×

Мы используем cookie-файлы, чтобы сделать работу LingQ лучше. Находясь на нашем сайте, вы соглашаетесь на наши правила обработки файлов «cookie».


image

O Assunto (*Generated Transcript*), 23.04.23-CPI do MST - os objetivos do governo e da oposição

23.04.23-CPI do MST - os objetivos do governo e da oposição

Na década de 1970, diante da violência do regime militar, grupos rurais organizados

reagiram com manifestações populares, ocupações e invasões de terras.

Nos anos de abertura política, um congresso realizado no Paraná reuniu muitos deles em

um movimento camponês nacional.

Desde 1984, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, MST, organiza os camponeses

sem terra na luta pela realização de uma reforma agrária.

Rapidamente o MST cresceu e se espalhou por todo o território brasileiro.

Obteve conquistas sociais e políticas públicas, mas acabou provocando profundo desgaste com

os setores produtivos.

As estratégias adotadas pelo MST para pressionar governos são polêmicas.

As ocupações de terra geraram críticas e muitos enfrentamentos com latifundiários.

Hoje o enfrentamento é contra o agronegócio, setor de indústria que produz alimentos,

sobretudo para exportação.

E culminou em conflitos com proprietários de terra.

O mais violento deles, o massacre.

Em abril de 1996, 21 trabalhadores sem terra foram assassinados e mais de 50 ficaram feridos

em Eldorado dos Carajás.

Foices, facões, o confronto se aproxima.

Soldados do batalhão de choque da polícia militar se posicionam na estrada.

Os primeiros tiros são disparados.

Os policiais atiram para o alto para intimidar os invasores.

Os sem terra avançam contra os policiais.

Disparam tiros de revólver e jogam foices, paus e facões contra a polícia.

A resposta é com rajadas de metralhadora.

Marchas populares e mais diálogo com o governo federal se seguiram.

E durante o governo Lula, a pacificação avançou junto com a maior quantidade de assentamentos

já feitos até então.

No período de FHC de 1995 a 2002 foram 280 mil famílias assentadas no Brasil.

Nos dois primeiros mandatos de Lula, mais de 470 mil.

Daí no governo Dilma de 2011 a 2016 já despencou para 121 mil.

E no governo de Michel Temer caiu ainda mais, despencou ainda mais para 9 mil.

E no governo de Bolsonaro, 14 mil famílias que foram assentadas.

E não houve nenhuma área desapropriada para reforma agrária durante os quatro anos de

governo de Jair Bolsonaro.

Período em que a tensão entre o governo brasileiro e o movimento voltou a subir.

Pessoal do MST, a hora de vocês está chegando, hein?

A atividade de vocês é uma atividade criminosa que no meu entender terroriza também.

E mesmo sob a gestão Lula, as invasões voltaram a acontecer.

Desde o começo do ano já são pelo menos 19 áreas invadidas pelo movimento dos trabalhadores

rurais sem terra.

Os integrantes do MST invadiram a sede do INCRA, o Instituto Nacional de Colonização

e Reforma Agrária em várias capitais brasileiras.

E também a Embrapa, a empresa brasileira de pesquisa agropecuária.

E mais uma vez, o MST foi parar numa investigação parlamentar, agora capitaneada pela ala mais

radical do Congresso.

Já é a quinta CPI com foco no movimento dos trabalhadores rurais sem terra e que é

uma CPI claramente dominada pela bancada ruralista em apoio, em parceria, digamos assim, com

a bancada da Bala.

Claro que qualquer movimento social, qualquer identidade da sociedade civil pode e deve

ser investigada se houver indício de crime.

Mas nesse caso a gente está vendo uma outra coisa, a criação de um palanque para deputados

ruralistas, deputados da bancada da Bala fazerem ataques políticos ao movimento sem terra

e claro, resvalando no governo Lula e na esquerda em geral.

Da redação do G1, eu sou Nathuzaner e o assunto hoje é a CPI do MST.

Um episódio para entender por que a comissão foi criada, o que a oposição quer com ela

e quais devem ser as consequências para o governo Lula.

Eu converso com Luiz Felipe Barbieri, repórter do G1 em Brasília e com o sociólogo Celso

Rocha de Barros, colunista do jornal Folha de São Paulo e autor do livro PT Uma História.

Quarta-feira, 24 de maio.

Luiz, a CPI do MST surgiu na esteira da CPMI dos Atos Golpistas de Janeiro e eu queria

começar te pedindo para nos explicar como é que foi a movimentação para criar essa

comissão sobre as ocupações e invasões de terra e quais são as ações do movimento

sem terra que acabaram entrando na mira dos parlamentares de oposição.

A CPI do MST foi pensada pelos deputados bolsonaristas para desviar a atenção dos

atos golpistas de 8 de janeiro.

Esse é um fato que vai ser objeto de uma outra comissão de investigação aqui no

Congresso que deve ser instalada ainda nesta semana.

A invasão, a destruição do Supremo Tribunal Federal, da Câmara, do Senado e do Palácio

do Planalto.

A base governista fala que essa CPI, além de querer criminalizar o MST, é um palanque

político para um grupo de deputados bolsonaristas que perdeu a eleição em 2022 com a saída

do ex-presidente, incluindo o próprio relator, o deputado Ricardo Salles.

Mas a situação de Ricardo Salles à frente do Ministério do Meio Ambiente se tornou

muito frágil após as investigações que passou a enfrentar no Supremo Tribunal Federal

e antes disso já vinha se deteriorando com sua política ambiental de impactos negativos

internacionais para o Brasil.

A partir da investigação de Salles, a Amazônia teve o seu maior desmatamento desde 2008.

Segundo dados do INPE, em um ano, entre agosto de 2019 e julho de 2020, a devastação cresceu

9,5%.

Salles foi alvo de buscas da Polícia Federal na operação Aquanduba, que investiga exportação

ilegal de madeira.

A Polícia Federal suspeita de movimentações financeiras atípicas, como a de R$ 1,7 milhão

envolvendo o escritório de advocacia do qual o ex-ministro do Meio Ambiente é sócio,

junto com a mãe.

Já os deputados da bancada ruralista, os apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro,

dizem que a CPI surgiu com o aumento das ocupações da MST nesse ano.

O deputado Coronel Zucco, um bolsonarista declarado, que inclusive é investigado por

apoiar atos antidemocráticos, ele autorou o requerimento de criação dessa CPI e começou

a recolher as assinaturas no dia 8 de março.

O ex-ministro Alexandre de Moraes mandou a Polícia Federal retomar investigações

sobre o deputado federal tenente Coronel Zucco, do Republicanos.

Ele é suspeito de patrocinar e incentivar atos antidemocráticos contra o resultado

das eleições, quando ainda era deputado estadual pelo Rio Grande do Sul.

E em paralelo, outros dois deputados, o Quim Cataguiri e o Ricardo Salles, eles também

apresentaram propostas no mesmo sentido, em busca de assinaturas para criar essa CPI.

Uma reunião na frente parlamentar agropecuária, que reúne os deputados da bancada ruralista

toda terça-feira aqui em Brasília, foi feita a unificação dessas proposições e ficou

acertado que o requerimento do Zucco que ia encabeçar esses pedidos de CPI.

O Ricardo Salles, que tinha feito um outro requerimento para criar, ficou com a relatoria

e o Quim Cataguiri com a primeira vice-presidência.

Aí, a partir dessa reunião e essa coordenação da bancada ruralista, essa busca por assinaturas

deslanchou. O requerimento foi protocolado em 15 de março, menos de uma semana depois

do início da coleta de assinaturas. 172 assinaturas das 171 que eram necessárias.

E a maioria dessas 172 assinaturas de parlamentares do PL foram 76 apoios na bancada, seguida

por partidos do Centrão, como o PP.

Na outra ponta, tem os deputados do PT, inclusive três integrantes do MST, que o PT indicou,

e de partidos como o PCdoB, o PSOL e o PDT.

E todo esse movimento, pela coleta de assinaturas, contou com um aval do presidente da Câmara,

o deputado Arthur Lira.

A estratégia que o governo, que o Palácio do Planalto pensou para evitar a CPI do MST

não deu certo. E qual era essa estratégia? Empurrar com a barriga, demorar para indicar

os integrantes dos partidos governistas para inviabilizar a instalação dessa CPI.

Mas essa estratégia não deu certo porque dependia de um acordo com o Arthur Lira, com os partidos

do Centrão. Mas não aconteceu esse acordo. O governo tentou negociar com o Arthur Lira.

O Arthur Lira tem o primo dele ocupando a superintendência do INCRA no Alagoas.

O INCRA tem 29 superintendências. O governo trocou todas, que era uma pressão do MST.

Nenhuma. Justamente a do primo de Arthur Lira, que está na superintendência de Alagoas.

Inclusive tomou uma decisão, uma decisão política, de ler o requerimento de criação da CPI no plenário

e permitir que essa comissão fosse instalada depois. Os deputados governistas têm dito que essa CPI do MST

vai servir de termômetro para a CPI dos atos golpistas. Se os bolsonaristas esquentarem a CPI do MST,

um estímulo a um ambiente conflagrado contra o movimento, a base governista vai dar resposta

na CPI dos atos golpistas.

Agora, a desproporção em relação aos bolsonaristas para os governistas é muito grande.

Então, dos 27 assentos da CPI, os governistas têm só sete representantes.

Nessa supremacia bolsonarista na comissão parlamentar de inquérito, quais são as chances dos governistas

de evitarem pancadas muito fortes na CPI, Luiz?

Ó, com a minoria na CPI, principalmente presidente e relator, que são bolsonaristas declarados ali,

fica difícil para a base do governo segurar, de repente, um relatório que pede o indiciamento

de lideranças dos movimentos ou eventuais financiadores.

Agora, em relação aos requerimentos, à condução das votações, os deputados governistas estão dizendo

que eles têm um diálogo com o presidente e com o relator para aprovar os requerimentos dos dois lados,

com o objetivo de ouvir os principais envolvidos nesses episódios dos conflitos rurais que estão acontecendo.

Inclusive, se os requerimentos forem rejeitados, os deputados da base dizem que é mais uma prova

de instrumentalização dessa CPI, de que ela não teria, na verdade, o objetivo de investigar

essas supostas invasões, essas ocupações da MST, mas sim de servir de palanque.

Dentro desses acordos, para se aprovar, inclusive, dos dois lados os requerimentos,

sete dos quinze requerimentos que estão pautados para ser analisados nessa quarta-feira, inclusive,

foram apresentados por deputados governistas. Os próprios deputados da base apresentaram, por exemplo,

requerimento para ouvir o ministro do Desenvolvimento Agrário, Paulo Teixeira,

e também o presidente do INCRA, o César Aldrima.

Agora, a CPI do MST começou a funcionar, efetivamente, na terça-feira,

que é a data em que nós estamos conversando, e só na primeira sessão já teve tapa na mesa,

bate-boca, microfone cortado. O que a gente pode esperar dessa CPI?

Quais são os próximos passos? Porque você citou a aprovação de requerimentos de convocação.

O que você tem ouvido no Congresso, em particular na Câmara dos Deputados,

é de uma CPI feita para investigar alguma coisa ou é uma CPI feita para dar palanque

aos bolsonaristas que comandam a comissão? Há exemplo de Ricardo Salles, que é o relator

e que tem pretensões de disputar a Prefeitura de São Paulo e ganhar destaque com a condução da CPI.

O primeiro dia de funcionamento, de fato, da CPI ficou marcado por um clima tenso,

muitas acusações, bate-bocas. A deputada Talina Petroni do PSOL, por exemplo,

ela lembrou de investigações da Polícia Federal contra o relator Ricardo Salles

e o deputado disse que vai representar no Conselho de Ética.

Em um outro momento, o delegado Ledermaul, ele chamou o MST de movimento de marginais, bandidos,

e foi quando o deputado Valmira Assumpção, do PT, inclusive ligado ao MST,

disse que não ia aceitar a declaração e deu tapas na mesa, dizendo que era um deputado como todo mundo ali.

Deputado, o senhor já falou.

Sobre os primeiros passos, o próprio relator falou que pretendia ir primeiro nos estados,

onde ocorreram essas ocupações do MST, para ouvir os governadores e pedir documentos

para a Polícia Militar, Polícia Civil. O que a gente tem ouvido, o que a gente tem percebido

é que, na verdade, vai servir, sim, de palanque para os deputados bolsonaristas.

E que até a intenção de ouvir ministros, por exemplo, Flávio Dino, de ouvir ministros do governo,

vão nesse sentido de tentar levar para frente uma narrativa bolsonarista

do que vem ocorrendo nas ocupações de terras pelo país.

Luiz, muito obrigada pela participação. Eu sei que você vai ficar de olho,

cobrir diariamente a Comissão Parlamentar de Inquérito,

então eu tenho uma leve intuição que a gente vai voltar a se falar algumas outras vezes aqui no assunto.

Muito obrigada.

Perfeito, muito obrigado, Neto.

Espera um pouquinho que eu já volto para falar com o Celso Rocha de Barros.

Bom, Celso, o governo tentou empurrar essa Comissão Parlamentar de Inquérito com a barriga,

de toda forma. Tentou evitar que ela, primeiro, fosse criada, depois que ela fosse instalada

e que começasse a funcionar. Mas o fato é que já começou.

Mas eu queria tentar entender o que esse processo que vai desde a criação

até o início do funcionamento diz sobre a articulação do governo.

A criação da CPI do MST foi uma derrota para o governo, sem dúvida.

Porque, por um lado, você poderia pensar assim, ah, está tendo CPI do MST

porque esse congresso é o mais conservador da Nova República.

E pode ser que isso seja um fator que explique isso.

Só que, assim, gente que não gosta do MST sempre esteve no congresso.

A bancada ruralista sempre foi muito forte. Se eles quisessem fazer isso todo dia, fariam.

Então, por que só virou CPI agora? Basicamente porque o Centrão deixou.

E o Centrão deixou como forma de exercer pressão sobre o governo Lula,

sobretudo para que o governo acelere a liberação de emendas.

A criação da CPI é uma demonstração de força da Artulheira e do Centrão

e da maioria do congresso para que o governo ceda mais nas negociações com os parlamentares.

Acho que esse é um diagnóstico bastante preciso.

Os governistas têm dito que essa CPI pode ser usada só para fazer barulho contra o governo.

E aí eu te pergunto, Celso, como é que você vê isso?

Porque eu já vi avaliações de a CPI sendo usada como palco para a extrema direita.

Qual é o tamanho da dor de cabeça para o governo?

E como você imagina que vai ser a utilização dessa CPI?

Então, a CPI do MST poderia ser uma excelente oportunidade para a gente discutir

o que quer dizer a reforma agrária hoje, qual a situação dessas propriedades que o MST ocupa,

qual a relação do agronegócio com os pequenos produtores, enfim, inclusive os assentados do MST.

Mas sejamos honestos, não vai acontecer nada disso.

As perspectivas de um diálogo civilizado nessa CPI são muito, muito baixas.

Pelo que a gente já viu até agora, pelos depoimentos do pessoal da CPI,

tudo indica que os deputados bolsonaristas vão usar a CPI do MST para ganhar visibilidade,

uma visibilidade que eles não tinham conseguido até agora com essa situação no Congresso.

E até aí é jogo jogado.

É absolutamente normal que a oposição utilize CPIs para aparecer, para divulgar suas críticas ao governo,

para divulgar suas bandeiras, etc.

A direita sempre fez isso nos outros governos do PT e o PT sempre fez isso nos governos de direita.

Só que nesse caso específico tem um risco sério que a gente tem que levar em conta.

O risco é promover e dar visibilidade para a gente bolsonarista que provavelmente será investigada na outra CPI,

a CPI do golpe de 8 de janeiro.

Se esses bolsonaristas que podem ser investigados na outra CPI usarem a CPI do MST para se blindar,

para conseguir apoio do agronegócio, numa tentativa de conseguir uma anistia,

de conseguir evitar uma punição, isso vai ser muito ruim.

Eu acho que é isso que eles vão tentar fazer e isso aí já não é do jogo, isso aí já não é normal.

Queria entrar com você numa outra seara que é a relação entre o PT e o MST.

Uma relação que é uma relação histórica, mas que não está nos seus melhores dias.

O ministro Paulo Teixeira, do desenvolvimento agrário, chegou a dizer que as recentes invasões estressaram a relação.

O ministro Carlos Fávaro da agricultura, que é de uma área que tem ali fricções com o MST,

já disse que não vai defender invasões no campo.

O João Pedro Stedley, que é um dos líderes do MST,

criticou o governo Lula pela lentidão em medidas no sentido da reforma agrária e disse que vai aumentar a pressão no campo.

Marcel, se eu te pergunto, como é que está na sua avaliação essa relação?

E como essa relação, que não está num bom momento, deve caminhar a partir de agora com a CPI em funcionamento?

Essa relação já teve várias idas e voltas, momentos de maior proximidade e momentos de maior separação.

O PT e o MST têm muitas semelhanças de família, têm muitas coisas que são parecidas na sua origem,

em especial uma origem fortemente influenciada pelo catolicismo de esquerda.

A pastoral operária foi muito importante nas greves da BC e a pastoral da terra é absolutamente central na história do MST.

Mas o PT e o MST não são tão próximos, por exemplo, quanto o PT e a CUT.

A CUT foi fundada quase que pelas mesmas pessoas que fundaram o PT.

O MST também, na sua origem, mantinha relações com outros partidos.

No Rio de Janeiro, por exemplo, boa parte do trabalho de fundação do MST foi feito pelos brisolistas.

O PSB ajudou a fundar o MST em outros lugares, enfim.

Mas, em geral, o PT e o MST nos anos 80 convergiam na defesa da reforma agrária e num programa mais ou menos semelhante.

Com o tempo tem uma mudança que ocorre, dependendo do economista que você leia,

ou no meio da década de 80 ou no começo da década de 90, que é o começo da desindustrialização brasileira.

E isso muda a dinâmica do PT com o MST.

O PT foi fundado, sobretudo, no meio urbano e pelos setores mais modernos da economia brasileira.

Então, os metalúrgicos da BC eram o setor da classe operária mais moderno, mais qualificado, um dos mais bem remunerados, inclusive.

Já o MST surgiu justamente em áreas de conflitos de terra, áreas não necessariamente mais atrasadas, mas, enfim, não modernas ainda.

Quando a industrialização começa a andar para trás, o que acontece?

Os sindicatos que fundaram o PT e eram fundamentais para a seleção de seus dirigentes, etc., começam a ter muitas dificuldades.

Agora, esses mesmos processos fizeram crescer o número de excluídos no campo e nas periferias.

O agronegócio se mecanizou e dispensou a mão de obra, mas agora não tinha mais uma indústria em expansão para absorver esses trabalhadores.

Ao invés de seguir o exemplo da família do Lula e vir para o ABC paulista fundar o PT e a CUT,

essas pessoas ficaram no campo ou nas periferias das grandes cidades e entraram para o MST.

Falta uma verdadeira reforma agrária, que de fato até hoje, no nosso país, o latifúndio é quem tem mandado.

Mas os sem terra estão aí para mostrar outra realidade e confrontar o latifúndio, o agronegócio, e nós queremos de fato uma verdadeira reforma agrária nesse país.

Então, ao mesmo tempo que o PT e a CUT passaram a ter dificuldade com seus sindicatos urbanos,

o público impotencial do MST, que não encontra lugar nem no campo nem na cidade, foi crescendo.

Isso quer dizer que nos anos 90, o MST viveu uma espécie de auge de influência, um período de grande fortalecimento deles.

E o PT vai apoiando o MST na maioria das questões.

Só que mais ou menos do meio para o final da década, o PT acelera um processo de moderação que já vinha vindo,

e o MST não acompanha, muito pelo contrário, o MST até dá uma radicalizada.

E o auge dessa tensão é quando o MST ocupa a fazenda do Fernando Henrique Cardoso, que era presidente da República.

Um ato bastante radical, que eu conheço gente da esquerda do PT que diz que aquilo foi uma provocação completamente desnecessária, um erro grosseiro.

O número de invasões, ocupações, tem gente que chama de invasões ou ocupações, que aconteceram nos últimos anos.

No período FHC, foram mais de 2.400.

Nos anos de Lula, nos dois primeiros mandatos, quase 2.000.

Aí Dilma diminuiu para 912, despencou em Temer, no governo de Temer, 111.

Bolsonaro chegou a 62 invasões.

Só que nessa época o MST está tão forte, que começa a correr o boato entre os dirigentes petistas, que o MST vai fundar seu próprio partido.

Seria um partido mais de esquerda do que o PT.

Quando eu escrevi meu livro sobre o PT, eu perguntei isso para o Stedley.

E ele negou veementemente.

Agora, mesmo se for boato, mostra que o pessoal do PT andou meio cabreiro com a possibilidade de ter uma concorrência do MST como partido.

Mas o fato é que para a imagem externa, para um público externo, essas divisões e esse...

Até ciúme, né? De em algum momento da vida o MST cogitar essa possibilidade de virar um partido e, portanto, concorrente no campo da esquerda.

Para o público externo, muitas vezes são como se fossem uma coisa só, né?

E você nos explica que não.

E aí eu queria entender isso aos olhos do agronegócio, por exemplo.

Porque o MST é sempre usado por lideranças parlamentares que são da bancada do agronegócio como uma espécie de deficiência do partido dos trabalhadores.

Olha, não confiem não vocês do agronegócio no governo, porque o governo é muito próximo ao MST.

Então, em que medida essas encrencas internas não chegaram para o público externo?

Não chegaram. Você tem toda a razão.

Para a maior parte do público parece que eles são a mesma coisa.

Parece que o MST é uma espécie de exército que o PT usa quando quer brigar, etc.

E não é isso não.

O MST resolve brigar pelos seus próprios motivos e briga por ele.

E a melhor coisa vale para o PT.

Trago essa mensagem também do presidente Lula.

Se nós repudiamos os atos de 8 de janeiro na invasão do Congresso Nacional, temos que repudiar também os atos de invasão de terra privada produtiva.

Não é assim que se constrói uma nação soberana que cumpre as leis e respeite o direito individual.

Agora, tem tensões, né?

Porque o PT basicamente se consolidou como um partido em moldes tradicionais, um partido social-democrata, de centro-esquerda, enfim, como se quiser chamar, com base nos sindicatos.

Mas que disputa institucionalmente.

E o MST adota como principal estratégia a ocupação, que é uma estratégia baseada em desobediência civil, no fundo.

É uma estratégia de contestação da propriedade.

E o pessoal do campo se exaspera com isso, né?

Exatamente.

E deve-se dizer, a maior parte do campo brasileiro não é área de conflito de terra.

Longe de me defender toda e qualquer ocupação que o MST já tenha feito na vida,

mas a maior parte da atuação costuma ser em áreas onde tem contestações, onde tem conflitos históricos sobre quem é dono daquilo.

Por exemplo, teve uma dessas últimas invasões agora de abril,

teve uma em Pernambuco, que foi numa usina de açúcar que já tinha sido desapropriada pelo governo de Pernambuco.

Abril é um mês importante, simbólico para o MST,

porque foi no mês de abril em que houve o massacre de Eldorado dos Carajás, no Pará.

Sempre que chega o mês de abril, o MST prepara uma jornada de mobilizações e esse ano não foi diferente.

E agora, esse novo episódio, a presença de João Pedro Stedger na comitiva presidencial na China,

incomodou muito os ruralistas, porque ele é tratado como um adversário do agronegócio.

Mas, sem dúvida nenhuma, o PT é mesmo próximo do MST, mesmo eles não sendo a mesma coisa,

mesmo eles tendo escolhido caminhos diferentes em vários momentos.

E isso cria mesmo uma tensão do governo com o agronegócio.

Agora, você acha que essa tensão aumenta com a CPI ou ela tende a ficar na mesma toada?

Em primeiro lugar, deve-se dizer que nos dois primeiros governos Lula, ele conseguiu administrar esse problema.

Teve, praticamente, pouquíssima tensão aberta.

Deve-se lembrar também uma coisa sobre o MST.

Boa parte dos sem terra assentou, já conseguiu virar pequeno produtor.

E esse é um ponto importante.

Então, esses pequenos produtores não estão interessados em radicalizar.

Eles querem o mesmo tipo de coisa que os outros agricultores também querem.

Querem políticas de crédito, querem infraestrutura para escoar sua produção, coisas assim.

Então, se você pegar os governos do PT anteriores, o que eles conseguiram estabelecer de diálogo é que, no fundo,

ele ofereceu crédito tanto para o agronegócio quanto para os assentados do MST.

Ofereceu diversas políticas públicas voltadas para o bem-estar deles, para desenvolver os assentamentos, etc.

E eu acho que o Lula vai tentar fazer exatamente a mesma coisa nesse governo.

E eu acho que se ele conseguir desenhar políticas bem boladas para os dois setores, ele leva isso até o fim do mandato sem maiores problemas.

Agora, o que eu acho absolutamente provável é que a CPI do MST vai piorar essa situação.

Quer dizer, vai aumentar a polarização política brasileira.

Faz sentido. Faz sentido o que você está dizendo.

Celso, muito obrigada pelos esclarecimentos. É sempre um prazer receber você aqui no Assunto.

Eu que agradeço, Natuza. É sempre um prazer. Me chame quando quiser.

Este foi o Assunto, podcast diário disponível no G1, no Globoplay ou na sua plataforma de áudio preferida.

Vale a pena seguir o podcast na Amazon ou no Spotify, assinar no Apple Podcasts, se inscrever no Google Podcasts ou no Castbox e favoritar na Deezer.

Assim você recebe uma notificação sempre que tiver um novo episódio.

Comigo na equipe do Assunto estão Monica Mariotti, Amanda Polato, Thiago Aguiar, Luiz Felipe Silva, Thiago Kazurowski, Gabriel de Campos, Nayara Fernandes e Guilherme Romero.

Eu sou Natuzaneri e fico por aqui. Até o próximo assunto.

Legendas pela comunidade Amara.org


23.04.23-CPI do MST - os objetivos do governo e da oposição 23.04.23-CPI der MST - die Ziele der Regierung und der Opposition 23.04.23-CPI of the MST - the government and the opposition's objectives 23.04.23-MSTに関するCPI-政府と野党の目的 23.04.23-CPI na temat MST - cele rządu i opozycji

Na década de 1970, diante da violência do regime militar, grupos rurais organizados

reagiram com manifestações populares, ocupações e invasões de terras.

Nos anos de abertura política, um congresso realizado no Paraná reuniu muitos deles em

um movimento camponês nacional.

Desde 1984, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, MST, organiza os camponeses

sem terra na luta pela realização de uma reforma agrária.

Rapidamente o MST cresceu e se espalhou por todo o território brasileiro.

Obteve conquistas sociais e políticas públicas, mas acabou provocando profundo desgaste com

os setores produtivos.

As estratégias adotadas pelo MST para pressionar governos são polêmicas.

As ocupações de terra geraram críticas e muitos enfrentamentos com latifundiários.

Hoje o enfrentamento é contra o agronegócio, setor de indústria que produz alimentos,

sobretudo para exportação.

E culminou em conflitos com proprietários de terra.

O mais violento deles, o massacre.

Em abril de 1996, 21 trabalhadores sem terra foram assassinados e mais de 50 ficaram feridos

em Eldorado dos Carajás.

Foices, facões, o confronto se aproxima.

Soldados do batalhão de choque da polícia militar se posicionam na estrada.

Os primeiros tiros são disparados.

Os policiais atiram para o alto para intimidar os invasores.

Os sem terra avançam contra os policiais.

Disparam tiros de revólver e jogam foices, paus e facões contra a polícia.

A resposta é com rajadas de metralhadora.

Marchas populares e mais diálogo com o governo federal se seguiram.

E durante o governo Lula, a pacificação avançou junto com a maior quantidade de assentamentos

já feitos até então.

No período de FHC de 1995 a 2002 foram 280 mil famílias assentadas no Brasil.

Nos dois primeiros mandatos de Lula, mais de 470 mil.

Daí no governo Dilma de 2011 a 2016 já despencou para 121 mil.

E no governo de Michel Temer caiu ainda mais, despencou ainda mais para 9 mil.

E no governo de Bolsonaro, 14 mil famílias que foram assentadas.

E não houve nenhuma área desapropriada para reforma agrária durante os quatro anos de

governo de Jair Bolsonaro.

Período em que a tensão entre o governo brasileiro e o movimento voltou a subir.

Pessoal do MST, a hora de vocês está chegando, hein?

A atividade de vocês é uma atividade criminosa que no meu entender terroriza também.

E mesmo sob a gestão Lula, as invasões voltaram a acontecer.

Desde o começo do ano já são pelo menos 19 áreas invadidas pelo movimento dos trabalhadores

rurais sem terra.

Os integrantes do MST invadiram a sede do INCRA, o Instituto Nacional de Colonização

e Reforma Agrária em várias capitais brasileiras.

E também a Embrapa, a empresa brasileira de pesquisa agropecuária.

E mais uma vez, o MST foi parar numa investigação parlamentar, agora capitaneada pela ala mais

radical do Congresso.

Já é a quinta CPI com foco no movimento dos trabalhadores rurais sem terra e que é

uma CPI claramente dominada pela bancada ruralista em apoio, em parceria, digamos assim, com

a bancada da Bala.

Claro que qualquer movimento social, qualquer identidade da sociedade civil pode e deve

ser investigada se houver indício de crime.

Mas nesse caso a gente está vendo uma outra coisa, a criação de um palanque para deputados

ruralistas, deputados da bancada da Bala fazerem ataques políticos ao movimento sem terra

e claro, resvalando no governo Lula e na esquerda em geral.

Da redação do G1, eu sou Nathuzaner e o assunto hoje é a CPI do MST.

Um episódio para entender por que a comissão foi criada, o que a oposição quer com ela

e quais devem ser as consequências para o governo Lula.

Eu converso com Luiz Felipe Barbieri, repórter do G1 em Brasília e com o sociólogo Celso

Rocha de Barros, colunista do jornal Folha de São Paulo e autor do livro PT Uma História.

Quarta-feira, 24 de maio.

Luiz, a CPI do MST surgiu na esteira da CPMI dos Atos Golpistas de Janeiro e eu queria

começar te pedindo para nos explicar como é que foi a movimentação para criar essa

comissão sobre as ocupações e invasões de terra e quais são as ações do movimento

sem terra que acabaram entrando na mira dos parlamentares de oposição.

A CPI do MST foi pensada pelos deputados bolsonaristas para desviar a atenção dos

atos golpistas de 8 de janeiro.

Esse é um fato que vai ser objeto de uma outra comissão de investigação aqui no

Congresso que deve ser instalada ainda nesta semana.

A invasão, a destruição do Supremo Tribunal Federal, da Câmara, do Senado e do Palácio

do Planalto.

A base governista fala que essa CPI, além de querer criminalizar o MST, é um palanque

político para um grupo de deputados bolsonaristas que perdeu a eleição em 2022 com a saída

do ex-presidente, incluindo o próprio relator, o deputado Ricardo Salles.

Mas a situação de Ricardo Salles à frente do Ministério do Meio Ambiente se tornou

muito frágil após as investigações que passou a enfrentar no Supremo Tribunal Federal

e antes disso já vinha se deteriorando com sua política ambiental de impactos negativos

internacionais para o Brasil.

A partir da investigação de Salles, a Amazônia teve o seu maior desmatamento desde 2008.

Segundo dados do INPE, em um ano, entre agosto de 2019 e julho de 2020, a devastação cresceu

9,5%.

Salles foi alvo de buscas da Polícia Federal na operação Aquanduba, que investiga exportação

ilegal de madeira.

A Polícia Federal suspeita de movimentações financeiras atípicas, como a de R$ 1,7 milhão

envolvendo o escritório de advocacia do qual o ex-ministro do Meio Ambiente é sócio,

junto com a mãe.

Já os deputados da bancada ruralista, os apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro,

dizem que a CPI surgiu com o aumento das ocupações da MST nesse ano.

O deputado Coronel Zucco, um bolsonarista declarado, que inclusive é investigado por

apoiar atos antidemocráticos, ele autorou o requerimento de criação dessa CPI e começou

a recolher as assinaturas no dia 8 de março.

O ex-ministro Alexandre de Moraes mandou a Polícia Federal retomar investigações

sobre o deputado federal tenente Coronel Zucco, do Republicanos.

Ele é suspeito de patrocinar e incentivar atos antidemocráticos contra o resultado

das eleições, quando ainda era deputado estadual pelo Rio Grande do Sul.

E em paralelo, outros dois deputados, o Quim Cataguiri e o Ricardo Salles, eles também

apresentaram propostas no mesmo sentido, em busca de assinaturas para criar essa CPI.

Uma reunião na frente parlamentar agropecuária, que reúne os deputados da bancada ruralista

toda terça-feira aqui em Brasília, foi feita a unificação dessas proposições e ficou

acertado que o requerimento do Zucco que ia encabeçar esses pedidos de CPI.

O Ricardo Salles, que tinha feito um outro requerimento para criar, ficou com a relatoria

e o Quim Cataguiri com a primeira vice-presidência.

Aí, a partir dessa reunião e essa coordenação da bancada ruralista, essa busca por assinaturas

deslanchou. O requerimento foi protocolado em 15 de março, menos de uma semana depois

do início da coleta de assinaturas. 172 assinaturas das 171 que eram necessárias.

E a maioria dessas 172 assinaturas de parlamentares do PL foram 76 apoios na bancada, seguida

por partidos do Centrão, como o PP.

Na outra ponta, tem os deputados do PT, inclusive três integrantes do MST, que o PT indicou,

e de partidos como o PCdoB, o PSOL e o PDT.

E todo esse movimento, pela coleta de assinaturas, contou com um aval do presidente da Câmara,

o deputado Arthur Lira.

A estratégia que o governo, que o Palácio do Planalto pensou para evitar a CPI do MST

não deu certo. E qual era essa estratégia? Empurrar com a barriga, demorar para indicar

os integrantes dos partidos governistas para inviabilizar a instalação dessa CPI.

Mas essa estratégia não deu certo porque dependia de um acordo com o Arthur Lira, com os partidos

do Centrão. Mas não aconteceu esse acordo. O governo tentou negociar com o Arthur Lira.

O Arthur Lira tem o primo dele ocupando a superintendência do INCRA no Alagoas.

O INCRA tem 29 superintendências. O governo trocou todas, que era uma pressão do MST.

Nenhuma. Justamente a do primo de Arthur Lira, que está na superintendência de Alagoas.

Inclusive tomou uma decisão, uma decisão política, de ler o requerimento de criação da CPI no plenário

e permitir que essa comissão fosse instalada depois. Os deputados governistas têm dito que essa CPI do MST

vai servir de termômetro para a CPI dos atos golpistas. Se os bolsonaristas esquentarem a CPI do MST,

um estímulo a um ambiente conflagrado contra o movimento, a base governista vai dar resposta

na CPI dos atos golpistas.

Agora, a desproporção em relação aos bolsonaristas para os governistas é muito grande.

Então, dos 27 assentos da CPI, os governistas têm só sete representantes.

Nessa supremacia bolsonarista na comissão parlamentar de inquérito, quais são as chances dos governistas

de evitarem pancadas muito fortes na CPI, Luiz?

Ó, com a minoria na CPI, principalmente presidente e relator, que são bolsonaristas declarados ali,

fica difícil para a base do governo segurar, de repente, um relatório que pede o indiciamento

de lideranças dos movimentos ou eventuais financiadores.

Agora, em relação aos requerimentos, à condução das votações, os deputados governistas estão dizendo

que eles têm um diálogo com o presidente e com o relator para aprovar os requerimentos dos dois lados,

com o objetivo de ouvir os principais envolvidos nesses episódios dos conflitos rurais que estão acontecendo.

Inclusive, se os requerimentos forem rejeitados, os deputados da base dizem que é mais uma prova

de instrumentalização dessa CPI, de que ela não teria, na verdade, o objetivo de investigar

essas supostas invasões, essas ocupações da MST, mas sim de servir de palanque.

Dentro desses acordos, para se aprovar, inclusive, dos dois lados os requerimentos,

sete dos quinze requerimentos que estão pautados para ser analisados nessa quarta-feira, inclusive,

foram apresentados por deputados governistas. Os próprios deputados da base apresentaram, por exemplo,

requerimento para ouvir o ministro do Desenvolvimento Agrário, Paulo Teixeira,

e também o presidente do INCRA, o César Aldrima.

Agora, a CPI do MST começou a funcionar, efetivamente, na terça-feira,

que é a data em que nós estamos conversando, e só na primeira sessão já teve tapa na mesa,

bate-boca, microfone cortado. O que a gente pode esperar dessa CPI?

Quais são os próximos passos? Porque você citou a aprovação de requerimentos de convocação.

O que você tem ouvido no Congresso, em particular na Câmara dos Deputados,

é de uma CPI feita para investigar alguma coisa ou é uma CPI feita para dar palanque

aos bolsonaristas que comandam a comissão? Há exemplo de Ricardo Salles, que é o relator

e que tem pretensões de disputar a Prefeitura de São Paulo e ganhar destaque com a condução da CPI.

O primeiro dia de funcionamento, de fato, da CPI ficou marcado por um clima tenso,

muitas acusações, bate-bocas. A deputada Talina Petroni do PSOL, por exemplo,

ela lembrou de investigações da Polícia Federal contra o relator Ricardo Salles

e o deputado disse que vai representar no Conselho de Ética.

Em um outro momento, o delegado Ledermaul, ele chamou o MST de movimento de marginais, bandidos,

e foi quando o deputado Valmira Assumpção, do PT, inclusive ligado ao MST,

disse que não ia aceitar a declaração e deu tapas na mesa, dizendo que era um deputado como todo mundo ali.

Deputado, o senhor já falou.

Sobre os primeiros passos, o próprio relator falou que pretendia ir primeiro nos estados,

onde ocorreram essas ocupações do MST, para ouvir os governadores e pedir documentos

para a Polícia Militar, Polícia Civil. O que a gente tem ouvido, o que a gente tem percebido

é que, na verdade, vai servir, sim, de palanque para os deputados bolsonaristas.

E que até a intenção de ouvir ministros, por exemplo, Flávio Dino, de ouvir ministros do governo,

vão nesse sentido de tentar levar para frente uma narrativa bolsonarista

do que vem ocorrendo nas ocupações de terras pelo país.

Luiz, muito obrigada pela participação. Eu sei que você vai ficar de olho,

cobrir diariamente a Comissão Parlamentar de Inquérito,

então eu tenho uma leve intuição que a gente vai voltar a se falar algumas outras vezes aqui no assunto.

Muito obrigada.

Perfeito, muito obrigado, Neto.

Espera um pouquinho que eu já volto para falar com o Celso Rocha de Barros.

Bom, Celso, o governo tentou empurrar essa Comissão Parlamentar de Inquérito com a barriga,

de toda forma. Tentou evitar que ela, primeiro, fosse criada, depois que ela fosse instalada

e que começasse a funcionar. Mas o fato é que já começou.

Mas eu queria tentar entender o que esse processo que vai desde a criação

até o início do funcionamento diz sobre a articulação do governo.

A criação da CPI do MST foi uma derrota para o governo, sem dúvida.

Porque, por um lado, você poderia pensar assim, ah, está tendo CPI do MST

porque esse congresso é o mais conservador da Nova República.

E pode ser que isso seja um fator que explique isso.

Só que, assim, gente que não gosta do MST sempre esteve no congresso.

A bancada ruralista sempre foi muito forte. Se eles quisessem fazer isso todo dia, fariam.

Então, por que só virou CPI agora? Basicamente porque o Centrão deixou.

E o Centrão deixou como forma de exercer pressão sobre o governo Lula,

sobretudo para que o governo acelere a liberação de emendas.

A criação da CPI é uma demonstração de força da Artulheira e do Centrão

e da maioria do congresso para que o governo ceda mais nas negociações com os parlamentares.

Acho que esse é um diagnóstico bastante preciso.

Os governistas têm dito que essa CPI pode ser usada só para fazer barulho contra o governo.

E aí eu te pergunto, Celso, como é que você vê isso?

Porque eu já vi avaliações de a CPI sendo usada como palco para a extrema direita.

Qual é o tamanho da dor de cabeça para o governo?

E como você imagina que vai ser a utilização dessa CPI?

Então, a CPI do MST poderia ser uma excelente oportunidade para a gente discutir

o que quer dizer a reforma agrária hoje, qual a situação dessas propriedades que o MST ocupa,

qual a relação do agronegócio com os pequenos produtores, enfim, inclusive os assentados do MST.

Mas sejamos honestos, não vai acontecer nada disso.

As perspectivas de um diálogo civilizado nessa CPI são muito, muito baixas.

Pelo que a gente já viu até agora, pelos depoimentos do pessoal da CPI,

tudo indica que os deputados bolsonaristas vão usar a CPI do MST para ganhar visibilidade,

uma visibilidade que eles não tinham conseguido até agora com essa situação no Congresso.

E até aí é jogo jogado.

É absolutamente normal que a oposição utilize CPIs para aparecer, para divulgar suas críticas ao governo,

para divulgar suas bandeiras, etc.

A direita sempre fez isso nos outros governos do PT e o PT sempre fez isso nos governos de direita.

Só que nesse caso específico tem um risco sério que a gente tem que levar em conta.

O risco é promover e dar visibilidade para a gente bolsonarista que provavelmente será investigada na outra CPI,

a CPI do golpe de 8 de janeiro.

Se esses bolsonaristas que podem ser investigados na outra CPI usarem a CPI do MST para se blindar,

para conseguir apoio do agronegócio, numa tentativa de conseguir uma anistia,

de conseguir evitar uma punição, isso vai ser muito ruim.

Eu acho que é isso que eles vão tentar fazer e isso aí já não é do jogo, isso aí já não é normal.

Queria entrar com você numa outra seara que é a relação entre o PT e o MST.

Uma relação que é uma relação histórica, mas que não está nos seus melhores dias.

O ministro Paulo Teixeira, do desenvolvimento agrário, chegou a dizer que as recentes invasões estressaram a relação.

O ministro Carlos Fávaro da agricultura, que é de uma área que tem ali fricções com o MST,

já disse que não vai defender invasões no campo.

O João Pedro Stedley, que é um dos líderes do MST,

criticou o governo Lula pela lentidão em medidas no sentido da reforma agrária e disse que vai aumentar a pressão no campo.

Marcel, se eu te pergunto, como é que está na sua avaliação essa relação?

E como essa relação, que não está num bom momento, deve caminhar a partir de agora com a CPI em funcionamento?

Essa relação já teve várias idas e voltas, momentos de maior proximidade e momentos de maior separação.

O PT e o MST têm muitas semelhanças de família, têm muitas coisas que são parecidas na sua origem,

em especial uma origem fortemente influenciada pelo catolicismo de esquerda.

A pastoral operária foi muito importante nas greves da BC e a pastoral da terra é absolutamente central na história do MST.

Mas o PT e o MST não são tão próximos, por exemplo, quanto o PT e a CUT.

A CUT foi fundada quase que pelas mesmas pessoas que fundaram o PT.

O MST também, na sua origem, mantinha relações com outros partidos.

No Rio de Janeiro, por exemplo, boa parte do trabalho de fundação do MST foi feito pelos brisolistas.

O PSB ajudou a fundar o MST em outros lugares, enfim.

Mas, em geral, o PT e o MST nos anos 80 convergiam na defesa da reforma agrária e num programa mais ou menos semelhante.

Com o tempo tem uma mudança que ocorre, dependendo do economista que você leia,

ou no meio da década de 80 ou no começo da década de 90, que é o começo da desindustrialização brasileira.

E isso muda a dinâmica do PT com o MST.

O PT foi fundado, sobretudo, no meio urbano e pelos setores mais modernos da economia brasileira.

Então, os metalúrgicos da BC eram o setor da classe operária mais moderno, mais qualificado, um dos mais bem remunerados, inclusive.

Já o MST surgiu justamente em áreas de conflitos de terra, áreas não necessariamente mais atrasadas, mas, enfim, não modernas ainda.

Quando a industrialização começa a andar para trás, o que acontece?

Os sindicatos que fundaram o PT e eram fundamentais para a seleção de seus dirigentes, etc., começam a ter muitas dificuldades.

Agora, esses mesmos processos fizeram crescer o número de excluídos no campo e nas periferias.

O agronegócio se mecanizou e dispensou a mão de obra, mas agora não tinha mais uma indústria em expansão para absorver esses trabalhadores.

Ao invés de seguir o exemplo da família do Lula e vir para o ABC paulista fundar o PT e a CUT,

essas pessoas ficaram no campo ou nas periferias das grandes cidades e entraram para o MST.

Falta uma verdadeira reforma agrária, que de fato até hoje, no nosso país, o latifúndio é quem tem mandado.

Mas os sem terra estão aí para mostrar outra realidade e confrontar o latifúndio, o agronegócio, e nós queremos de fato uma verdadeira reforma agrária nesse país.

Então, ao mesmo tempo que o PT e a CUT passaram a ter dificuldade com seus sindicatos urbanos,

o público impotencial do MST, que não encontra lugar nem no campo nem na cidade, foi crescendo.

Isso quer dizer que nos anos 90, o MST viveu uma espécie de auge de influência, um período de grande fortalecimento deles.

E o PT vai apoiando o MST na maioria das questões.

Só que mais ou menos do meio para o final da década, o PT acelera um processo de moderação que já vinha vindo,

e o MST não acompanha, muito pelo contrário, o MST até dá uma radicalizada.

E o auge dessa tensão é quando o MST ocupa a fazenda do Fernando Henrique Cardoso, que era presidente da República.

Um ato bastante radical, que eu conheço gente da esquerda do PT que diz que aquilo foi uma provocação completamente desnecessária, um erro grosseiro.

O número de invasões, ocupações, tem gente que chama de invasões ou ocupações, que aconteceram nos últimos anos.

No período FHC, foram mais de 2.400.

Nos anos de Lula, nos dois primeiros mandatos, quase 2.000.

Aí Dilma diminuiu para 912, despencou em Temer, no governo de Temer, 111.

Bolsonaro chegou a 62 invasões.

Só que nessa época o MST está tão forte, que começa a correr o boato entre os dirigentes petistas, que o MST vai fundar seu próprio partido.

Seria um partido mais de esquerda do que o PT.

Quando eu escrevi meu livro sobre o PT, eu perguntei isso para o Stedley.

E ele negou veementemente.

Agora, mesmo se for boato, mostra que o pessoal do PT andou meio cabreiro com a possibilidade de ter uma concorrência do MST como partido.

Mas o fato é que para a imagem externa, para um público externo, essas divisões e esse...

Até ciúme, né? De em algum momento da vida o MST cogitar essa possibilidade de virar um partido e, portanto, concorrente no campo da esquerda.

Para o público externo, muitas vezes são como se fossem uma coisa só, né?

E você nos explica que não.

E aí eu queria entender isso aos olhos do agronegócio, por exemplo.

Porque o MST é sempre usado por lideranças parlamentares que são da bancada do agronegócio como uma espécie de deficiência do partido dos trabalhadores.

Olha, não confiem não vocês do agronegócio no governo, porque o governo é muito próximo ao MST.

Então, em que medida essas encrencas internas não chegaram para o público externo?

Não chegaram. Você tem toda a razão.

Para a maior parte do público parece que eles são a mesma coisa.

Parece que o MST é uma espécie de exército que o PT usa quando quer brigar, etc.

E não é isso não.

O MST resolve brigar pelos seus próprios motivos e briga por ele.

E a melhor coisa vale para o PT.

Trago essa mensagem também do presidente Lula.

Se nós repudiamos os atos de 8 de janeiro na invasão do Congresso Nacional, temos que repudiar também os atos de invasão de terra privada produtiva.

Não é assim que se constrói uma nação soberana que cumpre as leis e respeite o direito individual.

Agora, tem tensões, né?

Porque o PT basicamente se consolidou como um partido em moldes tradicionais, um partido social-democrata, de centro-esquerda, enfim, como se quiser chamar, com base nos sindicatos.

Mas que disputa institucionalmente.

E o MST adota como principal estratégia a ocupação, que é uma estratégia baseada em desobediência civil, no fundo.

É uma estratégia de contestação da propriedade.

E o pessoal do campo se exaspera com isso, né?

Exatamente.

E deve-se dizer, a maior parte do campo brasileiro não é área de conflito de terra.

Longe de me defender toda e qualquer ocupação que o MST já tenha feito na vida,

mas a maior parte da atuação costuma ser em áreas onde tem contestações, onde tem conflitos históricos sobre quem é dono daquilo.

Por exemplo, teve uma dessas últimas invasões agora de abril,

teve uma em Pernambuco, que foi numa usina de açúcar que já tinha sido desapropriada pelo governo de Pernambuco.

Abril é um mês importante, simbólico para o MST,

porque foi no mês de abril em que houve o massacre de Eldorado dos Carajás, no Pará.

Sempre que chega o mês de abril, o MST prepara uma jornada de mobilizações e esse ano não foi diferente.

E agora, esse novo episódio, a presença de João Pedro Stedger na comitiva presidencial na China,

incomodou muito os ruralistas, porque ele é tratado como um adversário do agronegócio.

Mas, sem dúvida nenhuma, o PT é mesmo próximo do MST, mesmo eles não sendo a mesma coisa,

mesmo eles tendo escolhido caminhos diferentes em vários momentos.

E isso cria mesmo uma tensão do governo com o agronegócio.

Agora, você acha que essa tensão aumenta com a CPI ou ela tende a ficar na mesma toada?

Em primeiro lugar, deve-se dizer que nos dois primeiros governos Lula, ele conseguiu administrar esse problema.

Teve, praticamente, pouquíssima tensão aberta.

Deve-se lembrar também uma coisa sobre o MST.

Boa parte dos sem terra assentou, já conseguiu virar pequeno produtor.

E esse é um ponto importante.

Então, esses pequenos produtores não estão interessados em radicalizar.

Eles querem o mesmo tipo de coisa que os outros agricultores também querem.

Querem políticas de crédito, querem infraestrutura para escoar sua produção, coisas assim.

Então, se você pegar os governos do PT anteriores, o que eles conseguiram estabelecer de diálogo é que, no fundo,

ele ofereceu crédito tanto para o agronegócio quanto para os assentados do MST.

Ofereceu diversas políticas públicas voltadas para o bem-estar deles, para desenvolver os assentamentos, etc.

E eu acho que o Lula vai tentar fazer exatamente a mesma coisa nesse governo.

E eu acho que se ele conseguir desenhar políticas bem boladas para os dois setores, ele leva isso até o fim do mandato sem maiores problemas.

Agora, o que eu acho absolutamente provável é que a CPI do MST vai piorar essa situação.

Quer dizer, vai aumentar a polarização política brasileira.

Faz sentido. Faz sentido o que você está dizendo.

Celso, muito obrigada pelos esclarecimentos. É sempre um prazer receber você aqui no Assunto.

Eu que agradeço, Natuza. É sempre um prazer. Me chame quando quiser.

Este foi o Assunto, podcast diário disponível no G1, no Globoplay ou na sua plataforma de áudio preferida.

Vale a pena seguir o podcast na Amazon ou no Spotify, assinar no Apple Podcasts, se inscrever no Google Podcasts ou no Castbox e favoritar na Deezer.

Assim você recebe uma notificação sempre que tiver um novo episódio.

Comigo na equipe do Assunto estão Monica Mariotti, Amanda Polato, Thiago Aguiar, Luiz Felipe Silva, Thiago Kazurowski, Gabriel de Campos, Nayara Fernandes e Guilherme Romero.

Eu sou Natuzaneri e fico por aqui. Até o próximo assunto.

Legendas pela comunidade Amara.org