×

We use cookies to help make LingQ better. By visiting the site, you agree to our cookie policy.


image

BBC News 2021 (Brasil), Onde aconteceu o 1º casamento gay, há exatos 20 anos

Onde aconteceu o 1º casamento gay, há exatos 20 anos

Ao longo da história da Humanidade, o amor entre pessoas do mesmo sexo foi constantemente

perseguido e punido. Casais homossexuais se viram obrigados a disfarçar seus sentimentos,

enquanto religião, polícia e Justiça eram usados para intimidar e punir relações amorosas.

Sem falar que homossexuais não apenas tiveram que esconder o amor. Outros direitos,

comuns a casais heterossexuais, eram e, em alguns lugares, ainda são bloqueados.

Mas, finalmente, na virada do século passado para este século, isso começou a mudar.

Neste mês de abril são comemorados vinte anos desde o primeiro casamento

oficial entre pessoas do mesmo sexo, ocorrido na Holanda, em 2001.

Sou Camilla Veras Mota, da BBC News Brasil, e este é mais um vídeo da nossa

série 21 notícias que marcaram o século 21.

Vou contar como os países vêm evoluindo no reconhecimento de direitos e derrubando preconceitos,

até mesmo dentro de instituições religiosas que, por séculos, discriminaram a homoafetividade.

Pra começar, veja estaa declarações . "Homossexuais têm o direito de estar numa família"

"Eles são filhos de Deus e têm direito a uma família."

“Nós temos que criar uma lei de união civil. Deste jeito, eles estão cobertos”

Sabe quem fez estas declarações? O Papa Francisco, em outubro de 2020,

para um documentário chamado Francesco. Destaco esta fala do pontífice porque a

religião sempre foi usada para justificar limites e até mesmo agressões às pessoas homossexuais.

A Religião Católica, por exemplo, resiste a mais igualdade quando o assunto é casamento

homoafetivo. E, assim, interfere na forma como os Estados nacionais tratam do assunto.

Por isso, o papa citar a união legal, civil, simboliza uma mudança importante.

Até porque, a união civil foi a primeira forma de reconhecimento de parcerias homoafetivas

a quebrar a barreira da proibição e do preconceito. Antes mesmo do casamento.

Nos anos 60, havia países, como o Reino Unido, onde ser gay era crime. Em outros,

como Estados Unidos e Brasil, ser homossexual era considerado uma doença mental.

Até hoje, estima-se que mais de sessenta países – principalmente na Ásia e na

África - considerem a homossexualidade um crime. A repressão foi, ironicamente, o gatilho para um

dos mais importantes movimentos em defesa dos direitos e liberdades da História: Stonewall.

Em 1969, quando a polícia invadiu o bar Stonewall Inn, em Nova York,

tirou à força duzentas pessoas e bateu em muitas. Em resposta, a partir dali, uma série de marchas

tomaram as ruas de Nova York exigindo igualdade. Já em mil novecentos e setenta e dois, a primeira

marcha do orgulho gay aconteceu em Londres. Logo, ocorreriam em diversos lugares, sempre

dando destaque ao acesso a direitos iguais. Vinte anos se passaram desde os primeiros

protestos em Nova York até que, finalmente, a união entre pessoas do mesmo sexo fosse permitida.

E, veja, aqui estamos falando de união civil, não de casamento. Na união civil,

o estado reconhece e atribui direitos, mas não todos os direitos, como a adoção de filhos,

por exemplo. Por isso, muitos chamam a união civil de um casamento de segunda classe.

Ainda assim, em 1989, quando a Dinamarca se tornou o

primeiro país a adotar a união civil para casais do mesmo sexo, muita gente celebrou.

Logo, os vizinhos Noruega, Suécia e Islândia acompanharam,

e aprovaram a união civil ainda em meados dos anos 90.

A Holanda seguiu as nações escandinavas em 98. Mas os holandeses aceleraram as mudanças.

A permissão para a união civil, em vez de acalmar as demandas por direitos iguais,

levou a um aumento da pressão pelo casamento homoafetivo. Os diretos mais

limitados da união civil tornavam evidente a discriminação contra casais homoafetivos,

como na possibilidade de adoção de crianças. Em dezembro do ano 2000, pouco antes da

virada do milênio, a rainha Beatrix da Holanda assinou a lei aprovada pelos

congressistas: passava a valer o casamento homoafetivo, igualando todos os direitos.

A legislação holandesa entrou em vigor no dia primeiro de abril de 2001.

Noivos e noivas nem sequer esperaram o amanhecer. Logo após a meia-noite,

quatro casais foram unidos em matrimônio em Amsterdã, numa cerimônia civil conduzida pelo

prefeito da cidade e transmitida pela televisão. A novidade vinda da Holanda foi elogiada por

entidades de defesa de direitos humanos mundo afora. Era o grande momento de uma

luta de décadas por igualdade. No novo milênio, a mudança iria se espalhar.

O curioso é que muitos imaginaram que o que ocorreu nos países do Norte da Europa

tinha relação com religiosidade – ou a falta dela. Afinal, cerca de metade dos

holandeses diziam não ter religião. Mas, aí, ocorreu o que ninguém

esperava. E num país religioso. Em janeiro de 2003, o

Parlamento belga repetiu seu vizinho e votou a favor da medida. A Bélgica, onde mais da metade

da população era católica, inicialmente não permitiu a adoção de crianças por casais gays,

decisão que seria tomada três anos depois. Após Bélgica, novamente um país de maioria

católica aprovaria o casamento homoafetivo. E foi em dois mil e cinco, um ano particularmente

complicado para a Igreja Católica. Com a morte e o fim do papado de João Paulo

Segundo, o alemão Joseph Ratzinger, o Bento Dezesseis, se tornava papa.

Ratzinger era um conhecido conservador, que dirigia no Vaticano o órgão responsável por

manter a disciplina em assuntos eclesiásticos. Apenas dois meses depois da escolha do novo papa,

a Espanha, com mais de setenta por cento da população católica,

aprovava o casamento homoafetivo e dava direitos aos casais de adotar crianças.

Claro, houve oposição dos bispos espanhóis. Os religiosos chegaram

a dizer que o casamento homoafetivo fere os princípios da moral e da ordem.

Mas nem Ratzinger nem a pressão dos bispos espanhóis impediu que o direito ao casamento

fosse estendido a outros casais homossexuais. Ao longo das duas décadas seguintes, o casamento

homoafetivo foi sendo aprovado em diversos países. Muitos, como Portugal e Argentina, bem católicos.

O maior golpe para a Igreja Católica na Europa ainda estava por vir.

Na República da Irlanda, onde setenta e oito por cento dos habitantes se diziam

seguidores da Igreja de Roma, a população, e não o Parlamento ou a Suprema Corte, decidiu.

Num referendo, o voto popular dos irlandeses aprovou o casamento homoafetivo

Com participação de mais de 60% da população, o sim venceu com folga.

62% dos votos, contra 38% do não.

Os irlandeses garantiram aos homossexuais as mesmas garantias constitucionais

de qualquer outra família do país. A votação na Irlanda parece sinalizar

algo inevitável. Derrotada no país, a Igreja Católica não só evitou influenciar a votação

como sinalizou que algo havia mudado. As transformações também ocorreram

do outro lado do Oceano Atlântico. O Canadá foi o primeiro a aprovar o casamento

entre pessoas do mesmo sexo em dois mil e cinco. Dez anos depois, os Estados Unidos consolidariam

mudanças que já aconteciam em seus Estados. Antes de falar do Brasil, vou entrar mais

um pouco no caso dos Estados Unidos. Além de país precursor nos protestos

públicos em defesa de igualdade para homossexuais, o país pass por uma longa batalha,

cheia de idas e vindas. E de questões pessoais de seus líderes.

Para começar, antes da virada do milênio, o estado de Vermont havia decidido que era ilegal

limitar os direitos de casais homossexuais. Já a Califórnia limitaria o casamento a

união entre um homem e uma mulher. E aí, o então presidente entrou no debate para

frear as chances de uma lei nacional. E, para isso, ele usou a... religião.

Mas o vice-presidente dos Estados Unidos na época,

Dick Cheney, cuja filha Mary é lésbica, se distanciou do colega de chapa no assunto.

Assim como nos mais altos postos do país, a divergência também dividiu as Cortes.

Só na Califórnia, batalhas judiciais levaram anos, com vitórias parciais para ambos os lados.

E a divisão estava nas ruas. Segundo o instituto Gallup, em 2009 os

americanos ainda eram contrários ao casamento gay, numa proporção de 57% contra 40%. Em 2011,

o jogo virou, com a parcela da população favorável atingindo 53% contra 45%. A nova tendência se

manteve, e em meados de 2015, 60% dos americanos eram a favor do casamento gay, e 37% contra.

Finalmente, a Suprema Corte tomou a histórica decisão no dia 26 de

junho de 2015. Referindo-se à décima-quarta

emenda à Constituição americana – que em 1868 garantiu direitos

iguais e proteção da lei a todos os cidadãos do país, – a mais alta corte americana decidiu,

por cinco votos a quatro, que todos os Estados Unidos deveriam realizar e respeitar casamentos

entre pessoas do mesmo sexo com os mesmos direitos aplicados aos casais de sexos opostos

Em 2020, o Gallup registrou

que 67% por cento dos americanos defendem o direito ao casamento de homossexuais,

contra trinta e um por cento contrários. E no Brasil?

Com o fim do regime militar e a promulgação de uma nova Constituição, em

1988, os direitos civis dos cidadãos brasileiros foram garantidos por lei.

Ou seja, qualquer discriminação com base na sexualidade passou a ser um

desrespeito à Constituição.

O documento da liberdade

Foi preciso, no entanto, que o movimento de lésbicas, gays, bis, trans e demais avançasse em visibilidade e reconhecimento.

Um dos marcos na gradual conquista de reconhecimento social foi a realização

da primeira Parada Gay, em 1997, na cidade de São Paulo.

A festa contou com cerca de duas mil pessoas. Com o passar dos anos, passou a reunir mais

de um milhão de pessoas e entrou no calendário oficial da cidade. Sempre tendo como destaque

luta por igualdade para casais do mesmo sexo. Nos anos 2000, alguns Estados brasileiros

começaram a aceitar o estabelecimento de união civil homoafetiva. Entretanto,

com a constante recusa de cartórios pelo país em aceitar a realização de casamentos,

incluindo direito a herança e partilha de bens, a questão chegou ao Supremo Tribunal Federal.

Em 2011, a corte decidiu ser ilegal qualquer discriminação contra casais homoafetivos

no que se refere à união civil de duas pessoas. Dois anos depois, o Conselho Nacional de Justiça

publicou uma resolução estabelecendo que casais do mesmo sexo tinham o direito de se

casar com um registro civil, da mesma maneira que casais heterossexuais. Estava criado o casamento

homoafetivo no Brasil – não com uma nova lei, mas como resultado de decisões da Justiça com

base no que estabelece a Constituição. Os vizinhos sul-americanos Argentina,

Uruguai e Colômbia também aprovaram a medida, mas nem toda a América Latina seguiu o mesmo caminho.

O resto do mundo também é marcado por uma mistura de avanços e resistência a mudanças.

O mapa do casamento gay na Europa mostra uma clara linha divisória no centro do Velho

Continente. Uma faixa do lado ocidental, começando em Portugal, passando por Reino Unido a Finlândia,

já aprovou o casamento de pessoas do mesmo sexo. Ao mesmo tempo, o Leste Europeu continua

avesso à ideia. No meio, países como Itália, Grécia e outros adotaram leis de união civil,

sem oferecer a igualdade completa. No Leste da Europa houve retrocesso em relação

ao tema. Na Rússia, as duas primeiras décadas do milênio, sob a liderança de Vladimir Putin,

cresceu intolerância à homossexualidade. Em julho de dois mil e vente, os russos aprovaram

nas urnas várias mudanças na Constituição. Entre elas, uma que define o casamento exclusivamente

como a união entre um homem e uma mulher. No Oriente Médio, homossexuais correm o risco de

punições severas, como prisão, em nações do Mundo Árabe, e até a pena de morte, adotada no Irã.

Na região, o país mais tolerante à homossexualidade é Israel,

cuja cidade de Tel Aviv é conhecida por sua diversidade e por sua anual Parada do Orgulho Gay.

Em 2018 , a Índia descriminalizou a homossexualidade.

Desde então, homossexuais no país passaram a pedir a possibilidade da adoção do casamento. Na China, o Partido

Comunista deu sinais de que considera propostas de aprovação do casamento gay, mesmo sem medidas concretas

No Japão, aumentou a pressão para que as autoridades no país adotem a mudança.

Mas, apesar das promessas e dos avanços concretos, decisões obtidas em tribunais ou mesmo nas

urnas sempre podem acabar revistas.

As duas primeiras décadas do século 21 foram marcadas por vitórias dos defensores dos direitos humanos, particularmente

no caso do casamento homoafetivo. Mas, em grande parte do mundo,

a discriminação e várias outras formas de violência ainda ameaçam homossexuais.

E tudo isso por uma questão quase tão antiga quanto a Humanidade: o amor.

Em breve voltaremos com mais um vídeo da série 21 notícias que

marcaram o século 21. Se tiver dicas ou sugestões, deixe nos comentários.

Obrigado e até a próxima!


Onde aconteceu o 1º casamento gay, há exatos 20 anos Wo vor genau 20 Jahren die erste schwule Hochzeit stattfand Where the first gay wedding took place, exactly 20 years ago Де відбулося перше гей-весілля рівно 20 років тому

Ao longo da história da Humanidade, o amor  entre pessoas do mesmo sexo foi constantemente

perseguido e punido. Casais homossexuais se  viram obrigados a disfarçar seus sentimentos,

enquanto religião, polícia e Justiça eram  usados para intimidar e punir relações amorosas.

Sem falar que homossexuais não apenas  tiveram que esconder o amor. Outros direitos,

comuns a casais heterossexuais, eram e,  em alguns lugares, ainda são bloqueados.

Mas, finalmente, na virada do século passado  para este século, isso começou a mudar.

Neste mês de abril são comemorados  vinte anos desde o primeiro casamento

oficial entre pessoas do mesmo sexo,  ocorrido na Holanda, em 2001.

Sou Camilla Veras Mota, da BBC News  Brasil, e este é mais um vídeo da nossa

série 21 notícias que marcaram o século 21.

Vou contar como os países vêm evoluindo no reconhecimento de direitos  e derrubando preconceitos,

até mesmo dentro de instituições religiosas que,  por séculos, discriminaram a homoafetividade.

Pra começar, veja estaa declarações . "Homossexuais têm o direito de estar numa família"

"Eles são filhos de Deus e  têm direito a uma família."

“Nós temos que criar uma lei de união  civil. Deste jeito, eles estão cobertos”

Sabe quem fez estas declarações? O Papa  Francisco, em outubro de 2020,

para um documentário chamado Francesco. Destaco esta fala do pontífice porque a

religião sempre foi usada para justificar limites  e até mesmo agressões às pessoas homossexuais.

A Religião Católica, por exemplo, resiste a  mais igualdade quando o assunto é casamento

homoafetivo. E, assim, interfere na forma  como os Estados nacionais tratam do assunto.

Por isso, o papa citar a união legal,  civil, simboliza uma mudança importante.

Até porque, a união civil foi a primeira forma  de reconhecimento de parcerias homoafetivas

a quebrar a barreira da proibição e do  preconceito. Antes mesmo do casamento.

Nos anos 60, havia países, como o Reino  Unido, onde ser gay era crime. Em outros,

como Estados Unidos e Brasil, ser homossexual  era considerado uma doença mental.

Até hoje, estima-se que mais de sessenta  países – principalmente na Ásia e na

África - considerem a homossexualidade um crime. A repressão foi, ironicamente, o gatilho para um

dos mais importantes movimentos em defesa dos  direitos e liberdades da História: Stonewall.

Em 1969, quando a polícia invadiu o bar Stonewall Inn, em Nova York,

tirou à força duzentas pessoas e bateu em muitas. Em resposta, a partir dali, uma série de marchas

tomaram as ruas de Nova York exigindo igualdade. Já em mil novecentos e setenta e dois, a primeira

marcha do orgulho gay aconteceu em Londres. Logo, ocorreriam em diversos lugares, sempre

dando destaque ao acesso a direitos iguais. Vinte anos se passaram desde os primeiros

protestos em Nova York até que, finalmente, a  união entre pessoas do mesmo sexo fosse permitida.

E, veja, aqui estamos falando de união  civil, não de casamento. Na união civil,

o estado reconhece e atribui direitos, mas não  todos os direitos, como a adoção de filhos,

por exemplo. Por isso, muitos chamam a união  civil de um casamento de segunda classe.

Ainda assim, em 1989, quando a Dinamarca se tornou o

primeiro país a adotar a união civil para  casais do mesmo sexo, muita gente celebrou.

Logo, os vizinhos Noruega,  Suécia e Islândia acompanharam,

e aprovaram a união civil ainda  em meados dos anos 90.

A Holanda seguiu as nações escandinavas em 98. Mas os holandeses aceleraram as mudanças.

A permissão para a união civil, em vez de  acalmar as demandas por direitos iguais,

levou a um aumento da pressão pelo  casamento homoafetivo. Os diretos mais

limitados da união civil tornavam evidente  a discriminação contra casais homoafetivos,

como na possibilidade de adoção de crianças. Em dezembro do ano 2000, pouco antes da

virada do milênio, a rainha Beatrix da  Holanda assinou a lei aprovada pelos

congressistas: passava a valer o casamento  homoafetivo, igualando todos os direitos.

A legislação holandesa entrou em vigor  no dia primeiro de abril de 2001.

Noivos e noivas nem sequer esperaram  o amanhecer. Logo após a meia-noite,

quatro casais foram unidos em matrimônio em  Amsterdã, numa cerimônia civil conduzida pelo

prefeito da cidade e transmitida pela televisão. A novidade vinda da Holanda foi elogiada por

entidades de defesa de direitos humanos  mundo afora. Era o grande momento de uma

luta de décadas por igualdade. No novo  milênio, a mudança iria se espalhar.

O curioso é que muitos imaginaram que o  que ocorreu nos países do Norte da Europa

tinha relação com religiosidade – ou a  falta dela. Afinal, cerca de metade dos

holandeses diziam não ter religião. Mas, aí, ocorreu o que ninguém

esperava. E num país religioso. Em janeiro de 2003, o

Parlamento belga repetiu seu vizinho e votou a  favor da medida. A Bélgica, onde mais da metade

da população era católica, inicialmente não  permitiu a adoção de crianças por casais gays,

decisão que seria tomada três anos depois. Após Bélgica, novamente um país de maioria

católica aprovaria o casamento homoafetivo. E foi em dois mil e cinco, um ano particularmente

complicado para a Igreja Católica. Com  a morte e o fim do papado de João Paulo

Segundo, o alemão Joseph Ratzinger,  o Bento Dezesseis, se tornava papa.

Ratzinger era um conhecido conservador, que  dirigia no Vaticano o órgão responsável por

manter a disciplina em assuntos eclesiásticos. Apenas dois meses depois da escolha do novo papa,

a Espanha, com mais de setenta  por cento da população católica,

aprovava o casamento homoafetivo e dava  direitos aos casais de adotar crianças.

Claro, houve oposição dos bispos  espanhóis. Os religiosos chegaram

a dizer que o casamento homoafetivo  fere os princípios da moral e da ordem.

Mas nem Ratzinger nem a pressão dos bispos  espanhóis impediu que o direito ao casamento

fosse estendido a outros casais homossexuais. Ao longo das duas décadas seguintes, o casamento

homoafetivo foi sendo aprovado em diversos países.  Muitos, como Portugal e Argentina, bem católicos.

O maior golpe para a Igreja Católica  na Europa ainda estava por vir.

Na República da Irlanda, onde setenta e  oito por cento dos habitantes se diziam

seguidores da Igreja de Roma, a população, e  não o Parlamento ou a Suprema Corte, decidiu.

Num referendo, o voto popular dos  irlandeses aprovou o casamento homoafetivo

Com participação de mais de 60% da população, o sim venceu com folga.

62% dos votos, contra 38% do não.

Os irlandeses garantiram aos homossexuais  as mesmas garantias constitucionais

de qualquer outra família do país. A votação na Irlanda parece sinalizar

algo inevitável. Derrotada no país, a Igreja  Católica não só evitou influenciar a votação

como sinalizou que algo havia mudado. As transformações também ocorreram

do outro lado do Oceano Atlântico. O Canadá foi o primeiro a aprovar o casamento

entre pessoas do mesmo sexo em dois mil e cinco. Dez anos depois, os Estados Unidos consolidariam

mudanças que já aconteciam em seus Estados. Antes de falar do Brasil, vou entrar mais

um pouco no caso dos Estados Unidos. Além de país precursor nos protestos

públicos em defesa de igualdade para homossexuais,  o país pass por uma longa batalha,

cheia de idas e vindas. E de  questões pessoais de seus líderes.

Para começar, antes da virada do milênio, o  estado de Vermont havia decidido que era ilegal

limitar os direitos de casais homossexuais. Já a Califórnia limitaria o casamento a

união entre um homem e uma mulher. E aí,  o então presidente entrou no debate para

frear as chances de uma lei nacional.  E, para isso, ele usou a... religião.

Mas o vice-presidente dos Estados Unidos na época,

Dick Cheney, cuja filha Mary é lésbica, se  distanciou do colega de chapa no assunto.

Assim como nos mais altos postos do país, a  divergência também dividiu as Cortes.

Só na Califórnia, batalhas judiciais levaram anos,  com vitórias parciais para ambos os lados.

E a divisão estava nas ruas. Segundo o instituto Gallup, em 2009 os

americanos ainda eram contrários ao casamento  gay, numa proporção de 57% contra 40%. Em 2011,

o jogo virou, com a parcela da população favorável  atingindo 53% contra 45%. A nova tendência se

manteve, e em meados de 2015, 60% dos americanos  eram a favor do casamento gay, e 37% contra.

Finalmente, a Suprema Corte tomou a  histórica decisão no dia 26 de

junho de 2015. Referindo-se à décima-quarta

emenda à Constituição americana – que em 1868 garantiu direitos

iguais e proteção da lei a todos os cidadãos  do país, – a mais alta corte americana decidiu,

por cinco votos a quatro, que todos os Estados  Unidos deveriam realizar e respeitar casamentos

entre pessoas do mesmo sexo com os mesmos direitos aplicados aos casais de sexos opostos

Em 2020, o Gallup registrou

que 67% por cento dos americanos  defendem o direito ao casamento de homossexuais,

contra trinta e um por cento contrários. E no Brasil?

Com o fim do regime militar e a  promulgação de uma nova Constituição, em

1988, os direitos civis dos cidadãos brasileiros foram garantidos por lei.

Ou seja, qualquer discriminação com  base na sexualidade passou a ser um

desrespeito à Constituição.

O documento da liberdade

Foi preciso, no entanto, que o movimento de lésbicas, gays, bis, trans e  demais avançasse em visibilidade e reconhecimento.

Um dos marcos na gradual conquista de  reconhecimento social foi a realização

da primeira Parada Gay, em 1997, na cidade de São Paulo.

A festa contou com cerca de duas mil pessoas. Com o passar dos anos, passou a reunir mais

de um milhão de pessoas e entrou no calendário  oficial da cidade. Sempre tendo como destaque

luta por igualdade para casais do mesmo sexo. Nos anos 2000, alguns Estados brasileiros

começaram a aceitar o estabelecimento  de união civil homoafetiva. Entretanto,

com a constante recusa de cartórios pelo  país em aceitar a realização de casamentos,

incluindo direito a herança e partilha de bens,  a questão chegou ao Supremo Tribunal Federal.

Em 2011, a corte decidiu ser ilegal  qualquer discriminação contra casais homoafetivos

no que se refere à união civil de duas pessoas.  Dois anos depois, o Conselho Nacional de Justiça

publicou uma resolução estabelecendo que  casais do mesmo sexo tinham o direito de se

casar com um registro civil, da mesma maneira que  casais heterossexuais. Estava criado o casamento

homoafetivo no Brasil – não com uma nova lei,  mas como resultado de decisões da Justiça com

base no que estabelece a Constituição. Os vizinhos sul-americanos Argentina,

Uruguai e Colômbia também aprovaram a medida, mas  nem toda a América Latina seguiu o mesmo caminho.

O resto do mundo também é marcado por uma  mistura de avanços e resistência a mudanças.

O mapa do casamento gay na Europa mostra  uma clara linha divisória no centro do Velho

Continente. Uma faixa do lado ocidental, começando  em Portugal, passando por Reino Unido a Finlândia,

já aprovou o casamento de pessoas do mesmo  sexo. Ao mesmo tempo, o Leste Europeu continua

avesso à ideia. No meio, países como Itália,  Grécia e outros adotaram leis de união civil,

sem oferecer a igualdade completa. No Leste da Europa houve retrocesso em relação

ao tema. Na Rússia, as duas primeiras décadas  do milênio, sob a liderança de Vladimir Putin,

cresceu intolerância à homossexualidade. Em  julho de dois mil e vente, os russos aprovaram

nas urnas várias mudanças na Constituição. Entre  elas, uma que define o casamento exclusivamente

como a união entre um homem e uma mulher. No Oriente Médio, homossexuais correm o risco de

punições severas, como prisão, em nações do Mundo  Árabe, e até a pena de morte, adotada no Irã.

Na região, o país mais tolerante  à homossexualidade é Israel,

cuja cidade de Tel Aviv é conhecida por sua  diversidade e por sua anual Parada do Orgulho Gay.

Em 2018 , a Índia descriminalizou  a homossexualidade.

Desde então, homossexuais no país passaram a pedir a possibilidade  da adoção do casamento. Na China, o Partido

Comunista deu sinais de que considera propostas  de aprovação do casamento gay, mesmo sem medidas concretas

No Japão, aumentou a pressão para  que as autoridades no país adotem a mudança.

Mas, apesar das promessas e dos avanços concretos,  decisões obtidas em tribunais ou mesmo nas

urnas sempre podem acabar revistas.

As duas primeiras décadas do século 21 foram marcadas por vitórias dos  defensores dos direitos humanos, particularmente

no caso do casamento homoafetivo. Mas, em grande parte do mundo,

a discriminação e várias outras formas  de violência ainda ameaçam homossexuais.

E tudo isso por uma questão quase tão  antiga quanto a Humanidade: o amor.

Em breve voltaremos com mais um  vídeo da série 21 notícias que

marcaram o século 21. Se tiver dicas  ou sugestões, deixe nos comentários.

Obrigado e até a próxima!