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BBC News 2021 (Brasil), CPI da Covid: como 'isolamento vertical' pode virar arma contra Bolsonaro

CPI da Covid: como 'isolamento vertical' pode virar arma contra Bolsonaro

O que se passa no mundo tem mostrado que o grupo de risco é o das pessoas acima dos

60 anos. Raros são os casos fatais de pessoas sãs com menos de 40 anos de idade. Devemos, sim, é ter

extrema preocupação em não transmitir o vírus para os outros, em especial aos nossos queridos

pais e avós. O cuidado mais importante é com os seus entes queridos, aqueles mais mais idosos, ou

que tenham problema de saúde. Esses, você tem que ter um cuidado todo especial. Com os demais, você

toma cuidado, tudo bem, mas não precisa entrar em pânico.

O vírus, quem tem que ser proteger, é

o idoso, que é o o meu caso, 65 anos de idade, e as pessoas que têm comorbidades, têm certas doenças. Os demais

devem tomar cuidado, sim, mas se contrair o vírus não tem que entrar em pânico.

A estratégia do presidente da República e do seu governo desde o início é disseminar a

covid-19 na expectativa de conseguir que 70%, ele fala esse número

cabalístico, da população seja contaminada. E, com isso, se estabeleça a chamada imunidade

natural, coletiva ou de rebanho. O governo expôs o povo brasileiro à doença e à

morte, cometendo um crime de dolo eventual, porque sabia que poderíamos chegar nisso

O que nós estamos conversando para redirecionar é a quarentena... o confinamento... o isolamento vertical.

O que que é o vertical? É você pegar pessoa idosa e isolar. Bota num hotel, aluga um hotel, e coloca lá dentro.

Devemos estimular, sim, fazer uma campanha para o idoso ficar em casa

para o que tem doenças, comorbidades, ficar em casa e o resto, pessoal, toma as

medidas ali que está sendo usada no momento e vamos para o trampo. Vamos trabalhar, pô.

O isolamento vertical desses supostos grupos de risco, né? Dos idosos ou de pessoas com comorbidades, por exemplo, ele é

inviável porque a circulação do vírus, ela vai acontecer com ou sem os idosos. Então não é uma solução,

como o presidente Bolsonaro inclusive colocou há pouco tempo atrás, sugerindo que nós mandássemos os idosos

para hotéis. Imagina se nós tivéssemos colocado os idosos em hotéis desde o início da epidemia. Nós

teríamos um gasto 10, 20 vezes maior somente com esse isolamento vertical do que propriamente

com a epidemia no Brasil, né? A ideia de que existe um grupo isento de risco por si só é falaciosa

e o risco de toda a população é definida pela intensidade da transmissão comunitária da doença,

como a gente viu inclusive nessa segunda onda em vários lugares do mundo, como por exemplo em Manaus,

onde a mortalidade nas faixas etárias mais jovens, ditas de baixo risco, foi bastante aumentada.

Então, a ideia de que existe um grupo de baixíssimo risco, ou isento de risco, não existe. Dessa forma, a implementação

dessa estratégia expõe o grupo mais jovem, produtivo, com mais expectativa de vida, ao

um risco muito aumentado. Esse é o primeiro problema. O segundo problema é acreditar que a gente consegue

estratificar a população e isolar um grupo de maior risco completamente do restante da sociedade. O que

é extremamente difícil de fazer em qualquer ambiente. Haja vista que países que tentaram

uma estratégia de proteger idosos tiveram grandes surtos em asilos, onde há lugares que sabidamente estão

esses idosos e que deveria ter sido tentado essa proteção. Isso aconteceu na Itália, isso aconteceu na Suécia,

aconteceu nos Estado Unidos e inclusive aconteceu no Brasil. E, se a gente for para a vida real e

considerar a dinâmica da população brasileira, como é a dinâmica de praticamente América Latina

inteira: países de renda mais baixa, na África, na Ásia e até mesmo da parte mediterrânea da Europa,

é muito comum as casas com moradia intergeracional, envolvendo três ou quatro gerações. Se os idosos

moram com os adultos que estão trabalhando, com os jovens que estão estudando, todos na mesma

casa, como é que você vai isolar o idoso? Dentro de casa, do restante da família? É inexequível.

Os efeitos do isolamento vertical, eles são efeitos considerados quase nulos, né? Quando

você compara com uma situação em que você não faz nenhuma intervenção para conter a propagação de

determinado agente viral. Ou seja, quando você não tem uma perspectiva de esgotamento rápido da

epidemia, esse tipo de estratégia do isolamento vertical ele, além de inviável, ele pode resultar

em colapsos médico-hospitalares enormes e num grande número de infectados e mortos.

Devemos falar para o povo: calma, tranquilidade, 70% vai ser contaminado. Ou vocês querem que eu minta aqui?

Quando alguém propõe a ideia de que 70% da população vai se infectar

de qualquer jeito com o coronavírus e que não tem o que a gente fazer, ou que "quem está na chuva é para se

molhar" e não tem como ficar seco, tem uma sequência de erros nesse raciocínio, que de alguma forma estão

relacionados com a ideia de imunidade de rebanho natural, vamos dizer assim, ou com a derrota, a aceitação

da derrota para o vírus de forma... sem nem lutar contra, vamos dizer assim. Só que a gente nunca usa, e

eu vou repetir, a gente nunca usa a ideia de rebanho para infecção nativa, para quem vai se infectar

como uma estratégia de controle da pandemia. Porque deixar chegar por infecção natural, deixar chegar até

infectar todo mundo que é possível, que é o rebanho, não é uma estratégia de proteção, é uma estratégia de derrota.

É basicamente assim: eu vou deixar o inimigo entrar, ele mata todo mundo que ele quiser, quando ele não

tiver mais quem matar, a gente considera que a guerra está terminada. Não tem nem um

embasamento lógico em você deixar o vírus se alastrar até onde ele consegue, para depois ele

chegar até onde ele conseguiu e as coisas acabaram. Isso sem falar de que, para funcionar essa estratégia, a

imunidade tem que ser duradoura e tem que ser robusta a outras variantes. Se uma nova variante

escapa da imunidade ou se a nossa imunidade decai com o tempo e daqui a pouco eu estou susceptível

de novo, não vai acabar nunca. Porque o rebanho é muito temporário. Ele é temporário até uma nova

variante, ou ele é temporário até a minha imunidade diminuir. E a doença pode continuar se alastrando.

Então, do ponto de vista prático, imunidade de rebanho não é uma estratégia de contenção de transmissão

de uma doença que transmite de pessoa a pessoa, a não ser que seja um cálculo para cobertura vacinal.

Quando você objetiva alcançar o controle da epidemia pela exposição acima da população, pela exposição

sem controle da população, você está simplesmente abrindo mão de todo um conhecimento científico

acumulado ao longo de séculos em relação às medidas restritivas que evitam a proliferação

de pragas, né? E não é do século 21 nem do século 20, né? A humanidade já conhece isso há mais de 500 anos, nós temos

registros inclusive na Grécia Antiga, durante o Império Otomano, mais recentemente e em outros

lugares do planeta em que essa estratégia ela foi utilizada para conter a epidemia. Portanto

acreditar que essa estratégia pode ser uma solução para enfrentar a pandemia é antiético

porque você pressupõe que o Estado, as autoridades sanitárias, não podem fazer nada e que nós temos que

deixar a população se infectar, adoecer e morrer os milhões como nós estamos vendo agora na pandemia de covid-19

A gente calcula a setenta por cento como o limiar de rebanho, de número de imunizados assumindo

uma taxa de transmissão que foi vista no início da covid. Se a gente tem uma nova variante com

uma taxa de transmissão mais alta, esse número não vai ser 70, ele vai ser 80 e, se ela for muito alta,

ele vai ser 90. Se ela fosse muito mais baixa, ele podia ser mais baixo. Mas então, primeiro a gente

nem sabe se é 70, e pode ser, inclusive a gente viu que é, com as novas variantes, maior do que 70.

Então pode ser que a nossa quantidade de pessoas que vai ser derrotada se a gente for

lutar assim é muito maior do que 70. Então você dizer que a estratégia mais adequada é deixar

80 ou 90% das pessoas infectarem, você basicamente está dizendo: Eu vou deixar as pessoas

sofrerem com o vírus sem fazer nada". E sobre a ideia de que isso é inevitável, basta a gente olhar para

outros países que fizeram estratégias de contenção intensas para ver se isso é ou não é evitável e a

gente pode olhar a quantidade total ou a proporção da população infectada de países como Nova

Zelândia, como Taiwan, como Cingapura, Austrália, Coreia do Sul, China, até mesmo Noruega, Finlândia,

em grande parte até a Dinamarca, de uma forma menos perfeita, mas a gente tem muitos países que, se não

foi perfeita a contenção, estão com quantidade de infectados ou a proporção de infectados de um décimo, um vinte avos, ou

até 100 vezes menos que o Brasil, como é o caso de Taiwan. Então, se é inevitável, a gente precisa que

seja explicado o que aconteceu com esses países, porque lá, até o momento, foi evitável.


CPI da Covid: como 'isolamento vertical' pode virar arma contra Bolsonaro Covid's CPI: How 'Vertical Isolation' Could Become a Weapon Against Bolsonaro

O que se passa no mundo tem mostrado que  o grupo de risco é o das pessoas acima dos

60 anos. Raros são os casos fatais de pessoas sãs  com menos de 40 anos de idade. Devemos, sim, é ter

extrema preocupação em não transmitir o vírus  para os outros, em especial aos nossos queridos

pais e avós. O cuidado mais importante é com os seus entes queridos, aqueles mais mais idosos, ou

que tenham problema de saúde. Esses, você tem que ter  um cuidado todo especial. Com os demais, você

toma cuidado, tudo bem, mas não precisa entrar em pânico.

O vírus, quem tem que ser proteger, é

o idoso, que é o o meu caso, 65 anos de idade, e as pessoas  que têm comorbidades, têm certas doenças. Os demais

devem tomar cuidado, sim, mas se contrair o vírus não tem que entrar em pânico.

A estratégia do presidente da República e  do seu governo desde o início é disseminar a

covid-19 na expectativa de conseguir  que 70%, ele fala esse número

cabalístico, da população seja contaminada. E,  com isso, se estabeleça a chamada imunidade

natural, coletiva ou de rebanho. O governo  expôs o povo brasileiro à doença e à

morte, cometendo um crime de dolo eventual, porque sabia que poderíamos chegar nisso

O que nós estamos conversando para redirecionar é a  quarentena... o confinamento... o isolamento vertical.

O que que é o vertical? É você pegar pessoa idosa e isolar. Bota num hotel, aluga um hotel, e coloca lá dentro.

Devemos estimular, sim, fazer uma  campanha para o idoso ficar em casa

para o que tem doenças, comorbidades,  ficar em casa e o resto, pessoal, toma as

medidas ali que está sendo usada no momento  e vamos para o trampo. Vamos trabalhar, pô.

O isolamento vertical desses supostos grupos de risco, né? Dos idosos ou de pessoas com comorbidades, por exemplo, ele é

inviável porque a circulação do vírus, ela  vai acontecer com ou sem os idosos. Então não é uma solução,

como o presidente Bolsonaro inclusive colocou há pouco  tempo atrás, sugerindo que nós mandássemos os idosos

para hotéis. Imagina se nós tivéssemos colocado os  idosos em hotéis desde o início da epidemia. Nós

teríamos um gasto 10, 20 vezes maior somente com  esse isolamento vertical do que propriamente

com a epidemia no Brasil, né? A ideia de que existe um grupo isento de risco por si só é falaciosa

e o risco de toda a população é definida pela  intensidade da transmissão comunitária da doença,

como a gente viu inclusive nessa segunda onda em  vários lugares do mundo, como por exemplo em Manaus,

onde a mortalidade nas faixas etárias mais jovens, ditas de baixo risco, foi bastante aumentada.

Então, a ideia de que existe um grupo de baixíssimo risco, ou isento de risco, não existe. Dessa forma, a implementação

dessa estratégia expõe o grupo mais  jovem, produtivo, com mais expectativa de vida, ao

um risco muito aumentado. Esse é o primeiro problema. O segundo problema é acreditar que a gente consegue

estratificar a população e isolar um grupo de maior  risco completamente do restante da sociedade. O que

é extremamente difícil de fazer em qualquer  ambiente. Haja vista que países que tentaram

uma estratégia de proteger idosos tiveram grandes  surtos em asilos, onde há lugares que sabidamente estão

esses idosos e que deveria ter sido tentado essa proteção. Isso aconteceu na Itália, isso aconteceu na Suécia,

aconteceu nos Estado Unidos e inclusive aconteceu  no Brasil. E, se a gente for para a vida real e

considerar a dinâmica da população brasileira,  como é a dinâmica de praticamente América Latina

inteira: países de renda mais baixa, na África, na  Ásia e até mesmo da parte mediterrânea da Europa,

é muito comum as casas com moradia intergeracional, envolvendo três ou quatro gerações. Se os idosos

moram com os adultos que estão trabalhando, com  os jovens que estão estudando, todos na mesma

casa, como é que você vai isolar o idoso? Dentro  de casa, do restante da família? É inexequível.

Os efeitos do isolamento vertical, eles são  efeitos considerados quase nulos, né? Quando

você compara com uma situação em que você não faz  nenhuma intervenção para conter a propagação de

determinado agente viral. Ou seja, quando você  não tem uma perspectiva de esgotamento rápido da

epidemia, esse tipo de estratégia do isolamento  vertical ele, além de inviável, ele pode resultar

em colapsos médico-hospitalares enormes e  num grande número de infectados e mortos.

Devemos falar para o povo: calma, tranquilidade,  70% vai ser contaminado. Ou vocês querem  que eu minta aqui?

Quando alguém propõe a ideia de  que 70% da população vai se infectar

de qualquer jeito com o coronavírus e que não tem o  que a gente fazer, ou que "quem está na chuva é para se

molhar" e não tem como ficar seco, tem uma sequência  de erros nesse raciocínio, que de alguma forma estão

relacionados com a ideia de imunidade de rebanho  natural, vamos dizer assim, ou com a derrota, a aceitação

da derrota para o vírus de forma... sem nem lutar  contra, vamos dizer assim. Só que a gente nunca usa, e

eu vou repetir, a gente nunca usa a ideia de rebanho  para infecção nativa, para quem vai se infectar

como uma estratégia de controle da pandemia. Porque  deixar chegar por infecção natural, deixar chegar até

infectar todo mundo que é possível, que é o rebanho,  não é uma estratégia de proteção, é uma estratégia de derrota.

É basicamente assim: eu vou deixar o inimigo entrar,  ele mata todo mundo que ele quiser, quando ele não

tiver mais quem matar, a gente considera que a  guerra está terminada. Não tem nem um

embasamento lógico em você deixar o vírus  se alastrar até onde ele consegue, para depois ele

chegar até onde ele conseguiu e as coisas acabaram. Isso  sem falar de que, para funcionar essa estratégia, a

imunidade tem que ser duradoura e tem que ser  robusta a outras variantes. Se uma nova variante

escapa da imunidade ou se a nossa imunidade  decai com o tempo e daqui a pouco eu estou susceptível

de novo, não vai acabar nunca. Porque o rebanho é  muito temporário. Ele é temporário até uma nova

variante, ou ele é temporário até a minha imunidade diminuir. E a doença pode continuar se alastrando.

Então, do ponto de vista prático, imunidade de rebanho  não é uma estratégia de contenção de transmissão

de uma doença que transmite de pessoa a pessoa, a  não ser que seja um cálculo para cobertura vacinal.

Quando você objetiva alcançar o controle da epidemia  pela exposição acima da população, pela exposição

sem controle da população, você está simplesmente  abrindo mão de todo um conhecimento científico

acumulado ao longo de séculos em relação às  medidas restritivas que evitam a proliferação

de pragas, né? E não é do século 21 nem do século 20, né? A humanidade já conhece isso há mais de 500 anos, nós temos

registros inclusive na Grécia Antiga, durante o  Império Otomano, mais recentemente e em outros

lugares do planeta em que essa estratégia ela  foi utilizada para conter a epidemia. Portanto

acreditar que essa estratégia pode ser uma solução  para enfrentar a pandemia é antiético

porque você pressupõe que o Estado, as autoridades  sanitárias, não podem fazer nada e que nós temos que

deixar a população se infectar, adoecer e morrer os  milhões como nós estamos vendo agora na pandemia de covid-19

A gente calcula a setenta por cento como o  limiar de rebanho, de número de imunizados assumindo

uma taxa de transmissão que foi vista no início da  covid. Se a gente tem uma nova variante com

uma taxa de transmissão mais alta, esse número  não vai ser 70, ele vai ser 80 e, se ela for muito alta,

ele vai ser 90. Se ela fosse muito mais baixa, ele  podia ser mais baixo. Mas então, primeiro a gente

nem sabe se é 70, e pode ser, inclusive a gente  viu que é, com as novas variantes, maior do que 70.

Então pode ser que a nossa quantidade de  pessoas que vai ser derrotada se a gente for

lutar assim é muito maior do que 70. Então você dizer que a estratégia mais adequada é deixar

80 ou 90% das pessoas infectarem, você  basicamente está dizendo: Eu vou deixar as pessoas

sofrerem com o vírus sem fazer nada". E sobre a ideia  de que isso é inevitável, basta a gente olhar para

outros países que fizeram estratégias de contenção  intensas para ver se isso é ou não é evitável e a

gente pode olhar a quantidade total ou a proporção  da população infectada de países como Nova

Zelândia, como Taiwan, como Cingapura, Austrália,  Coreia do Sul, China, até mesmo Noruega, Finlândia,

em grande parte até a Dinamarca, de uma forma  menos perfeita, mas a gente tem muitos países que, se não

foi perfeita a contenção, estão com quantidade de infectados ou a proporção de infectados de um décimo, um vinte avos, ou

até 100 vezes menos que o Brasil, como é o caso de  Taiwan. Então, se é inevitável, a gente precisa que

seja explicado o que aconteceu com esses países,  porque lá, até o momento, foi evitável.