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Gloss Brazilian Portuguese Level 3, Experimento científico testa limites éticos

Experimento científico testa limites éticos

Experimento com embriões humanos reacende debate sobre limites éticos

RIO - A divulgação formal do primeiro experimento de manipulação do genoma de embriões humanos nos Estados Unidos para cura de uma doença hereditária, relatado ontem em artigo publicado na prestigiada revista científica “Nature”, reacendeu o debate em torno dos limites éticos para estas pesquisas e as possíveis aplicações futuras de seus resultados. Na polêmica experiência, cujas primeiras informações vazaram na semana passada, cientistas liderados pelo geneticista Shoukhrat Mitalipov, da Universidade de Saúde e Ciências do Oregon (OHSU, na sigla em inglês), usaram uma ferramenta de edição genética conhecida como CRISPR-Cas9 para reparar uma mutação apontada como responsável por cerca de 40% dos casos de cardiomiopatia hipertrófica, doença que afeta uma em cada 500 pessoas e pode levar à insuficiência cardíaca e à chamada “morte súbita”.

No caso, os cientistas conseguiram fazer com que o gene mutante MYBPC3 presente no espermatozoide fosse substituído por uma versão normal após a fecundação do óvulo. No grupo de controle, 47,4% dos embriões gerados por técnicas tradicionais de fertilização in vitro (FIV) não apresentaram a cópia mutante do gene. Já com o uso do método de edição genética, 42 de 58 embriões, ou 72,4%, se mostraram sadios. Casais em que um dos parceiros carregue a mutação genética têm 50% de chances de passar o problema para os filhos. Atualmente, a única opção que eles têm para evitar isso é o chamado diagnóstico genético pré-implantacional (PGD, na sigla em inglês), em que os embriões produzidos pelas técnicas de FIV são analisados e só os que não tenham o defeito são selecionados para serem transferidos para o útero das mães.

— Todas as gerações seguintes poderão carregar essa correção porque removemos a variante genética que causa a doença da linhagem da família — explicou Mitalipov, que dirige o Centro para Células Embrionárias e Terapia Genética na OHSU. — Usando essa técnica é possível reduzir a prevalência dessa doença hereditária em famílias e, eventualmente, na população humana.

Mitalipov pôde realizar o experimento nos EUA graças a uma revisão recente das regulamentações sobre a questão no país. Em fevereiro deste ano, um comitê internacional de especialistas em ciência, medicina e ética convocado pelas academias nacionais de Ciências e Medicina dos EUA (NAS e NAM, respectivamente, nas siglas em inglês) concluiu relatório em que prevê o uso de ferramentas de edição genética para correção de defeitos em embriões, óvulos e esperma humanos de forma a evitar o desenvolvimento de doenças hereditárias, abrindo caminho para este tipo de estudos. Mas testes clínicos, com a implantação dos embriões no útero de mulheres, permitindo que eles se desenvolvam a termo, ainda são proibidos.

No Brasil, por sua vez, a legislação veta qualquer experimento que envolva a manipulação genética de embriões humanos. Promulgada em 2005, a Lei de Biossegurança (11.105/2005) proíbe em seu artigo 6, inciso III, a “engenharia genética em célula germinal humana, zigoto humano e embrião humano”. E, pelo menos por enquanto, não há expectativa de que ela venha a ser alterada, destacam especialistas.

— O Brasil ainda está na Idade da Pedra em termos de legislação de biossegurança — afirma Volnei Garrafa, coordenador do Programa de Pós-Graduação em Bioética da UnB e integrante do Comitê Internacional de Bioética da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), para quem é preciso separar as pesquisas básicas neste campo de suas possíveis aplicações. — Claro que tem que haver uma supervisão ética do desenvolvimento destas pesquisas básicas, mas o que os países têm que prever e ter são mecanismos de controle das aplicações destas novidades para evitar repercussões negativas no futuro para a própria espécie humana, não só com legislação como com organismos de fiscalização. Mas, com o perfil conservador do Congresso que temos, só muito tardiamente avanços como o deste experimento trarão qualquer possibilidade de mudança na legislação.

Já para Regina Parizi, presidente da Sociedade Brasileira de Bioética, as pesquisas em torno do uso do método CRISPR-Cas9 para edição genética em geral, e não só do genoma de embriões humanos, ainda estão muito no início para se contemplar a possibilidade de alterações na legislação brasileira. Segundo ela, este tipo de desenvolvimento deve ser discutido com a sociedade em um âmbito global, já que suas repercussões também podem ser globais.

— Nossa posição é que deve-se permitir à ciência se desenvolver, mas com transparência, cuidado e cautela para não prejudicar as pessoas — diz, lembrando que a manipulação do genoma humano envolve dois aspectos. — O primeiro é buscar corrigir defeitos e diminuir o sofrimento humano, como nesta pesquisa nos EUA. A ciência está aí para isso e esta deve ser a prioridade. Mas o outro lado do debate é o melhoramento humano, como conferir mais força, velocidade e inteligência a uma pessoa. O mundo já tem muitas desigualdades socioeconômicas que geram seres humanos que por tantas carências e necessidades ficam mais que vulneráveis, extremamente fragilizados. E acrescentar a isso a desigualdade biológica é demais. Desenvolver processos que tornem pessoas biologicamente superiores a outras é impensável, é um limite que, no momento, não deve ser ultrapassado.

Não que o experimento nos EUA faça disso uma ficção próxima a se tornar realidade. Sua grande diferença para estudos anteriores do tipo realizados na China e na Suécia, onde eles também estão liberados, foi usar injetar a ferramenta de edição genética no óvulo junto com o espermatozoide e, dessa forma, alterar o DNA paterno antes do início da divisão celular. Isso fez com que a mutação fosse corrigida em todas as células, evitando assim o chamado mosaicismo, em que a correção é feita em apenas algumas das células do embrião, enquanto outras mantêm a mutação, como ocorreu nas pesquisas de chineses e suecos, em que a CRISPR-Cas9 foi usada em embriões já formados.

Também chamou atenção na experiência nos EUA melhorias no desenho da ferramenta que preveniram as chamadas edições “off-target”, em que ela altera não só a sequência desejada como outras parecidas no genoma dos embriões.

Isto depende muito da mutação, mas a ferramenta que desenhamos era muito específica para esta mutação em particular — explicou Jun Wu, pesquisador do Instituto Salk, na Califórnia, responsável pelo desenho e otimização da ferramenta usada no experimento americano.

As possíveis aplicações da técnica, no entanto, não se restringem ao gene MYBPC3. Mais de 10 mil desordens hereditárias afetando milhões de pessoas em todo o mundo e relacionadas a apenas um gene já foram identificadas. Entre elas estão alguns tipos de câncer de mama e de ovário, relacionados com os genes BRCA1 e BRCA2. E como algumas dessas doenças muitas vezes se manifestam na idade adulta, essas mutações escapam da seleção natural e são transmitidas de geração em geração.

Nós precisamos traçar uma linha. As agências reguladoras precisam decidir que doenças podemos tratar e até onde podemos ir — concluiu Mitalipov.


Experimento científico testa limites éticos Scientific experiment tests ethical limits

**Experimento com embriões humanos reacende debate sobre limites éticos**

RIO - A divulgação formal do primeiro experimento de manipulação do genoma de embriões humanos nos Estados Unidos para cura de uma doença hereditária, relatado ontem em artigo publicado na prestigiada revista científica “Nature”, reacendeu o debate em torno dos limites éticos para estas pesquisas e as possíveis aplicações futuras de seus resultados. Na polêmica experiência, cujas primeiras informações vazaram na semana passada, cientistas liderados pelo geneticista Shoukhrat Mitalipov, da Universidade de Saúde e Ciências do Oregon (OHSU, na sigla em inglês), usaram uma ferramenta de edição genética conhecida como CRISPR-Cas9 para reparar uma mutação apontada como responsável por cerca de 40% dos casos de cardiomiopatia hipertrófica, doença que afeta uma em cada 500 pessoas e pode levar à insuficiência cardíaca e à chamada “morte súbita”.

No caso, os cientistas conseguiram fazer com que o gene mutante MYBPC3 presente no espermatozoide fosse substituído por uma versão normal após a fecundação do óvulo. No grupo de controle, 47,4% dos embriões gerados por técnicas tradicionais de fertilização in vitro (FIV) não apresentaram a cópia mutante do gene. Já com o uso do método de edição genética, 42 de 58 embriões, ou 72,4%, se mostraram sadios. Casais em que um dos parceiros carregue a mutação genética têm 50% de chances de passar o problema para os filhos. Atualmente, a única opção que eles têm para evitar isso é o chamado diagnóstico genético pré-implantacional (PGD, na sigla em inglês), em que os embriões produzidos pelas técnicas de FIV são analisados e só os que não tenham o defeito são selecionados para serem transferidos para o útero das mães.

— Todas as gerações seguintes poderão carregar essa correção porque removemos a variante genética que causa a doença da linhagem da família — explicou Mitalipov, que dirige o Centro para Células Embrionárias e Terapia Genética na OHSU. — Usando essa técnica é possível reduzir a prevalência dessa doença hereditária em famílias e, eventualmente, na população humana.

Mitalipov pôde realizar o experimento nos EUA graças a uma revisão recente das regulamentações sobre a questão no país. Em fevereiro deste ano, um comitê internacional de especialistas em ciência, medicina e ética convocado pelas academias nacionais de Ciências e Medicina dos EUA (NAS e NAM, respectivamente, nas siglas em inglês) concluiu relatório em que prevê o uso de ferramentas de edição genética para correção de defeitos em embriões, óvulos e esperma humanos de forma a evitar o desenvolvimento de doenças hereditárias, abrindo caminho para este tipo de estudos. Mas testes clínicos, com a implantação dos embriões no útero de mulheres, permitindo que eles se desenvolvam a termo, ainda são proibidos.

No Brasil, por sua vez, a legislação veta qualquer experimento que envolva a manipulação genética de embriões humanos. Promulgada em 2005, a Lei de Biossegurança (11.105/2005) proíbe em seu artigo 6, inciso III, a “engenharia genética em célula germinal humana, zigoto humano e embrião humano”. E, pelo menos por enquanto, não há expectativa de que ela venha a ser alterada, destacam especialistas.

— O Brasil ainda está na Idade da Pedra em termos de legislação de biossegurança — afirma Volnei Garrafa, coordenador do Programa de Pós-Graduação em Bioética da UnB e integrante do Comitê Internacional de Bioética da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), para quem é preciso separar as pesquisas básicas neste campo de suas possíveis aplicações. — Claro que tem que haver uma supervisão ética do desenvolvimento destas pesquisas básicas, mas o que os países têm que prever e ter são mecanismos de controle das aplicações destas novidades para evitar repercussões negativas no futuro para a própria espécie humana, não só com legislação como com organismos de fiscalização. Mas, com o perfil conservador do Congresso que temos, só muito tardiamente avanços como o deste experimento trarão qualquer possibilidade de mudança na legislação.

Já para Regina Parizi, presidente da Sociedade Brasileira de Bioética, as pesquisas em torno do uso do método CRISPR-Cas9 para edição genética em geral, e não só do genoma de embriões humanos, ainda estão muito no início para se contemplar a possibilidade de alterações na legislação brasileira. Segundo ela, este tipo de desenvolvimento deve ser discutido com a sociedade em um âmbito global, já que suas repercussões também podem ser globais.

— Nossa posição é que deve-se permitir à ciência se desenvolver, mas com transparência, cuidado e cautela para não prejudicar as pessoas — diz, lembrando que a manipulação do genoma humano envolve dois aspectos. — O primeiro é buscar corrigir defeitos e diminuir o sofrimento humano, como nesta pesquisa nos EUA. A ciência está aí para isso e esta deve ser a prioridade. Mas o outro lado do debate é o melhoramento humano, como conferir mais força, velocidade e inteligência a uma pessoa. O mundo já tem muitas desigualdades socioeconômicas que geram seres humanos que por tantas carências e necessidades ficam mais que vulneráveis, extremamente fragilizados. E acrescentar a isso a desigualdade biológica é demais. Desenvolver processos que tornem pessoas biologicamente superiores a outras é impensável, é um limite que, no momento, não deve ser ultrapassado.

Não que o experimento nos EUA faça disso uma ficção próxima a se tornar realidade. Sua grande diferença para estudos anteriores do tipo realizados na China e na Suécia, onde eles também estão liberados, foi usar injetar a ferramenta de edição genética no óvulo junto com o espermatozoide e, dessa forma, alterar o DNA paterno antes do início da divisão celular. Isso fez com que a mutação fosse corrigida em todas as células, evitando assim o chamado mosaicismo, em que a correção é feita em apenas algumas das células do embrião, enquanto outras mantêm a mutação, como ocorreu nas pesquisas de chineses e suecos, em que a CRISPR-Cas9 foi usada em embriões já formados.

Também chamou atenção na experiência nos EUA melhorias no desenho da ferramenta que preveniram as chamadas edições “off-target”, em que ela altera não só a sequência desejada como outras parecidas no genoma dos embriões.

Isto depende muito da mutação, mas a ferramenta que desenhamos era muito específica para esta mutação em particular — explicou Jun Wu, pesquisador do Instituto Salk, na Califórnia, responsável pelo desenho e otimização da ferramenta usada no experimento americano.

As possíveis aplicações da técnica, no entanto, não se restringem ao gene MYBPC3. Mais de 10 mil desordens hereditárias afetando milhões de pessoas em todo o mundo e relacionadas a apenas um gene já foram identificadas. Entre elas estão alguns tipos de câncer de mama e de ovário, relacionados com os genes BRCA1 e BRCA2. E como algumas dessas doenças muitas vezes se manifestam na idade adulta, essas mutações escapam da seleção natural e são transmitidas de geração em geração.

Nós precisamos traçar uma linha. As agências reguladoras precisam decidir que doenças podemos tratar e até onde podemos ir — concluiu Mitalipov.