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O Assunto (*Generated Transcript*), 21.06.23-El Niño - como evitar uma catástrofe climática

21.06.23-El Niño - como evitar uma catástrofe climática

Aquelas lavouras que a gente plantou primeiro, pegou ainda a fase reprodutiva

num período ruim de muita chuva.

A gente está notando uma diminuição de produtividade na ordem de 10 a 15%.

Porque realmente o que aconteceu na Sé, aqui em 277, na 376, foi catastrófico.

E ficamos sem condição de escoar a safra.

As chuvas vieram bem abaixo da média, nas cabeceiras dos principais rios da região amazônica.

Já entrando na segunda quinzena de fevereiro, falando de estiagem, onde nós deveríamos estar falando de cheia.

O Rio Negro está com o nível mais baixo dos últimos 15 anos.

Está com 6 metros e 33 centímetros.

Por causa da pouca chuva nos últimos 5 anos, no semiárido do Nordeste,

um decreto federal proibiu a irrigação em 2014.

E hoje quando a gente olha pra água, dá vontade de chorar.

Todo mundo admirou, porque o assunto tomava tudo.

Da água.

E hoje está na situação seca, sem água, e estamos passando sede e precisão d'água, porque as águas foram embora.

Um fenômeno que mexe com o clima do mundo todo e provoca recordes históricos.

De novembro do ano passado pra cá, todos os meses bateram recorde de calor.

O impacto humanitário, como a gente tem visto, é muito grande.

Por aí na América do Sul, mais de 150 mil desabrigados.

Na África, mais de 30 milhões de pessoas sofrem com a falta de comida.

E em um planeta com eventos extremos cada vez mais frequentes, faz soar o alerta para novos picos de temperatura.

A Organização Meteorológica Mundial alertou que a temperatura global deve atingir níveis recordes nos próximos 5 anos.

Não bastassem os gases que provocam o efeito estufa, o el ninho, fenômeno natural previsto para os próximos meses, deve ajudar a elevar ainda mais as temperaturas.

Anos de el ninho são mais quentes, os de laninha mais frios.

Nós acabamos de sair de uma laninha que durou 3 anos e mesmo quando havia esse fenômeno, o planeta aqueceu.

E se a temperatura subiu até quando não deveria, imagine agora, quando o el ninho estiver vigorando.

Da redação do G1, eu sou Natuzaneri e o assunto hoje é o fenômeno el ninho.

Um episódio para entender como ele pode levar o planeta a enfrentar eventos climáticos ainda mais extremos e o que é preciso fazer para evitar uma catástrofe.

Eu converso com Paulo Artacho, professor da USP e integrante do IPCC, o painel intergovernamental sobre mudanças climáticas da ONU.

Quarta-feira, 21 de junho.

Paula, a última vez que a gente viu o fenômeno el ninho com forte intensidade foi em 2015, 2016 e os efeitos foram sentidos no mundo inteiro.

Eu quero começar a nossa conversa entendendo o que é esse fenômeno e qual a periodicidade dele.

O el ninho é um fenômeno de um aquecimento muito grande de uma área extensa do oceano pacífico na linha equatorial, que vai desde a costa do Peru até próximo à Indonésia.

Então é uma área gigante que por razões ainda não totalmente conhecidas sofre um aquecimento anormal e esse aquecimento ele muda a circulação atmosférica,

tendo vários impactos no ciclo hidrológico no planeta inteiro.

Como está muito próximo da América do Sul, nós somos mais sensíveis ao el ninho, mas ele impacta o clima do mundo inteiro.

E nesse ano a gente tem evidência de que tudo isso já está acontecendo?

Sim, a Agência Nacional Oceânica dos Estados Unidos já detectou um aumento anormal das águas do Pacífico e espera-se que esse ano, na verdade a gente tenha o que a gente chama de um super el ninho.

Por quê? Porque além do el ninho normal, nós estamos aquecendo os oceanos de uma maneira muito rápida e muito forte.

O el ninho deve começar em cerca de 45 dias. Até o fim deste ano, o fenômeno deve ser mais intenso.

Como nós estamos entrando no inverno, que o inverno não seja tão rigoroso, frio vai existir, logicamente, mas entremeados com períodos de calor.

Para a segunda metade do inverno, espera-se que seja incrementado o índice de chuva.

A Administração Oceânica e Atmosférica Nacional dos Estados Unidos indicou que há 56% de chance de o fenômeno ser de forte intensidade.

Na prática, as temperaturas podem ficar até 3 graus acima da média prevista para o período.

Então, além do fenômeno em si, temos somado a isso o aquecimento global das águas dos oceanos e isso intensifica estes el ninhos.

E esse super el ninho a que você se referia, a gente está falando de temperaturas até 2,5 graus acima da média em algumas partes do mundo, é isso?

Exatamente, e a principal impacto do el ninho não é só na temperatura, mas é principalmente no regime de chuvas.

O el ninho altera o fluxo de vapor d'água na atmosfera como um todo, o que impacta nas chuvas.

Então, isso pode trazer prejuízos, por exemplo, para a agricultura, prejuízos para a produção de alimentos, particularmente no Brasil Central.

A região centro-oeste é pouco impactada, mas os meses de outono e inverno são secos, o que favorece as queimadas.

E pode trazer mais chuva forte, mais enchentes no sul do Brasil.

Segundo a avaliação da consultoria Stonex, no caso do Brasil, o el ninho pode trazer chuvas benéficas para as principais regiões produtoras de soja e milho, especialmente no centro-oeste e sul do país.

Por outro lado, se o fenômeno for muito intenso, há risco de chuvas excessivas no Rio Grande do Sul.

E isso a gente está falando das consequências mais drásticas de um fenômeno ainda mais intenso, pelo que eu estou entendendo o que você está dizendo.

É, isso sempre ocorre num el ninho normal. Então, no el ninho normal sempre temos mais secas na Amazônia, mais secas no Nordeste, no Vale do Rio São Francisco, e mais chuvas na parte sul do Brasil e norte da Argentina.

Este ano, com o super el ninho, com certeza esses fenômenos vão se tornar ainda mais fortes.

Bom, você cita as temperaturas mais altas do oceano intensificando o el ninho, mas o caminho inverso também pode ocorrer?

Isso é uma curiosidade que eu tenho. Ou seja, o el ninho vai contribuir ainda mais para esse processo de elevação das temperaturas do planeta e para a ocorrência de eventos extremos?

Ele com certeza impacta na frequência e na intensidade de eventos climáticos extremos.

Agora, ele não necessariamente aumenta a temperatura do planeta, porque o efeito do el ninho é temporário, ele dura de um ano a um ano e meio.

Então, está esperado que ocorra um el ninho entre meio de 2023 até metade ou final de 2024.

A partir daí as temperaturas voltam ao normal. E neste período, como você já colocou, ocorre a intensificação de eventos climáticos extremos, como grandes secas, grandes inundações e vai por aí afora.

E o secretário-geral da OMM alertou para a possibilidade disso desencadear eventos climáticos ainda mais extremos.

Ao redor do mundo, os meteorologistas sabem que o el ninho provoca ondas de calor até em lugares frios, secas severas, tempestades com grandes enchentes.

Eles também esperam mais furacões no Oceano Pacífico.

Risco de granizo, risco de ventos acima da média com maior frequência, que pode afetar a parte urbana e a parte rural, a parte de infraestrutura.

E chuvas a mais podem afetar inclusive a questão de infraestrutura, envolvendo estradas, questão de transporte, questão de armazenamento, enfim.

Só para a gente rememorar, entre 2015 e 2016, o el ninho provocou aqui no Brasil inundações na região sul e seca no norte e no nordeste.

Então eu te peço, Paulo, para nos explicar como o fenômeno interfere nos ciclos de chuva e de seca e quais as consequências práticas dessas mudanças.

O mecanismo pelo qual o el ninho impacta no Brasil é através do que a gente chama a mudança da circulação atmosférica.

A atmosfera do nosso planeta é compartilhada por todos os continentes, todos os oceanos, e o que o el ninho faz é alterar o padrão de circulação.

Ou seja, ele faz com que massas de ar com menos umidade cheguem no nordeste e faz com que massas de ar com mais umidade, mais água, cheguem no sul do Brasil.

E isto é o que causa as alterações no ciclo hidrológico como um todo.

Então o efeito básico do el ninho é alterar a circulação atmosférica do nosso planeta.

E o que a gente pode esperar, professor, para cada região do país sob o impacto do el ninho?

Eu sei que você já começou a nos explicar, mas as outras regiões, se a gente puder contemplar também.

Sim, é. Nós podemos certamente esperar menor precipitação no Brasil central, na Amazônia e no nordeste.

O el ninho lá na Amazônia está influenciando o volume dos rios.

Aqui o el ninho impede a formação de nuvens, reduzindo o volume de chuvas.

Com menos chuva, o nível das águas dos rios acaba diminuindo e muitos moradores estão preocupados, porque dependem dos rios para a navegação e recebendo os seus mantimentos.

E podemos certamente esperar chuvas mais torrenciais no sul.

Isso tem impacto em nossas cidades, tem que se preparar para esse fluxo maior de chuva no sul, no Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina, por exemplo.

Então ações preventivas são muito importantes de serem tomadas para minimizar os danos socioeconômicos de um fenômeno como é o ninho.

Já que a gente sabe que ele vai ocorrer e já está começando a subir a temperatura, é melhor a gente atuar preventivamente,

se preparando as nossas cidades, preparando as defesas civis de cada cidade para enfrentar de uma maneira melhor fenômenos climáticos extremos que vem junto com o el ninho.

Espera um pouquinho que eu já volto para falar com o Paulo.

Uma outra coisa que eu queria entender contigo Paulo, agricultores do sul, por exemplo, dizem que o el ninho pode ser inclusive positivo a depender da quantidade de chuva a mais.

Entretanto, segundo as previsões, você inclusive mencionou isso, já há sinalizações para a possibilidade de eventos extremos.

Como é que você vê esses riscos de enchentes e qual pode ser o impacto do el ninho para a agricultura brasileira e também para a insegurança alimentar de milhões de pessoas?

Porque a gente está falando não apenas de eventos climáticos extremos e o quanto as populações são impactadas,

mas o produto interno bruto brasileiro pode ser impactado, a alimentação das famílias pode ser impactada,

o impacto é muito maior do que a gente está acostumado a raciocinar automaticamente quando ouve sobre eles.

Sim Natuza, você tem toda a razão, o impacto socioeconômico pode ser grande, na verdade,

essa é uma das vulnerabilidades que o Brasil tem em relação às mudanças climáticas globais,

porque a nossa economia é dependente demais de uma única atividade econômica que é o agronegócio,

e que com o aumento da temperatura e a redução da precipitação prevista dos modelos climáticos globais,

vão ter um impacto negativo muito forte na produtividade agropecuária brasileira.

Se a chuva cair antes das colheitas, o el ninho pode ser até bem-vindo,

mas no médio prazo a mudança em padrões de temperatura e umidade pode favorecer o aparecimento de fungos e pragas

e até comprometer determinadas culturas.

Algum problema pode ocorrer que vem chuvas um pouco mais abundantes para setembro, outubro, que é a colheita do trigo e da cevada.

O aumento da temperatura associado com a umidade pode acelerar a entrada de doenças fúngicas

que afetam o ciclo de cultivo mais primavera e verão.

Os cientistas alertam o governo há algumas décadas já sobre esta questão,

e você soma isso com um el ninho muito forte e com a dependência econômica que nós temos do agronegócio,

com certeza isso pode vir a impactar negativamente na economia brasileira.

Agora eu queria um olhar seu, Paulo, sobre a Amazônia, porque se a gente for rememorar os impactos de 2015 e de 2016,

um estudo do INPE mostrou que a falta de chuva naquele ano contribuiu bastante para os incêndios florestais na Amazônia.

E também naquele ano o Brasil estava sob os efeitos do el ninho.

Então quais os riscos de uma nova temporada intensa de queimadas se repetir agora?

Não há a menor dúvida de que esse risco que você está colocando é muito grande.

Como diminui a precipitação e a chuva é um dos fatores que começa a estação chuvosa e para as queimadas na Amazônia,

quanto mais a estação seca se prolongar, maior vai ser a incidência de queimadas,

maior é a atuação de grupos criminosos que desmatam a Amazônia, fazem invasões de terras públicas e assim por diante,

e com a consequente produção de queimadas.

Então isso só reforça a questão de que o governo precisa rapidamente colocar os sistemas de alerta de incêndios e de combate a incêndios na Amazônia,

o mais rapidamente possível, porque é bem capaz de agora em agosto, setembro, já termos impactos significativos,

aumento de queimadas e destruição de recursos naturais brasileiros que nós temos que evitar o máximo possível.

Vamos falar de combate a queimadas e incêndios no Brasil. Tem alguma mudança desse ano em relação ao ano anterior?

Tem. Investimentos estão sendo feitos para prevenir queimadas.

Então uma elevação de 115% no orçamento do PREV-Fogo, de R$ 38 milhões, para a Sopa R$ 83 milhões.

Aumento no número de brigadistas, de 17% o aumento em relação ao ano passado.

Então o melhor remédio é a gente prevenir, reforçar as brigadas de incêndio na Amazônia,

deixar todo mundo de alerta, porque pode vir uma estação de queimadas muito forte, como aconteceu em outros zelninhos passados.

Bom, eu espero muito que integrantes dos governos federal, estadual e municipal estejam ouvindo esse episódio e esse alerta que você traz, Paulo.

Eu queria entrar num outro ponto. A ONU diz que as temperaturas globais devem bater recordes nos próximos cinco anos por causa do efeito estufa e também por causa do fenômeno El Ninho.

Então eu te pergunto, quais são as ações urgentes, se a gente tiver que pegar as mais urgentes, precisam ser colocadas em prática para evitar uma catástrofe?

E aí falando de ação emergencial mesmo, quais são os primeiros botões que se tem que apertar?

Olha Natuzza, a ciência alerta há mais de 50 anos, desde a conferência de Estocolmo em 1972,

de que nós estamos indo para um caminho de desenvolvimento que pode inviabilizar o clima do planeta já nas próximas décadas.

E basicamente, mesmo depois desse tempo todo, a maior parte dos governos não agiram,

nós estamos continuando queimar gases de efeito estufa, provocando um aquecimento global antropogênico muito rápido e muito forte,

e isto já está tendo impactos muito importantes no mundo todo.

A temperatura média do planeta já subiu 1,2 graus, e em algumas regiões do Brasil a temperatura média já subiu 2,3, 2,2 graus Celsius,

como por exemplo no vale do Rio São Francisco.

Isso tem impactos enormes sobre a nossa sociedade, e para remediar isso, são duas coisas fundamentais.

Primeiro, reduzir as emissões de gases de efeito estufa, que no caso do Brasil, significa zerar o desmatamento até 2030,

como o governo está prometendo, e os países desenvolvidos têm que parar de explorar e queimar petróleo, carvão e gás natural,

ou seja, combustíveis fósseis.

Sem isso, nós estamos colocando as próximas gerações em um risco inaceitável para elas.

Essa é a primeira coisa, reduzir emissões, a segunda coisa é se adaptar ao novo clima que já está aqui conosco.

O clima já mudou, é muito fácil a gente perceber isso, e o que nós temos que fazer é se adaptar a este novo clima,

adaptando as nossas cidades, as áreas costeiras com aumento do nível do mar vão sofrer impactos importantes,

nós temos que desenvolver uma agricultura que seja mais resiliente à falta de chuvas, e vai por aí afora.

É um conjunto de medidas que o Brasil tem que tomar e o planeta tem que tomar para assegurar um clima mais estável no futuro.

Professor, eu sou mãe, tenho um filho de 14 anos, e eu tenho certeza que tem muitos pais e mães ouvindo o podcast aqui, esse episódio.

Que recado você dá para essa geração, para esses adolescentes? O que a gente pode ensinar para eles,

para que eles não façam o que as gerações passadas, inclusive a nossa, fez com o meio ambiente?

Bernatuzzi, esse é um ponto muito bonito.

Na verdade, nós temos que construir uma sociedade que seja mais sustentável.

A nossa sociedade não é minimamente sustentável.

Veja, a cidade onde eu vivo, que é São Paulo, tem 8 milhões de automóveis para andar nas ruas.

Quer dizer, não há como se transformar uma cidade dessa em alguma coisa minimamente sustentável.

Esses automóveis queimam gasolina, queimam óleo diesel, poluem o ambiente, causam aquecimento global e vai por aí afora.

Então, nós temos que levar a nossa sociedade para um sistema onde a gente não tem uma visão tão curta,

no caso das empresas, para um lucro imediato, não importa as consequências ambientais.

Nós temos que mudar essa visão, ter uma visão mais de longo prazo,

olhando para a sustentabilidade do planeta e seguir os 17 objetivos de desenvolvimento sustentáveis

que a ONU promulgou, do qual o Brasil é um dos signatários.

O planeta está indo para um aquecimento médio global da ordem de 3 graus Celsius.

Isso implica que em áreas continentais como o Brasil, o aumento médio da temperatura no Brasil pode ser da ordem de 4 graus a 4,5 graus.

A ciência é muito clara em relação a isso e os impactos vão ser enormes.

Então, nós temos que transformar o nosso sistema socioeconômico em um sistema sustentável,

com menos desigualdades sociais e com paz e prosperidade para todos,

que é alguma coisa muito longe do que nós temos hoje.

Professor Paulo Artacho, muito obrigada pela aula carinhosa que o senhor nos deu aqui hoje no episódio de O Assunto.

Seja bem-vindo das próximas vezes também.

Muito obrigado, é sempre um prazer conversar com vocês e seus ouvintes.

Este foi O Assunto, podcast diário disponível no G1, no Globoplay, no YouTube ou na sua plataforma de áudio preferida.

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Comigo na equipe do O Assunto estão Mônica Mariotti, Amanda Polato, Lorena Lara, Luiz Felipe Silva,

Thiago Kaczorowski, Gabriel de Campos, Guilherme Romero e Nayara Fernandes.

Eu sou Nath Zaneri e fico por aqui. Até o próximo assunto.

Legendas pela comunidade Amara.org


21.06.23-El Niño - como evitar uma catástrofe climática 21.06.23-El Niño - wie lässt sich eine Klimakatastrophe vermeiden? 06.21.23-El Niño - How to avoid a climate catastrophe

Aquelas lavouras que a gente plantou primeiro, pegou ainda a fase reprodutiva

num período ruim de muita chuva.

A gente está notando uma diminuição de produtividade na ordem de 10 a 15%.

Porque realmente o que aconteceu na Sé, aqui em 277, na 376, foi catastrófico.

E ficamos sem condição de escoar a safra.

As chuvas vieram bem abaixo da média, nas cabeceiras dos principais rios da região amazônica.

Já entrando na segunda quinzena de fevereiro, falando de estiagem, onde nós deveríamos estar falando de cheia.

O Rio Negro está com o nível mais baixo dos últimos 15 anos.

Está com 6 metros e 33 centímetros.

Por causa da pouca chuva nos últimos 5 anos, no semiárido do Nordeste,

um decreto federal proibiu a irrigação em 2014.

E hoje quando a gente olha pra água, dá vontade de chorar.

Todo mundo admirou, porque o assunto tomava tudo.

Da água.

E hoje está na situação seca, sem água, e estamos passando sede e precisão d'água, porque as águas foram embora.

Um fenômeno que mexe com o clima do mundo todo e provoca recordes históricos.

De novembro do ano passado pra cá, todos os meses bateram recorde de calor.

O impacto humanitário, como a gente tem visto, é muito grande.

Por aí na América do Sul, mais de 150 mil desabrigados.

Na África, mais de 30 milhões de pessoas sofrem com a falta de comida.

E em um planeta com eventos extremos cada vez mais frequentes, faz soar o alerta para novos picos de temperatura.

A Organização Meteorológica Mundial alertou que a temperatura global deve atingir níveis recordes nos próximos 5 anos.

Não bastassem os gases que provocam o efeito estufa, o el ninho, fenômeno natural previsto para os próximos meses, deve ajudar a elevar ainda mais as temperaturas.

Anos de el ninho são mais quentes, os de laninha mais frios.

Nós acabamos de sair de uma laninha que durou 3 anos e mesmo quando havia esse fenômeno, o planeta aqueceu.

E se a temperatura subiu até quando não deveria, imagine agora, quando o el ninho estiver vigorando.

Da redação do G1, eu sou Natuzaneri e o assunto hoje é o fenômeno el ninho.

Um episódio para entender como ele pode levar o planeta a enfrentar eventos climáticos ainda mais extremos e o que é preciso fazer para evitar uma catástrofe.

Eu converso com Paulo Artacho, professor da USP e integrante do IPCC, o painel intergovernamental sobre mudanças climáticas da ONU.

Quarta-feira, 21 de junho.

Paula, a última vez que a gente viu o fenômeno el ninho com forte intensidade foi em 2015, 2016 e os efeitos foram sentidos no mundo inteiro.

Eu quero começar a nossa conversa entendendo o que é esse fenômeno e qual a periodicidade dele.

O el ninho é um fenômeno de um aquecimento muito grande de uma área extensa do oceano pacífico na linha equatorial, que vai desde a costa do Peru até próximo à Indonésia.

Então é uma área gigante que por razões ainda não totalmente conhecidas sofre um aquecimento anormal e esse aquecimento ele muda a circulação atmosférica,

tendo vários impactos no ciclo hidrológico no planeta inteiro.

Como está muito próximo da América do Sul, nós somos mais sensíveis ao el ninho, mas ele impacta o clima do mundo inteiro.

E nesse ano a gente tem evidência de que tudo isso já está acontecendo?

Sim, a Agência Nacional Oceânica dos Estados Unidos já detectou um aumento anormal das águas do Pacífico e espera-se que esse ano, na verdade a gente tenha o que a gente chama de um super el ninho.

Por quê? Porque além do el ninho normal, nós estamos aquecendo os oceanos de uma maneira muito rápida e muito forte.

O el ninho deve começar em cerca de 45 dias. Até o fim deste ano, o fenômeno deve ser mais intenso.

Como nós estamos entrando no inverno, que o inverno não seja tão rigoroso, frio vai existir, logicamente, mas entremeados com períodos de calor.

Para a segunda metade do inverno, espera-se que seja incrementado o índice de chuva.

A Administração Oceânica e Atmosférica Nacional dos Estados Unidos indicou que há 56% de chance de o fenômeno ser de forte intensidade.

Na prática, as temperaturas podem ficar até 3 graus acima da média prevista para o período.

Então, além do fenômeno em si, temos somado a isso o aquecimento global das águas dos oceanos e isso intensifica estes el ninhos.

E esse super el ninho a que você se referia, a gente está falando de temperaturas até 2,5 graus acima da média em algumas partes do mundo, é isso?

Exatamente, e a principal impacto do el ninho não é só na temperatura, mas é principalmente no regime de chuvas.

O el ninho altera o fluxo de vapor d'água na atmosfera como um todo, o que impacta nas chuvas.

Então, isso pode trazer prejuízos, por exemplo, para a agricultura, prejuízos para a produção de alimentos, particularmente no Brasil Central.

A região centro-oeste é pouco impactada, mas os meses de outono e inverno são secos, o que favorece as queimadas.

E pode trazer mais chuva forte, mais enchentes no sul do Brasil.

Segundo a avaliação da consultoria Stonex, no caso do Brasil, o el ninho pode trazer chuvas benéficas para as principais regiões produtoras de soja e milho, especialmente no centro-oeste e sul do país.

Por outro lado, se o fenômeno for muito intenso, há risco de chuvas excessivas no Rio Grande do Sul.

E isso a gente está falando das consequências mais drásticas de um fenômeno ainda mais intenso, pelo que eu estou entendendo o que você está dizendo.

É, isso sempre ocorre num el ninho normal. Então, no el ninho normal sempre temos mais secas na Amazônia, mais secas no Nordeste, no Vale do Rio São Francisco, e mais chuvas na parte sul do Brasil e norte da Argentina.

Este ano, com o super el ninho, com certeza esses fenômenos vão se tornar ainda mais fortes.

Bom, você cita as temperaturas mais altas do oceano intensificando o el ninho, mas o caminho inverso também pode ocorrer?

Isso é uma curiosidade que eu tenho. Ou seja, o el ninho vai contribuir ainda mais para esse processo de elevação das temperaturas do planeta e para a ocorrência de eventos extremos?

Ele com certeza impacta na frequência e na intensidade de eventos climáticos extremos.

Agora, ele não necessariamente aumenta a temperatura do planeta, porque o efeito do el ninho é temporário, ele dura de um ano a um ano e meio.

Então, está esperado que ocorra um el ninho entre meio de 2023 até metade ou final de 2024.

A partir daí as temperaturas voltam ao normal. E neste período, como você já colocou, ocorre a intensificação de eventos climáticos extremos, como grandes secas, grandes inundações e vai por aí afora.

E o secretário-geral da OMM alertou para a possibilidade disso desencadear eventos climáticos ainda mais extremos.

Ao redor do mundo, os meteorologistas sabem que o el ninho provoca ondas de calor até em lugares frios, secas severas, tempestades com grandes enchentes.

Eles também esperam mais furacões no Oceano Pacífico.

Risco de granizo, risco de ventos acima da média com maior frequência, que pode afetar a parte urbana e a parte rural, a parte de infraestrutura.

E chuvas a mais podem afetar inclusive a questão de infraestrutura, envolvendo estradas, questão de transporte, questão de armazenamento, enfim.

Só para a gente rememorar, entre 2015 e 2016, o el ninho provocou aqui no Brasil inundações na região sul e seca no norte e no nordeste.

Então eu te peço, Paulo, para nos explicar como o fenômeno interfere nos ciclos de chuva e de seca e quais as consequências práticas dessas mudanças.

O mecanismo pelo qual o el ninho impacta no Brasil é através do que a gente chama a mudança da circulação atmosférica.

A atmosfera do nosso planeta é compartilhada por todos os continentes, todos os oceanos, e o que o el ninho faz é alterar o padrão de circulação.

Ou seja, ele faz com que massas de ar com menos umidade cheguem no nordeste e faz com que massas de ar com mais umidade, mais água, cheguem no sul do Brasil.

E isto é o que causa as alterações no ciclo hidrológico como um todo.

Então o efeito básico do el ninho é alterar a circulação atmosférica do nosso planeta.

E o que a gente pode esperar, professor, para cada região do país sob o impacto do el ninho?

Eu sei que você já começou a nos explicar, mas as outras regiões, se a gente puder contemplar também.

Sim, é. Nós podemos certamente esperar menor precipitação no Brasil central, na Amazônia e no nordeste.

O el ninho lá na Amazônia está influenciando o volume dos rios.

Aqui o el ninho impede a formação de nuvens, reduzindo o volume de chuvas.

Com menos chuva, o nível das águas dos rios acaba diminuindo e muitos moradores estão preocupados, porque dependem dos rios para a navegação e recebendo os seus mantimentos.

E podemos certamente esperar chuvas mais torrenciais no sul.

Isso tem impacto em nossas cidades, tem que se preparar para esse fluxo maior de chuva no sul, no Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina, por exemplo.

Então ações preventivas são muito importantes de serem tomadas para minimizar os danos socioeconômicos de um fenômeno como é o ninho.

Já que a gente sabe que ele vai ocorrer e já está começando a subir a temperatura, é melhor a gente atuar preventivamente,

se preparando as nossas cidades, preparando as defesas civis de cada cidade para enfrentar de uma maneira melhor fenômenos climáticos extremos que vem junto com o el ninho.

Espera um pouquinho que eu já volto para falar com o Paulo.

Uma outra coisa que eu queria entender contigo Paulo, agricultores do sul, por exemplo, dizem que o el ninho pode ser inclusive positivo a depender da quantidade de chuva a mais.

Entretanto, segundo as previsões, você inclusive mencionou isso, já há sinalizações para a possibilidade de eventos extremos.

Como é que você vê esses riscos de enchentes e qual pode ser o impacto do el ninho para a agricultura brasileira e também para a insegurança alimentar de milhões de pessoas?

Porque a gente está falando não apenas de eventos climáticos extremos e o quanto as populações são impactadas,

mas o produto interno bruto brasileiro pode ser impactado, a alimentação das famílias pode ser impactada,

o impacto é muito maior do que a gente está acostumado a raciocinar automaticamente quando ouve sobre eles.

Sim Natuza, você tem toda a razão, o impacto socioeconômico pode ser grande, na verdade,

essa é uma das vulnerabilidades que o Brasil tem em relação às mudanças climáticas globais,

porque a nossa economia é dependente demais de uma única atividade econômica que é o agronegócio,

e que com o aumento da temperatura e a redução da precipitação prevista dos modelos climáticos globais,

vão ter um impacto negativo muito forte na produtividade agropecuária brasileira.

Se a chuva cair antes das colheitas, o el ninho pode ser até bem-vindo,

mas no médio prazo a mudança em padrões de temperatura e umidade pode favorecer o aparecimento de fungos e pragas

e até comprometer determinadas culturas.

Algum problema pode ocorrer que vem chuvas um pouco mais abundantes para setembro, outubro, que é a colheita do trigo e da cevada.

O aumento da temperatura associado com a umidade pode acelerar a entrada de doenças fúngicas

que afetam o ciclo de cultivo mais primavera e verão.

Os cientistas alertam o governo há algumas décadas já sobre esta questão,

e você soma isso com um el ninho muito forte e com a dependência econômica que nós temos do agronegócio,

com certeza isso pode vir a impactar negativamente na economia brasileira.

Agora eu queria um olhar seu, Paulo, sobre a Amazônia, porque se a gente for rememorar os impactos de 2015 e de 2016,

um estudo do INPE mostrou que a falta de chuva naquele ano contribuiu bastante para os incêndios florestais na Amazônia.

E também naquele ano o Brasil estava sob os efeitos do el ninho.

Então quais os riscos de uma nova temporada intensa de queimadas se repetir agora?

Não há a menor dúvida de que esse risco que você está colocando é muito grande.

Como diminui a precipitação e a chuva é um dos fatores que começa a estação chuvosa e para as queimadas na Amazônia,

quanto mais a estação seca se prolongar, maior vai ser a incidência de queimadas,

maior é a atuação de grupos criminosos que desmatam a Amazônia, fazem invasões de terras públicas e assim por diante,

e com a consequente produção de queimadas.

Então isso só reforça a questão de que o governo precisa rapidamente colocar os sistemas de alerta de incêndios e de combate a incêndios na Amazônia,

o mais rapidamente possível, porque é bem capaz de agora em agosto, setembro, já termos impactos significativos,

aumento de queimadas e destruição de recursos naturais brasileiros que nós temos que evitar o máximo possível.

Vamos falar de combate a queimadas e incêndios no Brasil. Tem alguma mudança desse ano em relação ao ano anterior?

Tem. Investimentos estão sendo feitos para prevenir queimadas.

Então uma elevação de 115% no orçamento do PREV-Fogo, de R$ 38 milhões, para a Sopa R$ 83 milhões.

Aumento no número de brigadistas, de 17% o aumento em relação ao ano passado.

Então o melhor remédio é a gente prevenir, reforçar as brigadas de incêndio na Amazônia,

deixar todo mundo de alerta, porque pode vir uma estação de queimadas muito forte, como aconteceu em outros zelninhos passados.

Bom, eu espero muito que integrantes dos governos federal, estadual e municipal estejam ouvindo esse episódio e esse alerta que você traz, Paulo.

Eu queria entrar num outro ponto. A ONU diz que as temperaturas globais devem bater recordes nos próximos cinco anos por causa do efeito estufa e também por causa do fenômeno El Ninho.

Então eu te pergunto, quais são as ações urgentes, se a gente tiver que pegar as mais urgentes, precisam ser colocadas em prática para evitar uma catástrofe?

E aí falando de ação emergencial mesmo, quais são os primeiros botões que se tem que apertar?

Olha Natuzza, a ciência alerta há mais de 50 anos, desde a conferência de Estocolmo em 1972,

de que nós estamos indo para um caminho de desenvolvimento que pode inviabilizar o clima do planeta já nas próximas décadas.

E basicamente, mesmo depois desse tempo todo, a maior parte dos governos não agiram,

nós estamos continuando queimar gases de efeito estufa, provocando um aquecimento global antropogênico muito rápido e muito forte,

e isto já está tendo impactos muito importantes no mundo todo.

A temperatura média do planeta já subiu 1,2 graus, e em algumas regiões do Brasil a temperatura média já subiu 2,3, 2,2 graus Celsius,

como por exemplo no vale do Rio São Francisco.

Isso tem impactos enormes sobre a nossa sociedade, e para remediar isso, são duas coisas fundamentais.

Primeiro, reduzir as emissões de gases de efeito estufa, que no caso do Brasil, significa zerar o desmatamento até 2030,

como o governo está prometendo, e os países desenvolvidos têm que parar de explorar e queimar petróleo, carvão e gás natural,

ou seja, combustíveis fósseis.

Sem isso, nós estamos colocando as próximas gerações em um risco inaceitável para elas.

Essa é a primeira coisa, reduzir emissões, a segunda coisa é se adaptar ao novo clima que já está aqui conosco.

O clima já mudou, é muito fácil a gente perceber isso, e o que nós temos que fazer é se adaptar a este novo clima,

adaptando as nossas cidades, as áreas costeiras com aumento do nível do mar vão sofrer impactos importantes,

nós temos que desenvolver uma agricultura que seja mais resiliente à falta de chuvas, e vai por aí afora.

É um conjunto de medidas que o Brasil tem que tomar e o planeta tem que tomar para assegurar um clima mais estável no futuro.

Professor, eu sou mãe, tenho um filho de 14 anos, e eu tenho certeza que tem muitos pais e mães ouvindo o podcast aqui, esse episódio.

Que recado você dá para essa geração, para esses adolescentes? O que a gente pode ensinar para eles,

para que eles não façam o que as gerações passadas, inclusive a nossa, fez com o meio ambiente?

Bernatuzzi, esse é um ponto muito bonito.

Na verdade, nós temos que construir uma sociedade que seja mais sustentável.

A nossa sociedade não é minimamente sustentável.

Veja, a cidade onde eu vivo, que é São Paulo, tem 8 milhões de automóveis para andar nas ruas.

Quer dizer, não há como se transformar uma cidade dessa em alguma coisa minimamente sustentável.

Esses automóveis queimam gasolina, queimam óleo diesel, poluem o ambiente, causam aquecimento global e vai por aí afora.

Então, nós temos que levar a nossa sociedade para um sistema onde a gente não tem uma visão tão curta,

no caso das empresas, para um lucro imediato, não importa as consequências ambientais.

Nós temos que mudar essa visão, ter uma visão mais de longo prazo,

olhando para a sustentabilidade do planeta e seguir os 17 objetivos de desenvolvimento sustentáveis

que a ONU promulgou, do qual o Brasil é um dos signatários.

O planeta está indo para um aquecimento médio global da ordem de 3 graus Celsius.

Isso implica que em áreas continentais como o Brasil, o aumento médio da temperatura no Brasil pode ser da ordem de 4 graus a 4,5 graus.

A ciência é muito clara em relação a isso e os impactos vão ser enormes.

Então, nós temos que transformar o nosso sistema socioeconômico em um sistema sustentável,

com menos desigualdades sociais e com paz e prosperidade para todos,

que é alguma coisa muito longe do que nós temos hoje.

Professor Paulo Artacho, muito obrigada pela aula carinhosa que o senhor nos deu aqui hoje no episódio de O Assunto.

Seja bem-vindo das próximas vezes também.

Muito obrigado, é sempre um prazer conversar com vocês e seus ouvintes.

Este foi O Assunto, podcast diário disponível no G1, no Globoplay, no YouTube ou na sua plataforma de áudio preferida.

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Comigo na equipe do O Assunto estão Mônica Mariotti, Amanda Polato, Lorena Lara, Luiz Felipe Silva,

Thiago Kaczorowski, Gabriel de Campos, Guilherme Romero e Nayara Fernandes.

Eu sou Nath Zaneri e fico por aqui. Até o próximo assunto.

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