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O Assunto (*Generated Transcript*), 19.05.23 - A crise que faz o varejo fechar lojas

19.05.23 - A crise que faz o varejo fechar lojas

Na promoção, shorts, bermuda, calça jeans.

Você que gosta de economizar, que gosta de comprar barato, aqui está uma loja especial.

Tem rosa, tem azul, tem preto, tem vermelho, tem branco.

Aqui é promoção, hein? Olha só, presta atenção, muito obrigado pela atenção.

Se achar mais barato, eu devolvo o dinheiro.

Marisa, Renner, Kamikado, Centauro, TocStoc.

Uma lista que não para de crescer.

Grandes redes varejistas anunciaram o fechamento de suas lojas nos últimos meses,

escancarando uma crise no setor que emprega mais de 8 milhões de pessoas.

Tudo isso em meio ao endividamento das famílias,

desemprego alto e incertezas sobre a retomada da economia brasileira.

Marisa, credores estão pedindo a falência da Marisa,

mas a negociação da dívida da varejista é de cerca de 600 milhões de reais

com bancos.

O grupo Pão de Açúcar, ou GPA,

um dos maiores grupos varejistas alimentares da América do Sul,

divulgou um prejuízo de 248 milhões de reais no primeiro trimestre.

O principal concorrente do Pão de Açúcar, o Carrefour,

já havia na véspera anunciado seu primeiro prejuízo

desde a abertura de capital em 2017.

As ações das americanas fecharam em baixa de mais de 77% na Bolsa de Valores

depois de a empresa informar que identificou inconsistências em lançamentos contábeis.

Já havia dona de marcas como Casas Bahia, Ponto e Bartira

colher um prejuízo de 297 milhões de reais entre janeiro e março,

período em que fechou quatro lojas.

As vendas do comércio seguem abaixo do nível recorde registrado em outubro de 2020.

Da redação do G1, eu sou Nathuzaneri e o assunto hoje é

A crise no varejo.

Um episódio para entender os fatores que levaram ao fechamento de lojas de grandes redes

e quais as perspectivas para a recuperação do setor.

Para isso, eu converso com Guilherme Mercês,

diretor de Economia e Inovação da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo.

Sexta-feira, 19 de maio.

Guilherme, por que tanta rede grande de lojas está fechando?

E mesmo setores que normalmente são mais resistentes, mais resilientes, como supermercados.

O que está acontecendo?

Na pandemia a gente teve uma crise financeira muito grande, uma recessão como a muita gente não viu,

onde você teve uma dificuldade de receita natural para todo mundo, para todos os segmentos.

E naquele momento as empresas e as famílias se endividaram muito, bastante.

As empresas porque estavam sem quem comprasse e as famílias porque estavam sem renda,

porque muitas perderam seus empregos.

Então, tanto as empresas quanto as famílias se endividaram muito.

E a saída daquela pandemia, quando todo mundo achou que a gente ia viver um novo momento econômico,

veio logo uma guerra e também com ela um forte aumento dos insumos, da inflação e da taxa de juros.

Então, o que explica o cenário hoje é famílias e empresas muito endividadas

que sofreram um grande baque de uma taxa de juros que subiu muito.

Quando a Selic chegou a 2, mesmo a 4 e 6, quando eu estava ali, ficou mais um tempo ali,

aquilo estimula você a se endividar e o curso do dinheiro explodiu no Brasil em um ano.

A gente saiu de 2 para quase 14.

A taxa básica de juros da economia a Selic foi mantida em 13,75% ao ano.

Desde março, o Brasil é apontado como o dono do maior juro real do mundo, de 6,82%.

Ou seja, o orçamento das famílias apertou demais.

Então, as famílias estão com pouco poder de compra e isso explica esse cenário, principalmente para o varejo,

porque apertou muito para as pessoas de mais baixa renda.

Para você ter uma ideia, hoje 80% das famílias brasileiras estão endividadas

e 20% das famílias naturas.

Chega a chocar esse dado, gastam mais de metade da sua renda com pagamento de dívidas.

Ou seja, o orçamento familiar, principalmente para as famílias mais pobres, apertou demais.

Eu não consegui quitar ainda a minha casa e também não consegui quitar o empréstimo no banco que eu fiz.

Então, as minhas dívidas estão só acumulando e a minha casa hoje precisa até de uma reforma.

Ela está na mesma situação que outros 66 milhões de brasileiros.

4 em cada 10 brasileiros adultos estavam inadimplentes em março.

Um aumento de 8% em relação ao mesmo mês do ano passado.

Em média, as dívidas chegam a quase 4 mil reais por pessoa.

As pessoas acabam tendo que recorrer a um crédito mais fácil e rápido.

Além do cartão, outra alternativa bastante usada é o cheque especial, mas também tem juros altos,

que chegaram a 132% ao ano, em média.

Então, isso explica por que o varejo tem tido um desempenho tão ruim.

Mesmo no ano passado, onde você teve diversas medidas de estímulo por parte do governo,

o varejo teve o pior ano desde 2016 e só não ficou no negativo por conta da desoneração dos combustíveis.

Então, isso explica, do lado dos consumidores, por que o varejo está vendendo tão pouco.

No lado das empresas, elas se endividaram muito e depois veio uma subida muito forte da taxa de juros.

Ou seja, isso causou também um aperto de caixa para as empresas muito grande.

O ICOM, o Índice de Empresas que Reúne 71 Ações Afetadas pela Dinâmica do Consumo,

acumulava queda de 13,22% neste ano até o fechamento da última quarta,

acima da queda de 7,23% do Ibovespa.

Também não é como se o Ibovespa estivesse super bem.

Mas a queda maior do indicador reflete o pessimismo dos investidores

com a evolução dos resultados financeiros do varejo brasileiro,

que foi tomado por anúncios frequentes de reestruturações e renegociações de dívidas

que incluem o fechamento de lojas, redução de folha de pagamento,

pedidos de recuperação judicial e até falências.

Então, com vendas baixas e aperto de caixa por conta de altas despesas financeiras,

isso resultou no cenário que a gente tem hoje.

Empresas com grande dificuldade pedindo recuperação judicial, falência

ou aquelas que ainda não pediram nenhum nem outro, fechando muitas lojas.

Guilherme, você pintou um quadro bem completo dessas duas pontas,

quem compra e quem vende.

E você falou de recuperação judicial, de falências.

Eu queria lembrar de um caso específico do começo do ano,

que foi o caso das americanas, que entraram em recuperação judicial

depois de um escândalo contábil.

Bom, a dívida da empresa era muito maior do que o anunciado,

passou de R$ 8 bilhões para mais de R$ 40 bilhões.

Então, eu te pergunto, como é que esse caso afetou o setor como um todo?

Porque eu me lembro de avaliações à época de que haveria, sim,

um temor de que outras empresas estariam em situação semelhante.

Então, o que aconteceu no varejo pós-crise das americanas?

Além da questão contábil, evidentemente todo esse contexto

de rápida subida de juros com elevado endividamento,

também, obviamente, trouxeram à tona esse colapso das americanas.

E contribuíram para esse colapso que estava lá no balanço,

mas que, obviamente, emergiu diante desse cenário.

A americana disse que a descoberta de inconsistências contábeis

de R$ 20 bilhões, até aqui, o valor de conhecimento público,

poderia provocar o vencimento imediato de débitos

de aproximadamente R$ 40 bilhões.

E, como todos os casos, se o investidor tem um aumento de risco muito grande,

obviamente, os investidores e o mercado precificam esse aumento de risco,

ou seja, o custo do crédito naturalmente sobe.

E isso agravou ainda mais o cenário e, não à toa,

a gente viu, na esteira do acontecimento americano,

várias outras empresas do varejo seguirem no mesmo caminho,

tanto de recuperação judicial como até pedidos de falência de forma geral.

Bom, então você me dá um gancho aí para o paralelo com o cenário internacional.

Por que a crise do setor não é uma exclusividade do Brasil?

Quais são os vasos comunicantes do Brasil com outros países nesse assunto?

Eu diria que esse mesmo cenário que a gente está vendo no Brasil,

ele tem se replicado no mundo todo.

Um baque muito grande da economia e, consequentemente, dos empregos

e das receitas das empresas por conta da pandemia,

todos saíram para se endividar, até porque os governos estimularam

esse endividamento com juros muito baixos.

A gente pode lembrar, no Brasil, em 2020, a gente chegou a conviver com taxa selic de 2%,

com uma inflação acima disso, ou seja, taxa de juros negativa,

um cenário que a gente não via no Brasil há 20, 30 anos.

Então, no mundo também aconteceu isso.

O Brasil deixou para trás a Rússia, a Colômbia, o Chile, o México

e acelerou na contramão de 30 economias, onde os juros caíram até taxas negativas,

como os Estados Unidos.

Então a gente viu que quando as empresas saíram da pandemia,

as empresas e as pessoas, Natuza, acho que depois de todo o sofrimento

que a gente passou na pandemia, acho que a esperança de todos

era a gente sair da pandemia para um cenário maravilhoso.

E o que aconteceu logo depois disso? Uma guerra.

E uma guerra que não está isolada.

A gente tem hoje um cenário mundial que tem a guerra da Rússia e Ucrânia,

mas tem vários focos de tensão geopolítica que têm impactado, por exemplo,

muito o preço de insumos e, consequentemente, a inflação

e, consequentemente, mantendo os juros lá no alto.

Então o cenário brasileiro é muito parecido, na verdade está inserido

num cenário global de instabilidade geopolítica muito grande,

que causa muita mexida nos preços de ativo, todos os insumos,

por mais que eles tenham abandonado, já deixado o pico de alta que eles tiveram,

todos os insumos estão rodando num preço muito mais alto.

A verdade é que tanto Estados Unidos quanto a Europa,

sequer sabiam, a nova geração sequer sabia o que era inflação.

A inflação média na zona do euro foi de 9,1%,

a maior em mais de meio século.

O Reino Unido vive a mais alta inflação das últimas quatro décadas.

Em 12 meses, o índice de preços ao consumidor dos Estados Unidos

atingiu os 8,5%, é a maior variação desde 1981.

Espera um pouquinho que eu já volto para falar com o Guilherme.

Bom, você fez aí uma linha cronológica das expectativas para o pós-pandemia

e aí veio o imprevisível, que foi uma guerra, que aumentou o preço das coisas lá fora

e como a gente compra coisas lá fora para produzir e para vender,

aqui os produtos ficaram mais caros também e isso fez com que a inflação aumentasse.

Mas eu queria entender se a gente pode colocar apenas na conta do imprevisível,

que é uma guerra, ou se as empresas também erraram nas suas projeções,

nos seus planejamentos e nas suas estratégias de venda e de mercado consumidor

para quando a pandemia terminasse.

Eu acho que foi todo mundo muito surpreendido sim, Ana Azuz.

Foi um evento que de fato bastante imprevisível.

Eu acho que retrata muito bem esse cenário, por exemplo,

o que está acontecendo nas empresas de tecnologia do mundo todo.

A gente saiu da pandemia, eu diria, com a convicção de que o digital vinha para ficar,

transformação digital tinha ocorrido e o que a gente viu foi um boom

das empresas de alta tecnologia durante e logo após a pandemia.

Quando veio a guerra, isso frustrou todos os planos

e hoje a gente vê as big techs no mundo todo demitindo em grande volume.

A empresa de tecnologia Meta, dona do Facebook, demitiu 11 mil funcionários.

Segundo o criador da companhia, Mark Zuckerberg, a medida era necessária para cortar custos.

O Elon Musk começou a demitir metade dos funcionários do Twitter.

3.500 pessoas demitidas assim em massa.

A Amazon planeja demitir mais de 18 mil funcionários ainda este mês.

Então, acho que as big techs, o cenário das big techs ilustra muito esse cenário de imprevisibilidade

que ocorreu e que impactou todo mundo, ou seja,

o que a gente achava que o mundo estava caminhando para esse lugar, esse lugar mudou bastante

e hoje a gente está discutindo o mundo que é um mix entre o digital e o físico,

que é o que a gente está chamando de digital.

E aí a gente parte para um mundo que é justamente como é que a gente consegue entender esses dois mundos

e integrar esse atendimento com o cliente, que é o que na prática a gente está chamando de omnichannel,

que é o canal único, como é que a gente consegue integrar isso e atender esses clientes nesse mundo,

que não foi todo para o digital como a gente esperava durante a pandemia e voltou um físico pela metade.

Bom, então por essa lógica, me corrija se eu estiver errada,

se a gente está nessa fase ou nesse momento digital,

significa dizer que se a transição para o digital fosse na velocidade que se imaginava,

haveria um número muito maior de lojas fechadas ou não?

Talvez não, Natuza, porque a gente estaria talvez com um faturamento maior

e a gente conseguiria aproveitar melhor essa integração entre o digital e o físico.

O que está acontecendo hoje, como você teve um aperto muito grande da receita

e consequentemente também da questão financeira por conta dos juros e das dívidas altas,

o que está havendo também grande fechamento de lojas é um grande enxugamento de custos,

ou seja, as empresas, as grandes redes estão se vendo obrigadas a fecharem aquelas lojas

onde a rentabilidade é menor.

Ou seja, esse momento de fechamento de lojas é de fato uma estratégia financeira

para evitar uma condição financeira pior que leve a uma recuperação judicial ou uma falência.

Ou seja, é um instrumento financeiro que as grandes varejistas estão utilizando agora

para tentar lidar com esse aperto de caixa que elas estão.

As vendas do varejo derraparam aí no fim do ano passado, foram dois meses seguidos de queda,

tanto em novembro como também no mês de dezembro.

Aí em janeiro tiveram uma alta considerável de quase 4% e em fevereiro ficou no empate,

ficou no zero a zero.

Com esse desempenho agora de março, o varejo subiu então pouco mais de 1%

quando a gente olha aí para o acumulado de 12 meses.

Apesar do bom resultado desse mês, as vendas do comércio seguem abaixo do nível recorde

registrado em outubro de 2020.

Olha, é uma tristeza. Outro dia eu estava andando no centro de São Paulo no fim de semana

num lugar bem cheio, bem popular e havia várias lojas, endereços super conhecidos em liquidação.

Tinha uma loja que tinha uma arara só, já acabando com o estoque e outras tantas fechadas.

Quando você falou bastante do endividamento das famílias e da situação das empresas

nesse momento, eu queria tentar entender contigo como fazer para sobreviver a essa realidade agora,

porque as famílias estão endividadas, continuam endividadas.

Quais são os caminhos possíveis?

Essa transformação tecnológica, ela necessariamente vai causando rupturas nos mercados de forma geral.

Até porque o processo de inovação é na prática um processo de destruição de negócios

para surgirem novos negócios.

Esse momento aconteceu no mundo várias das vezes.

Em momentos como esse, eu sem dúvida nenhuma posso dizer que as empresas de sucesso

vão ser aquelas que conseguirem montar uma estratégia que consiga lidar com um curto prazo

bastante turbulento, eu diria que pelo menos de 2023 até 2026.

A gente vai viver com um mundo bastante turbulento, com bastante eventos geopolíticos,

mas ao mesmo tempo essa empresa consiga manter um planejamento de médio e longo prazo

focado nessa revolução de inovação e transformação tecnológica.

Portanto, no curto prazo as empresas têm que atacar os problemas emergenciais.

Quais são?

Primeiro, as dívidas estão muito altas e com custos muito elevados.

Portanto, as empresas precisam renegociar as suas dívidas de forma geral.

E há espaço para isso.

A gente deve viver principalmente a partir do segundo semestre e principalmente no ano que vem

talvez uma queda da taxa de juros.

Então é importante as empresas renegociarem as dívidas bancárias de forma geral,

isso é muito importante.

E na Tusa, renegociar as dívidas tributárias.

Pelas minhas contas, da pandemia para cá, só as dívidas tributárias federais cresceram

mais de R$ 280 bilhões, as dívidas das empresas.

E você tem então dívidas astronômicas tributárias sendo reajustadas a uma taxa selic de R$ 13,75,

ou seja, são explosivas e quase impossíveis de serem pagas.

Então também é importante renegociar as dívidas tributárias.

O governo, inclusive, reforçou um programa grande, que é o Litígio Zero,

justamente para abrir espaço para as empresas renegociarem essas dívidas com o FISP.

Então o trabalho emergencial está muito focado nisso.

Gestão de passivos e melhoria de performance operacional.

Quando eu olho para a frente, para a inovação, não tem jeito.

Eu tenho que começar a entender esse novo padrão de consumo,

investir na experiência do usuário e sempre agregando tecnologia

para que eu consiga fazer esse multicanal tão importante hoje.

Porque hoje o consumidor, às vezes, experimenta na loja e vai terminar a sua compra no site.

Ou o contrário, eu começo no site, passo na loja, experimento a roupa, por exemplo,

e vou comprar no site de novo.

Então essa integração e essa mudança de comportamento do consumidor,

eu diria que é essencial para alavancar vendas e, obviamente,

garantir a perenidade das empresas de médio e longo prazo.

Guilherme, muito obrigada pelas explicações todas.

Foi importante para encaixar as pecinhas no lugar para a gente entender o que está acontecendo.

É um prazer sempre falar com vocês, com vocês especialmente.

Eu te admiro bastante.

Estou sempre à disposição para a gente conversar sobre varejo,

essa questão de interação da economia com a inovação,

que eu acho que hoje é a grande pegada.

Este episódio usou áudios da Bloomberg Línea e da BMC News.

Este foi o assunto Podcast Diário disponível no G1, no Globoplay

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Vale a pena seguir o podcast na Amazon ou no Spotify,

assinar no Apple Podcasts, se inscrever no Google Podcasts ou no Castbox

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Comigo na equipe do assunto estão Monica Mariotti, Amanda Polato,

Tiago Aguiar, Luiz Felipe Silva, Tiago Kaczorowski, Gabriel de Campos,

Nayara Fernandes e Guilherme Romero.

Eu sou Natuzaneri e fico por aqui.

Até o próximo assunto.

Legendas pela comunidade Amara.org

19.05.23 - A crise que faz o varejo fechar lojas 19.05.23 - Die Krise, die Einzelhändler dazu bringt, ihre Läden zu schließen 05.19.23 - The crisis that makes retailers close stores

Na promoção, shorts, bermuda, calça jeans.

Você que gosta de economizar, que gosta de comprar barato, aqui está uma loja especial.

Tem rosa, tem azul, tem preto, tem vermelho, tem branco.

Aqui é promoção, hein? Olha só, presta atenção, muito obrigado pela atenção.

Se achar mais barato, eu devolvo o dinheiro.

Marisa, Renner, Kamikado, Centauro, TocStoc.

Uma lista que não para de crescer.

Grandes redes varejistas anunciaram o fechamento de suas lojas nos últimos meses,

escancarando uma crise no setor que emprega mais de 8 milhões de pessoas.

Tudo isso em meio ao endividamento das famílias,

desemprego alto e incertezas sobre a retomada da economia brasileira.

Marisa, credores estão pedindo a falência da Marisa,

mas a negociação da dívida da varejista é de cerca de 600 milhões de reais

com bancos.

O grupo Pão de Açúcar, ou GPA,

um dos maiores grupos varejistas alimentares da América do Sul,

divulgou um prejuízo de 248 milhões de reais no primeiro trimestre.

O principal concorrente do Pão de Açúcar, o Carrefour,

já havia na véspera anunciado seu primeiro prejuízo

desde a abertura de capital em 2017.

As ações das americanas fecharam em baixa de mais de 77% na Bolsa de Valores

depois de a empresa informar que identificou inconsistências em lançamentos contábeis.

Já havia dona de marcas como Casas Bahia, Ponto e Bartira

colher um prejuízo de 297 milhões de reais entre janeiro e março,

período em que fechou quatro lojas.

As vendas do comércio seguem abaixo do nível recorde registrado em outubro de 2020.

Da redação do G1, eu sou Nathuzaneri e o assunto hoje é

A crise no varejo.

Um episódio para entender os fatores que levaram ao fechamento de lojas de grandes redes

e quais as perspectivas para a recuperação do setor.

Para isso, eu converso com Guilherme Mercês,

diretor de Economia e Inovação da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo.

Sexta-feira, 19 de maio.

Guilherme, por que tanta rede grande de lojas está fechando?

E mesmo setores que normalmente são mais resistentes, mais resilientes, como supermercados.

O que está acontecendo?

Na pandemia a gente teve uma crise financeira muito grande, uma recessão como a muita gente não viu,

onde você teve uma dificuldade de receita natural para todo mundo, para todos os segmentos.

E naquele momento as empresas e as famílias se endividaram muito, bastante.

As empresas porque estavam sem quem comprasse e as famílias porque estavam sem renda,

porque muitas perderam seus empregos.

Então, tanto as empresas quanto as famílias se endividaram muito.

E a saída daquela pandemia, quando todo mundo achou que a gente ia viver um novo momento econômico,

veio logo uma guerra e também com ela um forte aumento dos insumos, da inflação e da taxa de juros.

Então, o que explica o cenário hoje é famílias e empresas muito endividadas

que sofreram um grande baque de uma taxa de juros que subiu muito.

Quando a Selic chegou a 2, mesmo a 4 e 6, quando eu estava ali, ficou mais um tempo ali,

aquilo estimula você a se endividar e o curso do dinheiro explodiu no Brasil em um ano.

A gente saiu de 2 para quase 14.

A taxa básica de juros da economia a Selic foi mantida em 13,75% ao ano.

Desde março, o Brasil é apontado como o dono do maior juro real do mundo, de 6,82%.

Ou seja, o orçamento das famílias apertou demais.

Então, as famílias estão com pouco poder de compra e isso explica esse cenário, principalmente para o varejo,

porque apertou muito para as pessoas de mais baixa renda.

Para você ter uma ideia, hoje 80% das famílias brasileiras estão endividadas

e 20% das famílias naturas.

Chega a chocar esse dado, gastam mais de metade da sua renda com pagamento de dívidas.

Ou seja, o orçamento familiar, principalmente para as famílias mais pobres, apertou demais.

Eu não consegui quitar ainda a minha casa e também não consegui quitar o empréstimo no banco que eu fiz.

Então, as minhas dívidas estão só acumulando e a minha casa hoje precisa até de uma reforma.

Ela está na mesma situação que outros 66 milhões de brasileiros.

4 em cada 10 brasileiros adultos estavam inadimplentes em março.

Um aumento de 8% em relação ao mesmo mês do ano passado.

Em média, as dívidas chegam a quase 4 mil reais por pessoa.

As pessoas acabam tendo que recorrer a um crédito mais fácil e rápido.

Além do cartão, outra alternativa bastante usada é o cheque especial, mas também tem juros altos,

que chegaram a 132% ao ano, em média.

Então, isso explica por que o varejo tem tido um desempenho tão ruim.

Mesmo no ano passado, onde você teve diversas medidas de estímulo por parte do governo,

o varejo teve o pior ano desde 2016 e só não ficou no negativo por conta da desoneração dos combustíveis.

Então, isso explica, do lado dos consumidores, por que o varejo está vendendo tão pouco.

No lado das empresas, elas se endividaram muito e depois veio uma subida muito forte da taxa de juros.

Ou seja, isso causou também um aperto de caixa para as empresas muito grande.

O ICOM, o Índice de Empresas que Reúne 71 Ações Afetadas pela Dinâmica do Consumo,

acumulava queda de 13,22% neste ano até o fechamento da última quarta,

acima da queda de 7,23% do Ibovespa.

Também não é como se o Ibovespa estivesse super bem.

Mas a queda maior do indicador reflete o pessimismo dos investidores

com a evolução dos resultados financeiros do varejo brasileiro,

que foi tomado por anúncios frequentes de reestruturações e renegociações de dívidas

que incluem o fechamento de lojas, redução de folha de pagamento,

pedidos de recuperação judicial e até falências.

Então, com vendas baixas e aperto de caixa por conta de altas despesas financeiras,

isso resultou no cenário que a gente tem hoje.

Empresas com grande dificuldade pedindo recuperação judicial, falência

ou aquelas que ainda não pediram nenhum nem outro, fechando muitas lojas.

Guilherme, você pintou um quadro bem completo dessas duas pontas,

quem compra e quem vende.

E você falou de recuperação judicial, de falências.

Eu queria lembrar de um caso específico do começo do ano,

que foi o caso das americanas, que entraram em recuperação judicial

depois de um escândalo contábil.

Bom, a dívida da empresa era muito maior do que o anunciado,

passou de R$ 8 bilhões para mais de R$ 40 bilhões.

Então, eu te pergunto, como é que esse caso afetou o setor como um todo?

Porque eu me lembro de avaliações à época de que haveria, sim,

um temor de que outras empresas estariam em situação semelhante.

Então, o que aconteceu no varejo pós-crise das americanas?

Além da questão contábil, evidentemente todo esse contexto

de rápida subida de juros com elevado endividamento,

também, obviamente, trouxeram à tona esse colapso das americanas.

E contribuíram para esse colapso que estava lá no balanço,

mas que, obviamente, emergiu diante desse cenário.

A americana disse que a descoberta de inconsistências contábeis

de R$ 20 bilhões, até aqui, o valor de conhecimento público,

poderia provocar o vencimento imediato de débitos

de aproximadamente R$ 40 bilhões.

E, como todos os casos, se o investidor tem um aumento de risco muito grande,

obviamente, os investidores e o mercado precificam esse aumento de risco,

ou seja, o custo do crédito naturalmente sobe.

E isso agravou ainda mais o cenário e, não à toa,

a gente viu, na esteira do acontecimento americano,

várias outras empresas do varejo seguirem no mesmo caminho,

tanto de recuperação judicial como até pedidos de falência de forma geral.

Bom, então você me dá um gancho aí para o paralelo com o cenário internacional.

Por que a crise do setor não é uma exclusividade do Brasil?

Quais são os vasos comunicantes do Brasil com outros países nesse assunto?

Eu diria que esse mesmo cenário que a gente está vendo no Brasil,

ele tem se replicado no mundo todo.

Um baque muito grande da economia e, consequentemente, dos empregos

e das receitas das empresas por conta da pandemia,

todos saíram para se endividar, até porque os governos estimularam

esse endividamento com juros muito baixos.

A gente pode lembrar, no Brasil, em 2020, a gente chegou a conviver com taxa selic de 2%,

com uma inflação acima disso, ou seja, taxa de juros negativa,

um cenário que a gente não via no Brasil há 20, 30 anos.

Então, no mundo também aconteceu isso.

O Brasil deixou para trás a Rússia, a Colômbia, o Chile, o México

e acelerou na contramão de 30 economias, onde os juros caíram até taxas negativas,

como os Estados Unidos.

Então a gente viu que quando as empresas saíram da pandemia,

as empresas e as pessoas, Natuza, acho que depois de todo o sofrimento

que a gente passou na pandemia, acho que a esperança de todos

era a gente sair da pandemia para um cenário maravilhoso.

E o que aconteceu logo depois disso? Uma guerra.

E uma guerra que não está isolada.

A gente tem hoje um cenário mundial que tem a guerra da Rússia e Ucrânia,

mas tem vários focos de tensão geopolítica que têm impactado, por exemplo,

muito o preço de insumos e, consequentemente, a inflação

e, consequentemente, mantendo os juros lá no alto.

Então o cenário brasileiro é muito parecido, na verdade está inserido

num cenário global de instabilidade geopolítica muito grande,

que causa muita mexida nos preços de ativo, todos os insumos,

por mais que eles tenham abandonado, já deixado o pico de alta que eles tiveram,

todos os insumos estão rodando num preço muito mais alto.

A verdade é que tanto Estados Unidos quanto a Europa,

sequer sabiam, a nova geração sequer sabia o que era inflação.

A inflação média na zona do euro foi de 9,1%,

a maior em mais de meio século.

O Reino Unido vive a mais alta inflação das últimas quatro décadas.

Em 12 meses, o índice de preços ao consumidor dos Estados Unidos

atingiu os 8,5%, é a maior variação desde 1981.

Espera um pouquinho que eu já volto para falar com o Guilherme.

Bom, você fez aí uma linha cronológica das expectativas para o pós-pandemia

e aí veio o imprevisível, que foi uma guerra, que aumentou o preço das coisas lá fora

e como a gente compra coisas lá fora para produzir e para vender,

aqui os produtos ficaram mais caros também e isso fez com que a inflação aumentasse.

Mas eu queria entender se a gente pode colocar apenas na conta do imprevisível,

que é uma guerra, ou se as empresas também erraram nas suas projeções,

nos seus planejamentos e nas suas estratégias de venda e de mercado consumidor

para quando a pandemia terminasse.

Eu acho que foi todo mundo muito surpreendido sim, Ana Azuz.

Foi um evento que de fato bastante imprevisível.

Eu acho que retrata muito bem esse cenário, por exemplo,

o que está acontecendo nas empresas de tecnologia do mundo todo.

A gente saiu da pandemia, eu diria, com a convicção de que o digital vinha para ficar,

transformação digital tinha ocorrido e o que a gente viu foi um boom

das empresas de alta tecnologia durante e logo após a pandemia.

Quando veio a guerra, isso frustrou todos os planos

e hoje a gente vê as big techs no mundo todo demitindo em grande volume.

A empresa de tecnologia Meta, dona do Facebook, demitiu 11 mil funcionários.

Segundo o criador da companhia, Mark Zuckerberg, a medida era necessária para cortar custos.

O Elon Musk começou a demitir metade dos funcionários do Twitter.

3.500 pessoas demitidas assim em massa.

A Amazon planeja demitir mais de 18 mil funcionários ainda este mês.

Então, acho que as big techs, o cenário das big techs ilustra muito esse cenário de imprevisibilidade

que ocorreu e que impactou todo mundo, ou seja,

o que a gente achava que o mundo estava caminhando para esse lugar, esse lugar mudou bastante

e hoje a gente está discutindo o mundo que é um mix entre o digital e o físico,

que é o que a gente está chamando de digital.

E aí a gente parte para um mundo que é justamente como é que a gente consegue entender esses dois mundos

e integrar esse atendimento com o cliente, que é o que na prática a gente está chamando de omnichannel,

que é o canal único, como é que a gente consegue integrar isso e atender esses clientes nesse mundo,

que não foi todo para o digital como a gente esperava durante a pandemia e voltou um físico pela metade.

Bom, então por essa lógica, me corrija se eu estiver errada,

se a gente está nessa fase ou nesse momento digital,

significa dizer que se a transição para o digital fosse na velocidade que se imaginava,

haveria um número muito maior de lojas fechadas ou não?

Talvez não, Natuza, porque a gente estaria talvez com um faturamento maior

e a gente conseguiria aproveitar melhor essa integração entre o digital e o físico.

O que está acontecendo hoje, como você teve um aperto muito grande da receita

e consequentemente também da questão financeira por conta dos juros e das dívidas altas,

o que está havendo também grande fechamento de lojas é um grande enxugamento de custos,

ou seja, as empresas, as grandes redes estão se vendo obrigadas a fecharem aquelas lojas

onde a rentabilidade é menor.

Ou seja, esse momento de fechamento de lojas é de fato uma estratégia financeira

para evitar uma condição financeira pior que leve a uma recuperação judicial ou uma falência.

Ou seja, é um instrumento financeiro que as grandes varejistas estão utilizando agora

para tentar lidar com esse aperto de caixa que elas estão.

As vendas do varejo derraparam aí no fim do ano passado, foram dois meses seguidos de queda,

tanto em novembro como também no mês de dezembro.

Aí em janeiro tiveram uma alta considerável de quase 4% e em fevereiro ficou no empate,

ficou no zero a zero.

Com esse desempenho agora de março, o varejo subiu então pouco mais de 1%

quando a gente olha aí para o acumulado de 12 meses.

Apesar do bom resultado desse mês, as vendas do comércio seguem abaixo do nível recorde

registrado em outubro de 2020.

Olha, é uma tristeza. Outro dia eu estava andando no centro de São Paulo no fim de semana

num lugar bem cheio, bem popular e havia várias lojas, endereços super conhecidos em liquidação.

Tinha uma loja que tinha uma arara só, já acabando com o estoque e outras tantas fechadas.

Quando você falou bastante do endividamento das famílias e da situação das empresas

nesse momento, eu queria tentar entender contigo como fazer para sobreviver a essa realidade agora,

porque as famílias estão endividadas, continuam endividadas.

Quais são os caminhos possíveis?

Essa transformação tecnológica, ela necessariamente vai causando rupturas nos mercados de forma geral.

Até porque o processo de inovação é na prática um processo de destruição de negócios

para surgirem novos negócios.

Esse momento aconteceu no mundo várias das vezes.

Em momentos como esse, eu sem dúvida nenhuma posso dizer que as empresas de sucesso

vão ser aquelas que conseguirem montar uma estratégia que consiga lidar com um curto prazo

bastante turbulento, eu diria que pelo menos de 2023 até 2026.

A gente vai viver com um mundo bastante turbulento, com bastante eventos geopolíticos,

mas ao mesmo tempo essa empresa consiga manter um planejamento de médio e longo prazo

focado nessa revolução de inovação e transformação tecnológica.

Portanto, no curto prazo as empresas têm que atacar os problemas emergenciais.

Quais são?

Primeiro, as dívidas estão muito altas e com custos muito elevados.

Portanto, as empresas precisam renegociar as suas dívidas de forma geral.

E há espaço para isso.

A gente deve viver principalmente a partir do segundo semestre e principalmente no ano que vem

talvez uma queda da taxa de juros.

Então é importante as empresas renegociarem as dívidas bancárias de forma geral,

isso é muito importante.

E na Tusa, renegociar as dívidas tributárias.

Pelas minhas contas, da pandemia para cá, só as dívidas tributárias federais cresceram

mais de R$ 280 bilhões, as dívidas das empresas.

E você tem então dívidas astronômicas tributárias sendo reajustadas a uma taxa selic de R$ 13,75,

ou seja, são explosivas e quase impossíveis de serem pagas.

Então também é importante renegociar as dívidas tributárias.

O governo, inclusive, reforçou um programa grande, que é o Litígio Zero,

justamente para abrir espaço para as empresas renegociarem essas dívidas com o FISP.

Então o trabalho emergencial está muito focado nisso.

Gestão de passivos e melhoria de performance operacional.

Quando eu olho para a frente, para a inovação, não tem jeito.

Eu tenho que começar a entender esse novo padrão de consumo,

investir na experiência do usuário e sempre agregando tecnologia

para que eu consiga fazer esse multicanal tão importante hoje.

Porque hoje o consumidor, às vezes, experimenta na loja e vai terminar a sua compra no site.

Ou o contrário, eu começo no site, passo na loja, experimento a roupa, por exemplo,

e vou comprar no site de novo.

Então essa integração e essa mudança de comportamento do consumidor,

eu diria que é essencial para alavancar vendas e, obviamente,

garantir a perenidade das empresas de médio e longo prazo.

Guilherme, muito obrigada pelas explicações todas.

Foi importante para encaixar as pecinhas no lugar para a gente entender o que está acontecendo.

É um prazer sempre falar com vocês, com vocês especialmente.

Eu te admiro bastante.

Estou sempre à disposição para a gente conversar sobre varejo,

essa questão de interação da economia com a inovação,

que eu acho que hoje é a grande pegada.

Este episódio usou áudios da Bloomberg Línea e da BMC News.

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