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Tempero Drag - Política, RECALQUE, AMOR E AUTENTICIDADE

RECALQUE, AMOR E AUTENTICIDADE

Oizinho! Tô começando com esse tom de voz amável

porque a gente vai ter que esperar mais uma semaninha

pra voltar para o especial do Karl Marx.

Bom, como você já deve ter visto, em algum local desta tela,

o tema do vídeo de hoje é "Recalque, amor e autenticidade".

E pode parecer meio doido, né, mas, hoje em dia,

meus amores, o que não parece, né? Aliás, doido é

apenas um discurso de poder, que começa no século

16, que vai tentar legitimar alguns jeitos de estar

no mundo e deslegitimar outros, né?

É uma das manobras biopsíquicas de poder, né? O

Foucault vai falar muito bem sobre isso em "Vigiar e

punir", em "História da loucura", né, que é apenas um jeito

discursivo de achar o "normal", né? Que coincide com

o que interessa ao poder. Moçadinha, hoje, a gente não

volta ao Especial do Seu Carlinho, né? Já passou

o mês do aniversário dele, já entramos no mês da

diversidade. Aliás, esse vídeo vai tá aqui mais por causa

disso. E, recentemente, eu produzi lá pra

GNT, pro Saia Justa, a minha coluna, que acontece

de tempo em tempo, falando um pouco sobre parentalidade, né,

de pessoas LGBTQIA+ por pessoas hetero cisgênero.

E, nesse vídeo, eu falo um pouco sobre coisas que

eu gostaria de aprofundar aqui. Como lá a coluna tem

apenas três minutinhos, às vezes, eu venho

aqui pra aprofundar, desdobrar, né, o tema e a gente

poder fazer essa reflexão por outra perspectiva, né,

em outro recorte também de tempo, Vamos do início.

Primeira coisa, estamos no mês da diversidade.

Não caiam, meus amores, minhas amoras, nesse discurseco

liberaleco de "Ai, tudo que precisamos

é amor. Amor é amor. Ai, o nosso amor...". Não é bem assim,

né, meus anjo, minhas anja. Vamos entender que

LGBTQIA+ nunca foi sobre amor, é sobre o

desafio aos discursos de poder. Um desafio ao status

quo do que que é binaridade, do que que é aceitável,

né? Do que que as civilizações que colonizaram

o resto do planeta estabeleceram como interessante

e outra coisinha mais que é o poder do discurso

religioso em regular corpos e práticas. Se a gente

for fazer essa discussão, muito brevemente,

tá, porque eu vou tentar focar em outras coisas o vídeo de hoje.

Se a gente for fazer essa discussão histórica,

né, de qual seria a origem da homossexualidade. Não!

Essa pergunta já é preconceituosa, né? Porque ninguém pergunta

qual a origem da HETEROssexualidade.

"Tu é hetero? Oxi, o que é isso? Tá amarra..."

Então, olha, a gente não veio fazer essa pergunta. Na filosofia,

o fundamental é a pergunta que a gente faz. Às vezes,

uma pergunta errada leva pra uma resposta

absurda. Então, a pergunta que a gente veio se fazer aqui

é qual é a origem da homofobia. E aí, de novo,

na descrição do vídeo vai estar repleto de material,

filme, documentário, livro, disco... disco não vai ter, né,

que não existe mais. Mas, enfim, uma série

de materiais pra vocês se apoiarem, estenderem as

reflexões, fazerem pesquisa, etc.

"Dona Ritinha, a senhora vai por a culpa no capitalismo?"

Um pouco, mas não muito, né? Essa distinção, né, de

sexualidade válida e sexualidade inválida,

ela tem a ver com uma apropriação que o capital vai

fazer, via patriarcado, de leis e regras que já

haviam sido estabelecidas por sistemas religiosos

nesse pedacinho do mundo que a gente estuda na antiguidade.

Lembrando que, mesmo aqui na antiguidade, quando a gente

pensa em coisas tipo a Índia, né, os povos

hindus, a gente vai ver que, mesmo lá, já havia algum tipo de

confronto de uma ideia binária de sexo-gênero. A homofobia,

ela tem muito a ver com um regime político de dominação de corpos. Vamos

pensar o seguinte: a gente estruturou

sociedades do mata-mata, né, a gente estruturou sociedades onde

quem tem o maior exercitozinho conquista

o território, mata todo mundo, piriri, parará, pururu.

Quem tem a maior força de trabalho, né, o maior número de

trabalhadores, proletariado (chama proletariado porque

tudo que você tem é sua prole)... Então, quem tem

a maior galera, faz mais trabalho, constrói mais

coisinha, tem mais exército. Então, relações que

não produzem bebê são mal vistas, né? Se a gente

for fuçar na Bíblia piriri parará pururu...

Isso no nosso livrinho sagrado. Pega qualquer outro livrinho

sagrado de qualquer outro povo que a gente vai achar

algo por aí. Então, existe muito cedo, ali

na gênese da coisa, uma ideia de que isso aqui é uma

boa família porque gera pessoas e com pessoas a gente monta

exército, com pessoas a gente tem força de trab...

E isso aqui não é uma boa família porque não gera

pessoas, né? E, logo, relações serão prescritas.

O Foucault vai falar muuuuito sobre isso em "História da

sexualidade", no volume 1, né, "O desejo do saber",

O Foucault vai falar sobre a hipótese repressiva,

vai contar um pouco, pra gente, como as estratégias

da Inquisição, as estratégias do século 16.

Partir da primeira Pastoral, da ideia de confessar,

você ir no padre ficar falando que que você faz

no seu quarto, que você faz na sua família. A ideia, né,

da Patrística, século, ali, 4 depois de Cristo,

(que é uma escola de pensamento Cristã). A ideia da

Patrítica, do que que é um relacionamento aceitável,

né, do que que é uma união de corpos aceitável.

Tudo isso passa muito por um regime de dominação que

prescreve "corpos devem ser": 1- Força de trabalho;

2- Força de... Fábrica de trabalhadores (ia falar

força de reprodução social, mas vai ficar muito

marxista, então fábrica de trabalhadores). Então, seu

útero serve pra gerar exército e trabalhador e seu sêmem

existe para gerar o útero e trabalhador e basicamente

é isso que "Quer, quer. Não quer, a gente queima você

numa fogueira. Quer, quer. Não quer, a gente enforca.

Quer, quer. Não quer, você vai ser pecado, piada, crime" bilili, balalá,

bululu. Então, vamos lá. Você já entendeu, né,

a gente tá falando sobre corpos que se opuseram

a um sistema de poder que criava uma ficção social,

que fazia com que as sociedades pactuassem uma

ideia de binariedade? Que existe um sistema

sexo-gênero, né? Se você ainda não entendeu,

leia Gayle Rubin, "Políticas do sexo", são dois artigos curtinhos, eu

sempre falo desse livro aqui, que ela fala sobre

o sistema sexo-gênero em mais detalhes. Isso aqui é um vídeo

de 20 minutos, né, não é uma faculdade.

Mas tira as coisa boa da faculdade e dá de graça,

né? Por isso que eu faço. Então, moçadinha, vamos junta,

ó. Já entendemos que tudo que a gente

precisa é amor? Não. Nosso caso não tem nada a ver

com amor. Nosso caso tem a ver com um embate que vem de um caldo

cultural do colonialismo, de como as populações

ameríndias foram massacradas, dizimadas.

Como elas tiveram as suas culturas deslegitimadas, né?

Quando os europeu bunda mole branca chega aqui,

a galera que tá aqui, meus amor, já caminhou,

né? "Você não sabe o quanto eu caminhei" (Rita canta)

Todo mundo que tava aqui já tinha seu sistema

de códigos e valores e condutas, significados.

Galera que tava aqui já tinha desenvolvido

religiosidade, língua, música. Galera que tava aqui não tinha um sistema

de sexo binário, né, um sistema de gênero binário.

Galera que tava aqui, né, imagina se tivesse deixado

a gente em paz? Então, tudo que a gente precisa é amor? Amor

uma ova, uma patavina, uma patota, uma estaleca (só pra Isa

usar de novo a montagem que já tem pronta). A nossa

ideia é que nossas existências desafiam um

sistema de poder. A gente tá aqui fazendo disputa de narrativa.

A gente tá aqui tentando informar as pessoas

pra que elas se indaguem qual é a origem da HOMOfobia,

né? E, como eu salientei lá no início, a origem é o medo de

criar uma sociedade que não produz extra de

força de trabalho, extra que vire exército, né,

exército de reserva, piriri. Meus amores, a partir daqui, então,

a gente ir entendendo que tudo que a gente

precisa é slogan barato de liberal pra vender

coisa em junho com a bandeirinha do arco-íris e que

o que a gente tá fazendo é luta política, né? Luta

política que vai contra uma ideia de sistema.

Uma luta política que fala "a família tradicional

né, teus cacho de uva". Família tradicional nunca foi essa. E se quiser, também,

leia "A origem da Família, Propriedade Privada

e Estado" do seu Engels, né? Esse, com o pósfacio da

Marília Moschkovich, pela Boitempo, que é tudo!

Isso aqui vou dar como batido. Se você ficou com dúvida, a gente faz

um vídeo só sobre isso e deixa outros comentários.

"Rita, não entendi porque que ser LGBT desafia o sistema." É porque a gente não se conhece

né? Não sei quem é você. Você não sabe... então não sei se ficou

claro. Agora, o ponto que me interessa, essa segunda

ideia que a gente veio debater aqui é a nossa

luta, ela se constitui em muitas frentes, né?

A ideia de legitimar corpos, sexualidade, exposições no

mundo que foram deslegitimadas, enfrenta

uma série de discursos de poder. Mas é importante

ressaltar que, a medida que a nossa luta vem sendo

feita e que o óbvio vai ficando óbvio, a gente tá vencendo essa

luta. "Dona Rita, como assim, a gente tá vencendo essa luta?". Ó,

mulher trans, australiana, importantíssima,

né, trans feminista, escreveu muito sobre as

teorias do conhecimento do norte e do sul global.

Escreveu muito sobre masculinidades. Esse é um

livro introdutório pra você que tá começando

a estudar gênero. Então, olha como ela começa:

"O Papa Bento XVI, recentemente..." (isso aqui é 2013) O Bento

XVI era aquele Para que parecia o vilão do Star Wars. "O Papa Bento XVI,

recentemente, declarou que gênero simplesmente não

existe. - 'O que existe é a lei divina

e o excelente modelo da Sagrada Família", né? Resta saber

onde que isso existe. Esse Papa, de certo, nunca conheceu,

nunca estudou antropologia. Nunca conheceu uma

população indígena. Mas, enfim, né? Nessa

ficção social, cristã, católica, a ideia, de 2013,

gênero não existe. E, agora, a gente tem o Papa Francisco

que fala "você tem que ser amigo da travesti", "a

travesti é tão cristã quanto você", "Cristo não falou nada

sobre travesti, nada sobre homossexual,

nada sobre sexualidade". E, em compensação, o que

ele falou sobre ser crime manter uma população na pobreza,

que Deus detesta gente rica, né? Que Deus detesta

quem acumula e deixa o pobre morrer de fome,

né? Em compensação o que ele falou de amai o teu

próximo, mas, enfim, né? A gente vive nessa era

né, sei lá que nome que a gente vai dar pra essa

era, daqui a uns séculos, na qual o óbvio não faz mais

sentido algum, né? A gente luta pra

falar pras pessoas o beabá. E aí a gente tem que falar "Oi,

tudo bem, cristão? Você já ouviu falar da coisa mesmo do Cristo, assim?". Porque

o que a gente mais tem hoje é cristão seguindo

as leis dos antigos mandamentos do Antigo Testamento dos

Levíticos, né, uma tribo de Israel! Então, os Levitas,

que tinham um código bizarro, que não podia plantar

dois grão no mesmo terreno, não podia usar dois tecido diferente,

não podia usar a pele do porco pra fazer nada.

Esse povo, que eram Levitas, descendentes de

Levi, acreditavam que eles tinham uma conexão

maior com Deus, por isso eles eram um povo sacerdotal.

Por isso eles tinham uma lei estrita do que pode, não pode.

E aí isso vai pra Bíblia, né? Vale contar, pra

vocês, que os livros que compõem a Bíblia, né,

eram muito mais do que 13. E aí, de tempos em tempos,

vai tendo concílios e, nesses concílios, decide-se

quais livros entram, quais livros saem. Vocês acham que a

Maria, mãe de Cristo (se é que ela existiu), você acha que ela não escreveu

nada? Não tem o Evangelho da Maria. Que a Maria

Madalena, que financiava Jesus Cristinho mesmo, né,

possibilitava que ele fizesse o trabalho

social dele. Você acha que ela nunca escreveu

nada? Essas mulheres eruditas que possuíam

vivência, elas não... né? Elas eram só o vasinho do Senhor.

Isso não é uma ideologia. Mas, enfim, a Bíblia

tá composta dessa forma. E aí, tem gente, ainda, 2020,

cristão, que não segue Cristo, que vive de

acordo com o Antigo Testamento. Então, por isso

que eu tô pontuando isso aqui. Essa é uma das frentes,

né, a gente pensar que hoje tem um Papa, né? Não sei nem porque

ainda tem Papa em 2020. Mas enfim, hoje tem

um Papa que reconhece a identidade de gênero,

a possibilidade... A ideia de que a Organização

Mundial da Saúde (que é também um bando de bunda

mole) já reconheceu, desde 1990, que não existe a

"doença homossexualismo" (que antes era doença, né?)

Desde 2019, retirou pessoas trans da categoria

de disforia, de transtorno psíquico. Então, a gente vai

fazendo a nossa luta e, passo a passo, né (a gente

tem que pensar que ela é uma luta de muito

acúmulo, a gente tá fazendo ela desde o século 19,

por exemplo), a gente vem fazendo essas conquistas,

né? Esse é o mês que a gente celebra, que a gente

pontua, que a gente relembra. Pega os mais novinhos

(não sei que idade vocês têm) e conta a história pra

eles, indica livro, né? Vai passando a tocha

adiante. E, aí, vários países do mundo, a gente

já conseguiu aprovação de estatuto de igualdade

pra união civil, né? Civil! Você é um cidadão, você se une,

né? Não existe casamento. Existe união civil.

Então, união civil entre pessoas do mesmo

sexo, de sexo diferente, pessoas transexuais, pessoas cisgênero, piriri

parara pururu. A gente já conseguiu criminalização

da homofobia, tananan, mas, meus amores, em algum

ponto tudo isso é letra morta numa Constituição,

né? Constituição Brasileira serve pra muito pouco ou

quase nada, né? A gente mora no Brasil e sabe

pra que que essa Constituição serve. Tá na Constituição

que todo mundo tem direito a trabalho. "Ah, que lindo! Me conta!". Tá na Constituição que ninguém

pode ficar sem teto, passar fome. "Ai, que lindo! Me conta!". E, aí, tô fazendo

essa pontuação, também, porque eu tenho muitos

amigos, assim, que eles são entusiastas, né, da lei, do Direito. Eles falam

"ai, um grande avanço" e, aí, eu falo "ô,

meus anjo, né? Avanço pelo direito? Isso existe?"

Mas, enfim, tem avanço sendo feito. Tô deixando, aqui,

3 indicações de 3 livros que estudam esses

avanços lá na terra do Tio Sam, lá nos Estados

Unidos. Então, o primeiro é "Queer (In)Justice", que

conta da história da criminalização de pessoas

LGBT, lá nos Estados Unidos. Como foram essas

leis que antes era crime e depois passou a ser aceito.

"Dishonorable passions" que vai contar a mesma coisa, a ideia

dos crimes contra a natureza, né? Lembra que

eu sempre pontuo, aqui, que detesto o papo de natureza

humana? Um pouco é por causa disso. Esse Papa alucinado que fala

"não, não existe gênero, existe a lei da natureza". Mas, gente,

tem girafa que faz sexo homossexual.

Mas tem golfinho, tem baleia, tem todo to todo...

toda a família de simios... Eu tô cansada, sabe? Cansada de lutar

contra bravata e discurso ideológico, mas,

enfim. Então "The Devians War" que também vai contar

essa história das lutas das pessoas "desviantes"

pra um entendimento de que elas também são pessoas,

de que as vidas delas importam, né? De que, se o sistema

é um sistema humano, de que se a gente pensa a sociedade...

não pode fazer distinção, né? Que a gente deveria

pensar em igualdade jurídica, né? Liberalismo,

fofo. Por fim o "From the closet to the Courtroom" que conta a história de

cinco casos, né, de processos contra ou de pessoas

LGBTQIA+, que mudaram, abriram precedente

pro debate jurídico, nos Estados Unidos. Tô indicando

esses porque eles servem pra gente pensar

as coisas no Brasil, também, em paralelo. E, aí, eu tô

dando essa volta, pontuando essas coisas,

indicando literatura, né, porque isso aqui é um canal

aberto, a gente nunca sabe o que do passado você já

assistiu ou em qual pé do debate você tá. Mas, também, pra

encaminhar pras outras duas partes do vídeo que eu

quero. Porque quando eu chamo vídeo de

"Recalque, amor e autenticidade", eu tô falando sobre

um processo que nos é vetado. No vídeo "Imagens de

controle, BBB e as queer", eu tangenciei essa ideia

e vou desenvolvê-la um pouquinho mais. Ainda que

o sonho liberal seja fazer uma bonita campanha na

internet falando "ah, empreenda, seja uma LGBT de

sucesso", "só depende de você", "ai, o talento não tem

nada a ver com a sexualidade". Ô, meus anjo, né?

Isso é um sonho liberal. Isso é uma ideia de que tudo

depende do indivíduo e é mentira! A gente provém de

grupos, a estrutura social funciona de acordo

com grupos, etc. e não depende do indivíduo, né?

Vamos pensar o seguinte: a gente passa por primeiras

infâncias que estão marcadas por pobreza, exclusão,

impossibilidade, má nutrição. E, aí, você vai escolhendo

o que que essa primeira infância vai ser

marcada. Então, primeiras infâncias muito

distintas. No entanto, existe, aqui, no nosso treinamento

de pacto social, né, do sistema sexo-gênero, uma coisa

que é o "estigma". Toda criança LGBTQIA+,

toda criança queer, ela passa por um ambiente

(família, escola, sociedade) que cria nela um processo de

recalcamento. O Freud tem esse texto, de 1917, sobre

o recalque, né? E o Freud vai nos dizer que é esse

processo através do qual a estrutura psíquica

nega alguma coisa e submete essa negação, né,

pós primeira infância, à estruturas menos conscientes,

mais do campo do inconsciente. E, ao longo da nossa vida,

tudo isso que a gente recalcou, né, os nossos

desejos, vontades, afetos, posições que foram sendo

recalcados, eles vão voltar, né? Por isso que a gente

faz Análise mesmo, porque a coisa

num... você nega ela, mas você não a nega de fato, né?

O processo é dialético. Através da negação ela

volta. E aí o Freud vai chamar isso do "retorno do

recalcado", "o retorno do reprimido". Volta através de

ato falho, de sonho, de chiste, de lapso na hora da Análise.

E a gente carrega isso para sempre até resolver.

Também vale contar pra vocês (e isso é uma coisa

que o Christian Dunker pontuou numa coluna

que ele tem no YouTube, do "Glossário Freudiano",

e eu falo sobre isso na minha coluna, lá no vídeo da GNT)

que TODO sintoma neurótico, de acordo com o Freud, emerge

desse processo de recalcamento, desse processo de

negação. Então, muito das nossas vidas, que a gente

vai lidar o longo da vida, vem dessas

marcas, dessas cicatrizes deixadas, que o processo

social deixa no indivíduo, de impossibilidade de

sermos autênticos, de impossibilidade de existirmos

num mundo como existimos. E aí, lá na coluna da GNT, eu falo

uma coisa que é, muitas pessoas que são pais e

mães de pessoas LGBT, acreditam estarem as

protegendo quando dizem "ai, eu não vou deixar

meu filho pintar essa unha, minha filha ter esse cabelo,

a minha criança ir com essa roupa, brincar com

aquele brinquedo". Ainda que eu seja um pai legalzão, uma

mãe legalzona, uma pessoa que cuida, né, que pode não

ser nem pai, nem mãe, legalzuxa, eu vou proteger. E a ideia, aqui,

é que não tá havendo proteção nenhuma, né? Eu

volto, lá no vídeo que eu falo que a gente tem, como

pessoa queer, a gente tem que abrir mão de quem a gente é.

Criar uma carapaça, um avatar, criar qualquer

coisa pra sobreviver à escola, à família, à sociedade,

né? E esse processo de criação dessa carapaça,

depois vai deixar um monte de cicatriz em nós que a gente

vai passar a vida inteira tentando

entender o que que é nosso, o que que é a coisa que eu

criei para me defender, tururu tururu. Aqui, o

importante, voltando no que eu tinha falado, é que não é individual,

meus amores. Quando a gente pensa em talento,

habilidade de liderança, falar em público, ser bom

em esportes... quantas dessas coisas foram

negadas aos corpos desviantes? Quantas coisas dessas

não são possibilidades a corpos subalternizados

que não adquirem as mesmas ferramentas pra lidar com o mundo

da forma que, no futuro, o mercado, a sociedade

o patrão, vai valorizar. Então, quando a gente pensa

"ai, talento não tem nada a ver com sexo, gênero,

orientação sexual". Não é bem por aí! Quantas pessoas LGBTQIA+

se entendem como tímidas, se entendem

como, ah, socialmente mais desajustadas, antissoci... e, na verdade,

é só o reflexo de um período da vida de

só tiro, porrada, bomba, dedo no c* e gritaria. E, pra lidar

com esse mundo e se inserir nessa ordem simbólica, essa criança

abre mão das coisas que ela poderia ter

sido né? É como se todos e todas e todes nascêssemos

autênticos e, ao longo da vida, a gente se encaixasse num

exército de clones, né? Sei lá, com três opções possíveis,

quatro. E aí a gente nasce com infinitas possibilidades

e termina a vida todo mundo igual. Portanto, né,

a ideia que eu quero deixar aqui é que discutir as origens

da LGBTfobia, entender a operação do sistema,

entender o que que é uma tentativa de responsabilizar

indivíduo e ter em mente processo histórico e social.

E entender até o papel dos cuidadores, né, ou

dos aparelhos repressivos do Estado no desenvolvimento de tudo isso

é tentar lançar um olhar mais holista, tentar lançar um

olhar que englobe a totalidade e possa fazer uma

análise concreta da situação concreta. Esse

mês marca as nossas lutas, resistências, avanços,

conquistas. E a frase que eu preciso deixar pra

vocês é uma antiga que a gente já tá cansado de dizer, né?

Que foram eles quem criaram a LGBTfobia.

O nosso papel histórico é criar o orgulho. É um

pouco por isso também que não tenho paciência pra quem

tá no armário, sabe? Claro, né, caso a

caso. Tem gente que, se sair do armário, morre.

A gente mora no planeta Terra. Mais de 70 países criminalizam

uniões homoafetivas consensuais entre dois

adultos, duas adultas. Desses 70, ainda tem os países

que condenam com pena de morte, né? Mas, aqui, nos

nossos cenários em que dá para fazer luta, eu tenho

um pouco de ódio dessa galera "discreta", sabe?

Eu prefiro trocar a palavra discreta por

covarde, né? Porque a gente tem um papel histórico

de transformar LGBTfobia em orgulho.Tá, meus amores?

Então, eu conto com vocês. Semana que vem a gente já volta com o

Especial Carlinho. Um beijinho. Tcha-aau!


RECALQUE, AMOR E AUTENTICIDADE RESENTMENT, LOVE, AND AUTHENTICITY RISENTIMENTO, AMORE E AUTENTICITÀ REPRESJA, MIŁOŚĆ I AUTENTYCZNOŚĆ

Oizinho! Tô começando com esse tom de voz amável

porque a gente vai ter que esperar mais uma semaninha

pra voltar para o especial do Karl Marx.

Bom, como você já deve ter visto, em algum local desta tela,

o tema do vídeo de hoje é "Recalque, amor e autenticidade".

E pode parecer meio doido, né, mas, hoje em dia,

meus amores, o que não parece, né? Aliás, doido é

apenas um discurso de poder, que começa no século

16, que vai tentar legitimar alguns jeitos de estar

no mundo e deslegitimar outros, né?

É uma das manobras biopsíquicas de poder, né? O

Foucault vai falar muito bem sobre isso em "Vigiar e

punir", em "História da loucura", né, que é apenas um jeito

discursivo de achar o "normal", né? Que coincide com

o que interessa ao poder. Moçadinha, hoje, a gente não

volta ao Especial do Seu Carlinho, né? Já passou

o mês do aniversário dele, já entramos no mês da

diversidade. Aliás, esse vídeo vai tá aqui mais por causa

disso. E, recentemente, eu produzi lá pra

GNT, pro Saia Justa, a minha coluna, que acontece

de tempo em tempo, falando um pouco sobre parentalidade, né,

de pessoas LGBTQIA+ por pessoas hetero cisgênero.

E, nesse vídeo, eu falo um pouco sobre coisas que

eu gostaria de aprofundar aqui. Como lá a coluna tem

apenas três minutinhos, às vezes, eu venho

aqui pra aprofundar, desdobrar, né, o tema e a gente

poder fazer essa reflexão por outra perspectiva, né,

em outro recorte também de tempo, Vamos do início.

Primeira coisa, estamos no mês da diversidade.

Não caiam, meus amores, minhas amoras, nesse discurseco

liberaleco de "Ai, tudo que precisamos

é amor. Amor é amor. Ai, o nosso amor...". Não é bem assim,

né, meus anjo, minhas anja. Vamos entender que

LGBTQIA+ nunca foi sobre amor, é sobre o

desafio aos discursos de poder. Um desafio ao status

quo do que que é binaridade, do que que é aceitável,

né? Do que que as civilizações que colonizaram

o resto do planeta estabeleceram como interessante

e outra coisinha mais que é o poder do discurso

religioso em regular corpos e práticas. Se a gente

for fazer essa discussão, muito brevemente,

tá, porque eu vou tentar focar em outras coisas o vídeo de hoje.

Se a gente for fazer essa discussão histórica,

né, de qual seria a origem da homossexualidade. Não!

Essa pergunta já é preconceituosa, né? Porque ninguém pergunta

qual a origem da HETEROssexualidade.

"Tu é hetero? Oxi, o que é isso? Tá amarra..."

Então, olha, a gente não veio fazer essa pergunta. Na filosofia,

o fundamental é a pergunta que a gente faz. Às vezes,

uma pergunta errada leva pra uma resposta

absurda. Então, a pergunta que a gente veio se fazer aqui

é qual é a origem da homofobia. E aí, de novo,

na descrição do vídeo vai estar repleto de material,

filme, documentário, livro, disco... disco não vai ter, né,

que não existe mais. Mas, enfim, uma série

de materiais pra vocês se apoiarem, estenderem as

reflexões, fazerem pesquisa, etc.

"Dona Ritinha, a senhora vai por a culpa no capitalismo?"

Um pouco, mas não muito, né? Essa distinção, né, de

sexualidade válida e sexualidade inválida,

ela tem a ver com uma apropriação que o capital vai

fazer, via patriarcado, de leis e regras que já

haviam sido estabelecidas por sistemas religiosos

nesse pedacinho do mundo que a gente estuda na antiguidade.

Lembrando que, mesmo aqui na antiguidade, quando a gente

pensa em coisas tipo a Índia, né, os povos

hindus, a gente vai ver que, mesmo lá, já havia algum tipo de

confronto de uma ideia binária de sexo-gênero. A homofobia,

ela tem muito a ver com um regime político de dominação de corpos. Vamos

pensar o seguinte: a gente estruturou

sociedades do mata-mata, né, a gente estruturou sociedades onde

quem tem o maior exercitozinho conquista

o território, mata todo mundo, piriri, parará, pururu.

Quem tem a maior força de trabalho, né, o maior número de

trabalhadores, proletariado (chama proletariado porque

tudo que você tem é sua prole)... Então, quem tem

a maior galera, faz mais trabalho, constrói mais

coisinha, tem mais exército. Então, relações que

não produzem bebê são mal vistas, né? Se a gente

for fuçar na Bíblia piriri parará pururu...

Isso no nosso livrinho sagrado. Pega qualquer outro livrinho

sagrado de qualquer outro povo que a gente vai achar

algo por aí. Então, existe muito cedo, ali

na gênese da coisa, uma ideia de que isso aqui é uma

boa família porque gera pessoas e com pessoas a gente monta

exército, com pessoas a gente tem força de trab...

E isso aqui não é uma boa família porque não gera

pessoas, né? E, logo, relações serão prescritas.

O Foucault vai falar muuuuito sobre isso em "História da

sexualidade", no volume 1, né, "O desejo do saber",

O Foucault vai falar sobre a hipótese repressiva,

vai contar um pouco, pra gente, como as estratégias

da Inquisição, as estratégias do século 16.

Partir da primeira Pastoral, da ideia de confessar,

você ir no padre ficar falando que que você faz

no seu quarto, que você faz na sua família. A ideia, né,

da Patrística, século, ali, 4 depois de Cristo,

(que é uma escola de pensamento Cristã). A ideia da

Patrítica, do que que é um relacionamento aceitável,

né, do que que é uma união de corpos aceitável.

Tudo isso passa muito por um regime de dominação que

prescreve "corpos devem ser": 1- Força de trabalho;

2- Força de... Fábrica de trabalhadores (ia falar

força de reprodução social, mas vai ficar muito

marxista, então fábrica de trabalhadores). Então, seu

útero serve pra gerar exército e trabalhador e seu sêmem

existe para gerar o útero e trabalhador e basicamente

é isso que "Quer, quer. Não quer, a gente queima você

numa fogueira. Quer, quer. Não quer, a gente enforca.

Quer, quer. Não quer, você vai ser pecado, piada, crime" bilili, balalá,

bululu. Então, vamos lá. Você já entendeu, né,

a gente tá falando sobre corpos que se opuseram

a um sistema de poder que criava uma ficção social,

que fazia com que as sociedades pactuassem uma

ideia de binariedade? Que existe um sistema

sexo-gênero, né? Se você ainda não entendeu,

leia Gayle Rubin, "Políticas do sexo", são dois artigos curtinhos, eu

sempre falo desse livro aqui, que ela fala sobre

o sistema sexo-gênero em mais detalhes. Isso aqui é um vídeo

de 20 minutos, né, não é uma faculdade.

Mas tira as coisa boa da faculdade e dá de graça,

né? Por isso que eu faço. Então, moçadinha, vamos junta,

ó. Já entendemos que tudo que a gente

precisa é amor? Não. Nosso caso não tem nada a ver

com amor. Nosso caso tem a ver com um embate que vem de um caldo

cultural do colonialismo, de como as populações

ameríndias foram massacradas, dizimadas.

Como elas tiveram as suas culturas deslegitimadas, né?

Quando os europeu bunda mole branca chega aqui,

a galera que tá aqui, meus amor, já caminhou,

né? "Você não sabe o quanto eu caminhei" (Rita canta)

Todo mundo que tava aqui já tinha seu sistema

de códigos e valores e condutas, significados.

Galera que tava aqui já tinha desenvolvido

religiosidade, língua, música. Galera que tava aqui não tinha um sistema

de sexo binário, né, um sistema de gênero binário.

Galera que tava aqui, né, imagina se tivesse deixado

a gente em paz? Então, tudo que a gente precisa é amor? Amor

uma ova, uma patavina, uma patota, uma estaleca (só pra Isa

usar de novo a montagem que já tem pronta). A nossa

ideia é que nossas existências desafiam um

sistema de poder. A gente tá aqui fazendo disputa de narrativa.

A gente tá aqui tentando informar as pessoas

pra que elas se indaguem qual é a origem da HOMOfobia,

né? E, como eu salientei lá no início, a origem é o medo de

criar uma sociedade que não produz extra de

força de trabalho, extra que vire exército, né,

exército de reserva, piriri. Meus amores, a partir daqui, então,

a gente ir entendendo que tudo que a gente

precisa é slogan barato de liberal pra vender

coisa em junho com a bandeirinha do arco-íris e que

o que a gente tá fazendo é luta política, né? Luta

política que vai contra uma ideia de sistema.

Uma luta política que fala "a família tradicional

né, teus cacho de uva". Família tradicional nunca foi essa. E se quiser, também,

leia "A origem da Família, Propriedade Privada

e Estado" do seu Engels, né? Esse, com o pósfacio da

Marília Moschkovich, pela Boitempo, que é tudo!

Isso aqui vou dar como batido. Se você ficou com dúvida, a gente faz

um vídeo só sobre isso e deixa outros comentários.

"Rita, não entendi porque que ser LGBT desafia o sistema." É porque a gente não se conhece

né? Não sei quem é você. Você não sabe... então não sei se ficou

claro. Agora, o ponto que me interessa, essa segunda

ideia que a gente veio debater aqui é a nossa

luta, ela se constitui em muitas frentes, né?

A ideia de legitimar corpos, sexualidade, exposições no

mundo que foram deslegitimadas, enfrenta

uma série de discursos de poder. Mas é importante

ressaltar que, a medida que a nossa luta vem sendo

feita e que o óbvio vai ficando óbvio, a gente tá vencendo essa

luta. "Dona Rita, como assim, a gente tá vencendo essa luta?". Ó,

mulher trans, australiana, importantíssima,

né, trans feminista, escreveu muito sobre as

teorias do conhecimento do norte e do sul global.

Escreveu muito sobre masculinidades. Esse é um

livro introdutório pra você que tá começando

a estudar gênero. Então, olha como ela começa:

"O Papa Bento XVI, recentemente..." (isso aqui é 2013) O Bento

XVI era aquele Para que parecia o vilão do Star Wars. "O Papa Bento XVI,

recentemente, declarou que gênero simplesmente não

existe. - 'O que existe é a lei divina

e o excelente modelo da Sagrada Família", né? Resta saber

onde que isso existe. Esse Papa, de certo, nunca conheceu,

nunca estudou antropologia. Nunca conheceu uma

população indígena. Mas, enfim, né? Nessa

ficção social, cristã, católica, a ideia, de 2013,

gênero não existe. E, agora, a gente tem o Papa Francisco

que fala "você tem que ser amigo da travesti", "a

travesti é tão cristã quanto você", "Cristo não falou nada

sobre travesti, nada sobre homossexual,

nada sobre sexualidade". E, em compensação, o que

ele falou sobre ser crime manter uma população na pobreza,

que Deus detesta gente rica, né? Que Deus detesta

quem acumula e deixa o pobre morrer de fome,

né? Em compensação o que ele falou de amai o teu

próximo, mas, enfim, né? A gente vive nessa era

né, sei lá que nome que a gente vai dar pra essa

era, daqui a uns séculos, na qual o óbvio não faz mais

sentido algum, né? A gente luta pra

falar pras pessoas o beabá. E aí a gente tem que falar "Oi,

tudo bem, cristão? Você já ouviu falar da coisa mesmo do Cristo, assim?". Porque

o que a gente mais tem hoje é cristão seguindo

as leis dos antigos mandamentos do Antigo Testamento dos

Levíticos, né, uma tribo de Israel! Então, os Levitas,

que tinham um código bizarro, que não podia plantar

dois grão no mesmo terreno, não podia usar dois tecido diferente,

não podia usar a pele do porco pra fazer nada.

Esse povo, que eram Levitas, descendentes de

Levi, acreditavam que eles tinham uma conexão

maior com Deus, por isso eles eram um povo sacerdotal.

Por isso eles tinham uma lei estrita do que pode, não pode.

E aí isso vai pra Bíblia, né? Vale contar, pra

vocês, que os livros que compõem a Bíblia, né,

eram muito mais do que 13. E aí, de tempos em tempos,

vai tendo concílios e, nesses concílios, decide-se

quais livros entram, quais livros saem. Vocês acham que a

Maria, mãe de Cristo (se é que ela existiu), você acha que ela não escreveu

nada? Não tem o Evangelho da Maria. Que a Maria

Madalena, que financiava Jesus Cristinho mesmo, né,

possibilitava que ele fizesse o trabalho

social dele. Você acha que ela nunca escreveu

nada? Essas mulheres eruditas que possuíam

vivência, elas não... né? Elas eram só o vasinho do Senhor.

Isso não é uma ideologia. Mas, enfim, a Bíblia

tá composta dessa forma. E aí, tem gente, ainda, 2020,

cristão, que não segue Cristo, que vive de

acordo com o Antigo Testamento. Então, por isso

que eu tô pontuando isso aqui. Essa é uma das frentes,

né, a gente pensar que hoje tem um Papa, né? Não sei nem porque

ainda tem Papa em 2020. Mas enfim, hoje tem

um Papa que reconhece a identidade de gênero,

a possibilidade... A ideia de que a Organização

Mundial da Saúde (que é também um bando de bunda

mole) já reconheceu, desde 1990, que não existe a

"doença homossexualismo" (que antes era doença, né?)

Desde 2019, retirou pessoas trans da categoria

de disforia, de transtorno psíquico. Então, a gente vai

fazendo a nossa luta e, passo a passo, né (a gente

tem que pensar que ela é uma luta de muito

acúmulo, a gente tá fazendo ela desde o século 19,

por exemplo), a gente vem fazendo essas conquistas,

né? Esse é o mês que a gente celebra, que a gente

pontua, que a gente relembra. Pega os mais novinhos

(não sei que idade vocês têm) e conta a história pra

eles, indica livro, né? Vai passando a tocha

adiante. E, aí, vários países do mundo, a gente

já conseguiu aprovação de estatuto de igualdade

pra união civil, né? Civil! Você é um cidadão, você se une,

né? Não existe casamento. Existe união civil.

Então, união civil entre pessoas do mesmo

sexo, de sexo diferente, pessoas transexuais, pessoas cisgênero, piriri

parara pururu. A gente já conseguiu criminalização

da homofobia, tananan, mas, meus amores, em algum

ponto tudo isso é letra morta numa Constituição,

né? Constituição Brasileira serve pra muito pouco ou

quase nada, né? A gente mora no Brasil e sabe

pra que que essa Constituição serve. Tá na Constituição

que todo mundo tem direito a trabalho. "Ah, que lindo! Me conta!". Tá na Constituição que ninguém

pode ficar sem teto, passar fome. "Ai, que lindo! Me conta!". E, aí, tô fazendo

essa pontuação, também, porque eu tenho muitos

amigos, assim, que eles são entusiastas, né, da lei, do Direito. Eles falam

"ai, um grande avanço" e, aí, eu falo "ô,

meus anjo, né? Avanço pelo direito? Isso existe?"

Mas, enfim, tem avanço sendo feito. Tô deixando, aqui,

3 indicações de 3 livros que estudam esses

avanços lá na terra do Tio Sam, lá nos Estados

Unidos. Então, o primeiro é "Queer (In)Justice", que

conta da história da criminalização de pessoas

LGBT, lá nos Estados Unidos. Como foram essas

leis que antes era crime e depois passou a ser aceito.

"Dishonorable passions" que vai contar a mesma coisa, a ideia

dos crimes contra a natureza, né? Lembra que

eu sempre pontuo, aqui, que detesto o papo de natureza

humana? Um pouco é por causa disso. Esse Papa alucinado que fala

"não, não existe gênero, existe a lei da natureza". Mas, gente,

tem girafa que faz sexo homossexual.

Mas tem golfinho, tem baleia, tem todo to todo...

toda a família de simios... Eu tô cansada, sabe? Cansada de lutar

contra bravata e discurso ideológico, mas,

enfim. Então "The Devians War" que também vai contar

essa história das lutas das pessoas "desviantes"

pra um entendimento de que elas também são pessoas,

de que as vidas delas importam, né? De que, se o sistema

é um sistema humano, de que se a gente pensa a sociedade...

não pode fazer distinção, né? Que a gente deveria

pensar em igualdade jurídica, né? Liberalismo,

fofo. Por fim o "From the closet to the Courtroom" que conta a história de

cinco casos, né, de processos contra ou de pessoas

LGBTQIA+, que mudaram, abriram precedente

pro debate jurídico, nos Estados Unidos. Tô indicando

esses porque eles servem pra gente pensar

as coisas no Brasil, também, em paralelo. E, aí, eu tô

dando essa volta, pontuando essas coisas,

indicando literatura, né, porque isso aqui é um canal

aberto, a gente nunca sabe o que do passado você já

assistiu ou em qual pé do debate você tá. Mas, também, pra

encaminhar pras outras duas partes do vídeo que eu

quero. Porque quando eu chamo vídeo de

"Recalque, amor e autenticidade", eu tô falando sobre

um processo que nos é vetado. No vídeo "Imagens de

controle, BBB e as queer", eu tangenciei essa ideia

e vou desenvolvê-la um pouquinho mais. Ainda que

o sonho liberal seja fazer uma bonita campanha na

internet falando "ah, empreenda, seja uma LGBT de

sucesso", "só depende de você", "ai, o talento não tem

nada a ver com a sexualidade". Ô, meus anjo, né?

Isso é um sonho liberal. Isso é uma ideia de que tudo

depende do indivíduo e é mentira! A gente provém de

grupos, a estrutura social funciona de acordo

com grupos, etc. e não depende do indivíduo, né?

Vamos pensar o seguinte: a gente passa por primeiras

infâncias que estão marcadas por pobreza, exclusão,

impossibilidade, má nutrição. E, aí, você vai escolhendo

o que que essa primeira infância vai ser

marcada. Então, primeiras infâncias muito

distintas. No entanto, existe, aqui, no nosso treinamento

de pacto social, né, do sistema sexo-gênero, uma coisa

que é o "estigma". Toda criança LGBTQIA+,

toda criança queer, ela passa por um ambiente

(família, escola, sociedade) que cria nela um processo de

recalcamento. O Freud tem esse texto, de 1917, sobre

o recalque, né? E o Freud vai nos dizer que é esse

processo através do qual a estrutura psíquica

nega alguma coisa e submete essa negação, né,

pós primeira infância, à estruturas menos conscientes,

mais do campo do inconsciente. E, ao longo da nossa vida,

tudo isso que a gente recalcou, né, os nossos

desejos, vontades, afetos, posições que foram sendo

recalcados, eles vão voltar, né? Por isso que a gente

faz Análise mesmo, porque a coisa

num... você nega ela, mas você não a nega de fato, né?

O processo é dialético. Através da negação ela

volta. E aí o Freud vai chamar isso do "retorno do

recalcado", "o retorno do reprimido". Volta através de

ato falho, de sonho, de chiste, de lapso na hora da Análise.

E a gente carrega isso para sempre até resolver.

Também vale contar pra vocês (e isso é uma coisa

que o Christian Dunker pontuou numa coluna

que ele tem no YouTube, do "Glossário Freudiano",

e eu falo sobre isso na minha coluna, lá no vídeo da GNT)

que TODO sintoma neurótico, de acordo com o Freud, emerge

desse processo de recalcamento, desse processo de

negação. Então, muito das nossas vidas, que a gente

vai lidar o longo da vida, vem dessas

marcas, dessas cicatrizes deixadas, que o processo

social deixa no indivíduo, de impossibilidade de

sermos autênticos, de impossibilidade de existirmos

num mundo como existimos. E aí, lá na coluna da GNT, eu falo

uma coisa que é, muitas pessoas que são pais e

mães de pessoas LGBT, acreditam estarem as

protegendo quando dizem "ai, eu não vou deixar

meu filho pintar essa unha, minha filha ter esse cabelo,

a minha criança ir com essa roupa, brincar com

aquele brinquedo". Ainda que eu seja um pai legalzão, uma

mãe legalzona, uma pessoa que cuida, né, que pode não

ser nem pai, nem mãe, legalzuxa, eu vou proteger. E a ideia, aqui,

é que não tá havendo proteção nenhuma, né? Eu

volto, lá no vídeo que eu falo que a gente tem, como

pessoa queer, a gente tem que abrir mão de quem a gente é.

Criar uma carapaça, um avatar, criar qualquer

coisa pra sobreviver à escola, à família, à sociedade,

né? E esse processo de criação dessa carapaça,

depois vai deixar um monte de cicatriz em nós que a gente

vai passar a vida inteira tentando

entender o que que é nosso, o que que é a coisa que eu

criei para me defender, tururu tururu. Aqui, o

importante, voltando no que eu tinha falado, é que não é individual,

meus amores. Quando a gente pensa em talento,

habilidade de liderança, falar em público, ser bom

em esportes... quantas dessas coisas foram

negadas aos corpos desviantes? Quantas coisas dessas

não são possibilidades a corpos subalternizados

que não adquirem as mesmas ferramentas pra lidar com o mundo

da forma que, no futuro, o mercado, a sociedade

o patrão, vai valorizar. Então, quando a gente pensa

"ai, talento não tem nada a ver com sexo, gênero,

orientação sexual". Não é bem por aí! Quantas pessoas LGBTQIA+

se entendem como tímidas, se entendem

como, ah, socialmente mais desajustadas, antissoci... e, na verdade,

é só o reflexo de um período da vida de

só tiro, porrada, bomba, dedo no c* e gritaria. E, pra lidar

com esse mundo e se inserir nessa ordem simbólica, essa criança

abre mão das coisas que ela poderia ter

sido né? É como se todos e todas e todes nascêssemos

autênticos e, ao longo da vida, a gente se encaixasse num

exército de clones, né? Sei lá, com três opções possíveis,

quatro. E aí a gente nasce com infinitas possibilidades

e termina a vida todo mundo igual. Portanto, né,

a ideia que eu quero deixar aqui é que discutir as origens

da LGBTfobia, entender a operação do sistema,

entender o que que é uma tentativa de responsabilizar

indivíduo e ter em mente processo histórico e social.

E entender até o papel dos cuidadores, né, ou

dos aparelhos repressivos do Estado no desenvolvimento de tudo isso

é tentar lançar um olhar mais holista, tentar lançar um

olhar que englobe a totalidade e possa fazer uma

análise concreta da situação concreta. Esse

mês marca as nossas lutas, resistências, avanços,

conquistas. E a frase que eu preciso deixar pra

vocês é uma antiga que a gente já tá cansado de dizer, né?

Que foram eles quem criaram a LGBTfobia.

O nosso papel histórico é criar o orgulho. É um

pouco por isso também que não tenho paciência pra quem

tá no armário, sabe? Claro, né, caso a

caso. Tem gente que, se sair do armário, morre.

A gente mora no planeta Terra. Mais de 70 países criminalizam

uniões homoafetivas consensuais entre dois

adultos, duas adultas. Desses 70, ainda tem os países

que condenam com pena de morte, né? Mas, aqui, nos

nossos cenários em que dá para fazer luta, eu tenho

um pouco de ódio dessa galera "discreta", sabe?

Eu prefiro trocar a palavra discreta por

covarde, né? Porque a gente tem um papel histórico

de transformar LGBTfobia em orgulho.Tá, meus amores?

Então, eu conto com vocês. Semana que vem a gente já volta com o

Especial Carlinho. Um beijinho. Tcha-aau!