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O Assunto (*Generated Transcript*), 27.06.23-A rebelião que desafiou o poder de Putin

27.06.23-A rebelião que desafiou o poder de Putin

O aliado virou traidor.

Evgeny Prigozhin é ou era, pelo menos, um dos homens mais importantes para a Rússia

na guerra contra a Ucrânia.

Cheveka Wagner, queremos transformar.

Nós passamos, não chegando a 200 quilômetros, até Moscou.

No poder há mais de duas décadas, Vladimir Putin viu, nos últimos dias, sua imagem de

líder inabalável ser fragilizada.

A rachadura foi provocada por um grupo paramilitar, criado quase 10 anos atrás, para atender

justamente aos interesses do presidente russo.

A possibilidade de usar homens armados num conflito sem que a comunidade internacional

pudesse acusar envolvimento da Rússia foi a deixa para a criação do Grupo Wagner.

Eu fiz parte do Grupo Wagner de 2015 a 2019.

Até 93, eu servia a aeronáutica, mas eu fui preso por assassinato e peguei três anos

de prisão.

Eles não ligavam para minha ficha criminal.

E eu poderia voltar a usar armas como uma espécie de respaldo oficial, sabe?

O líder do Grupo Wagner foi escolhido dentro do plantel da Unidade de Inteligência do

Exército.

Dmitry Uchkin.

Ele já usava o codinome Wagner.

Em uma das raras fotos de Uchkin, dá para ver uma de suas tatuagens, o símbolo da SS,

a Unidade Paramilitar do Nazismo.

O Pentágono calculava, no mês passado, que o grupo tinha 50 mil homens na Ucrânia.

Especialistas dizem que quase 40 mil seriam ex-presidiários ou condenados da justiça.

O movimento acendeu alerta para o risco de uma guerra civil.

E só foi desarticulado quando as colunas de mercenários estavam a poucas horas e quilômetros

de distância da capital Moscou.

O presidente de Belarus, Aleksandr Lukashenko, disse que tinha conseguido negociar um acordo

com o Prigozhin para acalmar a situação.

E fomos em direção oposta.

Logo depois, o chefe do Grupo Wagner confirmou que os rebeldes iam retornar às bases para

evitar um derramamento de sangue.

Em um acordo mediado por Belarus, o chefe do Grupo Wagner recuou e alegou querer evitar

um banho de sangue.

Mas os efeitos do motim ainda estão em curso e podem gerar mudanças profundas dentro da

própria Rússia e no cenário internacional.

Os eventos do fim de semana mostraram rachaduras dentro do círculo de confiança do presidente Putin.

A afronta à liderança de Putin beneficia a Ucrânia a curto prazo.

Em plena contra-ofensiva para recuperar territórios ocupados, Volodymyr Zelensky disse que a revolta

das tropas mercenárias expôs o caos completo que existe na Rússia.

Da redação do G1, eu sou Natuzaneri e o assunto hoje é

A rebelião que desafiou o poder de Putin na Rússia.

Um episódio para analisar as intenções do Grupo Wagner e as consequências do motim

para o governo de Moscou e para o futuro da guerra na Ucrânia.

Eu converso com Tanguy Bagdadi, professor de política internacional na Universidade

Vega de Almeida e fundador do podcast Petit Jornal.

Terça-feira, 27 de junho.

Tanguy, nessa segunda-feira que é o momento em que a gente grava, o chefe do Grupo Wagner,

Evgeny Prigozhin, falou pela primeira vez sobre a rebelião contra Moscou, quando o

Grupo Mercenário decidiu marchar sobre... ameaçou, na verdade, não foi uma decisão,

foi uma ameaça sobre a capital russa.

O Prigozhin diz que o alvo nunca foi derrubar Putin e também teve um discurso de Putin,

dizendo que os rebeldes do Grupo Mercenário e do Grupo Wagner teriam anistia, poderiam

ir para Belarus ou poderiam ser incorporados às forças russas.

Então eu queria que você, meu amigo, nos ajudasse a entender que bicho é esse que

a gente está tratando aqui.

Eu acho que a primeira coisa que a gente vai ter que fazer é olhar para o histórico

do Prigozhin, ou Prigozhin, aí vai do purismo na pronúncia de um nome russo.

Ele é uma pessoa que ascendeu com o Putin, então ele deve a ascensão dele, a carreira

dele, a fortuna dele, a projeção dele ao Putin.

Em 1981, Prigozhin foi condenado a 13 anos de prisão por assaltos nas ruas de São Petersburgo,

a mesma cidade de Putin, que na época ainda se chamava Leningrado.

Acabou solto em 1990, um ano antes do colapso da então União Soviética.

Fora da cadeia, começou a vender cachorro-quente em São Petersburgo.

Em uma nova Rússia, o negócio cresceu.

Prigozhin se aproximou de pessoas influentes e a barraquinha deu lugar a um restaurante

chique em meados dos anos 1990.

Quando Putin chegou à presidência pela primeira vez, na virada de 1999 para o ano 2000, assim

que Boris Yeltsin renunciou, Prigozhin passou a cuidar dos banquetes dos eventos do Kremlin.

Ganhou o apelido de chefe de cozinha de Putin.

Então é muito importante a gente notar que todos esses discursos dele, normalmente

ele fala contra o comando militar russo.

Ele tem dois alvos principais, que são Gerasimov, que é o comandante das forças russas, e

o ministro da defesa da Rússia, que é o Sergei Shoigu.

O que ele diz o tempo todo é que esses dois deveriam ser condenados por alta traição,

porque não fazem o trabalho corretamente, são incompetentes, ele sugere que poderiam

ser corruptos e que o Putin, portanto, estaria sendo prejudicado por eles.

No pronunciamento à nação, o presidente Putin falou em ameaça mortal para o Estado

russo.

Chamou a ação de punhalada nas costas e prometeu esmagar os envolvidos no que descreveu

como motim armado.

Também disse que a Rússia estava travando uma batalha pelo seu futuro.

Prigozhin respondeu ao Putin, disse que o presidente estava profundamente enganado

em considerá-lo um traidor.

Não é uma tentativa de golpe, e sim uma marcha por justiça, ele insistiu.

E hoje, quando a gente tem essa declaração do Putin, ele meio que coloca panos quentes

também.

O Putin que recentemente disse que Prigozhin seria um traidor, hoje ele já diz que, olha,

fizemos o acordo, que bom que eles voltaram atrás, porque dessa maneira conseguiram evitar

derramamento de sangue.

Vladimir Putin quebrou o silêncio desde o fim do motim, apenas às 10h30 da noite de

hoje, pelo horário de Moscou.

Ele agradeceu a união dos cidadãos russos e a lealdade dos serviços de segurança.

Sem qualquer menção direta a Evgeny Prigozhin, o presidente russo disse que quem organizou

o levante queria ver a derrota da Rússia e que a rebelião seria contida de qualquer

maneira.

Isso tudo, Natuza, é o que a gente sabe, deve ter muita coisa que a gente vai ficar

sabendo ao longo dos próximos dias, a gente vai meio que pateando em cima das informações

que vem à tona até agora.

Agora, me parece esquisito esse pano quente, né?

O que a comunidade internacional está enxergando, tanto no discurso do Prigozhin, quanto no

discurso de Putin, porque para um leigo imaginaria-se que Putin reagiria de maneira muito enérgica

em relação a esse grupo, na sua integralidade, Prigozhin inclusive.

Pois é, a primeira coisa que a gente tem que saber é que o Grupo Wagner, do ponto

de vista militar para a Rússia, ele veio sendo muito importante.

Aí a gente tem números dos Estados Unidos, então está longe de serem números oficiais

ou necessariamente confiáveis, mas segundo o governo dos Estados Unidos, as forças do

Grupo Wagner seriam na casa de 50 mil soldados.

Isso não é pouca coisa, tá?

Está longe de ser um exército completo, mas enfim, 50 mil soldados não é alguma

coisa que você gostaria de ter contra você.

Então esse é um primeiro ponto.

E você perguntou como é que a comunidade internacional vê isso.

O Putin, me parece agora, Natuza, eu acho que é a primeira vez que a gente pode falar

isso em quase 24 anos de Putin como presidente.

Ele dá a sensação de não ser mais intocável como ele foi ao longo desse período inteiro.

Então ele quis apaziguar porque ele sabe que lutar uma guerra civil em território

russo, você ter um conflito maior, distrairia completamente o exército russo, seu objetivo,

na Ucrânia.

Mas para resolver esse problema da forma mais rápida possível, ele acaba deixando na mesa

a possibilidade de ter, talvez, fraquejado, talvez tentado evitar um problema.

No mês de março, o porta-voz russo Dmitry Peskov anunciou que os mercenários do grupo

Wagner que marcharam em direção a Moscou não serão processados, em reconhecimento

aos serviços prestados.

E os que se recusaram a participar da rebelião vão assinar contratos com o Ministério da

Defesa russo.

O Kremlin afirmou que evitar derramamento de sangue era mais importante do que punir

pessoas e que nada vai afetar a ofensiva militar da Rússia na Ucrânia.

Putin ainda chamou os combatentes do grupo Wagner de patriotas, disse que eles foram

usados contra o país.

E também agradeceu àqueles que aceitaram desistir do motim e prometeu honrar a promessa

de anistia.

E com isso ficou a sensação de que tomar determinadas cidades na Rússia não foi tão

difícil assim.

É claro, as forças russas estão concentradas na Ucrânia, seja no leste da Ucrânia, seja

no sul da Ucrânia.

Então claro que você tem uma concentração menor de soldados na fronteira.

Mas me parece que nessas 24, 36 horas no máximo, ficou bastante claro que entrar no

território russo não seria tão difícil quanto a gente imaginaria alguns meses atrás.

Soldados do grupo Wagner começaram a atravessar a fronteira com a Rússia sem resistência

e entraram em Rostov-on-Don, a maior cidade do sul do país com mais de um milhão de

habitantes.

Direto do centro de logística da invasão russa em Rostov, Prigogine disse que conquistou

todas as instalações militares da cidade.

Duas horas depois, num avanço relâmpago, o grupo Wagner tomou uma segunda cidade, Voronez,

que fica entre Rostov e Moscou.

Espera um pouquinho que eu já volto para continuar minha conversa com o Tanguy.

Bom, você mesmo citou que ele está no poder há mais de duas décadas, então a pergunta

óbvia para você agora é essa.

O quanto isso abala o poder de Vladimir Putin?

A carreira do Putin na Tusa é muito baseada também na busca constante pela melhora da

sua posição.

Então eu acho que não dá pra gente imaginar que o Putin agora vai cruzar os braços e

vai se lamentar.

Ele vai trabalhar para reconquistar o seu poder, para reconquistar inclusive o prestígio

que pode ter ficado arranhado com esse episódio.

A primeira coisa que ele vai tentar fazer é ver se o Prigogine não se volta contra

ele.

Então não ter o Prigogine no seu encalço, neutralizar de uma forma a força do Prigogine

seria uma tarefa importante.

Ele tem a seu favor o acordo que foi assinado, ele tem a seu favor o fato de que sim, o Prigogine

nunca de fato se voltou contra ele, mas contra a sua cúpula militar.

E outra coisa que é uma ação que o seu Ministério da Defesa, principalmente o seu

ministro, o Serguei Shoigu, vem tentando implementar é de uma certa maneira incorporar o grupo

Wagner ao exército russo.

Esse é um projeto que já tem algum tempo, que é de fazer os soldados do grupo Wagner

assinarem contratos com o exército russo.

A justificativa inicial, a justificativa original, é de oferecer para eles segurança previdenciária,

ajuda para a família, mas a gente sabe que não é isso.

A gente sabe que essa é uma certa preocupação do grupo Wagner sair do controle, como de

fato saiu.

Então o que o Putin nesse momento vai tentar fazer é tentar fazer com que esse poder que

o grupo Wagner teve ao longo dos últimos tempos se reverta numa força maior do exército

russo e tentar manter um certo padrão de naturalidade.

Com o decorrer da guerra, Prigogine passou a se mostrar cada vez mais crítico ao governo

russo, especialmente aos chefes militares.

Disse que a elite do país não levava a guerra a sério e que a situação poderia levar

a Rússia a uma nova revolução, como a de 1917.

Ameaçou ainda retirar o grupo Wagner da cidade ucraniana de Bakrmut, massacrada pelos

mercenários.

Ameaçou também trair o Kremlin e repassar a localização dos soldados russos ao exército

da Ucrânia.

Quanto mais ele conseguir manter essa lógica de neutralidade, de neutralizar o Prigogine

e de naturalidade com relação à política russa, mais ele consegue agir nos bastidores

para voltar a aumentar o seu poder naturalmente, tentando inclusive, como é bem da característica

do Putin, esmagar qualquer um que tente entrar na frente dele ou eventualmente pense

em fazer algo parecido com o que o Prigogine fez ao longo dos últimos tempos.

Já não vai mais ser pego de surpresa e essa é uma vantagem para o Putin.

E também não acusa o golpe, porque se você admite que tem uma crise, você reforça a

imagem que todo mundo está tendo dele agora de que ele ficou fragilizado com essa ameaça.

Agora, essa história ainda tem muitos buracos, incluindo o que aconteceu com o grupo Wagner

depois do recuo.

Para onde é que eles foram?

O que aconteceu com parte ou com todos?

Como é que fica a relação do Putin com esses grupos paramilitares a partir de agora?

Porque você disse que há uma tentativa de incorporá-los às forças russas.

Então eu queria tentar entender o que aconteceu com eles depois dessas quase 36 horas.

Natuza, essa é uma incógnita.

Eu acho que a gente vai demorar um pouquinho para ter certeza.

Primeiro, para ter certeza, como é que foi esse acordo que o Prigogine assinou lá, mediado

pelo Lukashenko, o presidente de Belários.

Não deu para engolir muito a ideia de que, ah, ok, eu virei as costas, voltei, vou para

Belários e vai ficar tudo bem.

A gente aceitar isso seria aceitar que o Prigogine, depois de toda a carreira que ele fez, de

toda a força que ele ganhou, ele teria se aposentado.

E realmente eu não consigo acreditar nisso.

Eu acho que inclusive ele tenta se viabilizar politicamente para as eleições russas do

ano que vem.

A gente sabe que são eleições complicadas, enfim, as eleições russas, mas eu acho que

ele tenta se viabilizar dessa maneira.

E quando a gente fala sobre os militares em si, a Rússia traçou dois cenários.

O Ministério da Defesa da Rússia traçou dois cenários.

Soldados que tenham participado do levante serão anicheados, o que também pode ser

identificado como uma demonstração de uma certa fraqueza, passou um pano ali para evitar

que o problema perdurasse.

Mas essas pessoas serão anicheadas e quem quiser pode ir para Belarus.

Então quem desse daí tiver vontade pode ir para Belarus, mas de qualquer maneira estão

anicheados.

Os que não tiverem participado poderão assinar o tão famoso contrato com o governo russo

e serão de uma certa maneira incorporados.

É uma incorporação do grupo Wagner, na prática, sem ser o CNPJ, com uma entidade,

com uma força política, a força militar para o exército russo.

Nesse mês o Prigoginh acusou o governo russo de mentir sobre a guerra da Ucrânia, disse

que a região de Dombás não estava sendo atacada antes da guerra e que a OTAN não

pretendia atacar a Rússia.

Esses eram justamente os argumentos que o Putin usou para iniciar a invasão em fevereiro

do ano passado.

E ele afirmou também, Tanguy, que a guerra da Ucrânia foi feita para beneficiar a elite

militar e oligárquica da Rússia, ou seja, críticas muito contundentes.

Quais podem ser as consequências desse discurso?

Você citava, por exemplo, a possibilidade de Prigoginh ter intenção de disputar eleições,

de se viabilizar como líder russo.

Mas isso, de um outro lado, não pode dar fôlego a algum movimento antiguerra em solo

russo, que a gente tem muita dificuldade de ver assim de fora?

Eu acho que esses movimentos antiguerra na Rússia são muito enfraquecidos e acabam

sendo com uma certa facilidade esvaziados.

Tanto a história russa mostra isso, o próprio Putin conseguiu fazer isso, que é aquela

velha tática de tentar mostrar que se você é antiguerra, você é anti-Rússia, então

você seria um antinacionalista.

Então, esses movimentos acabam sendo até perigosos de você embarcar neles.

Então, não acredito que isso vai exatamente fortalecer, vai ser fortalecido com esse cenário

atual.

Eu acho que o Prigoginh tem intenções políticas, isso me parece claro, já não é de hoje.

Eu acho que a intenção dele era aparecer eventualmente como um substituto do Putin.

Então, se o Putin quiser descansar, se ele quiser sair, o Prigoginh seria alguém em

quem ele poderia confiar.

Tanto é que ele é muito cuidadoso nessas críticas que ele faz, eu sei que pode parecer

que ele está colocando todo mundo no mesmo balaio, mas ele fala contra a classe oligárquica,

que aliás, da qual ele faz parte também, mas ele diz que ele é um nacionalista de

verdade, os outros são todos uns sanguessuga, e ele fala contra a classe militar, contra

a elite militar, mas ele não ataca o Putin em si.

Então, quando você pega, por exemplo, as pesquisas eleitorais, é claro que o Putin

aparece muito na frente de qualquer intenção de voto, mas o Prigoginh é um nome que aparece

ali.

Então, ele deu uma declaração há pouco tempo, um desses videozinhos que ele fez,

ele estava na Ucrânia e ele deu uma declaração dizendo, eu sei que vocês gostariam de mim

como presidente da Ucrânia, ele dá um tempinho, diz que não é da Rússia, é da Ucrânia.

Com Poroshenko e Zelensky, se eles ganharem, os eleitos para presidente da Ucrânia.

Claramente ele está flertando com essa possibilidade, então, dessa maneira, ele se coloca de fato

como um ator incontornável.

Nesse momento, quando você fala sobre Rússia, você pensa no Putin e você pensa no Prigoginh.

A gente não fala mais em outros, o Navalny, por exemplo, que foi tão discutido já, ele

foi tão assumido, ninguém fala mais de Navalny.

A minha dúvida agora, e essa é a parte interessante da gente estudar, é como é que ele volta

de belários.

Bom, então eu já aproveito, Tanguy, que você citou Navalny, um líder de oposição

a Putin, a gente fez um episódio sobre ele, foi um episódio de 14 de março de número

919, eu te convido a ouvir porque é história.

É uma história muito impressionante e o documentário que conta a vida de Navalny,

sobretudo o momento dele como oposicionista e o envenenamento dele, acabou ganhando o

Oscar desse ano, então eu te convido a ouvir.

Mas voltando aqui para a nossa conversa, você então explicava que o Prigoginh faz críticas

à elite militar, ele faz críticas aos oligarcas, mas que o Putin não é nomeado por ele, não

é um alvo claro dele nas críticas que ele faz.

Mas a guerra na Ucrânia, a guerra contra a Ucrânia, é uma guerra de Putin, faz sentido

ele atacar o resto e preservar Putin para você?

Sentido, se a gente for pegar o sentido lógico da coisa, não.

No momento que ele inicia um levante e toma a cidade de Rostov e diz que está marchando

em direção a Moscou, me parece muito claro que ao tentar atingir o comando militar, ele

está atingindo também o Putin.

O comando militar foi colocado lá pelo próprio Putin.

Mas é aquela crítica que é disfarçada como se fosse um elogio, o que ele tenta dizer

é que o Putin está sendo enganado, não é que eu estou criticando, não estou criticando

o Putin, não há crítica a ele, mas veja bem, ele está sendo enganado.

Quando ele diz isso, ele não está se comprometendo como alguém da oposição ao Putin, mas ele

está fazendo uma crítica no sentido de, olha, o Putin talvez já tenha passado do

seu auge, talvez o momento do Putin já tenha sido superado, acho que essa guerra, veja

bem, não estou criticando a guerra, mas ela poderia ser feita de outra maneira.

Então são maneiras que ele tem de, sem criticar o Putin, porque ele sabe que o Putin é popular,

isso é uma coisa importante, o Putin não é exatamente um cara que a gente às vezes

tem uma visão distanciada de que as pessoas odeiam o Putin, o Putin não é um cara odiado,

ele é um cara que é visto com uma liderança forte, ele continua sendo uma figura muito

central na Rússia e, portanto, o Prigogine consegue dessa maneira fazer uma crítica

àquilo que eventualmente não esteja funcionando.

Se qualquer pessoa tiver uma crítica à forma pela qual a guerra está sendo conduzida,

o Prigogine consegue fazer com que isso seja direcionado para aqueles que ele não gosta,

para o comando militar, e se posicionar como, eventualmente, uma alternativa ao Putin.

Hoje eu vi uma coisa, Natuza, que eu não tinha ouvido, acho que eu nunca tinha ouvido,

que é de que talvez pessoas próximas ao Putin comecem a mudar sua posição e, eventualmente,

recomendar que ele não se candidate às eleições do ano que vem, então que ele passe o poder

adiante e, dessa maneira, que ele possa controlar a transição.

Eu acho improvável que isso aconteça, mas só o fato disso ser aventado, depois de

tanto tempo no poder, um poder tão forte, eu acho que é sintomático.

O Prigogine é um ator disso e o Prigogine consegue sentir o cheiro, sentir o faro de,

eventualmente, ele se colocar nessa posição de ser o sucessor do Putin.

Antes de perguntar para você sobre quais são as repercussões para a Ucrânia, eu

fiquei na dúvida de um ponto em particular.

Vamos supor que o Prigogine consiga se estabelecer como um candidato viável nas próximas eleições

e que ele, eventualmente, e que o Putin não concorra ou que concorre e perca, enfim, não

importa.

Vamos imaginar aqui um cenário em que o Prigogine se torne presidente da Rússia.

Ele acaba com a guerra, tendo feito críticas à forma como ela aconteceu ou não?

Olha Natuza, essa é muito difícil de responder.

Ele é um grande camaleão do ponto de vista das declarações dele.

Ele, ao mesmo tempo, devastou Bakhmut, uma das batalhas mais sangrentas dessa guerra,

aliás, uma das batalhas mais sangrentas da Europa desde a Segunda Guerra Mundial, uma

batalha inacreditável.

Então, ele é um ator direto nesse conflito.

Cinco dias depois da batalha mais longa e sangrenta desta guerra, os mercenários russos

começaram a se retirar da cidade ucraniana de Bakhmut, na região leste do país.

Estão sendo substituídos por tropas do exército regular russo, anunciou o fundador

do grupo Wagner, Evgen Prigogine.

Com muito provavelmente crimes de guerra sendo cometidos, ao mesmo tempo em que, para agradar

uma outra parte da política russa, ele diz que a guerra não está sendo feita da maneira

que deveria.

Então, eu acho que a gente não tem essa informação.

O que o Prigogine faria como presidente?

Eu não faço a menor ideia.

Eu acho que ninguém tem como vislumbrar isso ainda.

Ele não tem uma proposta política, não dá para identificar se ele é a favor de

uma coisa ou de outra.

Eu acho que, se isso acontecer, talvez a gente tenha surpresas muito ruins.

Agora, voltando um pouco, tirando esse cenário eleitoral da nossa avaliação, até este

exato momento, o que tudo isso significa para a guerra da Ucrânia?

Kiev pode se beneficiar desse momento, por exemplo?

A questão é que a Rússia, como não poderia ser diferente, concentrou grande parte dos

seus militares na Ucrânia.

Então no momento em que você tem um atrito como esse dentro da Rússia, isso poderia

significar uma guerra em duas frentes.

Que a Rússia poderia sofrer com problemas domésticos, além de ter que manter um esforço

de guerra difícil, sofrido, custoso, na própria Ucrânia.

O Putin deu demonstrações de que esse era um temor dele.

No pronunciamento que ele fez no final de semana, ele chegou a fazer uma referência

à guerra que veio logo depois da Revolução Russa.

A guerra entre o Exército Branco e o Exército Vermelho, que foi de 1918 a 1921.

É uma memória que os russos têm de uma guerra civil muito difícil, domesticamente.

E o que ele disse é que isso tem que ser evitado.

E fica muito claro que isso tem que ser evitado, porque se isso acontecer dentro da Rússia,

a gente não consegue manter a guerra na Ucrânia.

Me parece que essa é a chave para a gente conseguir entender por que ele tenta estabilizar

tão rapidamente, a um custo político elevado, aquilo que aconteceu dentro da Rússia, para

poder manter o foco na Ucrânia e depois acertar, colocar os pingos nos ís e acertar as contas

com quem tiver que acertar domesticamente.

Inegavelmente, a Ucrânia vai se beneficiar disso, tanto por uma sensação de fraqueza

que a Rússia passa, quanto também pelo fato de que, me parece natural, que a Rússia vai

ter que defender um pouco mais a sua fronteira.

Algumas semanas atrás, alguns grupos, inclusive neo-nazistas, de russos, aliás, invadiram

o território russo e conseguiram também ganhar espaço.

Ou seja, está ficando claro que essa fronteira russa está desguarnecida.

Então, isso pode ser uma preocupação para as forças russas na Ucrânia, caso a Rússia

tenha que redistribuir o seu contingente militar por uma área tão grande.

Uma coisa que talvez a gente não tenha muita noção, claro, a Rússia é o maior país

do mundo, mas a Ucrânia também é um país enorme.

A Ucrânia é o segundo maior país da Europa, tirando apenas a Rússia.

Então, é um território grande demais para a Rússia poder cobrir militarmente e, obviamente,

isso pode acabar se tornando uma vantagem para a Ucrânia.

Nada decisivo, nada que a partir de agora a Ucrânia vai vencer a guerra, isso é garantido.

Mas, inegavelmente, isso vai trazer menos atritos, menos resistências para essa contra-ofensiva

que a Ucrânia está tentando emendar agora.

Tanguy, muito obrigada pela conversa.

Você, como sempre, uma enciclopédia que nos ajuda muito aqui no assunto.

Obrigada por ter topado participar.

Eu que agradeço.

Tchau, tchau.

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Felipe Silva, Thiago Kazurowski, Gabriel de Campos, Guilherme Romero e Nayara Fernandes.

Eu sou Nath Zaneri e fico por aqui.

Até o próximo assunto.

Legendas pela comunidade Amara.org

27.06.23-A rebelião que desafiou o poder de Putin 27.06.23-Die Rebellion, die Putins Macht in Frage stellte 06.27.23-The rebellion that challenged Putin's power 27.06.23-La rebelión que desafió al poder de Putin 27.06.23 La ribellione che ha messo in discussione il potere di Putin 27.06.23-挑战普京权力的叛乱

O aliado virou traidor.

Evgeny Prigozhin é ou era, pelo menos, um dos homens mais importantes para a Rússia

na guerra contra a Ucrânia.

Cheveka Wagner, queremos transformar.

Nós passamos, não chegando a 200 quilômetros, até Moscou.

No poder há mais de duas décadas, Vladimir Putin viu, nos últimos dias, sua imagem de

líder inabalável ser fragilizada.

A rachadura foi provocada por um grupo paramilitar, criado quase 10 anos atrás, para atender

justamente aos interesses do presidente russo.

A possibilidade de usar homens armados num conflito sem que a comunidade internacional

pudesse acusar envolvimento da Rússia foi a deixa para a criação do Grupo Wagner.

Eu fiz parte do Grupo Wagner de 2015 a 2019.

Até 93, eu servia a aeronáutica, mas eu fui preso por assassinato e peguei três anos

de prisão.

Eles não ligavam para minha ficha criminal.

E eu poderia voltar a usar armas como uma espécie de respaldo oficial, sabe?

O líder do Grupo Wagner foi escolhido dentro do plantel da Unidade de Inteligência do

Exército.

Dmitry Uchkin.

Ele já usava o codinome Wagner.

Em uma das raras fotos de Uchkin, dá para ver uma de suas tatuagens, o símbolo da SS,

a Unidade Paramilitar do Nazismo.

O Pentágono calculava, no mês passado, que o grupo tinha 50 mil homens na Ucrânia.

Especialistas dizem que quase 40 mil seriam ex-presidiários ou condenados da justiça.

O movimento acendeu alerta para o risco de uma guerra civil.

E só foi desarticulado quando as colunas de mercenários estavam a poucas horas e quilômetros

de distância da capital Moscou.

O presidente de Belarus, Aleksandr Lukashenko, disse que tinha conseguido negociar um acordo

com o Prigozhin para acalmar a situação.

E fomos em direção oposta.

Logo depois, o chefe do Grupo Wagner confirmou que os rebeldes iam retornar às bases para

evitar um derramamento de sangue.

Em um acordo mediado por Belarus, o chefe do Grupo Wagner recuou e alegou querer evitar

um banho de sangue.

Mas os efeitos do motim ainda estão em curso e podem gerar mudanças profundas dentro da

própria Rússia e no cenário internacional.

Os eventos do fim de semana mostraram rachaduras dentro do círculo de confiança do presidente Putin.

A afronta à liderança de Putin beneficia a Ucrânia a curto prazo.

Em plena contra-ofensiva para recuperar territórios ocupados, Volodymyr Zelensky disse que a revolta

das tropas mercenárias expôs o caos completo que existe na Rússia.

Da redação do G1, eu sou Natuzaneri e o assunto hoje é

A rebelião que desafiou o poder de Putin na Rússia.

Um episódio para analisar as intenções do Grupo Wagner e as consequências do motim

para o governo de Moscou e para o futuro da guerra na Ucrânia.

Eu converso com Tanguy Bagdadi, professor de política internacional na Universidade

Vega de Almeida e fundador do podcast Petit Jornal.

Terça-feira, 27 de junho.

Tanguy, nessa segunda-feira que é o momento em que a gente grava, o chefe do Grupo Wagner,

Evgeny Prigozhin, falou pela primeira vez sobre a rebelião contra Moscou, quando o

Grupo Mercenário decidiu marchar sobre... ameaçou, na verdade, não foi uma decisão,

foi uma ameaça sobre a capital russa.

O Prigozhin diz que o alvo nunca foi derrubar Putin e também teve um discurso de Putin,

dizendo que os rebeldes do Grupo Mercenário e do Grupo Wagner teriam anistia, poderiam

ir para Belarus ou poderiam ser incorporados às forças russas.

Então eu queria que você, meu amigo, nos ajudasse a entender que bicho é esse que

a gente está tratando aqui.

Eu acho que a primeira coisa que a gente vai ter que fazer é olhar para o histórico

do Prigozhin, ou Prigozhin, aí vai do purismo na pronúncia de um nome russo.

Ele é uma pessoa que ascendeu com o Putin, então ele deve a ascensão dele, a carreira

dele, a fortuna dele, a projeção dele ao Putin.

Em 1981, Prigozhin foi condenado a 13 anos de prisão por assaltos nas ruas de São Petersburgo,

a mesma cidade de Putin, que na época ainda se chamava Leningrado.

Acabou solto em 1990, um ano antes do colapso da então União Soviética.

Fora da cadeia, começou a vender cachorro-quente em São Petersburgo.

Em uma nova Rússia, o negócio cresceu.

Prigozhin se aproximou de pessoas influentes e a barraquinha deu lugar a um restaurante

chique em meados dos anos 1990.

Quando Putin chegou à presidência pela primeira vez, na virada de 1999 para o ano 2000, assim

que Boris Yeltsin renunciou, Prigozhin passou a cuidar dos banquetes dos eventos do Kremlin.

Ganhou o apelido de chefe de cozinha de Putin.

Então é muito importante a gente notar que todos esses discursos dele, normalmente

ele fala contra o comando militar russo.

Ele tem dois alvos principais, que são Gerasimov, que é o comandante das forças russas, e

o ministro da defesa da Rússia, que é o Sergei Shoigu.

O que ele diz o tempo todo é que esses dois deveriam ser condenados por alta traição,

porque não fazem o trabalho corretamente, são incompetentes, ele sugere que poderiam

ser corruptos e que o Putin, portanto, estaria sendo prejudicado por eles.

No pronunciamento à nação, o presidente Putin falou em ameaça mortal para o Estado

russo.

Chamou a ação de punhalada nas costas e prometeu esmagar os envolvidos no que descreveu

como motim armado.

Também disse que a Rússia estava travando uma batalha pelo seu futuro.

Prigozhin respondeu ao Putin, disse que o presidente estava profundamente enganado

em considerá-lo um traidor.

Não é uma tentativa de golpe, e sim uma marcha por justiça, ele insistiu.

E hoje, quando a gente tem essa declaração do Putin, ele meio que coloca panos quentes

também.

O Putin que recentemente disse que Prigozhin seria um traidor, hoje ele já diz que, olha,

fizemos o acordo, que bom que eles voltaram atrás, porque dessa maneira conseguiram evitar

derramamento de sangue.

Vladimir Putin quebrou o silêncio desde o fim do motim, apenas às 10h30 da noite de

hoje, pelo horário de Moscou.

Ele agradeceu a união dos cidadãos russos e a lealdade dos serviços de segurança.

Sem qualquer menção direta a Evgeny Prigozhin, o presidente russo disse que quem organizou

o levante queria ver a derrota da Rússia e que a rebelião seria contida de qualquer

maneira.

Isso tudo, Natuza, é o que a gente sabe, deve ter muita coisa que a gente vai ficar

sabendo ao longo dos próximos dias, a gente vai meio que pateando em cima das informações

que vem à tona até agora.

Agora, me parece esquisito esse pano quente, né?

O que a comunidade internacional está enxergando, tanto no discurso do Prigozhin, quanto no

discurso de Putin, porque para um leigo imaginaria-se que Putin reagiria de maneira muito enérgica

em relação a esse grupo, na sua integralidade, Prigozhin inclusive.

Pois é, a primeira coisa que a gente tem que saber é que o Grupo Wagner, do ponto

de vista militar para a Rússia, ele veio sendo muito importante.

Aí a gente tem números dos Estados Unidos, então está longe de serem números oficiais

ou necessariamente confiáveis, mas segundo o governo dos Estados Unidos, as forças do

Grupo Wagner seriam na casa de 50 mil soldados.

Isso não é pouca coisa, tá?

Está longe de ser um exército completo, mas enfim, 50 mil soldados não é alguma

coisa que você gostaria de ter contra você.

Então esse é um primeiro ponto.

E você perguntou como é que a comunidade internacional vê isso.

O Putin, me parece agora, Natuza, eu acho que é a primeira vez que a gente pode falar

isso em quase 24 anos de Putin como presidente.

Ele dá a sensação de não ser mais intocável como ele foi ao longo desse período inteiro.

Então ele quis apaziguar porque ele sabe que lutar uma guerra civil em território

russo, você ter um conflito maior, distrairia completamente o exército russo, seu objetivo,

na Ucrânia.

Mas para resolver esse problema da forma mais rápida possível, ele acaba deixando na mesa

a possibilidade de ter, talvez, fraquejado, talvez tentado evitar um problema.

No mês de março, o porta-voz russo Dmitry Peskov anunciou que os mercenários do grupo

Wagner que marcharam em direção a Moscou não serão processados, em reconhecimento

aos serviços prestados.

E os que se recusaram a participar da rebelião vão assinar contratos com o Ministério da

Defesa russo.

O Kremlin afirmou que evitar derramamento de sangue era mais importante do que punir

pessoas e que nada vai afetar a ofensiva militar da Rússia na Ucrânia.

Putin ainda chamou os combatentes do grupo Wagner de patriotas, disse que eles foram

usados contra o país.

E também agradeceu àqueles que aceitaram desistir do motim e prometeu honrar a promessa

de anistia.

E com isso ficou a sensação de que tomar determinadas cidades na Rússia não foi tão

difícil assim.

É claro, as forças russas estão concentradas na Ucrânia, seja no leste da Ucrânia, seja

no sul da Ucrânia.

Então claro que você tem uma concentração menor de soldados na fronteira.

Mas me parece que nessas 24, 36 horas no máximo, ficou bastante claro que entrar no

território russo não seria tão difícil quanto a gente imaginaria alguns meses atrás.

Soldados do grupo Wagner começaram a atravessar a fronteira com a Rússia sem resistência

e entraram em Rostov-on-Don, a maior cidade do sul do país com mais de um milhão de

habitantes.

Direto do centro de logística da invasão russa em Rostov, Prigogine disse que conquistou

todas as instalações militares da cidade.

Duas horas depois, num avanço relâmpago, o grupo Wagner tomou uma segunda cidade, Voronez,

que fica entre Rostov e Moscou.

Espera um pouquinho que eu já volto para continuar minha conversa com o Tanguy.

Bom, você mesmo citou que ele está no poder há mais de duas décadas, então a pergunta

óbvia para você agora é essa.

O quanto isso abala o poder de Vladimir Putin?

A carreira do Putin na Tusa é muito baseada também na busca constante pela melhora da

sua posição.

Então eu acho que não dá pra gente imaginar que o Putin agora vai cruzar os braços e

vai se lamentar.

Ele vai trabalhar para reconquistar o seu poder, para reconquistar inclusive o prestígio

que pode ter ficado arranhado com esse episódio.

A primeira coisa que ele vai tentar fazer é ver se o Prigogine não se volta contra

ele.

Então não ter o Prigogine no seu encalço, neutralizar de uma forma a força do Prigogine

seria uma tarefa importante.

Ele tem a seu favor o acordo que foi assinado, ele tem a seu favor o fato de que sim, o Prigogine

nunca de fato se voltou contra ele, mas contra a sua cúpula militar.

E outra coisa que é uma ação que o seu Ministério da Defesa, principalmente o seu

ministro, o Serguei Shoigu, vem tentando implementar é de uma certa maneira incorporar o grupo

Wagner ao exército russo.

Esse é um projeto que já tem algum tempo, que é de fazer os soldados do grupo Wagner

assinarem contratos com o exército russo.

A justificativa inicial, a justificativa original, é de oferecer para eles segurança previdenciária,

ajuda para a família, mas a gente sabe que não é isso.

A gente sabe que essa é uma certa preocupação do grupo Wagner sair do controle, como de

fato saiu.

Então o que o Putin nesse momento vai tentar fazer é tentar fazer com que esse poder que

o grupo Wagner teve ao longo dos últimos tempos se reverta numa força maior do exército

russo e tentar manter um certo padrão de naturalidade.

Com o decorrer da guerra, Prigogine passou a se mostrar cada vez mais crítico ao governo

russo, especialmente aos chefes militares.

Disse que a elite do país não levava a guerra a sério e que a situação poderia levar

a Rússia a uma nova revolução, como a de 1917.

Ameaçou ainda retirar o grupo Wagner da cidade ucraniana de Bakrmut, massacrada pelos

mercenários.

Ameaçou também trair o Kremlin e repassar a localização dos soldados russos ao exército

da Ucrânia.

Quanto mais ele conseguir manter essa lógica de neutralidade, de neutralizar o Prigogine

e de naturalidade com relação à política russa, mais ele consegue agir nos bastidores

para voltar a aumentar o seu poder naturalmente, tentando inclusive, como é bem da característica

do Putin, esmagar qualquer um que tente entrar na frente dele ou eventualmente pense

em fazer algo parecido com o que o Prigogine fez ao longo dos últimos tempos.

Já não vai mais ser pego de surpresa e essa é uma vantagem para o Putin.

E também não acusa o golpe, porque se você admite que tem uma crise, você reforça a

imagem que todo mundo está tendo dele agora de que ele ficou fragilizado com essa ameaça.

Agora, essa história ainda tem muitos buracos, incluindo o que aconteceu com o grupo Wagner

depois do recuo.

Para onde é que eles foram?

O que aconteceu com parte ou com todos?

Como é que fica a relação do Putin com esses grupos paramilitares a partir de agora?

Porque você disse que há uma tentativa de incorporá-los às forças russas.

Então eu queria tentar entender o que aconteceu com eles depois dessas quase 36 horas.

Natuza, essa é uma incógnita.

Eu acho que a gente vai demorar um pouquinho para ter certeza.

Primeiro, para ter certeza, como é que foi esse acordo que o Prigogine assinou lá, mediado

pelo Lukashenko, o presidente de Belários.

Não deu para engolir muito a ideia de que, ah, ok, eu virei as costas, voltei, vou para

Belários e vai ficar tudo bem.

A gente aceitar isso seria aceitar que o Prigogine, depois de toda a carreira que ele fez, de

toda a força que ele ganhou, ele teria se aposentado.

E realmente eu não consigo acreditar nisso.

Eu acho que inclusive ele tenta se viabilizar politicamente para as eleições russas do

ano que vem.

A gente sabe que são eleições complicadas, enfim, as eleições russas, mas eu acho que

ele tenta se viabilizar dessa maneira.

E quando a gente fala sobre os militares em si, a Rússia traçou dois cenários.

O Ministério da Defesa da Rússia traçou dois cenários.

Soldados que tenham participado do levante serão anicheados, o que também pode ser

identificado como uma demonstração de uma certa fraqueza, passou um pano ali para evitar

que o problema perdurasse.

Mas essas pessoas serão anicheadas e quem quiser pode ir para Belarus.

Então quem desse daí tiver vontade pode ir para Belarus, mas de qualquer maneira estão

anicheados.

Os que não tiverem participado poderão assinar o tão famoso contrato com o governo russo

e serão de uma certa maneira incorporados.

É uma incorporação do grupo Wagner, na prática, sem ser o CNPJ, com uma entidade,

com uma força política, a força militar para o exército russo.

Nesse mês o Prigoginh acusou o governo russo de mentir sobre a guerra da Ucrânia, disse

que a região de Dombás não estava sendo atacada antes da guerra e que a OTAN não

pretendia atacar a Rússia.

Esses eram justamente os argumentos que o Putin usou para iniciar a invasão em fevereiro

do ano passado.

E ele afirmou também, Tanguy, que a guerra da Ucrânia foi feita para beneficiar a elite

militar e oligárquica da Rússia, ou seja, críticas muito contundentes.

Quais podem ser as consequências desse discurso?

Você citava, por exemplo, a possibilidade de Prigoginh ter intenção de disputar eleições,

de se viabilizar como líder russo.

Mas isso, de um outro lado, não pode dar fôlego a algum movimento antiguerra em solo

russo, que a gente tem muita dificuldade de ver assim de fora?

Eu acho que esses movimentos antiguerra na Rússia são muito enfraquecidos e acabam

sendo com uma certa facilidade esvaziados.

Tanto a história russa mostra isso, o próprio Putin conseguiu fazer isso, que é aquela

velha tática de tentar mostrar que se você é antiguerra, você é anti-Rússia, então

você seria um antinacionalista.

Então, esses movimentos acabam sendo até perigosos de você embarcar neles.

Então, não acredito que isso vai exatamente fortalecer, vai ser fortalecido com esse cenário

atual.

Eu acho que o Prigoginh tem intenções políticas, isso me parece claro, já não é de hoje.

Eu acho que a intenção dele era aparecer eventualmente como um substituto do Putin.

Então, se o Putin quiser descansar, se ele quiser sair, o Prigoginh seria alguém em

quem ele poderia confiar.

Tanto é que ele é muito cuidadoso nessas críticas que ele faz, eu sei que pode parecer

que ele está colocando todo mundo no mesmo balaio, mas ele fala contra a classe oligárquica,

que aliás, da qual ele faz parte também, mas ele diz que ele é um nacionalista de

verdade, os outros são todos uns sanguessuga, e ele fala contra a classe militar, contra

a elite militar, mas ele não ataca o Putin em si.

Então, quando você pega, por exemplo, as pesquisas eleitorais, é claro que o Putin

aparece muito na frente de qualquer intenção de voto, mas o Prigoginh é um nome que aparece

ali.

Então, ele deu uma declaração há pouco tempo, um desses videozinhos que ele fez,

ele estava na Ucrânia e ele deu uma declaração dizendo, eu sei que vocês gostariam de mim

como presidente da Ucrânia, ele dá um tempinho, diz que não é da Rússia, é da Ucrânia.

Com Poroshenko e Zelensky, se eles ganharem, os eleitos para presidente da Ucrânia.

Claramente ele está flertando com essa possibilidade, então, dessa maneira, ele se coloca de fato

como um ator incontornável.

Nesse momento, quando você fala sobre Rússia, você pensa no Putin e você pensa no Prigoginh.

A gente não fala mais em outros, o Navalny, por exemplo, que foi tão discutido já, ele

foi tão assumido, ninguém fala mais de Navalny.

A minha dúvida agora, e essa é a parte interessante da gente estudar, é como é que ele volta

de belários.

Bom, então eu já aproveito, Tanguy, que você citou Navalny, um líder de oposição

a Putin, a gente fez um episódio sobre ele, foi um episódio de 14 de março de número

919, eu te convido a ouvir porque é história.

É uma história muito impressionante e o documentário que conta a vida de Navalny,

sobretudo o momento dele como oposicionista e o envenenamento dele, acabou ganhando o

Oscar desse ano, então eu te convido a ouvir.

Mas voltando aqui para a nossa conversa, você então explicava que o Prigoginh faz críticas

à elite militar, ele faz críticas aos oligarcas, mas que o Putin não é nomeado por ele, não

é um alvo claro dele nas críticas que ele faz.

Mas a guerra na Ucrânia, a guerra contra a Ucrânia, é uma guerra de Putin, faz sentido

ele atacar o resto e preservar Putin para você?

Sentido, se a gente for pegar o sentido lógico da coisa, não.

No momento que ele inicia um levante e toma a cidade de Rostov e diz que está marchando

em direção a Moscou, me parece muito claro que ao tentar atingir o comando militar, ele

está atingindo também o Putin.

O comando militar foi colocado lá pelo próprio Putin.

Mas é aquela crítica que é disfarçada como se fosse um elogio, o que ele tenta dizer

é que o Putin está sendo enganado, não é que eu estou criticando, não estou criticando

o Putin, não há crítica a ele, mas veja bem, ele está sendo enganado.

Quando ele diz isso, ele não está se comprometendo como alguém da oposição ao Putin, mas ele

está fazendo uma crítica no sentido de, olha, o Putin talvez já tenha passado do

seu auge, talvez o momento do Putin já tenha sido superado, acho que essa guerra, veja

bem, não estou criticando a guerra, mas ela poderia ser feita de outra maneira.

Então são maneiras que ele tem de, sem criticar o Putin, porque ele sabe que o Putin é popular,

isso é uma coisa importante, o Putin não é exatamente um cara que a gente às vezes

tem uma visão distanciada de que as pessoas odeiam o Putin, o Putin não é um cara odiado,

ele é um cara que é visto com uma liderança forte, ele continua sendo uma figura muito

central na Rússia e, portanto, o Prigogine consegue dessa maneira fazer uma crítica

àquilo que eventualmente não esteja funcionando.

Se qualquer pessoa tiver uma crítica à forma pela qual a guerra está sendo conduzida,

o Prigogine consegue fazer com que isso seja direcionado para aqueles que ele não gosta,

para o comando militar, e se posicionar como, eventualmente, uma alternativa ao Putin.

Hoje eu vi uma coisa, Natuza, que eu não tinha ouvido, acho que eu nunca tinha ouvido,

que é de que talvez pessoas próximas ao Putin comecem a mudar sua posição e, eventualmente,

recomendar que ele não se candidate às eleições do ano que vem, então que ele passe o poder

adiante e, dessa maneira, que ele possa controlar a transição.

Eu acho improvável que isso aconteça, mas só o fato disso ser aventado, depois de

tanto tempo no poder, um poder tão forte, eu acho que é sintomático.

O Prigogine é um ator disso e o Prigogine consegue sentir o cheiro, sentir o faro de,

eventualmente, ele se colocar nessa posição de ser o sucessor do Putin.

Antes de perguntar para você sobre quais são as repercussões para a Ucrânia, eu

fiquei na dúvida de um ponto em particular.

Vamos supor que o Prigogine consiga se estabelecer como um candidato viável nas próximas eleições

e que ele, eventualmente, e que o Putin não concorra ou que concorre e perca, enfim, não

importa.

Vamos imaginar aqui um cenário em que o Prigogine se torne presidente da Rússia.

Ele acaba com a guerra, tendo feito críticas à forma como ela aconteceu ou não?

Olha Natuza, essa é muito difícil de responder.

Ele é um grande camaleão do ponto de vista das declarações dele.

Ele, ao mesmo tempo, devastou Bakhmut, uma das batalhas mais sangrentas dessa guerra,

aliás, uma das batalhas mais sangrentas da Europa desde a Segunda Guerra Mundial, uma

batalha inacreditável.

Então, ele é um ator direto nesse conflito.

Cinco dias depois da batalha mais longa e sangrenta desta guerra, os mercenários russos

começaram a se retirar da cidade ucraniana de Bakhmut, na região leste do país.

Estão sendo substituídos por tropas do exército regular russo, anunciou o fundador

do grupo Wagner, Evgen Prigogine.

Com muito provavelmente crimes de guerra sendo cometidos, ao mesmo tempo em que, para agradar

uma outra parte da política russa, ele diz que a guerra não está sendo feita da maneira

que deveria.

Então, eu acho que a gente não tem essa informação.

O que o Prigogine faria como presidente?

Eu não faço a menor ideia.

Eu acho que ninguém tem como vislumbrar isso ainda.

Ele não tem uma proposta política, não dá para identificar se ele é a favor de

uma coisa ou de outra.

Eu acho que, se isso acontecer, talvez a gente tenha surpresas muito ruins.

Agora, voltando um pouco, tirando esse cenário eleitoral da nossa avaliação, até este

exato momento, o que tudo isso significa para a guerra da Ucrânia?

Kiev pode se beneficiar desse momento, por exemplo?

A questão é que a Rússia, como não poderia ser diferente, concentrou grande parte dos

seus militares na Ucrânia.

Então no momento em que você tem um atrito como esse dentro da Rússia, isso poderia

significar uma guerra em duas frentes.

Que a Rússia poderia sofrer com problemas domésticos, além de ter que manter um esforço

de guerra difícil, sofrido, custoso, na própria Ucrânia.

O Putin deu demonstrações de que esse era um temor dele.

No pronunciamento que ele fez no final de semana, ele chegou a fazer uma referência

à guerra que veio logo depois da Revolução Russa.

A guerra entre o Exército Branco e o Exército Vermelho, que foi de 1918 a 1921.

É uma memória que os russos têm de uma guerra civil muito difícil, domesticamente.

E o que ele disse é que isso tem que ser evitado.

E fica muito claro que isso tem que ser evitado, porque se isso acontecer dentro da Rússia,

a gente não consegue manter a guerra na Ucrânia.

Me parece que essa é a chave para a gente conseguir entender por que ele tenta estabilizar

tão rapidamente, a um custo político elevado, aquilo que aconteceu dentro da Rússia, para

poder manter o foco na Ucrânia e depois acertar, colocar os pingos nos ís e acertar as contas

com quem tiver que acertar domesticamente.

Inegavelmente, a Ucrânia vai se beneficiar disso, tanto por uma sensação de fraqueza

que a Rússia passa, quanto também pelo fato de que, me parece natural, que a Rússia vai

ter que defender um pouco mais a sua fronteira.

Algumas semanas atrás, alguns grupos, inclusive neo-nazistas, de russos, aliás, invadiram

o território russo e conseguiram também ganhar espaço.

Ou seja, está ficando claro que essa fronteira russa está desguarnecida.

Então, isso pode ser uma preocupação para as forças russas na Ucrânia, caso a Rússia

tenha que redistribuir o seu contingente militar por uma área tão grande.

Uma coisa que talvez a gente não tenha muita noção, claro, a Rússia é o maior país

do mundo, mas a Ucrânia também é um país enorme.

A Ucrânia é o segundo maior país da Europa, tirando apenas a Rússia.

Então, é um território grande demais para a Rússia poder cobrir militarmente e, obviamente,

isso pode acabar se tornando uma vantagem para a Ucrânia.

Nada decisivo, nada que a partir de agora a Ucrânia vai vencer a guerra, isso é garantido.

Mas, inegavelmente, isso vai trazer menos atritos, menos resistências para essa contra-ofensiva

que a Ucrânia está tentando emendar agora.

Tanguy, muito obrigada pela conversa.

Você, como sempre, uma enciclopédia que nos ajuda muito aqui no assunto.

Obrigada por ter topado participar.

Eu que agradeço.

Tchau, tchau.

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Até o próximo assunto.

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