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O Assunto (*Generated Transcript*), 24.05.23-Vinícius Jr. e a reação contra o racismo na Espanha

24.05.23-Vinícius Jr. e a reação contra o racismo na Espanha

Mais uma vez, os estádios do futebol espanhol foram palco de um crime contra um atleta negro brasileiro.

Infelizmente, atos racistas, gritos racistas que o Vinícius Junior tem que conviver e La Liga não faz nada.

Ele fica exposto a isso, isso tira o Vinícius Junior do sério, porque nada é feito, é uma impunidade eterna.

Ele está apontando ali para a torcida, tem algo acontecendo.

O atacante do Real Madrid, Vinícius Junior, indicou para o juiz de onde vinham os gritos racistas na torcida do Valencia.

Ele está apontando ali, apontando o torcedor, chamando o árbitro para ver.

O árbitro pediu para o locutor do estádio para falar alguma coisa. O policiamento agora entrando em ação.

O clima esquenta, um jogo nervoso, Valencia jogando ali uma partida que precisa ganhar para se manter na elite do futebol espanhol.

O jogo parou e a tensão subiu.

De novo gritos racistas, a gente acabou de escutar numa estátua gritando mono, mono, mono, mono e nada é feito.

Se os insultos raciais, se o xingamento que vem das arquibancadas para o Vinícius Junior, pelo que o locutor do estádio acabou falando agora há pouco, o jogo vai ser interrompido.

Então, por oito minutos o jogo ficou paralisado, o sistema de som no estádio avisou que a partida tinha sido interrompida por causa desse comportamento de parte dos torcedores.

E aí a gente já vai para o final do jogo, quando teve uma confusão ali entre os jogadores.

O goleiro do time partiu para cima de Vini Junior. Os dois receberam cartão amarelo e outros atletas foram envolvidos.

No empurra, empurra, o atacante Hugo Duro segura o Vini pelo pescoço.

Ao se desvencilhar, Vinícius acertou o rosto do adversário. O VAR chamou o árbitro que reviu o lance e decidiu expulsar o brasileiro.

E no fim da partida, a vítima foi a única punida pela arbitragem.

Ele lamentou esse novo episódio de racismo, afirmou que no Brasil, hoje a Espanha é conhecida como um país de racistas e também garantiu que é forte e que vai até o fim contra os racistas.

Dizem que felicidade incomoda. A felicidade de um preto brasileiro, vitorioso na Europa, incomoda muito mais.

Da redação do G1, eu sou Natuzaneri e o assunto hoje é a onda de ataques racistas contra Vinícius Junior.

Por que o atleta brasileiro virou alvo de ofensas na Europa? Como a justiça espanhola está lidando com as denúncias?

E o que precisa mudar no futebol para que casos como este não se repitam?

Neste episódio, eu converso com o jornalista Fernando Calás, correspondente de esportes da Reuters na Península Ibérica.

E Paulo César Vasconcelos, jornalista e comentarista dos canais EsporTV e TV Globo.

Terça-feira, 23 de maio.

Calás, contando o episódio desde domingo, já são 10 denúncias de racismo contra o Vinícius Junior nas mãos das autoridades espanholas.

Você pode nos contar em que pé estão todos esses casos, por favor?

Olha, são 10 só nessa temporada.

Nossa!

É uma loucura. Em um ano, em menos de uma temporada, não acabou ainda, faltam 3 rodadas.

São 10 em uma temporada.

Tiveram duas na temporada passada, mas é um caso que explodiu esse ano, que explodiu na sétima temporada.

E a grande maioria desses casos ou acaba arquivado, ou acaba em uma multa, um expediente administrativo

e nunca chega a ser julgado como realmente, o que eles chamam aqui na Espanha de delito de ódio, crime de ódio,

que é onde se insere o racismo na lei espanhola.

Antes do jogo, e foi em outubro, se não me engano, o Atlético de Madrid, o Real Madrid jogava no estádio do Atlético de Madrid,

um grupo de mais de centenas de torcedores do Atlético de Madrid na porta do estádio, gritando, chamando o Vinícius de macaco.

Está filmado, tem vários vídeos, e esse caso foi arquivado pela promotoria aqui na Espanha,

porque a promotoria, vou usar as aspas da promotoria, disse que chamar uma pessoa de macaco

entra dentro de expressões, entre aspas, desagradáveis e desrespeitosas, isso em aspas da promotoria,

mas que eles não consideraram no momento, na promotoria, que era um crime,

porque aconteceram num contexto, entre aspas, de máxima rivalidade e duraram, abre aspas, alguns segundos.

Só duraram alguns segundos, aspas. E esse caso foi arquivado.

Isso é um verdadeiro absurdo, ou seja, só reforça a ideia de que a justiça espanhola entende a injúria racial

como caso isolado, e a impunidade vai avançando, e esse jogador, é um jovem jogador,

ele está sofrendo uma perseguição racial brutal, a violência disso é muito indescritível, né, Calas?

Muito, e é uma semana atrás da outra. É uma semana atrás da outra.

E é, assim, a desculpa de que você não consegue identificar, de que são casos isolados.

Basicamente, um dos promotores do caso, ele deu uma entrevista para a Cadena C,

que é uma rádio aqui da Espanha, em fevereiro, onde ele explicava que a justiça espanhola,

ela vê que um caso isolado, uma pessoa, por exemplo, que levanta no estádio e chama de macaco o jogador,

esse cara vai ser multado, mas isso não é, segundo a visão que hoje existe aqui na justiça espanhola,

não é um caso, para ser um caso de crime de ódio, ele tem que fazer isso várias vezes.

Existe esse crime, são de um a quatro anos de prisão, além da multa,

da mesma forma que existe no estatuto da Federação Espanhola, em casos muito graves,

que entre aspas, é muito grave, que podem ser considerados muito graves,

existem, os clubes podem perder mano de campo, os clubes podem perder,

durante toda a temporada jogar em portas fechadas, por exemplo, podem perder pontos no campeonato,

e nenhum, nenhum clube, nenhum clube na Espanha, recebeu nenhum tipo de castigo esportivo ou disciplinar

em relação a casos de racismo, nos últimos anos, e muito menos contra o Vinicius Junior.

O presidente da Federação Espanhola de Futebol criticou o presidente da Liga, o Javier Tebas,

por ter criticado, colocado a culpa, vamos dizer assim, no Vinicius Junior.

Temos um problema, o primeiro é reconhecer que temos um problema em nosso país,

de comportamento, de educação, de racismo, um grave problema que, ademais,

mancha a todo um equipo, a toda uma aficião, a todo um clube, a todo um país.

Já que você falou das falas que começam a surgir, dizendo que o Vinicius Junior está certo,

eu queria abordar uma que foi no sentido oposto, que foi do presidente da Liga Espanhola, o Javier Tebas.

Ele fez posts atacando o Vinicius Junior e dizendo que ele estava sendo, veja só, injusto.

Por sua vez, ele rebateu, o Vinicius Junior rebateu, afirmando que não percebe interesse da Liga em punir racistas.

E você acaba de nos explicar que a própria estrutura não tem interesse em punir os racistas.

Você pode nos contar brevemente quem é o Javier Tebas e como a Liga tem agido em casos de racismo?

A Liga, basicamente, o que tem feito isso, é uma coisa que também se inclui o Real Madrid,

se inclui a Federação Espanhola, o que eles têm feito é denunciar, colocar uma queixa-crime na promotoria,

no julgado, sei lá, no fórum, na polícia, onde seja, e vai, assim, o autocomunicado,

olha, a gente denunciou, está lá, agora está nas mãos da justiça e eles lavam as mãos.

E é basicamente, esse é o modo desoperante em todos os casos.

Então eles falam, segundo isso, a Liga diz, não, a gente está lutando contra o racismo, está vendo aqui,

a gente tem 10 denúncias esse ano só nos casos de Vinicius Junior.

É isso. E eles lavam as mãos. O Real Madrid é a mesma coisa.

Muitos comunicados, muitos comunicados oficiais, notas de imprensa.

Agora chamou a atenção também o anúncio oficial do Real Madrid.

O clube não usa a palavra racismo em nenhum momento. Fala apenas em crime de ódio.

Já o clube Valencia confirmou que a polícia local identificou um dos torcedores

que tiveram comportamentos racistas contra o jogador Vinicius Junior.

A diretoria também anunciou que vai banir do estádio para sempre os torcedores envolvidos nesse caso.

Mas, assim, não tem nenhum time sofrendo nenhum tipo de castigo exemplar.

Não, exemplar nem nada. Não tem castigo para nenhum dos clubes.

Não, o exemplar está muito longe disso.

E aí você identifica um torcedor, você dá para ele uma multa de 4 mil euros,

você tira dele o carnê de sócia, ele não pode mais entrar no estádio,

e aí acha que está tudo bem, que é suficiente.

Então o Javier Tebas é uma figura muito polêmica aqui na Espanha.

Javier Tebas, presidente da Liga Espanhola, comentou a manifestação

dizendo que o brasileiro deveria se informar adequadamente antes de criticar a competição.

Vinicius Junior respondeu pouco tempo depois.

Por mais que você fale e finja não ler, a imagem do seu campeonato está abalada.

Omitir-se só faz com que você se iguale a racistas.

Não sou seu amigo para conversar sobre racismo.

Quero ações e punições.

Hashtag não me comove.

Mas ele tem um passado controversa, ele é um cara muito polêmico.

Ele é declaradamente hoje apoiador e votante do VOX,

que é o partido de ultradireita aqui da Espanha.

E ele, durante os anos 70, ele é um advogado que fez carreira no futebol,

mas ele, nos anos 70, ele era porta-voz e ele é membro das Forças Noevas,

que era um partido falangista, franquista, fascista, declaradamente.

Então, assim, essa é a mentalidade dele.

E ele continua defendendo as ideias dessa ideologia de ultradireita.

Agora, diante de tudo isso, né, porque você montou pra gente um mosaico bem triste, né, do status quo.

Diante do fato de os clubes fazerem ali o básico, o mínimo do mínimo do mínimo

para dizer que estão fazendo alguma coisa, o fato da promotoria achar que são casos isolados,

escrever isso numa decisão, como você também nos relatou,

o fato da justiça não se mexer e dos casos de racismo continuarem se repetindo.

E falando especificamente do Real Madrid, qual é a condição pro Vini ficar no Real Madrid?

O Vinicius, nesse momento, ele tá revoltado.

Eu acho que a palavra revoltado é mais do que arrasado, né.

Por meio de uma rede social, ele lamentou esse novo episódio de racismo, como tem que ser feito mesmo.

É lamentável isso.

Então, vamos às palavras do Vini Jr.

Ele lembrou que essa não foi a primeira, nem a segunda, nem a terceira vez pela qual passou por isso.

Afirmou que no Brasil, hoje a Espanha é conhecida como um país de racistas

e também garantiu que é forte e que vai até o fim contra os racistas,

mesmo que seja longe da Espanha.

Eu tenho um grande amigo, Luiz Teixeira, que é apresentador do EsporTV,

um super jornalista, um baita jornalista negro.

E o Luiz Teixeira, a gente teve uma conversa há uns meses sobre o Vinicius,

a gente conversa muito sobre o Vinicius, e ele falou uma coisa que é muito importante.

Ele falou assim, olha, o Vinicius Jr. ele é um moleque que tem um poder de resiliência muito grande.

Então, ele aguenta, ele cai pra dentro, ele parte pra briga contra os racistas.

Ele não leva desaforo pra casa.

E ele é forte, ele é casca grossa, ele aguenta esse tipo de coisa.

Agora, esses casos têm que ser erradicados,

porque nem todo menino negro que chegar pra jogar bola na Espanha

tem essa mesma resistência, essa mesma força que o Vinicius Jr.

E eu acho que mesmo o Vinicius Jr., eu estava falando com o Ricardo Nogueira,

que é um dos melhores fotógrafos do mundo, que ele trabalha hoje com o Vinicius Jr. também,

então ele estava no jogo, ele falou pra mim que ele viveu todos esses atos de racismo

que o Vinicius Jr. foi vítima esse ano, mas ele disse que nesse domingo foi a primeira vez

que ele viu o Vinicius realmente abalado emocionalmente.

Eu acho que até o mais forte, que é o caso do Vinicius Jr.,

que é um moleque que saiu de uma das zonas mais, das regiões,

das favelas mais perigosas do Brasil, em São Gonçalo, menino pobre,

que é um exemplo de profissionalismo, um atleta em todos os sentidos,

que quebra todos os estereótipos do jogador, do boleiro brasileiro,

porque ele é um exemplo de profissionalismo.

Eu acho que até mesmo ele tem um limite.

A gente não sabe qual é esse limite, de repente nem ele sabe qual é esse limite.

Falas todo mundo tem um limite, todo mundo tem limite.

As pessoas em algum momento da vida, elas quebram.

Exatamente.

Sobretudo quando elas não têm apoio, elas quebram quando elas olham em volta

e não veem ninguém ou não escutam nada.

E você traz um exemplo muito claro, um caso de resiliência e de força,

como é o do Vini Júnior, não significa que outra pessoa vá conseguir chegar

onde ele chegou e com a coragem que ele teve de enfrentar.

E eu queria entrar um pouco nessa área da repercussão no caso da imprensa internacional,

porque está sendo imensa, está todo mundo falando desse assunto,

mas muitos jornais espanhóis criticaram a postura do Vini Júnior.

O jogador chegou a ser questionado por um jornalista espanhol se ele iria pedir desculpa

por ter reagido aos ataques da torcida do Valência e feito um gesto com a mão

indicando segunda divisão.

Calas, você trabalha há 13 anos em Madri, como é que você avalia a cobertura da imprensa espanhola

sobre os ataques racistas de uma maneira geral?

E se você quiser falar desse caso especificamente, fique à vontade, claro.

Um provincianismo deprimente, patético, querer tapar o sol com a peneira,

um desconhecimento absurdo e absoluto do que é racismo, do que é discriminação,

e geralmente vem de uma pessoa branca que vem de uma cidade, por exemplo, no caso de Valência,

a capa do Supersport, que é um jornal lá de Valência hoje, é nojenta,

que chama, assim, ataca o Vinícius Júnior.

Essa narrativa do Vinícius Júnior provocador tem ganhado muita força, ganhou muita força

aqui na Espanha nos últimos meses, muito também por causa dos debates esportivos.

Vale lembrar que essa onda de ódio e de assédio, porque é racismo, mas é assédio,

e é assédio em forma de racismo e racismo em forma de assédio.

O Vinícius é vítima de assédio em forma de racismo.

Então é assédio, porque falar que tá gritando tonto, tá gritando não interessa,

ele tá sendo assediado constantemente, constantemente.

E tudo isso começou num programa de televisão, num programa de televisão,

onde um debatedor do Tiringuito que falou que o Vinícius, se ele quisesse dançar,

que ele voltasse pro Brasil pro carnaval, que não era lugar de dançar aqui.

Então o cara foi xenófobo e racista em uma frase.

E essa bola de neve do Vinícius provocador da relativização do racismo

cresceu de uma maneira absurda aqui na Espanha e acabou contaminando os jogadores,

acabou contaminando os torcedores rivais e acabou contaminando a própria arbitragem espanhola,

que passou a ser olhar o Vinícius de uma maneira diferente do resto dos jogadores.

Então o Vinícius, que é o jogador que mais falta recebe nas cinco ligas europeias,

com quase o dobro do segundo colocado, ele tem recebido cartões amarelos o tempo inteiro quando ele reclama.

E aí o que acontece? O Vinícius provocador, pra relativizar o racismo, tem sido uma arma muito grande,

muito importante pra quem acha que não existe um racismo institucionalizado,

que não existe um problema de racismo hoje na Espanha.

E por que não acontece quando o Vinícius joga na Champions League fora da Espanha?

Por que não acontece quando ele joga na seleção brasileira?

Eu estive em Marrocos agora, no Cubestuan, no Mundial de Clubes, e o Vinícius foi idolatrado pela torcida marroquina.

Idolatrado, jogando com o Real Madrid lá no país deles.

Então é isso, ele é um ídolo onde ele quer que vá, mas parece que aqui na Espanha existe essa semente do ódio,

e de um ódio vil e horroroso contra o Vinícius Júnior que só cresce, e só cresce,

e cada vez mais com esse assédio em forma de racismo, esse racismo em forma de assédio.

Você imagina, eu moro na Espanha há 13 anos, Natuza. Meus filhos nasceram aqui.

É o país que deu todas as oportunidades pra eu estar hoje onde eu tô, trabalhando de correspondente da maior agência de notícias do mundo,

falando com você, sabe? Minha carreira decolou aqui sendo estrangeiro.

É um país que me acolheu, que me deu todas as oportunidades, que me abriu todas as portas.

Então, são sentimentos contraditórios, porque é um país maravilhoso, que recebe muito bem os estrangeiros,

mas onde o racismo é um problema também, e que tem que ser erradicado.

Eu espero realmente que tudo isso, que é sofrimento do Vinícius Júnior, ajude a Espanha a evoluir no debate do racismo.

Calás, muito obrigada. Foi muito importante ter você aqui.

Eu te agradeço imensamente por você ter achado um tempinho pra falar com a gente aqui no assunto.

É um prazer, sempre à disposição. Um beijo.

Espera um pouquinho que eu já volto pra falar com o PC Vasconcelos.

PC, o racismo contra jogadores negros não é uma novidade.

Tem há muito tempo, infelizmente.

Mas o que eu queria entender com você nessa entrevista é quais são os retrocessos que você enxerga,

e se houve avanços, quais são os avanços, porque eles parecem tão pequenos em relação aos retrocessos,

tanto que nós dois estamos aqui hoje no assunto gravando mais um triste episódio de racismo.

O que você pode atribuir?

Simplesmente o endosso que é a omissão da direção da La Liga, a omissão da direção da Federação Espanhola,

e uma passividade dos próprios jogadores.

Isso foi endossando a cada rodada esse tipo de prática,

e chegamos ao auge agora praticamente no encerramento do campeonato espanhol.

Esse aspecto, Natuza, não é novo, como você bem observou,

mas o silêncio endossa e impondera pessoas que querem praticar o crime de racismo, tal qual, como de homofobia.

Aonde, eu sempre me lembro um pouco daquela frase do Guimarães Rosa, do Grande Sertão Veredas,

que a vida é um estico e puxa.

Porque aonde tem o puxar?

Tem o puxar que um jovem do povo preto de 22 anos, recém saído da adolescência,

mas com fama de adulto, chamou a atenção para esse episódio de uma tal maneira

que o mundo olhou para o personagem, para a prática do crime, e tem um outro detalhe.

Isso representou fala do presidente da república.

Eu queria começar a entrevista fazendo um gesto de solidariedade a um jogador brasileiro,

jovem, negro, que joga no Real Madrid, que ontem num jogo no estádio do Valência,

ele foi fortemente atacado, sendo chamado de macaco.

Ou seja, não é possível que quase no meio do século XXI, a gente tenha o preconceito racial

ganhando força em vários estados de futebol aqui na Europa.

O presidente da república, eleito Luiz Inácio Lula da Silva, se manifestou sobre o tema.

Você imagina o seguinte, o silêncio é o parceiro e o maior incentivador da prática de crimes

como racismo e homofobia. Quando o presidente da república de um país como o Brasil se manifesta

e no dia seguinte a ministra Aniele Franco fala sobre entendimentos do governo brasileiro

com o governo espanhol, aí você tem uma notícia boa.

A ministra da igualdade racial, Aniele Franco, classificou os atos de racismo

como um mal que precisa ser combatido na raiz e afirmou que já pediu ao Ministério Público da Espanha

para abrir uma investigação sobre o caso.

Agora a gente vai para cima das autoridades notificar, oficializar também, para que tenham a resposta

porque o histórico da La Liga não é um histórico bom, é um histórico bem racista,

não dá para a gente ficar só na coisa do arrepudiamos, numa nota sem ação concreta.

O comunicado divulgado esta manhã foi assinado por cinco ministérios do governo Lula.

Esporte, igualdade racial, relações exteriores, justiça e direitos humanos.

A nota repudia, nos mais fortes termos, os ataques racistas que o atleta brasileiro Vinícius Júnior

vem sofrendo reiteradamente na Espanha.

A notícia da prática do crime de racismo é secular, ela não vai deixar de existir.

Mas a notícia boa é que um jovem preto de 22 anos se manifestou, enfrentou,

assim como ele encara marcadores dentro do campo, ele resolveu encarar esse marcador

que vive e circula há séculos na Europa e não nos esqueçamos, né Natuza?

No Brasil também.

Sem dúvida nenhuma.

E o que eu queria entender, PC, é por que o Vinícius Júnior é um alvo tão frequente.

Dentro dessa estrutura branca que domina o mundo e também domina o futebol,

embora o futebol muitas vezes se ache um planeta à parte,

essa estrutura, ela reserva para o negro o papel de pé de obra.

Esse é o seu papel, negro.

Você entra no campo, joga futebol, dribla, conquista títulos.

O Vinícius transcende isso.

O Vinícius é o carisma em pessoa.

Quando você olha para o Vinícius, não há como você não simpatizar com o Vinícius.

O Vinícius, olha que ousadia, dança quando faz um gol.

Quem mandou ele dançar? Ele não está autorizado a dançar.

Fui vítima de xenofobia e racismo em uma só declaração, mas nada disso começou ontem.

E o roteiro sempre termina com um pedido de desculpa ou um fui mal interpretado.

Mas repito para você, racista, eu não vou parar de bailar.

O Vinícius, quando o adversário começa a atuar de forma violenta,

ele não se atemoriza, ele não se encolhe no jogo.

Muito pelo contrário, isso o faz crescer dentro do jogo.

Nos anos 70, Torquato Neto, um poeta já falecido,

dizia que a gente tinha que desafinar o coro dos contentes.

O Vinícius desafina o coro dos brancos, contentes,

com a situação que o mundo desfruta, que é desse privilégio.

Então ele foi atraindo cada vez mais esse ódio.

Talvez essa palavra seja a que mais bem defina o que ele desperta.

Agora ele desperta esse ódio porque ele saiu do lugar

para o qual os brancos acham que todo preto ou preta tem que ocupar.

Tem um aspecto temporal aí que me incomoda bastante,

porque esse episódio com o Vinícius Júnior aconteceu,

apenas 12 dias depois do Brasil e da Espanha

assinarem um acordo de combate ao racismo e à xenofobia.

E você mesmo citou a velocidade e a contundência do governo brasileiro

para quebrar esse silêncio, para apoiar, para acolher

e para exigir respostas e punições aos racistas.

Então eu te pergunto, olhando um pouco para frente,

quais são as perspectivas de algo mudar a partir de agora?

O acordo entre o governo brasileiro e o governo espanhol é de suma importância,

porque quando governos acordam sobre determinados temas,

eles estão reconhecendo que o problema existe e que há necessidade de enfrentá-lo.

A princípio, imaginar que tudo vai mudar me parece um pouco exageradamente otimista.

Eu acredito que esse caso reverberará por algum tempo,

mas que mudanças práticas mesmo têm que ser construídas.

O episódio na Tusa do Vinícius Júnior é um sintoma de uma doença

que nos assola há séculos, e é a doença que nós temos que atacar.

Se a gente não atacar a doença, daqui a 4, 5 meses a gente vai estar falando dessa mesma forma.

Aí você vai pensar assim, mas em que medidas? Simples.

Por exemplo, no jogo de ontem. O jogo é interrompido, o jogo é em suspenso,

todo mundo vai para o vestiário e o Valencia perde os pontos.

Fazendo um paralelo com o que aconteceu no Brasil uma semana atrás no estádio do Corinthians.

Uma torcida com fama de fiel, que levanta bandeiras de causas sociais,

mas que ainda dá voz ao preconceito.

O sistema de som da arena alertou duas vezes que os gritos podem gerar punições ao clube.

No segundo tempo, o árbitro Bruno Arleu de Araújo paralisou a partida

quando a música voltou a ser cantada.

Os torcedores responderam cantando mais forte.

E o jogo ficou parado por 4 minutos.

O que você faz? Interrompe o jogo, acabou o jogo,

você vai para o vestiário e o Valencia vai cantar.

O que você faz? Interrompe o jogo, acabou o jogo,

o Corinthians perde os pontos e aquele jogo não vai ser mais realizado.

Acaba o jogo. Essas são medidas práticas.

Enquanto não tivermos medidas práticas nesse sentido, nada vai mudar.

E mais um detalhe, tudo faz parte de um processo de construção.

Eu convido você, Natuzzi, e a quem nos escuta,

fazer um pequeno exercício, rápido,

quando for assistir a uma partida de futebol disputada no Brasil.

Repare quantos mascotes negros e negras tem. Não tem nenhum.

Os times entram em campo, predominantemente, com mascotes brancos.

Ao mesmo tempo, tem uma faixa lá atrás, diga não ao racismo.

Racismo é isso. É você excluir crianças do povo preto

de poder entrar segurando na mão do seu ídolo em campo.

Como é que você combate? Acabando com essa estrutura,

combatendo essa estrutura.

Tão importante quanto isso, é você ter o Vinicius virando uma referência

para a juventude do povo preto.

Entende? É o povo preto que todo dia é parado pela polícia,

que todo dia tem um olhar de um funcionário de um supermercado

acompanhando os seus movimentos dentro do supermercado,

passando a perceber que o enfrentamento é algo possível.

Porque o que o Vinicius está fazendo,

e o cinturão de apoio que ele está conseguindo, é o primeiro passo.

Agora, não basta ficar nesse passo, porque como já dizia Angela Davis,

e continua a dizer, não basta dizer que não é racista,

tem que praticar o antirracismo, e esse é o maior desafio.

Exatamente. Isso se conecta com o que eu vou te perguntar agora.

Alguém que está nos ouvindo, por exemplo, pode pensar alto assim,

mas PC, a FIFA tem feito campanhas contra o racismo,

e ainda assim os casos continuam se repetindo,

e em alguns como esse, do Vinicius Jr.,

nós temos a impressão de que eles estão aumentando e ficando cada vez mais violentos.

Não está surtindo efeito por quê? Se é que essa é a sua opinião.

Concordo com você, e eles estão ficando cada vez mais visíveis e violentos,

porque isso é... eu sou um jornalista de esporte,

você de política, você sabe muito melhor do que eu,

porque há um crescimento da extrema-direita no mundo.

A extrema-direita está ganhando um espaço no mundo,

e, evidentemente, ela consegue se manifestar nesses vários segmentos.

Por que não está dando certo? Porque ainda não houve punição severa,

não é, Natuza? Porque quando você chega e define que tem perda de ponto,

o jogo vai ser interrompido, você está começando a dizer que está indo para um caminho.

Faixas, ok, no satiricism, ok, entende?

Mas elas não são suficientes, elas se mostram insuficientes,

parece muito mais uma expiação de culpa.

Eu estou me expiando da minha culpa, e aí eu vou lá e coloco a faixa.

Agora, quando começarem a surgir punições severas de perda de ponto,

perda de mando de campo, quando os patrocinadores começarem a dizer

que não querem mais patrocinar um clube cujos torcedores têm esse tipo de postura,

aí sim a situação vai ser modificada.

Desde 2014, o que a gente teve de registro de discriminações raciais no futebol aqui no Brasil?

Foram 342 ocorrências monitoradas pelo observatório.

De 2014 a 2021 foram só 53 casos julgados no Brasil e no exterior,

e 40% desses casos houve absolvição, 60% punição, que vão desde multa até 600 mil reais,

proibição para acessar os estádios, enfim, outras punições.

E você enxerga, PC, do lugar em que você está, do lugar de onde você fala,

exemplos de boas práticas, de coisas do simples ao complexo,

que ajudam e contribuem na luta antirracista?

Você consegue ver algo que você possa nos contar e que acalente um pouco o nosso coração?

Numa situação de relato de um episódio tão triste?

Olha, Natuza, como homem preto de 65 anos de idade,

eu me lembro sempre de uma frase do Gramsci que era pessimista na razão e otimista na ação.

Eu tento ser, a minha razão ela é muito pessimista, mas a minha ação,

quando eu vejo um comportamento como o do Vinícius, eu passo a ficar um pouco mais otimista.

Mas o dia a dia, ele trabalha contra esse meu otimismo.

Eu vou te contar um episódio que aconteceu comigo no sábado.

Eu moro num bairro na zona sul do Rio de Janeiro, Leblon.

Pois bem, eu estava indo comprar pão, andando pela rua Dias Ferreira,

que é nacionalmente conhecida como de polo gastronômico, todas essas coisas.

Havia uma mulher à frente com um cachorro, passeando com o seu cachorro.

Eram mais ou menos oito horas da manhã, pouca gente na rua.

Quando eu emparelhei e eu ia passar,

o primeiro movimento que ela fez foi segurar a bolsa com mais ênfase e me dar uma olhada de susto.

Então é assim, a minha razão, ela fica muito abalada quando esse tipo de situação acontece

e elas não acontecem de forma esporádica, muito pelo contrário.

Mas a minha ação vai ser sempre nesse sentido,

de que nós temos que olhar para o que fez o Vinícius Júnior.

Então eu fico nessa ponte com muitas turbulências que essa ponte tem na Turza.

PC, foi um prazer enorme receber você aqui, foi muito bom te ouvir.

Te agradeço e eu espero que a gente volte a conversar aqui no assunto

sobre mudanças boas e positivas depois de tantos episódios assim.

E eu espero que seja em breve.

Pois é, eu entendo que é uma construção e na medida em que a gente parar de combater sintoma

para atacar a doença, tudo isso pode ganhar mais consistência.

É uma luta diária, diária, diária, diária, diária, mas com um dado muito interessante.

Como diz a filósofa Sueli Carneiro, é um pacto que pede a presença de brancos

e do povo preto. Não é um pacto exclusivamente do povo preto.

Quanto mais brancos e brancas estiverem nesse pacto do antirracismo,

mais forte o combate será.

Neste episódio, você ouviu áudios da ESPN.

Este foi o assunto podcast diário disponível no G1, no Globoplay

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Assim você recebe uma notificação sempre que tiver um novo episódio.

Comigo na equipe do assunto estão Monica Mariotti, Amanda Polato,

Tiago Aguiar, Luiz Felipe Silva, Thiago Kazurowski, Gabriel de Campos,

Nayara Fernandes e Guilherme Romero.

Eu sou Nath Zaneri e fico por aqui.

Até o próximo assunto.

Legendas pela comunidade Amara.org

24.05.23-Vinícius Jr. e a reação contra o racismo na Espanha 24.05.23-Vinícius Jr. und die Reaktion gegen Rassismus in Spanien 24.05.23-Vinícius Jr. and the reaction against racism in Spain 24.05.23-Vinícius Jr. et la réaction au racisme en Espagne 23.05.24-Vinícius Jr. 和西班牙反对种族主义的反应

Mais uma vez, os estádios do futebol espanhol foram palco de um crime contra um atleta negro brasileiro.

Infelizmente, atos racistas, gritos racistas que o Vinícius Junior tem que conviver e La Liga não faz nada.

Ele fica exposto a isso, isso tira o Vinícius Junior do sério, porque nada é feito, é uma impunidade eterna.

Ele está apontando ali para a torcida, tem algo acontecendo.

O atacante do Real Madrid, Vinícius Junior, indicou para o juiz de onde vinham os gritos racistas na torcida do Valencia.

Ele está apontando ali, apontando o torcedor, chamando o árbitro para ver.

O árbitro pediu para o locutor do estádio para falar alguma coisa. O policiamento agora entrando em ação.

O clima esquenta, um jogo nervoso, Valencia jogando ali uma partida que precisa ganhar para se manter na elite do futebol espanhol.

O jogo parou e a tensão subiu.

De novo gritos racistas, a gente acabou de escutar numa estátua gritando mono, mono, mono, mono e nada é feito.

Se os insultos raciais, se o xingamento que vem das arquibancadas para o Vinícius Junior, pelo que o locutor do estádio acabou falando agora há pouco, o jogo vai ser interrompido.

Então, por oito minutos o jogo ficou paralisado, o sistema de som no estádio avisou que a partida tinha sido interrompida por causa desse comportamento de parte dos torcedores.

E aí a gente já vai para o final do jogo, quando teve uma confusão ali entre os jogadores.

O goleiro do time partiu para cima de Vini Junior. Os dois receberam cartão amarelo e outros atletas foram envolvidos.

No empurra, empurra, o atacante Hugo Duro segura o Vini pelo pescoço.

Ao se desvencilhar, Vinícius acertou o rosto do adversário. O VAR chamou o árbitro que reviu o lance e decidiu expulsar o brasileiro.

E no fim da partida, a vítima foi a única punida pela arbitragem.

Ele lamentou esse novo episódio de racismo, afirmou que no Brasil, hoje a Espanha é conhecida como um país de racistas e também garantiu que é forte e que vai até o fim contra os racistas.

Dizem que felicidade incomoda. A felicidade de um preto brasileiro, vitorioso na Europa, incomoda muito mais.

Da redação do G1, eu sou Natuzaneri e o assunto hoje é a onda de ataques racistas contra Vinícius Junior.

Por que o atleta brasileiro virou alvo de ofensas na Europa? Como a justiça espanhola está lidando com as denúncias?

E o que precisa mudar no futebol para que casos como este não se repitam?

Neste episódio, eu converso com o jornalista Fernando Calás, correspondente de esportes da Reuters na Península Ibérica.

E Paulo César Vasconcelos, jornalista e comentarista dos canais EsporTV e TV Globo.

Terça-feira, 23 de maio.

Calás, contando o episódio desde domingo, já são 10 denúncias de racismo contra o Vinícius Junior nas mãos das autoridades espanholas.

Você pode nos contar em que pé estão todos esses casos, por favor?

Olha, são 10 só nessa temporada.

Nossa!

É uma loucura. Em um ano, em menos de uma temporada, não acabou ainda, faltam 3 rodadas.

São 10 em uma temporada.

Tiveram duas na temporada passada, mas é um caso que explodiu esse ano, que explodiu na sétima temporada.

E a grande maioria desses casos ou acaba arquivado, ou acaba em uma multa, um expediente administrativo

e nunca chega a ser julgado como realmente, o que eles chamam aqui na Espanha de delito de ódio, crime de ódio,

que é onde se insere o racismo na lei espanhola.

Antes do jogo, e foi em outubro, se não me engano, o Atlético de Madrid, o Real Madrid jogava no estádio do Atlético de Madrid,

um grupo de mais de centenas de torcedores do Atlético de Madrid na porta do estádio, gritando, chamando o Vinícius de macaco.

Está filmado, tem vários vídeos, e esse caso foi arquivado pela promotoria aqui na Espanha,

porque a promotoria, vou usar as aspas da promotoria, disse que chamar uma pessoa de macaco

entra dentro de expressões, entre aspas, desagradáveis e desrespeitosas, isso em aspas da promotoria,

mas que eles não consideraram no momento, na promotoria, que era um crime,

porque aconteceram num contexto, entre aspas, de máxima rivalidade e duraram, abre aspas, alguns segundos.

Só duraram alguns segundos, aspas. E esse caso foi arquivado.

Isso é um verdadeiro absurdo, ou seja, só reforça a ideia de que a justiça espanhola entende a injúria racial

como caso isolado, e a impunidade vai avançando, e esse jogador, é um jovem jogador,

ele está sofrendo uma perseguição racial brutal, a violência disso é muito indescritível, né, Calas?

Muito, e é uma semana atrás da outra. É uma semana atrás da outra.

E é, assim, a desculpa de que você não consegue identificar, de que são casos isolados.

Basicamente, um dos promotores do caso, ele deu uma entrevista para a Cadena C,

que é uma rádio aqui da Espanha, em fevereiro, onde ele explicava que a justiça espanhola,

ela vê que um caso isolado, uma pessoa, por exemplo, que levanta no estádio e chama de macaco o jogador,

esse cara vai ser multado, mas isso não é, segundo a visão que hoje existe aqui na justiça espanhola,

não é um caso, para ser um caso de crime de ódio, ele tem que fazer isso várias vezes.

Existe esse crime, são de um a quatro anos de prisão, além da multa,

da mesma forma que existe no estatuto da Federação Espanhola, em casos muito graves,

que entre aspas, é muito grave, que podem ser considerados muito graves,

existem, os clubes podem perder mano de campo, os clubes podem perder,

durante toda a temporada jogar em portas fechadas, por exemplo, podem perder pontos no campeonato,

e nenhum, nenhum clube, nenhum clube na Espanha, recebeu nenhum tipo de castigo esportivo ou disciplinar

em relação a casos de racismo, nos últimos anos, e muito menos contra o Vinicius Junior.

O presidente da Federação Espanhola de Futebol criticou o presidente da Liga, o Javier Tebas,

por ter criticado, colocado a culpa, vamos dizer assim, no Vinicius Junior.

Temos um problema, o primeiro é reconhecer que temos um problema em nosso país,

de comportamento, de educação, de racismo, um grave problema que, ademais,

mancha a todo um equipo, a toda uma aficião, a todo um clube, a todo um país.

Já que você falou das falas que começam a surgir, dizendo que o Vinicius Junior está certo,

eu queria abordar uma que foi no sentido oposto, que foi do presidente da Liga Espanhola, o Javier Tebas.

Ele fez posts atacando o Vinicius Junior e dizendo que ele estava sendo, veja só, injusto.

Por sua vez, ele rebateu, o Vinicius Junior rebateu, afirmando que não percebe interesse da Liga em punir racistas.

E você acaba de nos explicar que a própria estrutura não tem interesse em punir os racistas.

Você pode nos contar brevemente quem é o Javier Tebas e como a Liga tem agido em casos de racismo?

A Liga, basicamente, o que tem feito isso, é uma coisa que também se inclui o Real Madrid,

se inclui a Federação Espanhola, o que eles têm feito é denunciar, colocar uma queixa-crime na promotoria,

no julgado, sei lá, no fórum, na polícia, onde seja, e vai, assim, o autocomunicado,

olha, a gente denunciou, está lá, agora está nas mãos da justiça e eles lavam as mãos.

E é basicamente, esse é o modo desoperante em todos os casos.

Então eles falam, segundo isso, a Liga diz, não, a gente está lutando contra o racismo, está vendo aqui,

a gente tem 10 denúncias esse ano só nos casos de Vinicius Junior.

É isso. E eles lavam as mãos. O Real Madrid é a mesma coisa.

Muitos comunicados, muitos comunicados oficiais, notas de imprensa.

Agora chamou a atenção também o anúncio oficial do Real Madrid.

O clube não usa a palavra racismo em nenhum momento. Fala apenas em crime de ódio.

Já o clube Valencia confirmou que a polícia local identificou um dos torcedores

que tiveram comportamentos racistas contra o jogador Vinicius Junior.

A diretoria também anunciou que vai banir do estádio para sempre os torcedores envolvidos nesse caso.

Mas, assim, não tem nenhum time sofrendo nenhum tipo de castigo exemplar.

Não, exemplar nem nada. Não tem castigo para nenhum dos clubes.

Não, o exemplar está muito longe disso.

E aí você identifica um torcedor, você dá para ele uma multa de 4 mil euros,

você tira dele o carnê de sócia, ele não pode mais entrar no estádio,

e aí acha que está tudo bem, que é suficiente.

Então o Javier Tebas é uma figura muito polêmica aqui na Espanha.

Javier Tebas, presidente da Liga Espanhola, comentou a manifestação

dizendo que o brasileiro deveria se informar adequadamente antes de criticar a competição.

Vinicius Junior respondeu pouco tempo depois.

Por mais que você fale e finja não ler, a imagem do seu campeonato está abalada.

Omitir-se só faz com que você se iguale a racistas.

Não sou seu amigo para conversar sobre racismo.

Quero ações e punições.

Hashtag não me comove.

Mas ele tem um passado controversa, ele é um cara muito polêmico.

Ele é declaradamente hoje apoiador e votante do VOX,

que é o partido de ultradireita aqui da Espanha.

E ele, durante os anos 70, ele é um advogado que fez carreira no futebol,

mas ele, nos anos 70, ele era porta-voz e ele é membro das Forças Noevas,

que era um partido falangista, franquista, fascista, declaradamente.

Então, assim, essa é a mentalidade dele.

E ele continua defendendo as ideias dessa ideologia de ultradireita.

Agora, diante de tudo isso, né, porque você montou pra gente um mosaico bem triste, né, do status quo.

Diante do fato de os clubes fazerem ali o básico, o mínimo do mínimo do mínimo

para dizer que estão fazendo alguma coisa, o fato da promotoria achar que são casos isolados,

escrever isso numa decisão, como você também nos relatou,

o fato da justiça não se mexer e dos casos de racismo continuarem se repetindo.

E falando especificamente do Real Madrid, qual é a condição pro Vini ficar no Real Madrid?

O Vinicius, nesse momento, ele tá revoltado.

Eu acho que a palavra revoltado é mais do que arrasado, né.

Por meio de uma rede social, ele lamentou esse novo episódio de racismo, como tem que ser feito mesmo.

É lamentável isso.

Então, vamos às palavras do Vini Jr.

Ele lembrou que essa não foi a primeira, nem a segunda, nem a terceira vez pela qual passou por isso.

Afirmou que no Brasil, hoje a Espanha é conhecida como um país de racistas

e também garantiu que é forte e que vai até o fim contra os racistas,

mesmo que seja longe da Espanha.

Eu tenho um grande amigo, Luiz Teixeira, que é apresentador do EsporTV,

um super jornalista, um baita jornalista negro.

E o Luiz Teixeira, a gente teve uma conversa há uns meses sobre o Vinicius,

a gente conversa muito sobre o Vinicius, e ele falou uma coisa que é muito importante.

Ele falou assim, olha, o Vinicius Jr. ele é um moleque que tem um poder de resiliência muito grande.

Então, ele aguenta, ele cai pra dentro, ele parte pra briga contra os racistas.

Ele não leva desaforo pra casa.

E ele é forte, ele é casca grossa, ele aguenta esse tipo de coisa.

Agora, esses casos têm que ser erradicados,

porque nem todo menino negro que chegar pra jogar bola na Espanha

tem essa mesma resistência, essa mesma força que o Vinicius Jr.

E eu acho que mesmo o Vinicius Jr., eu estava falando com o Ricardo Nogueira,

que é um dos melhores fotógrafos do mundo, que ele trabalha hoje com o Vinicius Jr. também,

então ele estava no jogo, ele falou pra mim que ele viveu todos esses atos de racismo

que o Vinicius Jr. foi vítima esse ano, mas ele disse que nesse domingo foi a primeira vez

que ele viu o Vinicius realmente abalado emocionalmente.

Eu acho que até o mais forte, que é o caso do Vinicius Jr.,

que é um moleque que saiu de uma das zonas mais, das regiões,

das favelas mais perigosas do Brasil, em São Gonçalo, menino pobre,

que é um exemplo de profissionalismo, um atleta em todos os sentidos,

que quebra todos os estereótipos do jogador, do boleiro brasileiro,

porque ele é um exemplo de profissionalismo.

Eu acho que até mesmo ele tem um limite.

A gente não sabe qual é esse limite, de repente nem ele sabe qual é esse limite.

Falas todo mundo tem um limite, todo mundo tem limite.

As pessoas em algum momento da vida, elas quebram.

Exatamente.

Sobretudo quando elas não têm apoio, elas quebram quando elas olham em volta

e não veem ninguém ou não escutam nada.

E você traz um exemplo muito claro, um caso de resiliência e de força,

como é o do Vini Júnior, não significa que outra pessoa vá conseguir chegar

onde ele chegou e com a coragem que ele teve de enfrentar.

E eu queria entrar um pouco nessa área da repercussão no caso da imprensa internacional,

porque está sendo imensa, está todo mundo falando desse assunto,

mas muitos jornais espanhóis criticaram a postura do Vini Júnior.

O jogador chegou a ser questionado por um jornalista espanhol se ele iria pedir desculpa

por ter reagido aos ataques da torcida do Valência e feito um gesto com a mão

indicando segunda divisão.

Calas, você trabalha há 13 anos em Madri, como é que você avalia a cobertura da imprensa espanhola

sobre os ataques racistas de uma maneira geral?

E se você quiser falar desse caso especificamente, fique à vontade, claro.

Um provincianismo deprimente, patético, querer tapar o sol com a peneira,

um desconhecimento absurdo e absoluto do que é racismo, do que é discriminação,

e geralmente vem de uma pessoa branca que vem de uma cidade, por exemplo, no caso de Valência,

a capa do Supersport, que é um jornal lá de Valência hoje, é nojenta,

que chama, assim, ataca o Vinícius Júnior.

Essa narrativa do Vinícius Júnior provocador tem ganhado muita força, ganhou muita força

aqui na Espanha nos últimos meses, muito também por causa dos debates esportivos.

Vale lembrar que essa onda de ódio e de assédio, porque é racismo, mas é assédio,

e é assédio em forma de racismo e racismo em forma de assédio.

O Vinícius é vítima de assédio em forma de racismo.

Então é assédio, porque falar que tá gritando tonto, tá gritando não interessa,

ele tá sendo assediado constantemente, constantemente.

E tudo isso começou num programa de televisão, num programa de televisão,

onde um debatedor do Tiringuito que falou que o Vinícius, se ele quisesse dançar,

que ele voltasse pro Brasil pro carnaval, que não era lugar de dançar aqui.

Então o cara foi xenófobo e racista em uma frase.

E essa bola de neve do Vinícius provocador da relativização do racismo

cresceu de uma maneira absurda aqui na Espanha e acabou contaminando os jogadores,

acabou contaminando os torcedores rivais e acabou contaminando a própria arbitragem espanhola,

que passou a ser olhar o Vinícius de uma maneira diferente do resto dos jogadores.

Então o Vinícius, que é o jogador que mais falta recebe nas cinco ligas europeias,

com quase o dobro do segundo colocado, ele tem recebido cartões amarelos o tempo inteiro quando ele reclama.

E aí o que acontece? O Vinícius provocador, pra relativizar o racismo, tem sido uma arma muito grande,

muito importante pra quem acha que não existe um racismo institucionalizado,

que não existe um problema de racismo hoje na Espanha.

E por que não acontece quando o Vinícius joga na Champions League fora da Espanha?

Por que não acontece quando ele joga na seleção brasileira?

Eu estive em Marrocos agora, no Cubestuan, no Mundial de Clubes, e o Vinícius foi idolatrado pela torcida marroquina.

Idolatrado, jogando com o Real Madrid lá no país deles.

Então é isso, ele é um ídolo onde ele quer que vá, mas parece que aqui na Espanha existe essa semente do ódio,

e de um ódio vil e horroroso contra o Vinícius Júnior que só cresce, e só cresce,

e cada vez mais com esse assédio em forma de racismo, esse racismo em forma de assédio.

Você imagina, eu moro na Espanha há 13 anos, Natuza. Meus filhos nasceram aqui.

É o país que deu todas as oportunidades pra eu estar hoje onde eu tô, trabalhando de correspondente da maior agência de notícias do mundo,

falando com você, sabe? Minha carreira decolou aqui sendo estrangeiro.

É um país que me acolheu, que me deu todas as oportunidades, que me abriu todas as portas.

Então, são sentimentos contraditórios, porque é um país maravilhoso, que recebe muito bem os estrangeiros,

mas onde o racismo é um problema também, e que tem que ser erradicado.

Eu espero realmente que tudo isso, que é sofrimento do Vinícius Júnior, ajude a Espanha a evoluir no debate do racismo.

Calás, muito obrigada. Foi muito importante ter você aqui.

Eu te agradeço imensamente por você ter achado um tempinho pra falar com a gente aqui no assunto.

É um prazer, sempre à disposição. Um beijo.

Espera um pouquinho que eu já volto pra falar com o PC Vasconcelos.

PC, o racismo contra jogadores negros não é uma novidade.

Tem há muito tempo, infelizmente.

Mas o que eu queria entender com você nessa entrevista é quais são os retrocessos que você enxerga,

e se houve avanços, quais são os avanços, porque eles parecem tão pequenos em relação aos retrocessos,

tanto que nós dois estamos aqui hoje no assunto gravando mais um triste episódio de racismo.

O que você pode atribuir?

Simplesmente o endosso que é a omissão da direção da La Liga, a omissão da direção da Federação Espanhola,

e uma passividade dos próprios jogadores.

Isso foi endossando a cada rodada esse tipo de prática,

e chegamos ao auge agora praticamente no encerramento do campeonato espanhol.

Esse aspecto, Natuza, não é novo, como você bem observou,

mas o silêncio endossa e impondera pessoas que querem praticar o crime de racismo, tal qual, como de homofobia.

Aonde, eu sempre me lembro um pouco daquela frase do Guimarães Rosa, do Grande Sertão Veredas,

que a vida é um estico e puxa.

Porque aonde tem o puxar?

Tem o puxar que um jovem do povo preto de 22 anos, recém saído da adolescência,

mas com fama de adulto, chamou a atenção para esse episódio de uma tal maneira

que o mundo olhou para o personagem, para a prática do crime, e tem um outro detalhe.

Isso representou fala do presidente da república.

Eu queria começar a entrevista fazendo um gesto de solidariedade a um jogador brasileiro,

jovem, negro, que joga no Real Madrid, que ontem num jogo no estádio do Valência,

ele foi fortemente atacado, sendo chamado de macaco.

Ou seja, não é possível que quase no meio do século XXI, a gente tenha o preconceito racial

ganhando força em vários estados de futebol aqui na Europa.

O presidente da república, eleito Luiz Inácio Lula da Silva, se manifestou sobre o tema.

Você imagina o seguinte, o silêncio é o parceiro e o maior incentivador da prática de crimes

como racismo e homofobia. Quando o presidente da república de um país como o Brasil se manifesta

e no dia seguinte a ministra Aniele Franco fala sobre entendimentos do governo brasileiro

com o governo espanhol, aí você tem uma notícia boa.

A ministra da igualdade racial, Aniele Franco, classificou os atos de racismo

como um mal que precisa ser combatido na raiz e afirmou que já pediu ao Ministério Público da Espanha

para abrir uma investigação sobre o caso.

Agora a gente vai para cima das autoridades notificar, oficializar também, para que tenham a resposta

porque o histórico da La Liga não é um histórico bom, é um histórico bem racista,

não dá para a gente ficar só na coisa do arrepudiamos, numa nota sem ação concreta.

O comunicado divulgado esta manhã foi assinado por cinco ministérios do governo Lula.

Esporte, igualdade racial, relações exteriores, justiça e direitos humanos.

A nota repudia, nos mais fortes termos, os ataques racistas que o atleta brasileiro Vinícius Júnior

vem sofrendo reiteradamente na Espanha.

A notícia da prática do crime de racismo é secular, ela não vai deixar de existir.

Mas a notícia boa é que um jovem preto de 22 anos se manifestou, enfrentou,

assim como ele encara marcadores dentro do campo, ele resolveu encarar esse marcador

que vive e circula há séculos na Europa e não nos esqueçamos, né Natuza?

No Brasil também.

Sem dúvida nenhuma.

E o que eu queria entender, PC, é por que o Vinícius Júnior é um alvo tão frequente.

Dentro dessa estrutura branca que domina o mundo e também domina o futebol,

embora o futebol muitas vezes se ache um planeta à parte,

essa estrutura, ela reserva para o negro o papel de pé de obra.

Esse é o seu papel, negro.

Você entra no campo, joga futebol, dribla, conquista títulos.

O Vinícius transcende isso.

O Vinícius é o carisma em pessoa.

Quando você olha para o Vinícius, não há como você não simpatizar com o Vinícius.

O Vinícius, olha que ousadia, dança quando faz um gol.

Quem mandou ele dançar? Ele não está autorizado a dançar.

Fui vítima de xenofobia e racismo em uma só declaração, mas nada disso começou ontem.

E o roteiro sempre termina com um pedido de desculpa ou um fui mal interpretado.

Mas repito para você, racista, eu não vou parar de bailar.

O Vinícius, quando o adversário começa a atuar de forma violenta,

ele não se atemoriza, ele não se encolhe no jogo.

Muito pelo contrário, isso o faz crescer dentro do jogo.

Nos anos 70, Torquato Neto, um poeta já falecido,

dizia que a gente tinha que desafinar o coro dos contentes.

O Vinícius desafina o coro dos brancos, contentes,

com a situação que o mundo desfruta, que é desse privilégio.

Então ele foi atraindo cada vez mais esse ódio.

Talvez essa palavra seja a que mais bem defina o que ele desperta.

Agora ele desperta esse ódio porque ele saiu do lugar

para o qual os brancos acham que todo preto ou preta tem que ocupar.

Tem um aspecto temporal aí que me incomoda bastante,

porque esse episódio com o Vinícius Júnior aconteceu,

apenas 12 dias depois do Brasil e da Espanha

assinarem um acordo de combate ao racismo e à xenofobia.

E você mesmo citou a velocidade e a contundência do governo brasileiro

para quebrar esse silêncio, para apoiar, para acolher

e para exigir respostas e punições aos racistas.

Então eu te pergunto, olhando um pouco para frente,

quais são as perspectivas de algo mudar a partir de agora?

O acordo entre o governo brasileiro e o governo espanhol é de suma importância,

porque quando governos acordam sobre determinados temas,

eles estão reconhecendo que o problema existe e que há necessidade de enfrentá-lo.

A princípio, imaginar que tudo vai mudar me parece um pouco exageradamente otimista.

Eu acredito que esse caso reverberará por algum tempo,

mas que mudanças práticas mesmo têm que ser construídas.

O episódio na Tusa do Vinícius Júnior é um sintoma de uma doença

que nos assola há séculos, e é a doença que nós temos que atacar.

Se a gente não atacar a doença, daqui a 4, 5 meses a gente vai estar falando dessa mesma forma.

Aí você vai pensar assim, mas em que medidas? Simples.

Por exemplo, no jogo de ontem. O jogo é interrompido, o jogo é em suspenso,

todo mundo vai para o vestiário e o Valencia perde os pontos.

Fazendo um paralelo com o que aconteceu no Brasil uma semana atrás no estádio do Corinthians.

Uma torcida com fama de fiel, que levanta bandeiras de causas sociais,

mas que ainda dá voz ao preconceito.

O sistema de som da arena alertou duas vezes que os gritos podem gerar punições ao clube.

No segundo tempo, o árbitro Bruno Arleu de Araújo paralisou a partida

quando a música voltou a ser cantada.

Os torcedores responderam cantando mais forte.

E o jogo ficou parado por 4 minutos.

O que você faz? Interrompe o jogo, acabou o jogo,

você vai para o vestiário e o Valencia vai cantar.

O que você faz? Interrompe o jogo, acabou o jogo,

o Corinthians perde os pontos e aquele jogo não vai ser mais realizado.

Acaba o jogo. Essas são medidas práticas.

Enquanto não tivermos medidas práticas nesse sentido, nada vai mudar.

E mais um detalhe, tudo faz parte de um processo de construção.

Eu convido você, Natuzzi, e a quem nos escuta,

fazer um pequeno exercício, rápido,

quando for assistir a uma partida de futebol disputada no Brasil.

Repare quantos mascotes negros e negras tem. Não tem nenhum.

Os times entram em campo, predominantemente, com mascotes brancos.

Ao mesmo tempo, tem uma faixa lá atrás, diga não ao racismo.

Racismo é isso. É você excluir crianças do povo preto

de poder entrar segurando na mão do seu ídolo em campo.

Como é que você combate? Acabando com essa estrutura,

combatendo essa estrutura.

Tão importante quanto isso, é você ter o Vinicius virando uma referência

para a juventude do povo preto.

Entende? É o povo preto que todo dia é parado pela polícia,

que todo dia tem um olhar de um funcionário de um supermercado

acompanhando os seus movimentos dentro do supermercado,

passando a perceber que o enfrentamento é algo possível.

Porque o que o Vinicius está fazendo,

e o cinturão de apoio que ele está conseguindo, é o primeiro passo.

Agora, não basta ficar nesse passo, porque como já dizia Angela Davis,

e continua a dizer, não basta dizer que não é racista,

tem que praticar o antirracismo, e esse é o maior desafio.

Exatamente. Isso se conecta com o que eu vou te perguntar agora.

Alguém que está nos ouvindo, por exemplo, pode pensar alto assim,

mas PC, a FIFA tem feito campanhas contra o racismo,

e ainda assim os casos continuam se repetindo,

e em alguns como esse, do Vinicius Jr.,

nós temos a impressão de que eles estão aumentando e ficando cada vez mais violentos.

Não está surtindo efeito por quê? Se é que essa é a sua opinião.

Concordo com você, e eles estão ficando cada vez mais visíveis e violentos,

porque isso é... eu sou um jornalista de esporte,

você de política, você sabe muito melhor do que eu,

porque há um crescimento da extrema-direita no mundo.

A extrema-direita está ganhando um espaço no mundo,

e, evidentemente, ela consegue se manifestar nesses vários segmentos.

Por que não está dando certo? Porque ainda não houve punição severa,

não é, Natuza? Porque quando você chega e define que tem perda de ponto,

o jogo vai ser interrompido, você está começando a dizer que está indo para um caminho.

Faixas, ok, no satiricism, ok, entende?

Mas elas não são suficientes, elas se mostram insuficientes,

parece muito mais uma expiação de culpa.

Eu estou me expiando da minha culpa, e aí eu vou lá e coloco a faixa.

Agora, quando começarem a surgir punições severas de perda de ponto,

perda de mando de campo, quando os patrocinadores começarem a dizer

que não querem mais patrocinar um clube cujos torcedores têm esse tipo de postura,

aí sim a situação vai ser modificada.

Desde 2014, o que a gente teve de registro de discriminações raciais no futebol aqui no Brasil?

Foram 342 ocorrências monitoradas pelo observatório.

De 2014 a 2021 foram só 53 casos julgados no Brasil e no exterior,

e 40% desses casos houve absolvição, 60% punição, que vão desde multa até 600 mil reais,

proibição para acessar os estádios, enfim, outras punições.

E você enxerga, PC, do lugar em que você está, do lugar de onde você fala,

exemplos de boas práticas, de coisas do simples ao complexo,

que ajudam e contribuem na luta antirracista?

Você consegue ver algo que você possa nos contar e que acalente um pouco o nosso coração?

Numa situação de relato de um episódio tão triste?

Olha, Natuza, como homem preto de 65 anos de idade,

eu me lembro sempre de uma frase do Gramsci que era pessimista na razão e otimista na ação.

Eu tento ser, a minha razão ela é muito pessimista, mas a minha ação,

quando eu vejo um comportamento como o do Vinícius, eu passo a ficar um pouco mais otimista.

Mas o dia a dia, ele trabalha contra esse meu otimismo.

Eu vou te contar um episódio que aconteceu comigo no sábado.

Eu moro num bairro na zona sul do Rio de Janeiro, Leblon.

Pois bem, eu estava indo comprar pão, andando pela rua Dias Ferreira,

que é nacionalmente conhecida como de polo gastronômico, todas essas coisas.

Havia uma mulher à frente com um cachorro, passeando com o seu cachorro.

Eram mais ou menos oito horas da manhã, pouca gente na rua.

Quando eu emparelhei e eu ia passar,

o primeiro movimento que ela fez foi segurar a bolsa com mais ênfase e me dar uma olhada de susto.

Então é assim, a minha razão, ela fica muito abalada quando esse tipo de situação acontece

e elas não acontecem de forma esporádica, muito pelo contrário.

Mas a minha ação vai ser sempre nesse sentido,

de que nós temos que olhar para o que fez o Vinícius Júnior.

Então eu fico nessa ponte com muitas turbulências que essa ponte tem na Turza.

PC, foi um prazer enorme receber você aqui, foi muito bom te ouvir.

Te agradeço e eu espero que a gente volte a conversar aqui no assunto

sobre mudanças boas e positivas depois de tantos episódios assim.

E eu espero que seja em breve.

Pois é, eu entendo que é uma construção e na medida em que a gente parar de combater sintoma

para atacar a doença, tudo isso pode ganhar mais consistência.

É uma luta diária, diária, diária, diária, diária, mas com um dado muito interessante.

Como diz a filósofa Sueli Carneiro, é um pacto que pede a presença de brancos

e do povo preto. Não é um pacto exclusivamente do povo preto.

Quanto mais brancos e brancas estiverem nesse pacto do antirracismo,

mais forte o combate será.

Neste episódio, você ouviu áudios da ESPN.

Este foi o assunto podcast diário disponível no G1, no Globoplay

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Comigo na equipe do assunto estão Monica Mariotti, Amanda Polato,

Tiago Aguiar, Luiz Felipe Silva, Thiago Kazurowski, Gabriel de Campos,

Nayara Fernandes e Guilherme Romero.

Eu sou Nath Zaneri e fico por aqui.

Até o próximo assunto.

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