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Danilo Brito (Música Choro), SÉRGIO ASSAD o VIOLÃO BRASILEIRO consagrado NO MUNDO - entrevista por DANILO BRITO (2)

SÉRGIO ASSAD o VIOLÃO BRASILEIRO consagrado NO MUNDO - entrevista por DANILO BRITO (2)

Foi maravilhoso.

Exatamente nas vésperas de a gente estar saindo do Brasil.

A gente saiu para a Bratislava, na Tchecoslováquia, em 1979.

Mas lá eu tinha medo, ainda, de tocar essas coisas.

O alerta... o alerta: "Não pode! Não pode misturar!"

Aí em 1981... Não, em 1980.

A gente foi tocar em Paris, na...

Durante o concurso de Paris, concurso de violão.

Com a presença do Segovia, no júri... Ah, foi maravilhoso!

Coisa maluca, hein?

E lá a gente arriscou!

A gente tocou Piazzolla e tocamos Radamés.

A gente vinha fazendo aquele programa de Scarlatti, Giuliani, tradicional.

- Tradicional.

Quando a gente chegou ali, a plateia explodiu! Foi um delírio!

Eles urravam! Batiam!...

- E os tradicionalistas "mas esses vêm aqui avacalhar o negócio!" [risos]

Mas todo mundo gostou. Aí que está aquela coisa do colonizado.

Você está aqui no Brasil, "ah, essa música não pode ter valor..."

Mas lá é uma coisa que eles não tinham ouvido.

Hoje em dia está mais... Fica estranho contar essa história...

Todo o mundo está careca de ter ouvido, mas naquela época, não.

Hoje em dia a gente percebe

a grande aceitação da música brasileira, os músicos

músicos grandiosos, referências,

autoridade em estilos musicais no seu país,

realmente venerando a música brasileira.

O Choro, sobretudo.

Sérgio, o que é que você acha do Choro, da riqueza do Choro...?

Como música... como uma música estrutural, assim...?

No mundo... a aceitação.... Você continua tocando Choro...

Com esse violão revolucionário...

Como você vê a aceitação das pessoas ouvindo Choro fora do Brasil?

Eu acho que está cada vez maior.

A linguagem do Choro está se fazendo conhecer em vários centros culturais.

Acho que se você for ver hoje, fizer um mapa-múndi aí

Você vai ter vários clubes de Choro espalhados pelo mundo.

Você vai encontrar clube do Choro lá em São Francisco,

em Chicago, em Nova Iorque.

Em grandes cidades, mas tem sempre um clube de Choro.

- Europa, também. - Europa, também.

- Japão está cheio de gente tocando Choro. - Muito cheio, exatamente.

- Engraçado que eles tocam sem sotaque. - Exato.

Então, é uma linguagem que é muito admirada.

Eu aconselho os alunos, todos, de violão...

Eu lecionei em São Francisco, CA, no conservatório, durante quase dez anos.

Eu aconselhava os alunos a ouvirem... Choro.

E a tirar coisas de ouvido.

Vocês estão muito habituados com partitura e

vocês não desenvolvem a audição, não é?

- Isso lá nos EUA? - Nos EUA.

Os que eu consegui convencer, porque nem todos você consegue.

Se enveredaram um pouquinho pelo caminho, entenderam...

Eu criei uma aula de Choro para os meus alunos de violão,

em que eu fazia todo o mundo participar,

improvisar um pouquinho, fazer harmonia triadina, fazer harmonia sem...

- Ou seja, como você aprendeu, como você foi criado. - Exatamente.

O chorão, o músico brasileiro...

Tradicionalmente, ele aprende assim, de maneira informal, em rodas de Choro,

batendo papo, olhando o outro tocar, ouvindo o disco,

tirando o das gravações numa fita.

Hoje em dia temos algumas escolas, com mestre e tal.

Mas o brasileiro sempre aprendeu na raça.

E o que para muitos pode parecer uma

certa deficiência, por um lado,

essa falta de conhecimento acadêmico,

- por outro lado, desenvolve o lado da percepção. - É.

E fica uma coisa muito mais intuitiva, mais natural.

Essa malemolência, essa certa

malandragem, no melhor sentido da palavra

que o músico brasileiro tem, não é?

Essa facilidade de tocar de ouvido.

Está tocando um negócio, ele já entra, vai no meio.

É verdade.

E o Choro é...

Quando o sujeito não tem essa espontaneidade,

é difícil fazer soar bem um instrumentista tocando Choro.

Porque vira um negócio muito régido. O sujeito vai ler uma partitura...

Ele pode até tocar bem, tecnicamente perfeito, muito limpinho.

Mas o espírito do Choro, essa leveza, essa liberdade...

É claro que tem coisas associadas também.

Tem o tipo de som que é associado ao Choro.

Então, quando as pessoas falam assim: "Você toca Choro?"

Eu digo eu aprecio muito, eu gosto muito, mas eu não tenho

a sonoridade do Choro.

Eu não toco com dedeira, eu não toco violão de corda de aço encapado.

Eu toco violão de náilon.

Então, tem essa história

que tem uma sonoridade que eu gosto muito

que é do próprio Choro, com os baixo mais apagados.

- O violão de aço abafadinho. - Exatamente, eu gosto disso.

Dedeira de aço.

Que eu posso comparar um pouquinho com a história do flamenco.

Que também tem um som muito associado ao estilo.

Você pensa que a pessoa está tocando muito forte, mas ele, normalmente, é mais fraco.

Explode com uma facilidade incrível.

E o violão brasileiro tem essa cor também.

Tem uma coisa muito particular,

uma linguagem que incorpora o Choro, mas também outros estilos de música.

Você toca Choro... Você falou desse negócio de sonoridade...

porque toca com corda de náilon, não de aço, não toca com dedeira...

Mas isso isso pra você não faz diferença alguma.

- Você toca Choro como ninguém. - [risos]

Não! É!

Eu digo para os amigos assim

Eu entro numa roda de Choro, mas eu sou reserva.

Alguém sai da cadeira, eu entro...

Que conversa!

A alma do chorão, o espírito, a intenção.

Ninguém pode ter isso melhor do que você.

Eu acho que a primeira vez que a gente toca...

A gente estava brincando um pouquinho, tocando alguma coisa...

Eu acho que é a primeira vez que a gente toca para valer nós dois assim.

A gente já participou de algumas rodas, alguma coisa assim...

Mas é impressionante a sensibilidade que ele tem.

Eu solando uma coisa de Ernesto Nazareth

e a impressão que eu tive é que

fazia anos que a gente vinha ensaiando esse negócio, sabe?

O sincronismo, a leveza, a percepção, o silêncio...

Esse negócio de respeitar o silêncio da música.

O tempo de cada nota, a respiração da música.

Isso é uma coisa... É um conhecimento...

Que só realmente um grande mestre tem.

Isso não é para todo mundo, não.

Mas isso eu não creio que tenha uma associação direta...

É música, não tem associação direta com o Choro.

Não, não.

Você é um músico excepcional, que é chorão porque toca bandolim e toca Choro.

Você poderia tocar qualquer coisa.

O que você quisesse, escolhesse, para tocar, você poderia tocar.

Você pode tocar música barroca se você quiser,

música clássica direto, Haydn...

Aliás, teve uma época que havíamos pensado fazer um projeto juntos,

mas essa coisa de pandemia, virou tudo de ponta-cabeça.

Virou o contrário.

- Mas ainda há tempo. - Ainda é tempo.

Aliás, a gente falou em alguma coisa...

Tá bom! Vamos tocar um negócio aqui!

Vamos ver se a gente acerta tocar... Se eu acerto tocar!

Aquela valsa de Nazareth que se chama "Faceira".

Nazareth é um dos grandes pilares da música brasileira,

pianista, nasceu em 1863,

já falecido, diga-se de passagem... [risos]

Mas escutem isso aqui é uma obra-prima.

Está afinado?

Esqueçam o bandolim! Prestem atenção nesse homem aqui tocar!

- Que honra maestro! - Um prazer te ouvir.

Oh, Sérgio, só voltando uma coisinha.

Você... cresceu ouvindo música tradicional brasileira,

música popular, porém uma música riquíssima.

E teve sua instrução do violão erudito,

repertório da música clássica, não é?

Quando você decidiu fazer essa mescla,

Quais os artistas que você procurou, que você pensou?

Ou seja, artistas de música popular,

mas com um pé no erudito?

Músico erudito com um pé na música popular?

Como foi isso?

Eu acho que eu fui por aí mesmo.

A gente tocou as coisas que eu ouvia... Eu ouvia música popular brasileira direto.

Mas fui procurar aqueles compositores que eu achei que eram mais híbridos.

- Que era o caso do Radamés... - Villa-Lobos?

Villa-Lobos lá fora, sempre foi considerado o clássico.

Então não tinha problema nenhum tocar Villa-Lobos, mas os outros, sim...

Aí eu fui buscando por ali.

O Egberto, o Hermeto...

A gente fez um disco...

- Piazzolla? - Piazzolla, também.

A gente fez um disco chamado "Alma Brasileira",

que foi uma espécie de divisor de águas para a gente,

que cristalizou exatamente aquela ideia que eu tinha de que música

não tem barreiras, não tem fronteiras.

Música é boa ou não é.

Naquele disco entrou o Marlos Nobre, que representa um pouco,

digamos, o erudito brasileiro,

mas a música dele é calcada em música tradicional brasileira.

O que está no disco, pelo menos, é isso. Entrou Villa-Lobos.

Entrou Egberto, entrou Hermeto.

- Francisco Mignone? - Mignone estaria aí também.

Nesse disco não está, mas poderia estar.

Tinha até coisa do Wagner Tiso.

Que podia também, dependendo do que ele escreve,

Acho que poderia estar ali.

E ficou mais ou menos...

Essa ideia foi numa época completamente inusitada, foi uma proposta inusitada.

Vamos romper as barreiras entre essa coisa da música clássica e da música popular brasileira.

E foi uma decolagem espetacular, porque

você e seu irmão viraram a referência mundial de duo de violão.

E tocando um negócio

que era novo aos ouvidos da plateia.

Houve uma entrevista que eu dei para a Classical Guitar que foi em 1984, talvez...

Eu previ isso tudo. Eu falei esses compositores vão ser muito respeitados.

Vai se tocar muito a música deles para violão, para daqui mais uns anos...

O caso do Egberto, é um dos grandes exemplos.

As pessoas vão, arranjam, acabam arranjando...

Tem arranjos da música do Egberto, do próprio Hermeto,

São pessoas que têm um pouco mais de experiência com jazz.

Mas então é uma proposta diferente.

São pessoas que são mais abertas que incorporam jazz

dentro do repertório de música erudita que eles fazem.

Eles conseguem misturar Bach e conseguem tocar Egberto, também.

Foi mais ou menos o que a gente fez.

- Mas a gente foi bem precursor. - Sim.

Essa história, por exemplo, do Piazzolla

rendeu muito fruto, porque

a gente passou a tocar música dele

que eu tirava de ouvido em 1976, 1977, numa época em que ninguém tocava.

E a gente acabou tocando isso para o próprio Piazzolla no começo dos anos 1980

Ele ouviu, ele pirou.

Ele falou "Vou escrever pra vocês" numa época que a gente estava começando a carreira.

Ele disse que estava de férias, que ia para Punta del Leste,

Três meses depois, ele mandou a partitura do "Tango Suite", uma peça que virou "iconic".

Uma peça chave

nessa transição entre o clássico e a coisa mais tradicional.

A gente gravou a "Tango Suite" em 1984, e a "Tango Suite" abriu portas,

não apenas para nós mas para muita gente, uma música que rompeu realmente barreiras.

Ela foi gravada por Al Di Meola.

Depois, nós mesmo gravamos a própria "Tango Suite", que eu adaptei para cello com o Yo-Yo Ma.

Alguns anos mais tarde.

E aquela história do Piazzolla, sobretudo depois que ele faleceu,

Abriu portas para muita gente que resolveu praticar aquele estilo.

Acho que se eu fosse selecionar duas obras marcantes na nossa vida é

"Tango Suite", de Piazzolla e a suíte "Retratos", do Radamés.

E por falar em suíte "Retratos" de Radamés,

o Radamés escreveu

essa obra, originalmente, para bandolim e orquestra, para Jacob do Bandolim gravar.

Escreveu entre 1956 e 1958, gravado em 1964.

E a gente estava conversando aqui

que em 1965 você foi a um programa...

- Programa de rádio ou TV? - Programa de TV da Record,

- Na Record, em São Paulo? - Foi, foi...

Com Jacob do Bandolim!

Essa história, eu estava comentando contigo, lá em São Paulo tinha o Regional do D'Áuria, o Atlântico,

e um dos solistas era o Garcia.

Agostinho Garcia, que era grande amigo do meu pai.

Ele vinha aqui para o interior, frequentemente, trazia sempre a tiracolo

um violonista, Silão,

que tocava coisas bonitas, eu adorava aquilo...

E o Garcia viu a gente tocar e falou assim:

"Esses meninos tem que ir lá, tocar com o Jacob."

Ele falou com o Jacob que estava indo para São Paulo, que o Jacob morava no Rio,

para participar do programa da Elizeth Cardoso, chamado Bossaudade.

E nós fomos para São Paulo

para encontrar lá nos bastidores.

Ele disse, "Se eles forem bons, como você está dizendo...", disse ao Garcia,

"Eles vão tocar comigo", e a gente encontrou com o Jacob nos bastidores,


SÉRGIO ASSAD o VIOLÃO BRASILEIRO consagrado NO MUNDO - entrevista por DANILO BRITO (2) SÉRGIO ASSAD, THE BRAZILIAN VIOLION HONORED WORLDWIDE - interview by DANILO BRITO (2) СЕРДЖО АСАД - БРАЗИЛЬСЬКИЙ АЛЬТОН, освячений У СВІТІ - інтерв'ю ДАНІЛО БРІТО (2)

Foi maravilhoso. It was wonderful.

Exatamente nas vésperas de a gente estar saindo do Brasil. Exactly on the eve of us leaving Brazil.

A gente saiu para a Bratislava, na Tchecoslováquia, em 1979. We left for Bratislava, Czechoslovakia, in 1979.

Mas lá eu tinha medo, ainda, de tocar essas coisas. But I was still afraid to play these things then.

O alerta... o alerta: "Não pode! Não pode misturar!" The alert... the alert: "You can't! You can't mix!"

Aí em 1981... Não, em 1980. Then in 1981... No, in 1980.

A gente foi tocar em Paris, na... We went to play in Paris, at...

Durante o concurso de Paris, concurso de violão. During the Paris contest, guitar contest.

Com a presença do Segovia, no júri... Ah, foi maravilhoso! With Segovia on the jury... Oh, it was wonderful!

Coisa maluca, hein? Crazy thing, huh?

E lá a gente arriscou! And there we took the risk!

A gente tocou Piazzolla e tocamos Radamés. We played Piazzolla and we played Radamés.

A gente vinha fazendo aquele programa de Scarlatti, Giuliani, tradicional. We had been doing that repertoire of Scarlatti, Giuliani, traditional.

- Tradicional. - Traditional.

Quando a gente chegou ali, a plateia explodiu! Foi um delírio! When we got to those, the audience exploded! It was insane!

Eles urravam! Batiam!... They howled! They stepped!...

- E os tradicionalistas "mas esses vêm aqui avacalhar o negócio!" [risos] - And the traditionalists "but these guys come here to spoil the business!" [laughs]

Mas todo mundo gostou. Aí que está aquela coisa do colonizado. But everyone liked it. There's that colonized thing.

Você está aqui no Brasil, "ah, essa música não pode ter valor..." You're here in Brazil, "ah, this music can't have value..."

Mas lá é uma coisa que eles não tinham ouvido. But there it was something they hadn't listened.

Hoje em dia está mais... Fica estranho contar essa história... Nowadays it's more... It's weird to tell this story...

Todo o mundo está careca de ter ouvido, mas naquela época, não. Everyone have listened that, but back then, no.

Hoje em dia a gente percebe Today we realize

a grande aceitação da música brasileira, os músicos the great acceptance of Brazilian music, musicians

músicos grandiosos, referências, great musicians, references,

autoridade em estilos musicais no seu país, authority on musical styles in their countries,

realmente venerando a música brasileira. really worshiping Brazilian music.

O Choro, sobretudo. Choro, especially.

Sérgio, o que é que você acha do Choro, da riqueza do Choro...? Sérgio, what do you think of Choro, of Choro's richness...?

Como música... como uma música estrutural, assim...? As music... as structural music, like ...?

No mundo... a aceitação.... Você continua tocando Choro... The acceptance of it in the world... You keep playing Choro...

Com esse violão revolucionário... With your revolutionary guitar...

Como você vê a aceitação das pessoas ouvindo Choro fora do Brasil? How do you see the acceptance of audience towards Choro outside Brazil?

Eu acho que está cada vez maior. I think it's getting bigger.

A linguagem do Choro está se fazendo conhecer em vários centros culturais. The language of Choro is making itself known in several cultural centers.

Acho que se você for ver hoje, fizer um mapa-múndi aí I think if you look around, a world map

Você vai ter vários clubes de Choro espalhados pelo mundo. You will see several Choro clubs around the world.

Você vai encontrar clube do Choro lá em São Francisco, You will find a Choro club in San Francisco,

em Chicago, em Nova Iorque. in Chicago, in New York.

Em grandes cidades, mas tem sempre um clube de Choro. In big cities, but there's always a Choro club.

- Europa, também. - Europa, também. - Europe, too. - Europe, too.

- Japão está cheio de gente tocando Choro. - Muito cheio, exatamente. - Japan has many people playing Choro. - Many, exactly.

- Engraçado que eles tocam sem sotaque. - Exato. - Funny that they play without accent. - Exactly.

Então, é uma linguagem que é muito admirada. So, it is a language that is very much admired.

Eu aconselho os alunos, todos, de violão... I advise all students guitar students...

Eu lecionei em São Francisco, CA, no conservatório, durante quase dez anos. I taught in San Francisco, CA, at the conservatory, for almost ten years.

Eu aconselhava os alunos a ouvirem... Choro. I advised students to listen... Choro.

E a tirar coisas de ouvido. And getting things by ear.

Vocês estão muito habituados com partitura e "You are very used to sheet music and

vocês não desenvolvem a audição, não é? you don't develop hearing"

- Isso lá nos EUA? - Nos EUA. - That in the US? - In the USA.

Os que eu consegui convencer, porque nem todos você consegue. The ones I could convince, because not all of you can.

Se enveredaram um pouquinho pelo caminho, entenderam... The ones who went this path they understood...

Eu criei uma aula de Choro para os meus alunos de violão, I created a Choro class for my guitar students,

em que eu fazia todo o mundo participar, in which I made everyone participate,

improvisar um pouquinho, fazer harmonia triadina, fazer harmonia sem... improvise a little, triadina harmony, do harmony without...

- Ou seja, como você aprendeu, como você foi criado. - Exatamente. - The way you learned, the way you were raised. - Exactly.

O chorão, o músico brasileiro... The "chorão", the Brazilian musician...

Tradicionalmente, ele aprende assim, de maneira informal, em rodas de Choro, Traditionally, he learns like this, informally, in Rodas de Choro [Choro jams],

batendo papo, olhando o outro tocar, ouvindo o disco, chatting, watching the other play, listening to the record,

tirando o das gravações numa fita. getting it by ear from a tape.

Hoje em dia temos algumas escolas, com mestre e tal. Today we have some schools, with teachers and such.

Mas o brasileiro sempre aprendeu na raça. But Brazilians always learned in practice.

E o que para muitos pode parecer uma And while many may seem it like a

certa deficiência, por um lado, a certain deficiency, on the one hand,

essa falta de conhecimento acadêmico, this lack of academic knowledge,

- por outro lado, desenvolve o lado da percepção. - É. - on the other hand, it develops the perception. - IT IS.

E fica uma coisa muito mais intuitiva, mais natural. And it becomes something much more intuitive, more natural.

Essa malemolência, essa certa This malemolence, this certain

malandragem, no melhor sentido da palavra trickery, in the best sense of the word

que o músico brasileiro tem, não é? that the Brazilian musician has, right?

Essa facilidade de tocar de ouvido. This ease of playing by ear.

Está tocando um negócio, ele já entra, vai no meio. There's something playing, he gets in right in the middle.

É verdade. It is true.

E o Choro é... And Choro is...

Quando o sujeito não tem essa espontaneidade, When the person does not have this spontaneity,

é difícil fazer soar bem um instrumentista tocando Choro. it's hard to make it sound good playing Choro.

Porque vira um negócio muito régido. O sujeito vai ler uma partitura... Because it becomes a very strict business. Reading sheet music...

Ele pode até tocar bem, tecnicamente perfeito, muito limpinho. One can even play well, technically perfect, very clean.

Mas o espírito do Choro, essa leveza, essa liberdade... But the spirit of Choro, that lightness, that freedom...

É claro que tem coisas associadas também. Of course, there are associated things too.

Tem o tipo de som que é associado ao Choro. There is the kind of sound that is associated with Choro.

Então, quando as pessoas falam assim: "Você toca Choro?" So when people say , "Do you play Choro?"

Eu digo eu aprecio muito, eu gosto muito, mas eu não tenho I say I appreciate it a lot, I like it a lot, but I don't have

a sonoridade do Choro. the sound of Choro.

Eu não toco com dedeira, eu não toco violão de corda de aço encapado. I don't play with a thumb pick, I don't play a steel string guitar.

Eu toco violão de náilon. I play nylon guitar.

Então, tem essa história So there's this story

que tem uma sonoridade que eu gosto muito there is this sound that I like a lot

que é do próprio Choro, com os baixo mais apagados. which is from Choro itself, with muffled basses.

- O violão de aço abafadinho. - Exatamente, eu gosto disso. - The muffled steel guitar. - Exactly, I like it.

Dedeira de aço. Steel thumb pick.

Que eu posso comparar um pouquinho com a história do flamenco. That I can compare a little bit with flamenco music.

Que também tem um som muito associado ao estilo. Which also has a sound very associated with the style.

Você pensa que a pessoa está tocando muito forte, mas ele, normalmente, é mais fraco. You think the person is playing too heavy, but he is usually more loose.

Explode com uma facilidade incrível. It explodes with incredible ease.

E o violão brasileiro tem essa cor também. And the Brazilian guitar has this color too.

Tem uma coisa muito particular, There's a very particular thing,

uma linguagem que incorpora o Choro, mas também outros estilos de música. a language that incorporates Choro, but also other styles of music.

Você toca Choro... Você falou desse negócio de sonoridade... You play Choro... You talked about this sound thing...

porque toca com corda de náilon, não de aço, não toca com dedeira... that you with a nylon strings, not steel, you don't play with thumb pick...

Mas isso isso pra você não faz diferença alguma. But that doesn't make any difference to you.

- Você toca Choro como ninguém. - [risos] - You play Choro like no one else. - [laughs]

Não! É! No! IT IS!

Eu digo para os amigos assim I say to friends

Eu entro numa roda de Choro, mas eu sou reserva. I may join a "Roda de Choro" [Choro jam], but I'm the spare.

Alguém sai da cadeira, eu entro... Someone leaves the chair, I get in...

Que conversa! Come on!

A alma do chorão, o espírito, a intenção. The "chorão' soul, spirit, intention.

Ninguém pode ter isso melhor do que você. Nobody can have it better than you.

Eu acho que a primeira vez que a gente toca... I think the first time we played...

A gente estava brincando um pouquinho, tocando alguma coisa... We were playing a little bit, playing something...

Eu acho que é a primeira vez que a gente toca para valer nós dois assim. I think it's the first time we've really played together like this.

A gente já participou de algumas rodas, alguma coisa assim... We've already participated of some "Rodas de Choro" [jams]...

Mas é impressionante a sensibilidade que ele tem. But the sensitivity he has is impressive .

Eu solando uma coisa de Ernesto Nazareth I was soloing something by Ernesto Nazareth

e a impressão que eu tive é que and the impression I had was that

fazia anos que a gente vinha ensaiando esse negócio, sabe? we had been rehearsing this thing for years, you know?

O sincronismo, a leveza, a percepção, o silêncio... The synchronism, the lightness, the perception, the silence...

Esse negócio de respeitar o silêncio da música. This business of respecting the silence of music.

O tempo de cada nota, a respiração da música. The tempo of each note, the breath of the music.

Isso é uma coisa... É um conhecimento... That's a thing... It's a knowledge...

Que só realmente um grande mestre tem. That only a really great master has.

Isso não é para todo mundo, não. This is not for everyone, no.

Mas isso eu não creio que tenha uma associação direta... But this I don't believe has a direct association...

É música, não tem associação direta com o Choro. It's music, it has no direct association with Choro.

Não, não. No, no.

Você é um músico excepcional, que é chorão porque toca bandolim e toca Choro. You are an exceptional musician, who is a "chorão"because you play mandolin and play Choro.

Você poderia tocar qualquer coisa. You could play anything.

O que você quisesse, escolhesse, para tocar, você poderia tocar. Whatever you want, choose, to play, you can play.

Você pode tocar música barroca se você quiser, You can play baroque music if you want,

música clássica direto, Haydn... classical music, Haydn...

Aliás, teve uma época que havíamos pensado fazer um projeto juntos, In fact, there was a time when we thought of doing something together,

mas essa coisa de pandemia, virou tudo de ponta-cabeça. But this pandemic thing turned everything upside down.

Virou o contrário. It turned things upside down.

- Mas ainda há tempo. - Ainda é tempo. - But there's still time. - There's still time.

Aliás, a gente falou em alguma coisa... By the way, we talked about something...

Tá bom! Vamos tocar um negócio aqui! Fine! Let's play something here!

Vamos ver se a gente acerta tocar... Se eu acerto tocar! Let's see if we can play it... If I can play it right!

Aquela valsa de Nazareth que se chama "Faceira". That waltz by Nazareth called "Faceira".

Nazareth é um dos grandes pilares da música brasileira, Nazareth is one of the great pillars of Brazilian music,

pianista, nasceu em 1863, pianist, was born in 1863,

já falecido, diga-se de passagem... [risos] already deceased, by the way... [laughs]

Mas escutem isso aqui é uma obra-prima. But listen this is a masterpiece.

Está afinado? Are you in tune?

Esqueçam o bandolim! Prestem atenção nesse homem aqui tocar! Forget the mandolin! Pay attention to this man here playing!

- Que honra maestro! - Um prazer te ouvir. - What an honor, maestro! - A pleasure to listen to you.

Oh, Sérgio, só voltando uma coisinha. Oh, Sérgio, just coming back a little.

Você... cresceu ouvindo música tradicional brasileira, You... grew up listening to traditional Brazilian music,

música popular, porém uma música riquíssima. popular music, but a very rich music.

E teve sua instrução do violão erudito, And you had your classical guitar instruction,

repertório da música clássica, não é? classical music repertoire, right?

Quando você decidiu fazer essa mescla, When you decided to make this blend,

Quais os artistas que você procurou, que você pensou? What artists did you look for, you think of?

Ou seja, artistas de música popular, I mean, popular music artists,

mas com um pé no erudito? with one foot on classical?

Músico erudito com um pé na música popular? Classical musician with a foot in popular music?

Como foi isso? How was that?

Eu acho que eu fui por aí mesmo. I think I went that way.

A gente tocou as coisas que eu ouvia... Eu ouvia música popular brasileira direto. We played the things I listened to... I listened to Brazilian popular music all the time.

Mas fui procurar aqueles compositores que eu achei que eram mais híbridos. But I went looking for those composers that I thought were more hybrid.

- Que era o caso do Radamés... - Villa-Lobos? - Which was the case with Radamés... - Villa-Lobos?

Villa-Lobos lá fora, sempre foi considerado o clássico. Villa-Lobos everywhere has always been considered the classic.

Então não tinha problema nenhum tocar Villa-Lobos, mas os outros, sim... So there was no problem playing Villa-Lobos, but the others it was...

Aí eu fui buscando por ali. So I went searching this way.

O Egberto, o Hermeto... Egberto, Hermeto...

A gente fez um disco... We made an album...

- Piazzolla? - Piazzolla, também. - Piazzolla? - Piazzolla, too.

A gente fez um disco chamado "Alma Brasileira", We made an album called "Alma Brasileira",

que foi uma espécie de divisor de águas para a gente, which was a kind of a turning point for us,

que cristalizou exatamente aquela ideia que eu tinha de que música that crystallized exactly that idea I had, that music

não tem barreiras, não tem fronteiras. has no boundaries, it has no limits.

Música é boa ou não é. Music is good or it isn't.

Naquele disco entrou o Marlos Nobre, que representa um pouco, Marlos Nobre was on that album, who represents a little,

digamos, o erudito brasileiro, say, the Brazilian classical,

mas a música dele é calcada em música tradicional brasileira. but his music is based on traditional Brazilian music.

O que está no disco, pelo menos, é isso. Entrou Villa-Lobos. What's on the album, at least, is. Villa-Lobos was there.

Entrou Egberto, entrou Hermeto. Egberto, Hermeto.

- Francisco Mignone? - Mignone estaria aí também. - Francisco Mignone? - Mignone would be there too.

Nesse disco não está, mas poderia estar. It's not on this one, but he could have been.

Tinha até coisa do Wagner Tiso. There was even something by Wagner Tiso.

Que podia também, dependendo do que ele escreve, Who could also, depending on what he writes,

Acho que poderia estar ali. I think, could be there.

E ficou mais ou menos... And it was more or less...

Essa ideia foi numa época completamente inusitada, foi uma proposta inusitada. This idea, back then, was a completely unusual thing, it was an unusual proposal.

Vamos romper as barreiras entre essa coisa da música clássica e da música popular brasileira. Let's break down the barriers between classical music and Brazilian popular music.

E foi uma decolagem espetacular, porque And it was a wonderful breakthrough, because

você e seu irmão viraram a referência mundial de duo de violão. You and your brother became the world reference of guitar duo.

E tocando um negócio And playing something

que era novo aos ouvidos da plateia. that was new to the audience's ears .

Houve uma entrevista que eu dei para a Classical Guitar que foi em 1984, talvez... There was an interview I did for Classical Guitar, it was in 1984, maybe...

Eu previ isso tudo. Eu falei esses compositores vão ser muito respeitados. I foresaw it all. I said those composers are going to be very respected.

Vai se tocar muito a música deles para violão, para daqui mais uns anos... Their music will be played a lot on guitar in a couple of years...

O caso do Egberto, é um dos grandes exemplos. The case of Egberto is one of the great examples.

As pessoas vão, arranjam, acabam arranjando... People arrange, ended up arranging...

Tem arranjos da música do Egberto, do próprio Hermeto, There are arrangements of Egberto, Hermeto music.

São pessoas que têm um pouco mais de experiência com jazz. These are people who have a little more experience with jazz.

Mas então é uma proposta diferente. But then it's a different proposition.

São pessoas que são mais abertas que incorporam jazz It's people who are more open who incorporate jazz

dentro do repertório de música erudita que eles fazem. within the classical music repertoire they make.

Eles conseguem misturar Bach e conseguem tocar Egberto, também. They can mix Bach and they can play Egberto, too.

Foi mais ou menos o que a gente fez. That's more or less what we did.

- Mas a gente foi bem precursor. - Sim. - But we were quite a precursor. - Yes.

Essa história, por exemplo, do Piazzolla This story, for example, of Piazzolla

rendeu muito fruto, porque brought many fruits, because

a gente passou a tocar música dele we started playing his music

que eu tirava de ouvido em 1976, 1977, numa época em que ninguém tocava. that I used to get by ear in 1976, 1977, at a time nobody played it.

E a gente acabou tocando isso para o próprio Piazzolla no começo dos anos 1980 And we ended up playing it for Piazzolla himself in the early 1980s

Ele ouviu, ele pirou. He listened, he freaked out!

Ele falou "Vou escrever pra vocês" numa época que a gente estava começando a carreira. He said "I'll write for you" at a time when we were starting our careers.

Ele disse que estava de férias, que ia para Punta del Leste, He said he was on vacation, that he was going to Punta del Este,

Três meses depois, ele mandou a partitura do "Tango Suite", uma peça que virou "iconic". Three months later, he sent the score for the "Tango Suite", a piece that became "iconic".

Uma peça chave A key piece

nessa transição entre o clássico e a coisa mais tradicional. in this transition between the classical and the more traditional thing.

A gente gravou a "Tango Suite" em 1984, e a "Tango Suite" abriu portas, We recorded "Tango Suite" in 1984, and "Tango Suite" opened doors,

não apenas para nós mas para muita gente, uma música que rompeu realmente barreiras. not just for us, but for a lot of people, a song that really broke barriers.

Ela foi gravada por Al Di Meola. It was recorded by Al Di Meola.

Depois, nós mesmo gravamos a própria "Tango Suite", que eu adaptei para cello com o Yo-Yo Ma. Afterwards, we recorded our own "Tango Suite", which I adapted for cello with Yo-Yo Ma.

Alguns anos mais tarde. A few years later.

E aquela história do Piazzolla, sobretudo depois que ele faleceu, And that story about Piazzolla, especially after he died,

Abriu portas para muita gente que resolveu praticar aquele estilo. It opened doors for many people who decided to practice that style.

Acho que se eu fosse selecionar duas obras marcantes na nossa vida é I think that if I were to select two breaking through works in our lives, it would be

"Tango Suite", de Piazzolla e a suíte "Retratos", do Radamés. "Tango Suite", by Piazzolla and the suite "Retratos", by Radamés.

E por falar em suíte "Retratos" de Radamés, And speaking of Radamés ' "Retratos" suite,

o Radamés escreveu Radames composed

essa obra, originalmente, para bandolim e orquestra, para Jacob do Bandolim gravar. this work, originally for mandolin and orchestra, for Jacob do Bandolim to record.

Escreveu entre 1956 e 1958, gravado em 1964. He composed between 1956 and 1958, and it was recorded in 1964.

E a gente estava conversando aqui And we were talking here

que em 1965 você foi a um programa... that in 1965 you went to TV show...

- Programa de rádio ou TV? - Programa de TV da Record, - Radio or TV show? - TV show, at Record.

- Na Record, em São Paulo? - Foi, foi... - At Record, in São Paulo? - It was was...

Com Jacob do Bandolim! With Jacob do Bandolim!

Essa história, eu estava comentando contigo, lá em São Paulo tinha o Regional do D'Áuria, o Atlântico, As I was telling you about it, there in São Paulo, there was the Regional do D'Áuria, the Atlântico [ensemble],

e um dos solistas era o Garcia. and one of the soloists was Garcia.

Agostinho Garcia, que era grande amigo do meu pai. Agostinho Garcia, who was a great friend of my father.

Ele vinha aqui para o interior, frequentemente, trazia sempre a tiracolo He often came here to the countryside, he would always bring

um violonista, Silão, a guitarist, Silão,

que tocava coisas bonitas, eu adorava aquilo... that played beautiful things, I loved that...

E o Garcia viu a gente tocar e falou assim: And Garcia saw us play and said:

"Esses meninos tem que ir lá, tocar com o Jacob." "These boys have to go there, play with Jacob."

Ele falou com o Jacob que estava indo para São Paulo, que o Jacob morava no Rio, He talked to Jacob that he was going to São Paulo - Jacob lived in Rio,

para participar do programa da Elizeth Cardoso, chamado Bossaudade. to participate in Elizeth Cardoso's TV show, called "Bossaudade".

E nós fomos para São Paulo And we went to São Paulo

para encontrar lá nos bastidores. to meet him there at the backstage.

Ele disse, "Se eles forem bons, como você está dizendo...", disse ao Garcia, He said, "If they're good, as you're saying...", he said to Garcia,

"Eles vão tocar comigo", e a gente encontrou com o Jacob nos bastidores, "They're coming to the stage with me," and we met Jacob backstage,