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O Assunto (*Generated Transcript*), Economia do cuidado: o trabalho invisível I O ASSUNTO I g1

Economia do cuidado: o trabalho invisível I O ASSUNTO I g1

Ela falou, meu Deus, eu vejo seus vídeos, vejo você fazendo isso e aquilo, você é

uma mãe guerreira, você é uma mãe não sei o que, você dá conta de tudo.

Gente, eu não dou conta de tudo.

Eu estava fazendo a sopa dela, né, estava começando a tomar a sopinha e aí simplesmente

queimou porque ela parava de chorar e eu botei ela sentada na cadeirinha e eu tentando

fazer a comida.

Não aguentei.

Mães choram.

Sobrecarga, esgotamento, exaustão, solidão.

Sentimentos expostos por mães que vivem no dia a dia uma rotina de trabalho invisível.

Se você acaba de ter um bebê e você trabalha e você estuda e você tem rotina de casa

e você tem marido e você tem a sua vida para cuidar e você simplesmente quer desabafar,

às vezes você não pode, não consegue, não tem com quem desabafar porque vem alguém

e diz, nossa, mas você, o bebê não pediu para nascer.

É preciso uma aldeia inteira para educar uma criança, dizem, até que essa criança

tenha necessidades especiais.

Esse é o limite desse provérbio bonito africano que se usa tanto hoje.

Olhando profundamente, a verdade é que muitas vezes a mãe é a aldeia inteira dessa criança.

Ser a aldeia inteira de alguém, a única responsável pelo cuidado, significa viver

empilhando tarefas, num constante estado de atenção e de preocupação.

Não é só de noite que eu tenho toda essa função.

Aí chega durante o dia, ela quer brincar, quer fazer todas as coisas dela, daí eu não

consigo dar conta das coisas de casa.

Tem um monte de louça ali, tem roupa para guardar, roupa para lavar.

A mesa está absurda, tem umas roupinhas ali que chegou da hora.

Gente, eu vou falar, vou mostrar para vocês a realidade.

Cara, eu estou surtando, eu estou surtando.

A discussão vai muito além do desabafo.

Cada vez mais, mulheres estão falando sobre carga mental e a importância de uma rede

de apoio, além de uma divisão justa e igualitária do trabalho doméstico.

E também questionando quem cuida de quem cuida.

A mãe preta, a gente as coloca tanto nesse papel de força, que é um papel que a gente

sempre teve.

As mães pretas sempre são aquela fortaleza, as zonas da casa, a parte forte para onde

a família inteira pode correr, porque ali vai estar firme, vai estar forte para aguentar

tudo que vier.

Da redação do G1, eu sou Natuzaneri e o assunto hoje é Economia do Cuidado.

Um episódio sobre o trabalho invisível feito por milhões de mulheres ao redor do planeta

e da história.

Neste episódio, eu converso com a jornalista e escritora Vanessa Bárbara, autora do livro

Mamãe Está Cansada, e Mayra Liguori, diretora da ONG Think Olga.

Sexta-feira, 12 de maio.

Vanessa, como surgiu a ideia de fazer um livro infantil sobre o cansaço materno?

O Mamãe Está Cansada, ele começou no início da pandemia.

Quando começou o isolamento, eu me vi de repente com uma criança de um ano e meio

confinada num apartamento pequeno e a gente sozinho para resolver tudo, cuidar da casa,

trabalhar, enfim.

Estava rolando uma pandemia, eu também sou jornalista, e a gente tinha que escrever,

tinha que dar conta de tudo, junto com uma criança que ali com um ano e meio está ligada

no 220.

E aí no meio daquela névoa de cansaço, eu reparei que quando a gente estava ocupado,

ela ia se movendo pela casa, inventando brincadeiras, e ela aproveitava todas as coisas, os ambientes

da casa.

Então, de repente, eu olhava e ela estava brincando com a sombra dela na parede, ou

então ela estava, sei lá, depredando o armário do panelo, tirando tudo e fazendo música.

E eu reparei também que ela me usava como um acessório.

Eu era tipo um acessório meio fantasmagórico, sempre cansado, né?

Não faz de conta dela.

Então eu lembro que eu estava...

Teve um dia que eu estava com febre, estava muito cansada e deitei no chão da sala e

ela levantou a pontinha assim da minha camiseta e começou a tocar tambor.

E aí eu pensei que seria interessante fazer um livro sobre esse cansaço das mães, mas

usando o ponto de vista das crianças, né?

Como se as mães fossem meio que uma coadjuvante nesse universo rico das crianças, para elas

também terem empatia meio que dos dois lados, né?

A gente vê no livro o lado da criança e o lado da mãe exausta.

E eu achei curioso que logo no início do livro tem a frase, às vezes eu acho que ela

nasceu cansada, para se referir à mãe.

Eu me vi tanto nisso, porque às vezes eu acho que eu nasci cansada.

E uma ilustração em que a personagem materna está deitada, justamente acabando de acordar.

Essa é a cena que me chamou a atenção.

Você pode falar um pouco sobre como a sobrecarga mental contribui para esse sentimento de exaustão

constante?

É, pois é.

Essa coisa do, às vezes eu acho que ela nasceu cansada, ilustra bem esse livro ser

do ponto de vista da criança, né?

Então, realmente para ela, a mãe é esse ser zumbi, que eu não entendo direito porque

ela está sempre tão cansada, né?

E aí que você vê que não é só a sobrecarga física, mas é também a sobrecarga mental

dessa mãe, né?

Minha cabeça está tão pesada, eu estou tão assim com uma carga enorme da maternidade

em cima de mim, e que fique claro, eu não estou falando da minha filha em si, eu estou

falando da maternidade, minha filha eu amo.

Ainda mais para gente que não tem uma rede de apoio, sabe?

Porque é de madrugada, tarde, à noite, de manhã, todos os momentos eu não tenho

folga, sabe?

É muito difícil eu conseguir fazer um almoço.

Eu estou sem almoço, ontem eu não consegui fazer almoço.

Nessa cena, por exemplo, ela acabou de abrir o olho, tem o alarme do celular tocando, o

gato está em cima dela, tem um monte de trabalho em volta, e aí você imagina o tanto de coisa

que está passando na cabeça dela, de coisa que ela tem para resolver naquele dia, né?

E eu penso que é meio insano achar que uma pessoa só seja capaz de cobrir, tipo, todos

os aspectos do desenvolvimento de uma criança, né?

Físico, social, emocional, é fisicamente e mentalmente impossível, né?

Por isso que uma rede de apoio é fundamental, né?

Numa situação assim.

Isso.

É, não só, eu considero que seria uma rede de apoio não só de avós, tios, madrinha,

padrinho, amigo, vizinhos, mas eu acho que teria que ter uma rede de apoio estruturada,

né?

Mais forte em forma de políticas públicas, de salário maternidade, de creche, de investimento

Claro, sem dúvida.

No próximo domingo é dia das mães, já te desejo um feliz dia das mães, desejo um

feliz dia das mães a todas que nos ouvem, a todas que nos ouvem, e uma data que é cheia

de romantismo, que tende a idealizar a mãe como uma guerreira, aquela que aguenta tudo.

Mas em qualquer conversa minimamente honesta com uma mãe, a gente descobre uma pessoa

exausta e isso tem ganhado muita visibilidade nas redes sociais ultimamente, com mulheres

falando a verdade, compartilhando as suas experiências e as suas realidades, muitas

delas difíceis demais de dar conta.

E há mais e mais gente dizendo que é muita coisa para uma pessoa só, as mães estão

cansadas, as mães estão exaustas, as mães e a sociedade estão preparadas para ouvir

muito, Vanessa, que nós estamos cansadas, que nós estamos exaustas e que muitas vezes

a gente não dá conta.

Eu acho que as mães sabem muito bem, as mães têm plena noção do que está acontecendo,

tanto que eu mostro esse livro, mamãe está cansada, minhas amigas falam, ah, é a minha

biografia essa?

Nossa, todo mundo se identifica.

Eu acho que quem não entendeu ainda é a sociedade mesmo, nessa época da pandemia

isso ficou muito claro, porque a gente entendeu que a gente vive numa sociedade que não dá

prioridade absoluta para creche, para escola.

A questão da creche é evidente pelos dados de creche que as mulheres têm muito pouca

opção para poder deixar as crianças e irem procurar trabalho.

Só 35% das crianças entre 0 e 6 anos têm acesso a creche.

E aí está envolvida uma série de questões.

Tem a questão econômica do fato da mulher não poder sair e trazer mais renda para dentro

de casa, mas também o fato de que a mulher que tem independência financeira, ela sofre

menos violência doméstica.

A minha filha, quando começou a pandemia, ela estava estudando numa creche municipal,

e aí teve que parar tudo e não tinha infraestrutura lá, não tinha o básico.

Então é uma coisa muito insana você ter aqui em São Paulo, por exemplo, a gente tem

uma prefeitura que tem dinheiro, tudo, e que poderia estar investindo nisso em professor,

em escola e também em parque, em praça, em equipamento de lazer, que aí também seria

importante para a saúde mental das mães e das crianças, e para transporte público

também.

Eu acho que a gente sai de casa, a cidade é muito hostil para as crianças, mesmo na

calçada.

Eu dependo de transporte público para circular com a minha filha, os ônibus lotados, e você

sai na calçada, o carro está saindo do estacionamento, aí a gente tem essa sensação

de que o poder público meio que abandonou as mães e os cuidados com a infância, e

aí a gente está nessa situação de esgotamento por causa disso também, né?

A gente precisaria de ajuda para aliviar um pouco o peso de uma tarefa que é tão essencial.

Sem dúvida nenhuma.

Vanessa, eu te agradeço muito pela participação, gostei muito que você ilustrou no livro tanto

da situação das mães, mas também de uma perspectiva da criança.

Foi um prazer enorme ter você aqui no assunto, e de novo, um feliz dia das mães.

Feliz dia das mães para você também, o prazer foi meu, e bom trabalho, trabalho excepcional

que vocês fazem.

Um bom trabalho para você também.

Obrigada, tchau tchau.

Espera um pouquinho que eu já volto para falar com a Maíra Liguori.

Maíra, você pode nos explicar o que é a economia do cuidado e o que ela representa

na economia de um país?

A economia do cuidado é um conceito que foi desenhado, desenvolvido na academia já há

bastante tempo, que vem sendo debatido nesses ambientes, mas que agora está ganhando um

pouco o debate público, por representar justamente essa contribuição que as mulheres

fazem de maneira gratuita e praticamente invisível no trabalho de cuidado, que é a digeração

e manutenção da vida.

Economia do cuidado é o termo usado para qualquer atividade que esteja relacionada

com o ato de cuidar, seja dos filhos, seja da casa, ou em profissões envolvendo saúde,

bem-estar e educação.

Um estudo mostrou que mulheres e meninas ao redor do mundo dedicam todos os dias mais

de 12 bilhões de horas ao trabalho do cuidado não remunerado.

Então é uma maneira de mensurar o tamanho dessa contribuição para a sociedade, que

não é só no sentido da perpetuação da nossa própria espécie, mas também uma contribuição

que se ela fosse mensurada em termos econômicos seria basicamente um número tão importante

quanto o de um país desenvolvido.

Nós fizemos esse estudo e a gente aprendeu que se as horas de meninas e mulheres ao redor

do mundo fossem remuneradas, a partir de alguns parâmetros que foram estabelecidos pela Oxfam,

inclusive, uma organização internacional, a gente teria 10,8 trilhões de dólares produzidos,

injetados na economia por ano.

Se esse PIB fosse um país, se essa riqueza fosse o PIB de um país, seria o quarto país

mais rico do mundo, só para a gente ter uma ideia.

Nossa, é muito impressionante esse número.

É muito.

A gente costuma dizer que o trabalho de cuidado é o maior subsídio à economia que há.

Se mulheres não estivessem cuidando em casa de forma gratuita, o mundo teria que se reorganizar

e provavelmente seria um mundo muito diferente.

Por exemplo, as mulheres cuidam da alimentação, da casa, dos filhos.

Se a gente for calcular tudo isso, tem um impacto grande no cenário econômico.

Dados tanto da Organização Mundial da Saúde quanto do IBGE apontam que, considerando o

tempo de cada mamada e a quantidade de vezes que ela se repete por dia, o tempo investido

nessa atividade ao longo de seis meses é de 650 horas.

O IBGE aponta ainda que as mulheres gastam mais de 61 horas por semana em trabalhos não

remunerados no país.

Um trabalho equivalente a 11% do PIB.

É mais do que a indústria e mais que o dobro de todo o setor agropecuário.

Então, fazendo os serviços de casa, que são muitas vezes com jornadas bem maiores

do que as jornadas dentro do mercado de trabalho, esses serviços facilmente ultrapassam as

oito horas, oito horas e meia que as pessoas se alocam no mercado formal.

Mas se a gente fosse considerar essas funções, enfim, um pacote aí que é muito comum às

mães e às donas de casa, o salário poderia chegar até 10 mil, 10 mil e 500 reais.

Você já mencionou que esse trabalho é feito principalmente por mulheres.

Então só para contextualizar com um número de uma organização que você acabou de citar,

a Oxfam diz que 75% desse trabalho no mundo é feito por mulheres.

Por que esse papel do cuidado é tão centrado na figura feminina?

E mais, como quebrar essa lógica de gênero?

Eu sei, e não ignoramos aqui, o fato de muitas famílias serem famílias em que as crianças

são criadas por pais.

Mas ainda assim o número da Oxfam é muito superlativo.

Então eu queria tentar entender essa concentração na figura feminina.

A atribuição do cuidado como papel da mulher é uma questão cultural muito forte, né?

E que está presente basicamente em todo o mundo.

A forma como mulheres e homens transitam no mundo está muito pautada nisso.

A menina quando ela nasce, ela logo ganha ali uma etiqueta na testa de cuidadora.

A gente oferece bonecas, vassouras, cozinhas para ela brincar.

Enquanto para o menino a gente não só estimula outras atividades,

como a gente praticamente inibe qualquer participação deles nesse tipo de atividade.

Então a gente evita que meninos brinquem de casinha, evita que meninos brinquem de boneca.

E isso faz com que a gente vá separando desde o nascimento as atribuições.

Sendo que o cuidado acaba sendo uma atribuição quase que exclusivamente da mulher.

A gente tem esse número da OXA e a gente sabe que essa cultura

é um dos principais agravantes de desigualdade de gênero.

A chegada dos filhos é um dos fatores decisivos para que as mulheres comecem o próprio negócio.

Segundo o levantamento do SEBRAE, sete em cada dez empreendedoras

abriram empresas depois de se tornarem mães.

Busca por autonomia, flexibilidade de horários e complemento de renda

estão entre os principais motivos desta decisão.

A pesquisa concluiu que as mães, em maior número que os pais,

dividem o cuidado da casa com o do próprio negócio.

60% delas continuam responsáveis pelo preparo das refeições da família,

enquanto apenas 28% dos homens assumem essa dupla função.

A gente tem, por exemplo, meninas que deixam de ir para a escola

para poder cuidar dos irmãos enquanto os pais estão trabalhando.

E aí o que a gente faz? A gente perpetua esse ciclo de pobreza na vida dessa mulher.

A gente limita o potencial dela ou a possibilidade de crescimento.

E tem um outro dado, você citou as meninas que não vão à escola para cuidar dos seus irmãos

e muitas mulheres que não conseguem trabalhar porque precisam cuidar dos filhos, né?

Então a consequência é uma consequência muito dramática.

A Think Olga produziu um relatório sobre a economia do cuidado durante a pandemia,

quando ficou ainda mais clara a sobrecarga das mães e das mulheres, né?

Foi um peso muito grande naquela circunstância.

E muitas mulheres tiveram que abandonar o trabalho,

já que a gente está falando desse ponto de abandono do trabalho, de não conseguir emprego,

justamente para se dedicar ao cuidado de alguém.

O que isso significou para o mercado de trabalho e para a sociedade?

Esse momento da pandemia em que muito mudou, né?

Ou muitos desses hábitos ou desses traços culturais se acentuaram?

Durante a pandemia, esse trabalho de cuidado ficou escancarado

porque todas as redes de apoio desapareceram.

A escola, as cuidadoras remuneradas, as babasas, as trabalhadoras domésticas,

os avós, deixaram de ser uma possibilidade.

Então, o cuidado se colocou como imperativo,

sobretudo num momento de crise sanitária, né?

Que a gente tem cuidados extras a serem tomados.

E aí, então, a gente teve dentro das nossas casas

essa demonstração da sobrecarga que o cuidado representa.

Sobretudo na divisão das tarefas domésticas.

Algumas famílias passaram a dividir as tarefas, né?

Então, homens que nunca pararam para pensar que o copo não vai sozinho da mesa para a pia, né?

Ou para o armário,

pararam para identificar esse trabalho que acontecia non-stop, né?

24 horas dentro de casa, a mulher ali trabalhando

e ainda conciliando isso com o trabalho remunerado.

Então, a gente teve esse movimento de alguns homens começando a trazer isso à consciência

e começando a se implicar nessas tarefas também, né?

A assumir a sua responsabilidade na manutenção da casa, no cuidado com os filhos.

92% das mulheres realizam afazeres domésticos.

Entre os homens, são 78%.

Mas essa diferença vem diminuindo.

Hoje nota 10.

Hoje nota 10.

Podia fazer, assim, uma cama melhor, né?

Lavar um pouco melhor a louça.

Mas ele lava bem.

Você sabe, deixa tudo limpo.

As mulheres dedicam em média 21 horas por semana aos cuidados da casa.

Quase o dobro do tempo dos homens.

E aí o cuidado é importante a gente delimitar,

porque a gente não está falando só de crianças, né?

A gente está falando de idosos, a gente está falando de pessoas com deficiência,

enfermos não hospitalizados, ou seja,

é uma gama muito grande de pessoas que dependem dessa cuidadora, né?

Pensando agora na tua pergunta, Natuza, sobre mercado de trabalho.

O que aconteceu foi isso, virou uma equação impossível, né?

Insustentável.

Uma situação em que as mulheres estavam ali cuidando dos filhos,

cuidando da casa e trabalhando,

enquanto seus parceiros, na grande parte dos casos,

trancados ali no escritório, não sendo perturbados de maneira alguma.

Isso fez com que muitas delas acabassem ou abandonando o trabalho, o emprego,

ou sendo demitidas dele.

Ou abandonando o marido.

É verdade que a gente teve índices de divórcio bem altos durante a pandemia,

mas enfim, isso fez com que nós mulheres tivéssemos a participação, né?

No mercado de trabalho formal, equivalente aos anos 90, Natuza.

Então a gente regrediu 30 anos de avanços,

de busca por espaço e busca por oportunidade de trabalho em poucos meses, né?

Então agora a gente ainda está sofrendo com isso,

as mulheres são a maioria das pessoas desempregadas,

sobretudo as mulheres negras e de baixa renda,

que muitas vezes encontram no trabalho informal a única alternativa,

e o trabalho informal também muito conectado ao cuidado, né?

As babás, as trabalhadoras domésticas, as cuidadoras de idosos,

enfim, as acompanhantes, aí a gente está falando

de pessoas que ganham extremamente mal

para realizar um trabalho extremamente importante.

As mulheres têm mais pós-graduação, as mulheres têm mais preparo técnico,

mas elas foram as que mais perderam postos de trabalho.

As mulheres, elas ainda são responsáveis por vários fatores domésticos,

cuidados com os idosos, cuidado com as crianças, o cuidado com a alimentação,

e no mercado de trabalho elas são um elo mais frágil.

Eu queria falar contigo, Maíra, sobre um ponto de vista prático.

Como é que você torna o trabalho do cuidado mais visível e reconhecido?

O cuidado pode ser uma política pública, por exemplo?

Como é que governos podem mudar o cenário atual?

Porque está muito claro pela sua explicação que alguma coisa precisa ser feita.

A gente pode pensar numa estratégia de atuação em três frentes, né?

Primeiro, no âmbito individual mesmo.

A gente tem que desautomatizar essa cultura que coloca as mulheres nessa posição.

Estamos querendo dizer aqui, mulheres, larguem as suas vassouras no chão,

vamos cruzar os braços e não vamos mais fazer esse trabalho.

Claro que não, não se trata disso, né?

Mas sim a gente demonstrar e a gente implicar todas as pessoas que moram na casa,

por exemplo, na manutenção dessa casa.

Não isso, não recair sobre a mulher como uma responsabilidade dela.

A gente poder compartilhar dentro dos nossos micro-contextos esse trabalho.

Quando a gente fala de empresas, existe uma necessidade urgente de debatermos

políticas específicas para pessoas que cuidam.

Então, pessoas que cuidam possam ter cargas de trabalho ajustadas,

possam ter jornadas flexíveis, possam ter auxílio creche ou berçários

dentro dos seus ambientes de trabalho, das suas empresas.

A gente ter banco de horas, por exemplo, que essa mulher possa fazer a jornada dela

de maneira mais flexível, sem diminuir necessariamente a importância do trabalho

que ela está entregando ou a carga, como eu disse.

Mas a gente ter esse tipo de política.

E, sobretudo, políticas de incentivo à paternidade.

A gente tem hoje no Brasil uma legislação que oferece

cinco dias de licença-paternidade para um pai.

Hoje, os pais podem ter de cinco a vinte dias de licença

para cuidar de um filho que acaba de nascer.

Mas para chegarmos até aqui, um pai constituinte, um homem,

teve que enfrentar o machismo.

O anúncio da votação da emenda sobre a licença-paternidade

foi recebida com ironia pelo plenário.

Eu me senti ultrajado, humilhado, quando o presidente Ulisses Guimarães

leu a minha emenda, o plenário não parava de ver.

Eu ouvi uma sonora gargalhada no plenário.

Vamos à votação!

E eu subi à tribuna para protestar contra a gargalhada.

E comecei a falar de mortes de mãe em sala de parto

e o que acontecia com o pai quando a mãe morria na sala de parto.

E fiz um discurso completamente de improviso.

14 de dezembro de 1987, nasceu minha filha Ana Sofia.

E para infelicidade minha, minha mulher esteve à beira da morte

e depois três semanas imobilizada no leito por um acidente anestésico.

Senhor presidente Ulisses Guimarães,

não havia no mundo naquele instante nenhuma Assembleia Nacional Constituinte,

nenhum emprego, nenhum patrão,

nada, nenhuma força do mundo que me tirasse do lado dela e dos meus filhos.

Nas empresas cidadãs esse número é de 20 dias.

Isso não é suficiente nem para se vincular a criança de maneira profunda

e também não é suficiente para ele entender o volume de trabalho,

o volume de dedicação de horas que cuidar de um bebê exige.

Ele não está lá para ver como é desgastante.

E aí a gente está cansado de ouvir, né?

Ah, ela fica o dia inteiro em casa sem fazer nada com as crianças.

Isso não existe.

E por fim, pensando nas políticas públicas, né, que foi o que você trouxe,

eu acho, existem alguns debates já acontecendo,

sobretudo aqui na América Latina, sobre como que a gente visibiliza o cuidado

e como que a gente implementa políticas de equiparação ou de reparação.

A gente tem uma questão super importante, por exemplo,

das mulheres que são donas de casa e que não têm nenhum tipo de segurança,

de seguridade social, né?

Elas não têm direito a uma aposentadoria,

elas não têm direito a uma pensão,

elas não têm direito a uma licença médica,

um afastamento pelo INSS.

Essa é uma abordagem que está sendo feita no debate público,

como eu disse, na América Latina, mas aqui no Brasil também com alguns PLs,

para buscar esse tipo de segurança social para as mulheres que cuidam.

Existe uma outra frente que eu gosto muito de contar essa história,

que na Nova Zelândia, eles estavam no ano de 2021,

fazendo um balanço, ou pelo menos tentando categorizar os trabalhos

que são equivalentes em termos de carga de trabalho, de horas,

dedicação de horas, nível de especialização e nível de responsabilidade.

Eles estabeleceram esses três parâmetros.

E aí eles começaram a elencar as profissões.

E eles viram, por exemplo, que uma babá que dedica muitas horas de cuidado a um bebê,

que exige um nível de especialização, porque é um trabalho delicado,

é um trabalho de alto risco, e sobretudo um trabalho de altíssima responsabilidade,

esse trabalho de dar babá é semelhante ao trabalho, em termos de remuneração,

ao trabalho de um engenheiro mecânico de avião.

Quanto ganha um mecânico de avião e quanto ganha uma babá?

Maíra, te agradeço muito.

Eu sei que você é mãe de dois e que podiam entrar a qualquer momento nessa nossa conversa,

acabou que não aconteceu.

E eu te desejo um feliz dia das mães, com muita gente cuidando de você também,

assim como você cuida dos seus filhotes.

Muito obrigada, Natuza. Obrigada a todo mundo que está ouvindo.

Um feliz dia das mães, com muito cuidado, compartilhado para nós.

Este episódio usou áudios dos canais Taito Orel, Iana Borja, Gabi Oliveira e do TEDx Talks.

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Comigo na equipe do Assunto estão Mônica Mariotti, Amanda Polato,

Tiago Aguiar, Luiz Felipe Silva, Tiago Kaczorowski, Gabriel de Campos,

Nayara Fernandes e Guilherme Romero.

Eu sou Natuzaneri e fico por aqui. Até o próximo Assunto.

Legendas pela comunidade Amara.org

Economia do cuidado: o trabalho invisível I O ASSUNTO I g1 Pflegewirtschaft: unsichtbare Arbeit I DAS THEMA I g1 Care economy: invisible work I THE SUBJECT I g1 ケア・エコノミー:見えない労働 I 主題 I g1

Ela falou, meu Deus, eu vejo seus vídeos, vejo você fazendo isso e aquilo, você é

uma mãe guerreira, você é uma mãe não sei o que, você dá conta de tudo.

Gente, eu não dou conta de tudo.

Eu estava fazendo a sopa dela, né, estava começando a tomar a sopinha e aí simplesmente

queimou porque ela parava de chorar e eu botei ela sentada na cadeirinha e eu tentando

fazer a comida.

Não aguentei.

Mães choram.

Sobrecarga, esgotamento, exaustão, solidão.

Sentimentos expostos por mães que vivem no dia a dia uma rotina de trabalho invisível.

Se você acaba de ter um bebê e você trabalha e você estuda e você tem rotina de casa

e você tem marido e você tem a sua vida para cuidar e você simplesmente quer desabafar,

às vezes você não pode, não consegue, não tem com quem desabafar porque vem alguém

e diz, nossa, mas você, o bebê não pediu para nascer.

É preciso uma aldeia inteira para educar uma criança, dizem, até que essa criança

tenha necessidades especiais.

Esse é o limite desse provérbio bonito africano que se usa tanto hoje.

Olhando profundamente, a verdade é que muitas vezes a mãe é a aldeia inteira dessa criança.

Ser a aldeia inteira de alguém, a única responsável pelo cuidado, significa viver

empilhando tarefas, num constante estado de atenção e de preocupação.

Não é só de noite que eu tenho toda essa função.

Aí chega durante o dia, ela quer brincar, quer fazer todas as coisas dela, daí eu não

consigo dar conta das coisas de casa.

Tem um monte de louça ali, tem roupa para guardar, roupa para lavar.

A mesa está absurda, tem umas roupinhas ali que chegou da hora.

Gente, eu vou falar, vou mostrar para vocês a realidade.

Cara, eu estou surtando, eu estou surtando.

A discussão vai muito além do desabafo.

Cada vez mais, mulheres estão falando sobre carga mental e a importância de uma rede

de apoio, além de uma divisão justa e igualitária do trabalho doméstico.

E também questionando quem cuida de quem cuida.

A mãe preta, a gente as coloca tanto nesse papel de força, que é um papel que a gente

sempre teve.

As mães pretas sempre são aquela fortaleza, as zonas da casa, a parte forte para onde

a família inteira pode correr, porque ali vai estar firme, vai estar forte para aguentar

tudo que vier.

Da redação do G1, eu sou Natuzaneri e o assunto hoje é Economia do Cuidado.

Um episódio sobre o trabalho invisível feito por milhões de mulheres ao redor do planeta

e da história.

Neste episódio, eu converso com a jornalista e escritora Vanessa Bárbara, autora do livro

Mamãe Está Cansada, e Mayra Liguori, diretora da ONG Think Olga.

Sexta-feira, 12 de maio.

Vanessa, como surgiu a ideia de fazer um livro infantil sobre o cansaço materno?

O Mamãe Está Cansada, ele começou no início da pandemia.

Quando começou o isolamento, eu me vi de repente com uma criança de um ano e meio

confinada num apartamento pequeno e a gente sozinho para resolver tudo, cuidar da casa,

trabalhar, enfim.

Estava rolando uma pandemia, eu também sou jornalista, e a gente tinha que escrever,

tinha que dar conta de tudo, junto com uma criança que ali com um ano e meio está ligada

no 220.

E aí no meio daquela névoa de cansaço, eu reparei que quando a gente estava ocupado,

ela ia se movendo pela casa, inventando brincadeiras, e ela aproveitava todas as coisas, os ambientes

da casa.

Então, de repente, eu olhava e ela estava brincando com a sombra dela na parede, ou

então ela estava, sei lá, depredando o armário do panelo, tirando tudo e fazendo música.

E eu reparei também que ela me usava como um acessório.

Eu era tipo um acessório meio fantasmagórico, sempre cansado, né?

Não faz de conta dela.

Então eu lembro que eu estava...

Teve um dia que eu estava com febre, estava muito cansada e deitei no chão da sala e

ela levantou a pontinha assim da minha camiseta e começou a tocar tambor.

E aí eu pensei que seria interessante fazer um livro sobre esse cansaço das mães, mas

usando o ponto de vista das crianças, né?

Como se as mães fossem meio que uma coadjuvante nesse universo rico das crianças, para elas

também terem empatia meio que dos dois lados, né?

A gente vê no livro o lado da criança e o lado da mãe exausta.

E eu achei curioso que logo no início do livro tem a frase, às vezes eu acho que ela

nasceu cansada, para se referir à mãe.

Eu me vi tanto nisso, porque às vezes eu acho que eu nasci cansada.

E uma ilustração em que a personagem materna está deitada, justamente acabando de acordar.

Essa é a cena que me chamou a atenção.

Você pode falar um pouco sobre como a sobrecarga mental contribui para esse sentimento de exaustão

constante?

É, pois é.

Essa coisa do, às vezes eu acho que ela nasceu cansada, ilustra bem esse livro ser

do ponto de vista da criança, né?

Então, realmente para ela, a mãe é esse ser zumbi, que eu não entendo direito porque

ela está sempre tão cansada, né?

E aí que você vê que não é só a sobrecarga física, mas é também a sobrecarga mental

dessa mãe, né?

Minha cabeça está tão pesada, eu estou tão assim com uma carga enorme da maternidade

em cima de mim, e que fique claro, eu não estou falando da minha filha em si, eu estou

falando da maternidade, minha filha eu amo.

Ainda mais para gente que não tem uma rede de apoio, sabe?

Porque é de madrugada, tarde, à noite, de manhã, todos os momentos eu não tenho

folga, sabe?

É muito difícil eu conseguir fazer um almoço.

Eu estou sem almoço, ontem eu não consegui fazer almoço.

Nessa cena, por exemplo, ela acabou de abrir o olho, tem o alarme do celular tocando, o

gato está em cima dela, tem um monte de trabalho em volta, e aí você imagina o tanto de coisa

que está passando na cabeça dela, de coisa que ela tem para resolver naquele dia, né?

E eu penso que é meio insano achar que uma pessoa só seja capaz de cobrir, tipo, todos

os aspectos do desenvolvimento de uma criança, né?

Físico, social, emocional, é fisicamente e mentalmente impossível, né?

Por isso que uma rede de apoio é fundamental, né?

Numa situação assim.

Isso.

É, não só, eu considero que seria uma rede de apoio não só de avós, tios, madrinha,

padrinho, amigo, vizinhos, mas eu acho que teria que ter uma rede de apoio estruturada,

né?

Mais forte em forma de políticas públicas, de salário maternidade, de creche, de investimento

Claro, sem dúvida.

No próximo domingo é dia das mães, já te desejo um feliz dia das mães, desejo um

feliz dia das mães a todas que nos ouvem, a todas que nos ouvem, e uma data que é cheia

de romantismo, que tende a idealizar a mãe como uma guerreira, aquela que aguenta tudo.

Mas em qualquer conversa minimamente honesta com uma mãe, a gente descobre uma pessoa

exausta e isso tem ganhado muita visibilidade nas redes sociais ultimamente, com mulheres

falando a verdade, compartilhando as suas experiências e as suas realidades, muitas

delas difíceis demais de dar conta.

E há mais e mais gente dizendo que é muita coisa para uma pessoa só, as mães estão

cansadas, as mães estão exaustas, as mães e a sociedade estão preparadas para ouvir

muito, Vanessa, que nós estamos cansadas, que nós estamos exaustas e que muitas vezes

a gente não dá conta.

Eu acho que as mães sabem muito bem, as mães têm plena noção do que está acontecendo,

tanto que eu mostro esse livro, mamãe está cansada, minhas amigas falam, ah, é a minha

biografia essa?

Nossa, todo mundo se identifica.

Eu acho que quem não entendeu ainda é a sociedade mesmo, nessa época da pandemia

isso ficou muito claro, porque a gente entendeu que a gente vive numa sociedade que não dá

prioridade absoluta para creche, para escola.

A questão da creche é evidente pelos dados de creche que as mulheres têm muito pouca

opção para poder deixar as crianças e irem procurar trabalho.

Só 35% das crianças entre 0 e 6 anos têm acesso a creche.

E aí está envolvida uma série de questões.

Tem a questão econômica do fato da mulher não poder sair e trazer mais renda para dentro

de casa, mas também o fato de que a mulher que tem independência financeira, ela sofre

menos violência doméstica.

A minha filha, quando começou a pandemia, ela estava estudando numa creche municipal,

e aí teve que parar tudo e não tinha infraestrutura lá, não tinha o básico.

Então é uma coisa muito insana você ter aqui em São Paulo, por exemplo, a gente tem

uma prefeitura que tem dinheiro, tudo, e que poderia estar investindo nisso em professor,

em escola e também em parque, em praça, em equipamento de lazer, que aí também seria

importante para a saúde mental das mães e das crianças, e para transporte público

também.

Eu acho que a gente sai de casa, a cidade é muito hostil para as crianças, mesmo na

calçada.

Eu dependo de transporte público para circular com a minha filha, os ônibus lotados, e você

sai na calçada, o carro está saindo do estacionamento, aí a gente tem essa sensação

de que o poder público meio que abandonou as mães e os cuidados com a infância, e

aí a gente está nessa situação de esgotamento por causa disso também, né?

A gente precisaria de ajuda para aliviar um pouco o peso de uma tarefa que é tão essencial.

Sem dúvida nenhuma.

Vanessa, eu te agradeço muito pela participação, gostei muito que você ilustrou no livro tanto

da situação das mães, mas também de uma perspectiva da criança.

Foi um prazer enorme ter você aqui no assunto, e de novo, um feliz dia das mães.

Feliz dia das mães para você também, o prazer foi meu, e bom trabalho, trabalho excepcional

que vocês fazem.

Um bom trabalho para você também.

Obrigada, tchau tchau.

Espera um pouquinho que eu já volto para falar com a Maíra Liguori.

Maíra, você pode nos explicar o que é a economia do cuidado e o que ela representa

na economia de um país?

A economia do cuidado é um conceito que foi desenhado, desenvolvido na academia já há

bastante tempo, que vem sendo debatido nesses ambientes, mas que agora está ganhando um

pouco o debate público, por representar justamente essa contribuição que as mulheres

fazem de maneira gratuita e praticamente invisível no trabalho de cuidado, que é a digeração

e manutenção da vida.

Economia do cuidado é o termo usado para qualquer atividade que esteja relacionada

com o ato de cuidar, seja dos filhos, seja da casa, ou em profissões envolvendo saúde,

bem-estar e educação.

Um estudo mostrou que mulheres e meninas ao redor do mundo dedicam todos os dias mais

de 12 bilhões de horas ao trabalho do cuidado não remunerado.

Então é uma maneira de mensurar o tamanho dessa contribuição para a sociedade, que

não é só no sentido da perpetuação da nossa própria espécie, mas também uma contribuição

que se ela fosse mensurada em termos econômicos seria basicamente um número tão importante

quanto o de um país desenvolvido.

Nós fizemos esse estudo e a gente aprendeu que se as horas de meninas e mulheres ao redor

do mundo fossem remuneradas, a partir de alguns parâmetros que foram estabelecidos pela Oxfam,

inclusive, uma organização internacional, a gente teria 10,8 trilhões de dólares produzidos,

injetados na economia por ano.

Se esse PIB fosse um país, se essa riqueza fosse o PIB de um país, seria o quarto país

mais rico do mundo, só para a gente ter uma ideia.

Nossa, é muito impressionante esse número.

É muito.

A gente costuma dizer que o trabalho de cuidado é o maior subsídio à economia que há.

Se mulheres não estivessem cuidando em casa de forma gratuita, o mundo teria que se reorganizar

e provavelmente seria um mundo muito diferente.

Por exemplo, as mulheres cuidam da alimentação, da casa, dos filhos.

Se a gente for calcular tudo isso, tem um impacto grande no cenário econômico.

Dados tanto da Organização Mundial da Saúde quanto do IBGE apontam que, considerando o

tempo de cada mamada e a quantidade de vezes que ela se repete por dia, o tempo investido

nessa atividade ao longo de seis meses é de 650 horas.

O IBGE aponta ainda que as mulheres gastam mais de 61 horas por semana em trabalhos não

remunerados no país.

Um trabalho equivalente a 11% do PIB.

É mais do que a indústria e mais que o dobro de todo o setor agropecuário.

Então, fazendo os serviços de casa, que são muitas vezes com jornadas bem maiores

do que as jornadas dentro do mercado de trabalho, esses serviços facilmente ultrapassam as

oito horas, oito horas e meia que as pessoas se alocam no mercado formal.

Mas se a gente fosse considerar essas funções, enfim, um pacote aí que é muito comum às

mães e às donas de casa, o salário poderia chegar até 10 mil, 10 mil e 500 reais.

Você já mencionou que esse trabalho é feito principalmente por mulheres.

Então só para contextualizar com um número de uma organização que você acabou de citar,

a Oxfam diz que 75% desse trabalho no mundo é feito por mulheres.

Por que esse papel do cuidado é tão centrado na figura feminina?

E mais, como quebrar essa lógica de gênero?

Eu sei, e não ignoramos aqui, o fato de muitas famílias serem famílias em que as crianças

são criadas por pais.

Mas ainda assim o número da Oxfam é muito superlativo.

Então eu queria tentar entender essa concentração na figura feminina.

A atribuição do cuidado como papel da mulher é uma questão cultural muito forte, né?

E que está presente basicamente em todo o mundo.

A forma como mulheres e homens transitam no mundo está muito pautada nisso.

A menina quando ela nasce, ela logo ganha ali uma etiqueta na testa de cuidadora.

A gente oferece bonecas, vassouras, cozinhas para ela brincar.

Enquanto para o menino a gente não só estimula outras atividades,

como a gente praticamente inibe qualquer participação deles nesse tipo de atividade.

Então a gente evita que meninos brinquem de casinha, evita que meninos brinquem de boneca.

E isso faz com que a gente vá separando desde o nascimento as atribuições.

Sendo que o cuidado acaba sendo uma atribuição quase que exclusivamente da mulher.

A gente tem esse número da OXA e a gente sabe que essa cultura

é um dos principais agravantes de desigualdade de gênero.

A chegada dos filhos é um dos fatores decisivos para que as mulheres comecem o próprio negócio.

Segundo o levantamento do SEBRAE, sete em cada dez empreendedoras

abriram empresas depois de se tornarem mães.

Busca por autonomia, flexibilidade de horários e complemento de renda

estão entre os principais motivos desta decisão.

A pesquisa concluiu que as mães, em maior número que os pais,

dividem o cuidado da casa com o do próprio negócio.

60% delas continuam responsáveis pelo preparo das refeições da família,

enquanto apenas 28% dos homens assumem essa dupla função.

A gente tem, por exemplo, meninas que deixam de ir para a escola

para poder cuidar dos irmãos enquanto os pais estão trabalhando.

E aí o que a gente faz? A gente perpetua esse ciclo de pobreza na vida dessa mulher.

A gente limita o potencial dela ou a possibilidade de crescimento.

E tem um outro dado, você citou as meninas que não vão à escola para cuidar dos seus irmãos

e muitas mulheres que não conseguem trabalhar porque precisam cuidar dos filhos, né?

Então a consequência é uma consequência muito dramática.

A Think Olga produziu um relatório sobre a economia do cuidado durante a pandemia,

quando ficou ainda mais clara a sobrecarga das mães e das mulheres, né?

Foi um peso muito grande naquela circunstância.

E muitas mulheres tiveram que abandonar o trabalho,

já que a gente está falando desse ponto de abandono do trabalho, de não conseguir emprego,

justamente para se dedicar ao cuidado de alguém.

O que isso significou para o mercado de trabalho e para a sociedade?

Esse momento da pandemia em que muito mudou, né?

Ou muitos desses hábitos ou desses traços culturais se acentuaram?

Durante a pandemia, esse trabalho de cuidado ficou escancarado

porque todas as redes de apoio desapareceram.

A escola, as cuidadoras remuneradas, as babasas, as trabalhadoras domésticas,

os avós, deixaram de ser uma possibilidade.

Então, o cuidado se colocou como imperativo,

sobretudo num momento de crise sanitária, né?

Que a gente tem cuidados extras a serem tomados.

E aí, então, a gente teve dentro das nossas casas

essa demonstração da sobrecarga que o cuidado representa.

Sobretudo na divisão das tarefas domésticas.

Algumas famílias passaram a dividir as tarefas, né?

Então, homens que nunca pararam para pensar que o copo não vai sozinho da mesa para a pia, né?

Ou para o armário,

pararam para identificar esse trabalho que acontecia non-stop, né?

24 horas dentro de casa, a mulher ali trabalhando

e ainda conciliando isso com o trabalho remunerado.

Então, a gente teve esse movimento de alguns homens começando a trazer isso à consciência

e começando a se implicar nessas tarefas também, né?

A assumir a sua responsabilidade na manutenção da casa, no cuidado com os filhos.

92% das mulheres realizam afazeres domésticos.

Entre os homens, são 78%.

Mas essa diferença vem diminuindo.

Hoje nota 10.

Hoje nota 10.

Podia fazer, assim, uma cama melhor, né?

Lavar um pouco melhor a louça.

Mas ele lava bem.

Você sabe, deixa tudo limpo.

As mulheres dedicam em média 21 horas por semana aos cuidados da casa.

Quase o dobro do tempo dos homens.

E aí o cuidado é importante a gente delimitar,

porque a gente não está falando só de crianças, né?

A gente está falando de idosos, a gente está falando de pessoas com deficiência,

enfermos não hospitalizados, ou seja,

é uma gama muito grande de pessoas que dependem dessa cuidadora, né?

Pensando agora na tua pergunta, Natuza, sobre mercado de trabalho.

O que aconteceu foi isso, virou uma equação impossível, né?

Insustentável.

Uma situação em que as mulheres estavam ali cuidando dos filhos,

cuidando da casa e trabalhando,

enquanto seus parceiros, na grande parte dos casos,

trancados ali no escritório, não sendo perturbados de maneira alguma.

Isso fez com que muitas delas acabassem ou abandonando o trabalho, o emprego,

ou sendo demitidas dele.

Ou abandonando o marido.

É verdade que a gente teve índices de divórcio bem altos durante a pandemia,

mas enfim, isso fez com que nós mulheres tivéssemos a participação, né?

No mercado de trabalho formal, equivalente aos anos 90, Natuza.

Então a gente regrediu 30 anos de avanços,

de busca por espaço e busca por oportunidade de trabalho em poucos meses, né?

Então agora a gente ainda está sofrendo com isso,

as mulheres são a maioria das pessoas desempregadas,

sobretudo as mulheres negras e de baixa renda,

que muitas vezes encontram no trabalho informal a única alternativa,

e o trabalho informal também muito conectado ao cuidado, né?

As babás, as trabalhadoras domésticas, as cuidadoras de idosos,

enfim, as acompanhantes, aí a gente está falando

de pessoas que ganham extremamente mal

para realizar um trabalho extremamente importante.

As mulheres têm mais pós-graduação, as mulheres têm mais preparo técnico,

mas elas foram as que mais perderam postos de trabalho.

As mulheres, elas ainda são responsáveis por vários fatores domésticos,

cuidados com os idosos, cuidado com as crianças, o cuidado com a alimentação,

e no mercado de trabalho elas são um elo mais frágil.

Eu queria falar contigo, Maíra, sobre um ponto de vista prático.

Como é que você torna o trabalho do cuidado mais visível e reconhecido?

O cuidado pode ser uma política pública, por exemplo?

Como é que governos podem mudar o cenário atual?

Porque está muito claro pela sua explicação que alguma coisa precisa ser feita.

A gente pode pensar numa estratégia de atuação em três frentes, né?

Primeiro, no âmbito individual mesmo.

A gente tem que desautomatizar essa cultura que coloca as mulheres nessa posição.

Estamos querendo dizer aqui, mulheres, larguem as suas vassouras no chão,

vamos cruzar os braços e não vamos mais fazer esse trabalho.

Claro que não, não se trata disso, né?

Mas sim a gente demonstrar e a gente implicar todas as pessoas que moram na casa,

por exemplo, na manutenção dessa casa.

Não isso, não recair sobre a mulher como uma responsabilidade dela.

A gente poder compartilhar dentro dos nossos micro-contextos esse trabalho.

Quando a gente fala de empresas, existe uma necessidade urgente de debatermos

políticas específicas para pessoas que cuidam.

Então, pessoas que cuidam possam ter cargas de trabalho ajustadas,

possam ter jornadas flexíveis, possam ter auxílio creche ou berçários

dentro dos seus ambientes de trabalho, das suas empresas.

A gente ter banco de horas, por exemplo, que essa mulher possa fazer a jornada dela

de maneira mais flexível, sem diminuir necessariamente a importância do trabalho

que ela está entregando ou a carga, como eu disse.

Mas a gente ter esse tipo de política.

E, sobretudo, políticas de incentivo à paternidade.

A gente tem hoje no Brasil uma legislação que oferece

cinco dias de licença-paternidade para um pai.

Hoje, os pais podem ter de cinco a vinte dias de licença

para cuidar de um filho que acaba de nascer.

Mas para chegarmos até aqui, um pai constituinte, um homem,

teve que enfrentar o machismo.

O anúncio da votação da emenda sobre a licença-paternidade

foi recebida com ironia pelo plenário.

Eu me senti ultrajado, humilhado, quando o presidente Ulisses Guimarães

leu a minha emenda, o plenário não parava de ver.

Eu ouvi uma sonora gargalhada no plenário.

Vamos à votação!

E eu subi à tribuna para protestar contra a gargalhada.

E comecei a falar de mortes de mãe em sala de parto

e o que acontecia com o pai quando a mãe morria na sala de parto.

E fiz um discurso completamente de improviso.

14 de dezembro de 1987, nasceu minha filha Ana Sofia.

E para infelicidade minha, minha mulher esteve à beira da morte

e depois três semanas imobilizada no leito por um acidente anestésico.

Senhor presidente Ulisses Guimarães,

não havia no mundo naquele instante nenhuma Assembleia Nacional Constituinte,

nenhum emprego, nenhum patrão,

nada, nenhuma força do mundo que me tirasse do lado dela e dos meus filhos.

Nas empresas cidadãs esse número é de 20 dias.

Isso não é suficiente nem para se vincular a criança de maneira profunda

e também não é suficiente para ele entender o volume de trabalho,

o volume de dedicação de horas que cuidar de um bebê exige.

Ele não está lá para ver como é desgastante.

E aí a gente está cansado de ouvir, né?

Ah, ela fica o dia inteiro em casa sem fazer nada com as crianças.

Isso não existe.

E por fim, pensando nas políticas públicas, né, que foi o que você trouxe,

eu acho, existem alguns debates já acontecendo,

sobretudo aqui na América Latina, sobre como que a gente visibiliza o cuidado

e como que a gente implementa políticas de equiparação ou de reparação.

A gente tem uma questão super importante, por exemplo,

das mulheres que são donas de casa e que não têm nenhum tipo de segurança,

de seguridade social, né?

Elas não têm direito a uma aposentadoria,

elas não têm direito a uma pensão,

elas não têm direito a uma licença médica,

um afastamento pelo INSS.

Essa é uma abordagem que está sendo feita no debate público,

como eu disse, na América Latina, mas aqui no Brasil também com alguns PLs,

para buscar esse tipo de segurança social para as mulheres que cuidam.

Existe uma outra frente que eu gosto muito de contar essa história,

que na Nova Zelândia, eles estavam no ano de 2021,

fazendo um balanço, ou pelo menos tentando categorizar os trabalhos

que são equivalentes em termos de carga de trabalho, de horas,

dedicação de horas, nível de especialização e nível de responsabilidade.

Eles estabeleceram esses três parâmetros.

E aí eles começaram a elencar as profissões.

E eles viram, por exemplo, que uma babá que dedica muitas horas de cuidado a um bebê,

que exige um nível de especialização, porque é um trabalho delicado,

é um trabalho de alto risco, e sobretudo um trabalho de altíssima responsabilidade,

esse trabalho de dar babá é semelhante ao trabalho, em termos de remuneração,

ao trabalho de um engenheiro mecânico de avião.

Quanto ganha um mecânico de avião e quanto ganha uma babá?

Maíra, te agradeço muito.

Eu sei que você é mãe de dois e que podiam entrar a qualquer momento nessa nossa conversa,

acabou que não aconteceu.

E eu te desejo um feliz dia das mães, com muita gente cuidando de você também,

assim como você cuida dos seus filhotes.

Muito obrigada, Natuza. Obrigada a todo mundo que está ouvindo.

Um feliz dia das mães, com muito cuidado, compartilhado para nós.

Este episódio usou áudios dos canais Taito Orel, Iana Borja, Gabi Oliveira e do TEDx Talks.

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Comigo na equipe do Assunto estão Mônica Mariotti, Amanda Polato,

Tiago Aguiar, Luiz Felipe Silva, Tiago Kaczorowski, Gabriel de Campos,

Nayara Fernandes e Guilherme Romero.

Eu sou Natuzaneri e fico por aqui. Até o próximo Assunto.

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