fica meio apreensivo
com essa coisa de reencarnação, né.
É, eu imagino. Mas você vai reencarnar então
-em 3, 2... -Ai segura, meu Deus, segura!
Desculpa, meu Deus. Peraí, peraí, peraí.
-Que foi? -O senhor anotou direitinho
-no formulário, né? -Não, está aqui no teu formulário.
Você quer reencarnar jogador de futebol, não é isso?
-Jogador de futebol, isso. -Vamos lá?
Reencarnando jogador de futebol da Desportiva do Espírito Santo
-em 3, 2... -Ei, ei, ei, pera.
-Que foi? -Não.
-Como não? -Que que o senhor falou aí? Desculpa.
-Dois? -Não, antes.
-Três. -Não, antes do dois, três aí.
-Desportiva do Espírito Santo. -Não, aí não.
-Por que não? -Ô, meu Jeová,
eu estava esperando uma coisa mais Europa mesmo.
-Entendeu? -Não.
Uma Champions League ali, uma Premier League.
Eu pensei no Manchester, Chelsea...
O senhor é PSG, o senhor deve saber.
-Até o Porto eu encaro mesmo. -Mas aí não vai rolar, não.
-É... Não vai rolar. Desculpa. -Mas por que, Jeová?
É mais a relação candidato-vaga mesmo, né?
O cara jogar uma Premier League aqui,
sei lá, jogar num Arsenal,
num Chelsea, num Liverpool da vida,
o cara tem que, sei lá,
tem que ter sido uma freira cega no Sudão
na outra vida.
-Porra, no Sudão? -No Sudão ou em Parada de Lucas.
Mas você não foi uma freira cega no Sudão
nem em Parada de Lucas, né?
-Não. -Pois é.
-Eu era dentista. -Pois é. Dentista.
Dentista que compra aquelas caixas de som grande
e deixa na beira da praia tocando música merda
pra acordar todo mundo.
Enchendo o saco de geral achando que está agradando.
-Isso aí não é pecado não, meu Jeová. -Não, não é pecado.
-É pior que pecado! -É mesmo?
Você está inclusive reencarnando graças a mim.
Tá.
Eu posso fazer você jogar num Vasco. Quer um Vasco?
Moço, o senhor não tem outra coisa sem ser jogador?
De repente uma coisa... Vê aí pra mim aí
uma coisa boa, meu Deus.
Você é tão Jeová aí, tão querido.
Se você não quiser jogar na Desportiva do Espírito Santo,
nem num Vasco, de repente um Sport Recife...
Você pode ser baratinha do mar.
-Quê? Baratinha do...? -Baratinha-do-mar.
Reencarnar baratinha-do-mar.
Isso aí nem existe, Jeová. Para de graça.
Isso aí o senhor está inventando para brincar comigo.
-O senhor é brincalhão. -Tem.
Aquelas baratinhas-do-mar, sabe?
-Isso aí não existe nada! -Sabe pedra que dá em beira de praia?
É cheio daquelas baratinhas pequenininhas,
marronzinha assim.
Dá em tudo, tudo que é praia tem, aqui na Urca tem um monte.
Isso aí não vale a pena, não, poxa.
Aí, aí é contigo, né.
Se for jogar numa Desportiva do Espírito Santo,
num Vasco, num Sport Recife da vida,
o que que vai acontecer?
Você vai ter aquela infância difícil,
normalmente tem, normal.
Vai pegar aquelas 4, 5 conduções lá pra chegar no treinamento.
Vai jogar um futebol medíocre, mais ou menos,
não vai rolar Seleção, de cara já te adianto
-que não vai rolar Seleção. -Não vai ter Seleção?
Não vai. Aí você vai o quê?
Conviver com 3, 4 meses de salário atrasado...
Eventualmente vai faltar água.
Aí você vai ter aquela carreira que vai terminar ali
com 35 anos.
Numa série B, C da vida ali.
Nos 40 anos de vida, você vai ter o quê?
Você vai ter uma artrose, artrite.
Vai conviver ali com uma cirrose hepática
porque vai beber um bocado.
Gota, tem muita gota.
-Às vezes depressão. -Eita.
Cancro duro, cancro mole, ostracismo.
Aí com 70 e vrau, vira um post ali no blog
do Milton Neves. Lembra aquele "Onde Foi Parar?",
"Cadê o Fulano?"
E a baratinha? Como é que é?
A baratinha come alga e vive 2 aninhos.
Pode ser no Leblon?
É.
Então vamos lá. Reencarnando em baratinha-do-mar
em 3, 2, 1!
Próximo!
Está tudo congestionado na entrada da área do Liverpool.
Você percebe que o Manchester City tenta usar
o grande entrosamento que tem pra furar essa barreira.
De Bruyne.
Se apresenta um pouco mais adiantado o Agüero pra receber a bola.
A ultrapassagem do Walker do lado direito.
É um grande clássico. Agora assim os espaços no campo
começam a aparecer um pouco mais.
O Manchester City vem com tudo pra cima!
Vai adiantando um pelotão em busca do gol.