×

Мы используем cookie-файлы, чтобы сделать работу LingQ лучше. Находясь на нашем сайте, вы соглашаетесь на наши правила обработки файлов «cookie».


image

Gloss Brazilian Portuguese Level 3, Debate sobre sustentabilidade

Debate sobre sustentabilidade

(1) Quando você estiver lendo esse texto, eu estarei no caminho de volta de uma longa viagem que começou na terça-feira dia 3. Às 7h da manhã, embarquei num voo, depois em outro e ainda em outro. A viagem só terminou na manhã da quarta-feira (dia 4), quando o barco me deixou numa das oito ilhas que formam o Arquipélago de Bailique, no Amapá, quase Guiana Francesa. É um mergulho num mundo onde a internet não chega, nem mesmo o celular. Um mundo que ainda oferece espaço para morar – ao todo, o arquipélago tem cerca de sete mil moradores – mesmo que não seja sob o signo do conforto que a cidade grande entende. Um espaço cercado por uma das maiores reservas de riquezas naturais do planeta, o bioma Amazônico.

(2) É justamente por conta disso que a Rede GTA (Grupo de Trabalho Amazônico), formada por organizações ambientalistas, decidiu investir na formação daqueles moradores. Dito assim, pode parecer pernóstico, abusado. Mas, quando se sabe que grandes empresas, ao chegarem a lugares recônditos para espalhar sua produção, precisam negociar sob bases que envolvem conhecimentos da biodiversidade, sociobiodiversidade, desenvolvimento sustentável etc., a iniciativa parece perfeita. Afinal, se há o que falta ali para os moradores é a informação, que para nós é tão abundante.

(3) É preciso desmitificar, essa é a palavra. O contato com pessoas que veem de um mundo diferente, mais rico, pode criar embaraços, talvez até, no pior dos mundos, os moradores se sintam numa situação inferior. Arestas que só são aparadas com informação de qualidade. É preciso cuidar de quem mora tão perto dos recursos naturais, sobretudo porque são essas pessoas que vão ajudar a promover o que chamamos de desenvolvimento sustentável.

(4) Antes de ir, conversei um tanto com o professor Jose Drummond, do Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília e falamos sobre esse conceito, já tão gasto. O professor vem sentindo, nos últimos 4, 5 anos, um mal-estar, em vários meios, com o uso da expressão. Para ele, os encontros que a ex-primeira-ministra da Noruega Gro Brundtland coordenou de 1984 a 1987, com representantes de 21 países, a partir dos quais foi criado o documento “Nosso Futuro Comum” tiveram como resultado um texto bem genérico.

(5) “O Relatório Brundtland faz parte daqueles documentos onde se tem a autoria diluída. Quero sempre saber quem escreveu e quem se responsabiliza pelo que está escrito em qualquer documento. Nesse tipo de documento, todo mundo tem direito de veto: se alguém diz “não” a alguma coisa, tira-se imediatamente aquilo do texto e pronto. No final, ele se resume a conselhos genéricos quanto a atitudes de prudência”, diz o professor.

(6) A agenda ambiental contemporânea, no entender de Drummond, foi construída quase integralmente por cientistas filiados às ciências naturais ou tecnológicas. O conceito de sustentabilidade, ensina-me ele, vem de capacidade de carga. No texto “A primazia dos cientistas naturais”, o professor lembra que o “A dictionary of ecology”, da Oxford University Press, diz que este conceito trata da “população máxima de um determinado organismo que pode ser sustentado por um ambiente particular”. Em outras fontes há outras explicações: “população limite de uma espécie num sistema natural” ou a “densidade populacional que pode ser sustentada por recursos limitados”.

(7) Drummond se preocupa em ressaltar sempre que cientistas naturais pioneiros já se preocupavam, cerca de quarenta anos antes de o Relatório Brundtland ser criado, com questões ecológicas e ambientais relacionadas aos seres humanos. E lembra que, quando acoplada essa visão da sustentabilidade a qualquer conceito de desenvolvimento que implica no crescimento da população, ele não funciona. “A natureza não se desenvolve como um aparelho econômico”, diz ele. A população vai exercer cada vez mais pressão sobre a natureza, alerta Drummond: “É uma regra de três que não fecha”.

(8) Gosto dessa discussão. Na página que mantém na internet, o professor ilustra bem mais profundamente o que pincelei rapidamente aqui nesse texto.

(9) Penso que será especialmente interessante lembrar-me dessa questão quando eu estiver em Bailique. É bom ouvir uma voz dissonante sobre o Relatório Brundtland que, de fato, priorizou acima de tudo o desenvolvimento econômico. No arquipélago, a ideia é reunir-me com os líderes das comunidades para ouvir, de quem vive o dia a dia, informações sobre territórios, recursos naturais, mapa de reprodução dos recursos, regras de usos etc. Vou conversar muito, ouvir muito, para poder construir textos.

(10) Pretendo escrever bastante, uma série, que oferecerei a vocês como descanso, entre uma e outra partida de futebol. Até quarta-feira!


Debate sobre sustentabilidade

(1) Quando você estiver lendo esse texto, eu estarei no caminho de volta de uma longa viagem que começou na terça-feira dia 3. Às 7h da manhã, embarquei num voo, depois em outro e ainda em outro. A viagem só terminou na manhã da quarta-feira (dia 4), quando o barco me deixou numa das oito ilhas que formam o Arquipélago de Bailique, no Amapá, quase Guiana Francesa. É um mergulho num mundo onde a internet não chega, nem mesmo o celular. Um mundo que ainda oferece espaço para morar – ao todo, o arquipélago tem cerca de sete mil moradores – mesmo que não seja sob o signo do conforto que a cidade grande entende. Um espaço cercado por uma das maiores reservas de riquezas naturais do planeta, o bioma Amazônico.

(2) É justamente por conta disso que a Rede GTA (Grupo de Trabalho Amazônico), formada por organizações ambientalistas, decidiu investir na formação daqueles moradores. Dito assim, pode parecer pernóstico, abusado. Mas, quando se sabe que grandes empresas, ao chegarem a lugares recônditos para espalhar sua produção, precisam negociar sob bases que envolvem conhecimentos da biodiversidade, sociobiodiversidade, desenvolvimento sustentável etc., a iniciativa parece perfeita. Afinal, se há o que falta ali para os moradores é a informação, que para nós é tão abundante.

(3) É preciso desmitificar, essa é a palavra. O contato com pessoas que veem de um mundo diferente, mais rico, pode criar embaraços, talvez até, no pior dos mundos, os moradores se sintam numa situação inferior. Arestas que só são aparadas com informação de qualidade. É preciso cuidar de quem mora tão perto dos recursos naturais, sobretudo porque são essas pessoas que vão ajudar a promover o que chamamos de desenvolvimento sustentável.

(4) Antes de ir, conversei um tanto com o professor Jose Drummond, do Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília e falamos sobre esse conceito, já tão gasto. O professor vem sentindo, nos últimos 4, 5 anos, um mal-estar, em vários meios, com o uso da expressão. Para ele, os encontros que a ex-primeira-ministra da Noruega Gro Brundtland coordenou de 1984 a 1987, com representantes de 21 países, a partir dos quais foi criado o documento “Nosso Futuro Comum” tiveram como resultado um texto bem genérico.

(5) “O Relatório Brundtland faz parte daqueles documentos onde se tem a autoria diluída. Quero sempre saber quem escreveu e quem se responsabiliza pelo que está escrito em qualquer documento. Nesse tipo de documento, todo mundo tem direito de veto: se alguém diz “não” a alguma coisa, tira-se imediatamente aquilo do texto e pronto. No final, ele se resume a conselhos genéricos quanto a atitudes de prudência”, diz o professor.

(6) A agenda ambiental contemporânea, no entender de Drummond, foi construída quase integralmente por cientistas filiados às ciências naturais ou tecnológicas. O conceito de sustentabilidade, ensina-me ele, vem de capacidade de carga. No texto “A primazia dos cientistas naturais”, o professor lembra que o “A dictionary of ecology”, da Oxford University Press, diz que este conceito trata da “população máxima de um determinado organismo que pode ser sustentado por um ambiente particular”. Em outras fontes há outras explicações: “população limite de uma espécie num sistema natural” ou a “densidade populacional que pode ser sustentada por recursos limitados”.

(7) Drummond se preocupa em ressaltar sempre que cientistas naturais pioneiros já se preocupavam, cerca de quarenta anos antes de o Relatório Brundtland ser criado, com questões ecológicas e ambientais relacionadas aos seres humanos. E lembra que, quando acoplada essa visão da sustentabilidade a qualquer conceito de desenvolvimento que implica no crescimento da população, ele não funciona. “A natureza não se desenvolve como um aparelho econômico”, diz ele. A população vai exercer cada vez mais pressão sobre a natureza, alerta Drummond: “É uma regra de três que não fecha”.

(8) Gosto dessa discussão. Na página que mantém na internet, o professor ilustra bem mais profundamente o que pincelei rapidamente aqui nesse texto.

(9) Penso que será especialmente interessante lembrar-me dessa questão quando eu estiver em Bailique. É bom ouvir uma voz dissonante sobre o Relatório Brundtland que, de fato, priorizou acima de tudo o desenvolvimento econômico. No arquipélago, a ideia é reunir-me com os líderes das comunidades para ouvir, de quem vive o dia a dia, informações sobre territórios, recursos naturais, mapa de reprodução dos recursos, regras de usos etc. Vou conversar muito, ouvir muito, para poder construir textos.

(10) Pretendo escrever bastante, uma série, que oferecerei a vocês como descanso, entre uma e outra partida de futebol. Até quarta-feira!