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O Assunto (*Generated Transcript*), 07.07.23-Adeus a Zé Celso, o revolucionário do teatro

07.07.23-Adeus a Zé Celso, o revolucionário do teatro

José Celso Martinez Correia.

A primeira coisa que eu fiz na minha vida foi cantar no violão uma música sobre uma

experiência que eu tinha acabado de ter com um papagaio que se perdeu.

Então eu, eu fugi com o vento.

Aí eu fiz uma peça, escrevi uma peça, falei, então eu sou isso, eu sou teatro.

Aí me decidi.

Eu, 17 anos.

Praticamente, 17 anos ainda.

Então eu sou isso.

Aí eu nunca mais tive dúvida.

O poder do teatro é o poder da pessoa humana.

O poder que a pessoa humana tem de intervenção nas coisas.

E o próprio Teatro Oficina, o projeto da Lina Barra, inclusive, que via todo o terreno,

é um teatro que ela, ela sagra a terra.

Ela planta uma árvore, faz uma vidraça enorme, que dá pra todo o espaço.

E foi tombado 300 metros em torre.

E tá aí tudo ainda.

Me inspirei nesse lugar.

É um milagre esse espaço.

Eu não me sinto nem velho, nem moço, nem nada.

Eu me sinto eterno.

Eu sou o teatro brasileiro, na vida o espelho verdadeiro.

Eu sou.

Se eu não faço, é a única coisa que eu sei fazer.

Da redação do G1, eu sou Nathuzan Nery e o assunto hoje é uma homenagem a Zé Celso,

o revolucionário das artes brasileiras, dramaturgo, criador do Teatro Oficina e inspirador de

várias gerações de atores e de atrizes.

Zé Celso morreu aos 86 anos, dois dias depois de um incêndio atingir o apartamento de um

Zé Celso morreu aos 86 anos, dois dias depois de um incêndio atingir o apartamento de um

onde ele morava em São Paulo.

Eu recebo o Pascoal da Conceição, ator cuja carreira começou no Teatro Oficina e amigo

próximo de Zé Celso.

Ele é produtor cultural e diretor.

Ele fala comigo direto do Teatro Oficina.

Sexta-feira, 7 de julho.

Ô Pascoal, tudo bem? Como é que você tá?

Eu acordei hoje, né, com essa notícia pela manhã, bem cedinho.

E aí foi muito assim, foi desesperador.

Uns urros, assim, umas coisas.

E à medida que foi passando o dia, foi falando com uma pessoa, foi falando com outra, foi

vendo sofrimentos maiores até que os meus e vendo tudo isso.

Na verdade é assim, a gente fica convulsionado, assim, como eu tô, assim,

há uma pergunta como essa.

Tô assim, mexido por tudo que significa esse acontecimento, né?

Mexidássimo, cara, muito mexido.

Porque assim, na segunda-feira, veja você, eu recebi um telefone, uma da produtora,

ela falou, olha, vamos achar um lugar pro Zé encenar a queda do céu, porque o teatro

tá ocupado, tem espetáculo, então a gente precisa de um espaço.

Grande, pro Zé encenar, porque o Zé já fez a dramaturgia da queda do céu do Copenaua.

Então a dramaturgia tá pronta, agora o Zé quer começar a encenar.

Então me marcou, primeiro de agosto a gente começa.

Falei, ó, fala pro Zé pra ele ficar tranquilo, que lugar vai ter, com certeza a gente vai

falar, vai ter quem não queira ter o Zé Celso pra encenar a queda do céu no seu espaço,

uma coisa histórica, um trabalho nessa hora, urgente e tal.

Tudo bem, na segunda-feira a gente foi dormir assim, ok.

Aí o Zé passou a noite, porque o Zé é notíbamo, né, o Zé acorda tarde e trabalha

à noite normalmente, aproveita o horário da noite, que ele gosta mais de trabalhar.

E ele vai dormir às sete da manhã, deita na cama, dorme, dorme e já não acorda mais, né.

Porque daí pra frente, o que é?

Um pesadelo, entubado, sedado.

Há uma forte suspeita de que ele tenha começado com um aquecedor dentro do quarto do Zé Celso,

tanto que ele foi mais atingido com mais de 50% do corpo queimado, né.

O marido do Zé Celso, Marcelo Drummond, e os outros dois moradores do apartamento, o

Victor Rosa e o Ricardo Bittencourt, são atores também, estão estáveis.

E ontem à noite a gente foi dormir, conversando, a gente estava bastante esperançoso sobre...

As notícias eram assim, que o Zé, ele tinha tido esse... ele tem uma pressa de idade,

tinha tido isso, mas o corpo estava reagindo, ele ia fazer uma hemodiálise até pra o rim

não ficar muito sobrecarregado.

Então a gente foi dormir muito esperançoso, assim, de tudo.

E acordou com essa notícia, mas ao mesmo tempo, o Zé assim, o diretor assim, as pessoas falam assim,

o que o Zé te inspira?

Ele é um provocador, ele não é só um diretor de inspiração, é um diretor de provocação, sabe?

Ele te provoca, você fala uma fala, ele fala uma música, mas o que essa fala tem a ver com a realidade?

O que essa fala tem a ver com qualquer pessoa que vai entrar aqui pra assistir, com o Brasil, com o mundo, com o planeta?

Eu não quero propor reflexão, eu quero propor vivência.

Eu quero passar a situação daqui agora que nós estamos sentindo.

Eu não espero nada.

Eu tô aqui agora, tô contente de estar aqui agora, não quero estar em outro lugar do mundo.

E ele estava montando A Queda do Céu exatamente pra gente estrear no Parque Teatro do Rio Bexiga,

que é esse terreno do nosso lado, já é.

Então o Zé de repente vai embora quase como um...

Deixa um monte de serviço, deixa um monte de trabalho, trabalho bom, né?

Deixa um monte de coisa boa pra gente fazer, sabe?

O Zé, veja, ele foi embora no dia em que o planeta registrou a maior temperatura do planeta,

que já são 17 graus, e já é um friozinho de São Paulo.

Daqui a pouco vai ser um calor de Bangu, sabe?

Pra chegar num calor do Saara, pra chegar num calor de vulcão.

Ele foi embora nesse dia de fogo.

E aqui no teatro, aqui onde a gente tá no teatro, eu tô falando como assim,

embaixo passa um rio, o Rio Bexiga, que o projeto é se encavar,

esses cinco metros lá de baixo, e mostrar o rio.

Esse é o projeto da gente, esse é o projeto do Parque do Rio Bexiga,

no centro da cidade de São Paulo.

Se encavar, abrir um buraco.

E esse rio vai ser o personagem da peça, já é o personagem da Queira do Céu, evidentemente.

Esse rio vai fazer papel de Rio Amazonas, vai fazer papel de Rio Tietê, Rio Tapajós,

Oraricuera, vai fazer papel dos inúmeros rios que a gente tem no Brasil todo.

Então é isso, entendeu?

Não é uma pessoa assim que simplesmente sai de cena.

É um diretor, entendeu?

Ele dá, como se disser, um personagem pra você, olha, esse é o personagem.

Aí você tem que se desdobrar, como que eu vou fazer isso?

Ele não vai sair de cena, Pascoal.

Ele nunca vai sair de cena, né?

Acho que o trabalho dele, tudo que ele representa, esse monumento que é Zé Celso,

um monumento como ele não sai de cena.

Você citou essa peça, né? A Queda do Céu, de Davi Copenaua.

E eu queria entender o que esse trabalho diz sobre o momento do Zé Celso no teatro.

Pouco tempo atrás, né, seis meses atrás, o Zé falou, olha, vem numa reunião aqui,

falou que estou fazendo o trabalho mais importante da minha vida.

Anunciou assim pra gente.

Eu li o livro A Queda do Céu, do Copenaua, e vou colocar no teatro.

A contradição do hoje em dia não é mais entre o grande capitalismo e o operariado,

é o grande capitalismo e os burus, os índios, os que geram a terra, os que conhecem a terra, né?

E que, aliás, demonstram os líderes, Kerenakis, Sona, Kajajara, Davi Copenaua,

que ditou esse livro maravilhoso de Yanomami, que é A Queda do Céu, né?

O Zé fez trabalhos assim gigantes.

Os Sertões, por exemplo, que é um livro que eu tinha lido,

que eu tinha lido, tentado ler, não tinha conseguido ler,

depois li quatro, cinco vezes, porque é um livro gigante, do Cris Arcunha, né?

E colocou os Sertões com 26 horas em cena.

Nos Sertões, nós chegamos a trabalhar com 100 pessoas, inclusive crianças.

Nós fomos duas vezes pra Alemanha.

Quer dizer, foi considerado o melhor espetáculo do século XX.

É o ano novo no seu hemisfério

A noite mais longa do novo império

O Zé sonha numa dimensão, assim, como uma pessoa, na música do Gil, né?

Se oriente pela possibilidade de ir pro Japão, pelo cruzeiro.

O Zé tem uma orientação de pensamento muito além, às vezes, do que eu vou te falar,

do que a gente pode pegar.

E eu cheguei aqui no teatro, quando eu cheguei, o teatro não tinha nada disso,

não era nada disso.

E quando o Zé falou assim, nós vamos encenar lá no parque,

o teatro não chega, é claro que não, porque ainda tá no papel ainda.

Mas é isso, o Zé tem uma potência, cara,

uma maneira positiva de enxergar a vida, sabe? De enxergar o sonho.

Não é utopia, não é utopia, não é utopia.

O desafio que o Zé faz é um desafio, assim, de possibilidade, é possível, não é?

Não é utópico, é possível a gente fazer isso, sabe?

A provocação dele é nesse sentido, é possível, claro que é possível.

Como não é possível?

Juridicamente, economicamente, politicamente.

Sobre o penal, sobre o livro desse momento,

o Zé estava profundamente tocado com a questão do marco temporal.

Ele disse que a diverticulite dele,

no dia da votação do marco temporal na Câmara dos Deputados,

ele teve um nono diverticulite.

Muita coisa aconteceu em Brasília hoje, mas uma se impõe pelo peso histórico,

de retrocesso histórico.

Ele está falando da aprovação na Câmara do chamado marco temporal,

no plenário da casa.

Eu venho de um território indígena, companheiros parlamentares,

porque vocês sabiam que a cada vez que votam projetos como o 490,

acelera o genocídio e os conflitos territoriais?

Ele nos ensinou, ele nos ensinou.

Assim, você vê ele atuando assim, então você aprende do lado dele, né?

A atuar de uma maneira pública, não de uma maneira privada no seu mundo.

Esse teatro que está aqui, esse parque do Rio de Janeiro,

não é Zé Celso, mas é público, é para todos.

Hoje eu tenho amigos fora do Brasil, um amigo de Portugal me ligou,

e eu falei, mas nossa, Portugal está anunciando isso.

Ele falou, não só Portugal, o mundo todo, a França, a África,

o Zambique está anunciando. É mesmo? Claro, olha o Zé.

A repercussão da partida inesperada é imensa.

O presidente Lula escreveu que o Brasil se despede hoje

de um dos maiores nomes da história do teatro brasileiro.

A ministra da Cultura, Margarete Menezes, disse,

sentimos profundamente a perda de Zé Celso,

um dos dramaturgos mais revolucionários e inovadores do Brasil.

Inspirados pelo teatro tropicalista de Zé Celso, Gilberto Gil registrou

que Zé Celso marcou a história do Brasil e seu legado será eterno.

E Caetano Veloso escreveu, Zé Celso era um artista,

não meramente um diretor de teatro, um artista intenso, imenso.

Precisamos de tempo para dimensionar o seu legado.

Uma coisa, isso eu acho forte no Zé, é o seguinte,

o Zé faz trabalho coletivo, tem grandes diretores,

mas os espetáculos são de 150 pessoas, de 100 pessoas.

Eram numerosos, né?

O Zé tem a capacidade de juntar trabalho coletivo, não é um ator nem dois,

a carreira dele não é uma carreira dele, diz Zé Celso,

é uma carreira coletiva.

Claro que a gente sempre tem que, é como se eu te perguntasse,

quem inventou o fogo? Aí você fala, foi Prometeu.

Tem uma coisa mítica que a gente acaba pondo para uma pessoa,

o Zé era um cara que catalisou um trabalho de muita gente,

o Zé nos catalisou, ele é um pouco de cada um de nós, né?

É que nem o amor, por exemplo, se eu estou apaixonado e você está apaixonado,

se nós estamos apaixonados, a gente vê coisas que ninguém vê,

a gente sente coisas que ninguém sente.

Agora, se tem uma relação de distância, é outra coisa,

a gente não percebe, a arte é mágica, você só sente a arte

quando você corporalmente se envolve com ela.

A gente morreu também, a gente também se queimou e ao mesmo tempo

também a gente está para fazer o próximo trabalho.

É exatamente esse ponto que eu quero tocar com você,

a vida e a morte segundo o Zé Celso,

porque ele dizia que ele não tinha medo de morrer

e que a possibilidade da morte era uma grande inspiração para a vida.

Olha que coisa extraordinária esse pensamento.

E uma vida que era cultivada no teatro e experimentada em toda a sua intensidade.

Ele era, Pascoal, uma inspiração para você, como a gente claramente ouve,

mas não só na arte, na arte de fazer teatro, também na vida,

quer dizer, na forma de encarar a vida, não é isso?

Muita gente me conhece como um ator aqui do teatro,

mas me conhece bastante também como um fazendo o Mário de Andrade,

fazendo o Doutora Bobrinha do Castelo Latim Bom.

Ela assinou, assinou!

Agora o castelo é meu!

E o que o senhor vai fazer com o castelo, hein, Doutora Bobrinha?

Derrubar! Derrubar inteirinho!

O Doutora Bobrinha do Castelo Latim Bom,

eu comecei a gravar esse programa na época do Hamlet,

nós estávamos fazendo o Hamlet aqui.

Isso era que ano?

Isso é 1992, de 92 a 94,

o tempo que a gente estava fazendo o Hamlet aqui.

E é evidente, o jeito de trabalhar dos recelsos,

o jeito de colocar o ator em cena,

o jeito de inspirar e de provocar o ator em cena,

não é simplesmente de fazer um papel,

é sempre fazer muito mais daquilo que é o papel.

O Doutora Bobrinha, se você pensar,

ele é o empreendedor imobiliário,

quer derrubar o castelo para construir um prédio de 100 andares,

que são as próprias questões do plano diretor de hoje,

porque eu vim para o Teatro Oficina exatamente no momento,

eu cheguei aqui em 81,

no momento em que o teatro estava sofrendo uma ação de despejo

para ser retirado daqui,

e havia dois anos antes, poucos anos antes,

um minhocão, que é esse minhocão que divide a cidade,

alterou totalmente o plano diretor da cidade,

a ocupação espacial da cidade,

toda essa especulação imobiliária.

Então, eu estou falando isso porque

todo o trabalho daqui também é um trabalho relacionado

com essa cidade de São Paulo, com essa especulação,

e todo mundo que está aqui,

todo mundo que está aqui,

de uma certa forma,

acaba se envolvendo e acaba reproduzindo isso no seu próprio trabalho.

Mas eu falava assim,

que não tem esse negócio de atuar no particular,

no privado, atuação.

O Teatro Oficina, por exemplo, não tem coxia, não tem gamarim,

a atuação é pública, você está o tempo todo na mostra mesmo.

Espera um pouquinho que eu já volto para continuar minha conversa com o Pascoal.

Eu queria entrar um pouco no Teatro Oficina,

na história do Teatro Oficina,

até para quem nos ouve e eventualmente não conheça.

Em que momento do teatro brasileiro o Teatro Oficina nasceu?

Fala um pouquinho para a nossa audiência, Pascoal, a história,

conta a história do Teatro Oficina para a gente.

Tem duas datas inaugurais, 1958 e 1961.

Em 1958, aqui na rua Jaceguá e 520,

vizinha do baú da felicidade, no número 400 e algumas coisas, 450,

começam dois momentos.

Um é a primeira apresentação alugada em um teatro espírita que tinha aqui.

Paulista de Araraquara, José Celso Martinez Correia descobriu o teatro

ainda nos corredores da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.

Mas a arte virou a cabeça do futuro advogado,

que acabou se transformando em um dos maiores dramaturgos do país.

Queria quebrar os clichês, tirar do corpo aquele vudu,

pequeno bogueiro, terno, gravata, etc.

Prestígio que veio com a criação do Teatro Oficina, em 1958,

junto com os colegas de sala Amir Haddad e Renato Borg.

Escreveu a primeira peça, Vento Forte para um Papagaio Subir, no mesmo ano.

Em 1961, o grupo aluga definitivamente o prédio, o seu Cocosa,

que era o dono do prédio, para fazer o teatro.

A primeira peça aqui é A Vida Impressa em Dólar.

Quebra de padrões e tradições, integração entre palco e plateia,

o espectador como um elemento ativo em cena.

Ideias revolucionárias que tiveram como DNA A Vida Impressa em Dólar,

primeiro trabalho profissional de José Celso como diretor, em 1961.

Esse é o período, assim, na história do Brasil,

é um período de recuperação, porque a gente vem da morte do Getúlio,

e vem de um Brasil bossa nova, de um Brasil tropical, de um Brasil novo,

começa essa geração que sonha...

Eu estava na escola, nos anos 60 e pouco,

tinha uma coisa de um Brasil grande, de um Brasil que a gente ia sonhar.

A gente sonhava que no ano 2000, a gente ia ser tudo no Brasil.

Então, a professora falava para a gente estudar inglês, francês,

estudar várias línguas brasileiras, porque no ano 2000 nós íamos ser requisitados.

Então, era um Brasil assim.

Aí, em 64, o golpe militar, 68...

Então, o que acontece?

O Oficina vai vivenciar com a geração toda brasileira,

nesse momento, fazendo espetáculos.

Porque quando...

Acho que a dimensão, assim, do que é a ditadura militar,

eu podia colocar vocês, que estão ouvindo, fazer o seguinte.

Foram 20 anos dos militares no poder,

como se você dissesse, são 20 anos do Bolsonaro no poder, que é um militar.

Só que sem democracia, sem liberdade de imprensa,

sem liberdade de comunicação, a gente não podia fazer reuniões,

censura de tudo.

O Teatro São Paulo teve um poder magnífico nos anos 60.

Praticamente, o Teatro São Paulo era o polo de uma revolução cultural.

Foi tão poderoso que praticamente o AI-5 foi um ato que foi baixado

principalmente em cima do teatro.

O teatro, como é ao vivo,

diferentemente do cinema, diferentemente da imprensa,

diferentemente da literatura,

o teatro ao vivo permitia, então, um escape metafórico, vamos dizer assim.

O Rei da Vela é encenado em 68, que é uma peça que faz um sucesso fantástico.

O que é o Rei da Vela? É um cara que vive de vender vela.

E ele ganha um centavo por cada morto nacional.

Ele vivia disso, porque ninguém ousava ultrapassar os umbrais da humanidade

sem uma vela na mão.

A Tropicália, com o Rei da Vela, se plugou na antropofagia também

e fez uma revolução cultural no Brasil, de descolonização.

Quem se atreve a ultrapassar os umbrais da eternidade sem uma vela na mão?

Então, o que é esse capitalista brasileiro que vive da morte?

E a gente já viu o que foi a negociação das vacinas. Foi isso daí.

Depois disso, ele ensina Roda Viva.

Roda Viva é a chegada exatamente dessa voracidade mercadológica comercial sobre a arte.

O Chico acabou de liberar e eu vou fazer.

A gente toma a iniciativa, a viola na rua, a janta.

E desde que chega a Roda Viva, é a viola na lama.

Roda verde, roda gigante, roda mullinho, roda avião.

O tempo é um instante, mas rodando o seu coração.

Roda Viva foi atacado por uma milícia paramilitar chamada Comando de Caça aos Comunistas.

Imagina, você é ator e de repente... Já tinha jogado bomba nos jornais, nas páginas de jornais,

mas atacado militarmente, entrado dentro do teatro, Roda Viva foi atacado.

Porque o Roda Viva era feito pelos jovens.

Em 1966, o teatro pegou fogo por conta de um incêndio provocado por grupos paramilitares.

No ano seguinte, eles se recuperaram, reformaram, trouxeram essa arquitetura projetada por Lina Bobardi.

Em 1982, esse prédio foi tombado pelo Patrimônio Histórico do Estado.

Em 2010, pelo IPHAN, Patrimônio Histórico Nacional.

Ele foi palco de espetáculos marcantes, provocantes, que revolucionaram o jeito de fazer.

E aí volta o José Celso de Novo, que é uma pessoa da juventude.

Avança, os anos 70. O que que acontece? Os anos 70, como muita gente, foi perseguido e exilado.

O Brasil saiu exilado do Brasil. Mas em 75, 76, o que que aconteceu?

Quando o grupo vai retornar pra cá em 78, o teatro tá pra ser despejado.

Você sabe que quando, se você morar numa casa e chegar o dono da casa dizer pra você que ele quer a tua casa,

que ele vai vender, você é um comprador preferencial.

E eu não participei dessa reunião, mas ela tem filmada aqui no teatro, é uma reunião assim.

O José chega e fala, gente, tem uma proposta de, se a gente quer ou não quer comprar a oficina,

quanto que tem de dinheiro no caixa?

Aí a menina fala, ah, Zé, brincadeira, né, não tem nada, né. Aquela coisa bem assim de teatro.

Aí o Zé fala, então nós vamos comprar.

Sabe o que eles fizeram? Fizeram o seguinte, juntou todo mundo, foi até o Banco Central.

Naquela época o dinheiro, não tinha cartão de crédito, era tudo feito com dinheiro, com papel mesmo.

Aí chega no Banco Central, Edmar Baixa era o presidente.

Chega, fala pro Edmar Baixa, diz pra ele assim, Edmar Baixa, nós queremos buscar o Zé,

queremos buscar o dinheiro pra comprar o teatro e a oficina.

Aí o Edmar Baixa falou assim, olha, Zé, a gente não, eles eram conhecidos,

conheciam o Edmar Baixa das arcadas, que o Zé fez direito.

Aí ele falou assim, Zé, a gente não tem, o banco pode te dar um dinheiro,

mas se você der uma hipoteca, você dá uma hipoteca, uma garantia.

O Zé falou, mas nós temos hipoteca, se não me engano.

O que vocês têm? Falaram, nós temos a história do teatro e oficina,

nós fizemos rei da velha, nós fizemos a história que eu acabei de contar.

Que incrível!

Aí o Edmar Baixa falou assim, mas Zé, infelizmente isso não serve como,

como hipoteca. Aí o Zé falou assim, mas o Silvio Santos,

que quer comprar o teatro, vendeu o carnê do baú da felicidade

e fez dinheiro pra comprar o teatro.

Que economia você quer pro Brasil?

Que economia o Banco Central quer pro Brasil?

Dos fazedores de teatro, ou economia dos fazedores de carnê do baú da felicidade?

O Silvio Santos saiu, se escondeu, né, de certa maneira, saiu da jogada,

porque, e se tratando de especulação familiar, o grupo do Silvio Santos

comprou todo o entorno, né, que o Bixiga, que é tudo comprado

nesse período que eu estava falando.

Acho que o Silvio Santos não é um inimigo, na verdade é um adversário.

Tanto que agora eu acho que, pra ser fantástico, a gente ter um gesto

do grupo Silvio Santos e oferecer pra cidade esse espaço aí, pra seu parque.

Sempre alvo de disputa entre Zé Celso e o empresário Silvio Santos,

a área onde fica a oficina foi tombada pelo patrimônio histórico em 2010.

Oito anos depois, o IFAM liberou a construção de duas torres residenciais

em torno do teatro. O oficina permanece no mesmo lugar, com sua arquitetura

imponente e seu espírito de vanguarda.

É um sítio arqueológico, no meio e passo do rio Bixiga, que nós queremos,

nós éramos pra construir um projeto maravilhoso de teatro de estádio,

mas depois a gente foi frequentando o terreno, porque teve momentos

de boas relações com o grupo Silvio Santos, ele até nos deu um comandato.

Você foi passando por momentos que vão dando ali pílulas do quão revolucionário

era o teatro oficina, mas não era revolucionário apenas por causa desses momentos.

Havia outros pontos bem específicos, como por exemplo, um estilo muito arrojado

das montagens, uma interação com o público que não era comum.

Eu queria que você falasse desse aspecto.

Olha, teatro é presença. Não dá pra fazer teatro sem você estar de corpo presente.

Então, o teatro precisa da presença, do poder da presença, do poder da presença

do corpo em cena. Não há como não ser diferente.

A música é maravilhosa e conforme ela envelhece, ela fica mais linda.

Porque toda obra de arte que consegue comer o tempo, se torna mais bela ainda.

O teatro é pra todo mundo uma eternidade presente.

É a arte do corpo se presentificar.

Quando você coloca o corpo em cena, o corpo fica em risco.

Nos anos 60, 70, 80, o corpo foi ameaçado com a tortura, com a prisão.

Você veja, as mulheres, quando o movimento feminista tirou o sutiã e mostrou as tetas, os peitos.

Isso foi atacado violentamente.

Imagina, os cacetetes caíram em cima dos cabelos, em cima das tetas, em cima dos corpos.

Então, o teatro é uma função dionisíaca porque ele é uma função de corpo, corpo presente.

Quando o Roda Viva foi atacado, lá em 1968, o ataque não foi...

Eles destruíram, por exemplo, uma mesa do cenário, destruíram um amplificador, destruíram um refletor, apauladas.

E bateram apauladas nas atrizes e nos atores, apauladas.

Então, esse ataque corporal é um risco que o ator, a atriz do teatro e o militante, e quem sai na rua, e quem vive a vida,

e quem sai de noite, a pessoa que sai de noite de madrugada para pegar um ônibus para ir trabalhar, coloca em risco.

E o que é uma sociedade?

Uma sociedade é alguém que protege as pessoas desse risco absurdo do corpo, entendeu?

O teatro, a oficina sempre teve o corpo como centro da cena, porque sempre considerou, e é verdade,

das ameaças, a maior delas é sempre sobre o corpo.

O corpo branco, o corpo feminino, o corpo negro, o corpo, sabe?

O corpo da mulher, o corpo trans, todos os corpos, entendeu?

Eu entendi bastante do que é o pudor.

O pudor, na verdade, é uma coisa que evita o corpo, como se por trás de cada um de nós

tem uma coisa que precisa comer, que precisa amar, que precisa viver, entendeu?

E o corpo sofre muito das coisas, do que nos acontece.

A gente corporalmente, veja o que nós sofremos agora, nesse período que nós atravessamos,

uma dificuldade gigantesca, o corpo da gente, sabe, sofreu demais.

E aqui no teatro, o Zé sempre fez questão da gente arreganhar o corpo, mostrar o corpo, trazer o corpo para a cena.

Às vezes, nu, entendeu?

Uma nudez, assim, que eu sempre fiz, assim, para lá da imoralidade, da moralidade sexual e tudo mais.

Uma nudez de corpo, sabe?

Um corpo aberto.

E quando a gente criou o território aqui do teatro, que a gente fazia cenas enormes,

das bacanas, com muita gente nua, era lindo.

Às vezes tinha, às vezes, que o público também tirava a roupa.

Era bonito ter todo aquele monte de gente nua.

Eu nunca vi tanta...

Lá em Canudos, quando a gente foi fazer a terra lá em Canudos,

uma mulher disse, eu nunca vi tanta gente pelada junto, como se fosse uma epifania.

Ela falou como se ela tivesse visto um milagre de corpo,

porque as pessoas são corpos, as pessoas não são outra coisa.

E a bacana, é de dia ou de noite?

É de noite, principalmente...

E para a escuridão?

A escuridão tem, não sei o que, é de santo.

Doce, veneno, perdição!

Vigia também, quem procura encontra putaria.

Agora, Pascoal, por que o Zé Celso era chamado, era apelidado de Fênix?

Tinha a ver com a resistência dele à ditadura?

Era por alguma outra razão?

O Teatro Oficina pegou fogo, cara, pegou fogo.

E o Zé falava assim, o Zé falava assim, eu sou uma resistência, vou me resistindo.

E ele falava, eu nunca tinha entendido muito bem isso,

ele falava assim, nós somos tragédia, nós não somos o drama.

O drama é uma coisa burguesa, fita francesa, é um drama de chororô,

mas nós somos tragédia, nós somos isso que nos acontece.

A gente, imagina, e é verdade, a saída do Zé de cena é uma tragédia,

que não é uma coisa com a qual a gente domina,

é que nem aquelas coisas assim que, quando se vê nas peças trágicas gregas,

assim, são os horrores.

Eu moro aqui perto da Santa Casa, às vezes eu vejo uns gritos assim,

meio gregos, assim, de dor, de gente sair gritando, sabe, assim,

pra lá do drama, sabe?

O Zé, ele se construía, ele se desconstruía, ele sempre foi essa fênix.

Então, eu acho que o mais importante agora, nesse momento,

é a gente passar pra frente o maior legado do Zé Celso, que é manter aquele teatro,

aquele terreiro vivo, funcionando, aberto pros coros,

porque o Zé, a maior descoberta do Zé foi trazer de volta o ancestral coro de teatro.

É um teatro que tem protagonista, sim, mas esses protagonistas, eles surgem,

eles emergem do coro.

O Zé falava assim, eu ia fazer uma cena, aí a gente ficava muito emocionado demais,

o Zé ficava bravo, ele falava assim,

não, em cena não vem com essa emoção, com esse drama de pessoa burguesa,

em cena é tudo, é público, é o homem público.

É o homem público, ele fala, não atua no particular, na sua vidinha,

no seu montinho de pessoa sentida, de pessoa ferida, é pra lá disso,

atua tragicamente, contrascenda tragicamente com a tragédia que a vida te esfrega na cara, sabe?

Eu acho que a fênix, não é que ela renasce das cinzas, sim, né?

A fênix, ela renasce das cinzas não porque ela é uma pessoa,

ela em si é alguma coisa que nasce,

a vida exige que ela renasça, ela tem que fazer as coisas da vida,

e do ponto de vista da fênix, do ponto de vista de nós que assistimos a fênix renascer,

é alguém que renasce de uma catástrofe,

mas do ponto de vista da fênix, é alguém que é obrigado a renascer,

é obrigado a levantar, é obrigado a sair à luta, a sair pra vida,

mesmo nascendo, mesmo queimado, isso que é a fênix.

Nesse sentido, o Marcelo, o Marcelo Drummond,

que é o grande companheiro do Zé e da gente, no certo sentido, é o cara, sabe?

O Zé falava, abre a janela, abre a janela, eu falei, já tá aberta,

segurei as duas mãos dele, e ele botou a perna em cima de mim.

Chegaram os bombeiros e foi o último momento que eu vi o Zé.

De ensaiar na minha vida

Uma festa, vai acontecer, vida.

O Zé cantava quando eu morrer, não quero choro, nem vela, quero uma fita amarela.

Vamos chorar, vamos rir, vamos cantar, vamos dançar, vamos viver.

Marcelo Drummond, que a gente vai ouvir falar muito dele também,

que tem essa potência também, que tem essa grandeza também,

de estar com o Zé desde que você começou falando do casamento.

Num palco feito passagem entre dois lances de plateia,

que no último dia 6 de junho, Zé Celso se casou com o ator Marcelo Drummond,

com quem dividiu por quase 40 anos a vida e a arte.

Não faltaram homenagens ao longo da carreira.

Eu tive a honra de Mãe Estela, da Bahia,

que me conceder a honraria de ser um Exu Senhor das Artes Cênicas.

O Zé casou com o Marcelo, e o Marcelo acaba ganhando, sabe, o presente do Zé.

O presente do Zé é um presente, não é um passado, um futuro, é um presente.

Esse é um presente.

Pascoal, eu queria muito te ver agora pra te dar um abraço bem apertado, bem forte.

Eu te agradeço demais por você ter topado prestar essa homenagem a esse cara gigante.

Eu vou te falar, eu quero agradecer muito, muito, muito, muito mesmo a nossa parceria,

a parceria com a imprensa, a parceria de todos nós, de quem tá ouvindo a gente,

essa parceria nossa, que nós somos comprometidos realmente com alguma coisa muito mais potente que a gente.

Nós temos esse compromisso.

Eu sinto na profundidade um compromisso que a gente tem com a vida, com estar vivo.

O Zé, na hora, nós estamos vivos, nós ficamos vivos, sabe.

O nosso compromisso continua.

Quero o perfume das flores, ações multicores, nesta festa colossal, eu sou o teatro brasileiro,

da vida o espelho verdadeiro, sambando nesse carnaval com a minha arte que é imortal.

Zé, muito obrigado.

Viva a vida.

Viva o teatro.

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Comigo na equipe do Assunto estão Mônica Mariotti, Amanda Polato, Lorena Lara, Luiz Felipe Silva,

Thiago Kaczorowski, Gabriel de Campos, Guilherme Romero e Nayara Fernandes.

Eu sou Nath Zaneri e fico por aqui.

Até o próximo Assunto.

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07.07.23-Adeus a Zé Celso, o revolucionário do teatro 07.07.23-Gruß an Zé Celso, den Revolutionär des Theaters 07.07.23-Greetings to Zé Celso, the revolutionary of the theater 07.07.23 - Salutations à Zé Celso, le révolutionnaire du théâtre 07.07.23-アデオスから劇場の革命家ゼ・セルソへ

José Celso Martinez Correia.

A primeira coisa que eu fiz na minha vida foi cantar no violão uma música sobre uma

experiência que eu tinha acabado de ter com um papagaio que se perdeu.

Então eu, eu fugi com o vento.

Aí eu fiz uma peça, escrevi uma peça, falei, então eu sou isso, eu sou teatro.

Aí me decidi.

Eu, 17 anos.

Praticamente, 17 anos ainda.

Então eu sou isso.

Aí eu nunca mais tive dúvida.

O poder do teatro é o poder da pessoa humana.

O poder que a pessoa humana tem de intervenção nas coisas.

E o próprio Teatro Oficina, o projeto da Lina Barra, inclusive, que via todo o terreno,

é um teatro que ela, ela sagra a terra.

Ela planta uma árvore, faz uma vidraça enorme, que dá pra todo o espaço.

E foi tombado 300 metros em torre.

E tá aí tudo ainda.

Me inspirei nesse lugar.

É um milagre esse espaço.

Eu não me sinto nem velho, nem moço, nem nada.

Eu me sinto eterno.

Eu sou o teatro brasileiro, na vida o espelho verdadeiro.

Eu sou.

Se eu não faço, é a única coisa que eu sei fazer.

Da redação do G1, eu sou Nathuzan Nery e o assunto hoje é uma homenagem a Zé Celso,

o revolucionário das artes brasileiras, dramaturgo, criador do Teatro Oficina e inspirador de

várias gerações de atores e de atrizes.

Zé Celso morreu aos 86 anos, dois dias depois de um incêndio atingir o apartamento de um

Zé Celso morreu aos 86 anos, dois dias depois de um incêndio atingir o apartamento de um

onde ele morava em São Paulo.

Eu recebo o Pascoal da Conceição, ator cuja carreira começou no Teatro Oficina e amigo

próximo de Zé Celso.

Ele é produtor cultural e diretor.

Ele fala comigo direto do Teatro Oficina.

Sexta-feira, 7 de julho.

Ô Pascoal, tudo bem? Como é que você tá?

Eu acordei hoje, né, com essa notícia pela manhã, bem cedinho.

E aí foi muito assim, foi desesperador.

Uns urros, assim, umas coisas.

E à medida que foi passando o dia, foi falando com uma pessoa, foi falando com outra, foi

vendo sofrimentos maiores até que os meus e vendo tudo isso.

Na verdade é assim, a gente fica convulsionado, assim, como eu tô, assim,

há uma pergunta como essa.

Tô assim, mexido por tudo que significa esse acontecimento, né?

Mexidássimo, cara, muito mexido.

Porque assim, na segunda-feira, veja você, eu recebi um telefone, uma da produtora,

ela falou, olha, vamos achar um lugar pro Zé encenar a queda do céu, porque o teatro

tá ocupado, tem espetáculo, então a gente precisa de um espaço.

Grande, pro Zé encenar, porque o Zé já fez a dramaturgia da queda do céu do Copenaua.

Então a dramaturgia tá pronta, agora o Zé quer começar a encenar.

Então me marcou, primeiro de agosto a gente começa.

Falei, ó, fala pro Zé pra ele ficar tranquilo, que lugar vai ter, com certeza a gente vai

falar, vai ter quem não queira ter o Zé Celso pra encenar a queda do céu no seu espaço,

uma coisa histórica, um trabalho nessa hora, urgente e tal.

Tudo bem, na segunda-feira a gente foi dormir assim, ok.

Aí o Zé passou a noite, porque o Zé é notíbamo, né, o Zé acorda tarde e trabalha

à noite normalmente, aproveita o horário da noite, que ele gosta mais de trabalhar.

E ele vai dormir às sete da manhã, deita na cama, dorme, dorme e já não acorda mais, né.

Porque daí pra frente, o que é?

Um pesadelo, entubado, sedado.

Há uma forte suspeita de que ele tenha começado com um aquecedor dentro do quarto do Zé Celso,

tanto que ele foi mais atingido com mais de 50% do corpo queimado, né.

O marido do Zé Celso, Marcelo Drummond, e os outros dois moradores do apartamento, o

Victor Rosa e o Ricardo Bittencourt, são atores também, estão estáveis.

E ontem à noite a gente foi dormir, conversando, a gente estava bastante esperançoso sobre...

As notícias eram assim, que o Zé, ele tinha tido esse... ele tem uma pressa de idade,

tinha tido isso, mas o corpo estava reagindo, ele ia fazer uma hemodiálise até pra o rim

não ficar muito sobrecarregado.

Então a gente foi dormir muito esperançoso, assim, de tudo.

E acordou com essa notícia, mas ao mesmo tempo, o Zé assim, o diretor assim, as pessoas falam assim,

o que o Zé te inspira?

Ele é um provocador, ele não é só um diretor de inspiração, é um diretor de provocação, sabe?

Ele te provoca, você fala uma fala, ele fala uma música, mas o que essa fala tem a ver com a realidade?

O que essa fala tem a ver com qualquer pessoa que vai entrar aqui pra assistir, com o Brasil, com o mundo, com o planeta?

Eu não quero propor reflexão, eu quero propor vivência.

Eu quero passar a situação daqui agora que nós estamos sentindo.

Eu não espero nada.

Eu tô aqui agora, tô contente de estar aqui agora, não quero estar em outro lugar do mundo.

E ele estava montando A Queda do Céu exatamente pra gente estrear no Parque Teatro do Rio Bexiga,

que é esse terreno do nosso lado, já é.

Então o Zé de repente vai embora quase como um...

Deixa um monte de serviço, deixa um monte de trabalho, trabalho bom, né?

Deixa um monte de coisa boa pra gente fazer, sabe?

O Zé, veja, ele foi embora no dia em que o planeta registrou a maior temperatura do planeta,

que já são 17 graus, e já é um friozinho de São Paulo.

Daqui a pouco vai ser um calor de Bangu, sabe?

Pra chegar num calor do Saara, pra chegar num calor de vulcão.

Ele foi embora nesse dia de fogo.

E aqui no teatro, aqui onde a gente tá no teatro, eu tô falando como assim,

embaixo passa um rio, o Rio Bexiga, que o projeto é se encavar,

esses cinco metros lá de baixo, e mostrar o rio.

Esse é o projeto da gente, esse é o projeto do Parque do Rio Bexiga,

no centro da cidade de São Paulo.

Se encavar, abrir um buraco.

E esse rio vai ser o personagem da peça, já é o personagem da Queira do Céu, evidentemente.

Esse rio vai fazer papel de Rio Amazonas, vai fazer papel de Rio Tietê, Rio Tapajós,

Oraricuera, vai fazer papel dos inúmeros rios que a gente tem no Brasil todo.

Então é isso, entendeu?

Não é uma pessoa assim que simplesmente sai de cena.

É um diretor, entendeu?

Ele dá, como se disser, um personagem pra você, olha, esse é o personagem.

Aí você tem que se desdobrar, como que eu vou fazer isso?

Ele não vai sair de cena, Pascoal.

Ele nunca vai sair de cena, né?

Acho que o trabalho dele, tudo que ele representa, esse monumento que é Zé Celso,

um monumento como ele não sai de cena.

Você citou essa peça, né? A Queda do Céu, de Davi Copenaua.

E eu queria entender o que esse trabalho diz sobre o momento do Zé Celso no teatro.

Pouco tempo atrás, né, seis meses atrás, o Zé falou, olha, vem numa reunião aqui,

falou que estou fazendo o trabalho mais importante da minha vida.

Anunciou assim pra gente.

Eu li o livro A Queda do Céu, do Copenaua, e vou colocar no teatro.

A contradição do hoje em dia não é mais entre o grande capitalismo e o operariado,

é o grande capitalismo e os burus, os índios, os que geram a terra, os que conhecem a terra, né?

E que, aliás, demonstram os líderes, Kerenakis, Sona, Kajajara, Davi Copenaua,

que ditou esse livro maravilhoso de Yanomami, que é A Queda do Céu, né?

O Zé fez trabalhos assim gigantes.

Os Sertões, por exemplo, que é um livro que eu tinha lido,

que eu tinha lido, tentado ler, não tinha conseguido ler,

depois li quatro, cinco vezes, porque é um livro gigante, do Cris Arcunha, né?

E colocou os Sertões com 26 horas em cena.

Nos Sertões, nós chegamos a trabalhar com 100 pessoas, inclusive crianças.

Nós fomos duas vezes pra Alemanha.

Quer dizer, foi considerado o melhor espetáculo do século XX.

É o ano novo no seu hemisfério

A noite mais longa do novo império

O Zé sonha numa dimensão, assim, como uma pessoa, na música do Gil, né?

Se oriente pela possibilidade de ir pro Japão, pelo cruzeiro.

O Zé tem uma orientação de pensamento muito além, às vezes, do que eu vou te falar,

do que a gente pode pegar.

E eu cheguei aqui no teatro, quando eu cheguei, o teatro não tinha nada disso,

não era nada disso.

E quando o Zé falou assim, nós vamos encenar lá no parque,

o teatro não chega, é claro que não, porque ainda tá no papel ainda.

Mas é isso, o Zé tem uma potência, cara,

uma maneira positiva de enxergar a vida, sabe? De enxergar o sonho.

Não é utopia, não é utopia, não é utopia.

O desafio que o Zé faz é um desafio, assim, de possibilidade, é possível, não é?

Não é utópico, é possível a gente fazer isso, sabe?

A provocação dele é nesse sentido, é possível, claro que é possível.

Como não é possível?

Juridicamente, economicamente, politicamente.

Sobre o penal, sobre o livro desse momento,

o Zé estava profundamente tocado com a questão do marco temporal.

Ele disse que a diverticulite dele,

no dia da votação do marco temporal na Câmara dos Deputados,

ele teve um nono diverticulite.

Muita coisa aconteceu em Brasília hoje, mas uma se impõe pelo peso histórico,

de retrocesso histórico.

Ele está falando da aprovação na Câmara do chamado marco temporal,

no plenário da casa.

Eu venho de um território indígena, companheiros parlamentares,

porque vocês sabiam que a cada vez que votam projetos como o 490,

acelera o genocídio e os conflitos territoriais?

Ele nos ensinou, ele nos ensinou.

Assim, você vê ele atuando assim, então você aprende do lado dele, né?

A atuar de uma maneira pública, não de uma maneira privada no seu mundo.

Esse teatro que está aqui, esse parque do Rio de Janeiro,

não é Zé Celso, mas é público, é para todos.

Hoje eu tenho amigos fora do Brasil, um amigo de Portugal me ligou,

e eu falei, mas nossa, Portugal está anunciando isso.

Ele falou, não só Portugal, o mundo todo, a França, a África,

o Zambique está anunciando. É mesmo? Claro, olha o Zé.

A repercussão da partida inesperada é imensa.

O presidente Lula escreveu que o Brasil se despede hoje

de um dos maiores nomes da história do teatro brasileiro.

A ministra da Cultura, Margarete Menezes, disse,

sentimos profundamente a perda de Zé Celso,

um dos dramaturgos mais revolucionários e inovadores do Brasil.

Inspirados pelo teatro tropicalista de Zé Celso, Gilberto Gil registrou

que Zé Celso marcou a história do Brasil e seu legado será eterno.

E Caetano Veloso escreveu, Zé Celso era um artista,

não meramente um diretor de teatro, um artista intenso, imenso.

Precisamos de tempo para dimensionar o seu legado.

Uma coisa, isso eu acho forte no Zé, é o seguinte,

o Zé faz trabalho coletivo, tem grandes diretores,

mas os espetáculos são de 150 pessoas, de 100 pessoas.

Eram numerosos, né?

O Zé tem a capacidade de juntar trabalho coletivo, não é um ator nem dois,

a carreira dele não é uma carreira dele, diz Zé Celso,

é uma carreira coletiva.

Claro que a gente sempre tem que, é como se eu te perguntasse,

quem inventou o fogo? Aí você fala, foi Prometeu.

Tem uma coisa mítica que a gente acaba pondo para uma pessoa,

o Zé era um cara que catalisou um trabalho de muita gente,

o Zé nos catalisou, ele é um pouco de cada um de nós, né?

É que nem o amor, por exemplo, se eu estou apaixonado e você está apaixonado,

se nós estamos apaixonados, a gente vê coisas que ninguém vê,

a gente sente coisas que ninguém sente.

Agora, se tem uma relação de distância, é outra coisa,

a gente não percebe, a arte é mágica, você só sente a arte

quando você corporalmente se envolve com ela.

A gente morreu também, a gente também se queimou e ao mesmo tempo

também a gente está para fazer o próximo trabalho.

É exatamente esse ponto que eu quero tocar com você,

a vida e a morte segundo o Zé Celso,

porque ele dizia que ele não tinha medo de morrer

e que a possibilidade da morte era uma grande inspiração para a vida.

Olha que coisa extraordinária esse pensamento.

E uma vida que era cultivada no teatro e experimentada em toda a sua intensidade.

Ele era, Pascoal, uma inspiração para você, como a gente claramente ouve,

mas não só na arte, na arte de fazer teatro, também na vida,

quer dizer, na forma de encarar a vida, não é isso?

Muita gente me conhece como um ator aqui do teatro,

mas me conhece bastante também como um fazendo o Mário de Andrade,

fazendo o Doutora Bobrinha do Castelo Latim Bom.

Ela assinou, assinou!

Agora o castelo é meu!

E o que o senhor vai fazer com o castelo, hein, Doutora Bobrinha?

Derrubar! Derrubar inteirinho!

O Doutora Bobrinha do Castelo Latim Bom,

eu comecei a gravar esse programa na época do Hamlet,

nós estávamos fazendo o Hamlet aqui.

Isso era que ano?

Isso é 1992, de 92 a 94,

o tempo que a gente estava fazendo o Hamlet aqui.

E é evidente, o jeito de trabalhar dos recelsos,

o jeito de colocar o ator em cena,

o jeito de inspirar e de provocar o ator em cena,

não é simplesmente de fazer um papel,

é sempre fazer muito mais daquilo que é o papel.

O Doutora Bobrinha, se você pensar,

ele é o empreendedor imobiliário,

quer derrubar o castelo para construir um prédio de 100 andares,

que são as próprias questões do plano diretor de hoje,

porque eu vim para o Teatro Oficina exatamente no momento,

eu cheguei aqui em 81,

no momento em que o teatro estava sofrendo uma ação de despejo

para ser retirado daqui,

e havia dois anos antes, poucos anos antes,

um minhocão, que é esse minhocão que divide a cidade,

alterou totalmente o plano diretor da cidade,

a ocupação espacial da cidade,

toda essa especulação imobiliária.

Então, eu estou falando isso porque

todo o trabalho daqui também é um trabalho relacionado

com essa cidade de São Paulo, com essa especulação,

e todo mundo que está aqui,

todo mundo que está aqui,

de uma certa forma,

acaba se envolvendo e acaba reproduzindo isso no seu próprio trabalho.

Mas eu falava assim,

que não tem esse negócio de atuar no particular,

no privado, atuação.

O Teatro Oficina, por exemplo, não tem coxia, não tem gamarim,

a atuação é pública, você está o tempo todo na mostra mesmo.

Espera um pouquinho que eu já volto para continuar minha conversa com o Pascoal.

Eu queria entrar um pouco no Teatro Oficina,

na história do Teatro Oficina,

até para quem nos ouve e eventualmente não conheça.

Em que momento do teatro brasileiro o Teatro Oficina nasceu?

Fala um pouquinho para a nossa audiência, Pascoal, a história,

conta a história do Teatro Oficina para a gente.

Tem duas datas inaugurais, 1958 e 1961.

Em 1958, aqui na rua Jaceguá e 520,

vizinha do baú da felicidade, no número 400 e algumas coisas, 450,

começam dois momentos.

Um é a primeira apresentação alugada em um teatro espírita que tinha aqui.

Paulista de Araraquara, José Celso Martinez Correia descobriu o teatro

ainda nos corredores da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.

Mas a arte virou a cabeça do futuro advogado,

que acabou se transformando em um dos maiores dramaturgos do país.

Queria quebrar os clichês, tirar do corpo aquele vudu,

pequeno bogueiro, terno, gravata, etc.

Prestígio que veio com a criação do Teatro Oficina, em 1958,

junto com os colegas de sala Amir Haddad e Renato Borg.

Escreveu a primeira peça, Vento Forte para um Papagaio Subir, no mesmo ano.

Em 1961, o grupo aluga definitivamente o prédio, o seu Cocosa,

que era o dono do prédio, para fazer o teatro.

A primeira peça aqui é A Vida Impressa em Dólar.

Quebra de padrões e tradições, integração entre palco e plateia,

o espectador como um elemento ativo em cena.

Ideias revolucionárias que tiveram como DNA A Vida Impressa em Dólar,

primeiro trabalho profissional de José Celso como diretor, em 1961.

Esse é o período, assim, na história do Brasil,

é um período de recuperação, porque a gente vem da morte do Getúlio,

e vem de um Brasil bossa nova, de um Brasil tropical, de um Brasil novo,

começa essa geração que sonha...

Eu estava na escola, nos anos 60 e pouco,

tinha uma coisa de um Brasil grande, de um Brasil que a gente ia sonhar.

A gente sonhava que no ano 2000, a gente ia ser tudo no Brasil.

Então, a professora falava para a gente estudar inglês, francês,

estudar várias línguas brasileiras, porque no ano 2000 nós íamos ser requisitados.

Então, era um Brasil assim.

Aí, em 64, o golpe militar, 68...

Então, o que acontece?

O Oficina vai vivenciar com a geração toda brasileira,

nesse momento, fazendo espetáculos.

Porque quando...

Acho que a dimensão, assim, do que é a ditadura militar,

eu podia colocar vocês, que estão ouvindo, fazer o seguinte.

Foram 20 anos dos militares no poder,

como se você dissesse, são 20 anos do Bolsonaro no poder, que é um militar.

Só que sem democracia, sem liberdade de imprensa,

sem liberdade de comunicação, a gente não podia fazer reuniões,

censura de tudo.

O Teatro São Paulo teve um poder magnífico nos anos 60.

Praticamente, o Teatro São Paulo era o polo de uma revolução cultural.

Foi tão poderoso que praticamente o AI-5 foi um ato que foi baixado

principalmente em cima do teatro.

O teatro, como é ao vivo,

diferentemente do cinema, diferentemente da imprensa,

diferentemente da literatura,

o teatro ao vivo permitia, então, um escape metafórico, vamos dizer assim.

O Rei da Vela é encenado em 68, que é uma peça que faz um sucesso fantástico.

O que é o Rei da Vela? É um cara que vive de vender vela.

E ele ganha um centavo por cada morto nacional.

Ele vivia disso, porque ninguém ousava ultrapassar os umbrais da humanidade

sem uma vela na mão.

A Tropicália, com o Rei da Vela, se plugou na antropofagia também

e fez uma revolução cultural no Brasil, de descolonização.

Quem se atreve a ultrapassar os umbrais da eternidade sem uma vela na mão?

Então, o que é esse capitalista brasileiro que vive da morte?

E a gente já viu o que foi a negociação das vacinas. Foi isso daí.

Depois disso, ele ensina Roda Viva.

Roda Viva é a chegada exatamente dessa voracidade mercadológica comercial sobre a arte.

O Chico acabou de liberar e eu vou fazer.

A gente toma a iniciativa, a viola na rua, a janta.

E desde que chega a Roda Viva, é a viola na lama.

Roda verde, roda gigante, roda mullinho, roda avião.

O tempo é um instante, mas rodando o seu coração.

Roda Viva foi atacado por uma milícia paramilitar chamada Comando de Caça aos Comunistas.

Imagina, você é ator e de repente... Já tinha jogado bomba nos jornais, nas páginas de jornais,

mas atacado militarmente, entrado dentro do teatro, Roda Viva foi atacado.

Porque o Roda Viva era feito pelos jovens.

Em 1966, o teatro pegou fogo por conta de um incêndio provocado por grupos paramilitares.

No ano seguinte, eles se recuperaram, reformaram, trouxeram essa arquitetura projetada por Lina Bobardi.

Em 1982, esse prédio foi tombado pelo Patrimônio Histórico do Estado.

Em 2010, pelo IPHAN, Patrimônio Histórico Nacional.

Ele foi palco de espetáculos marcantes, provocantes, que revolucionaram o jeito de fazer.

E aí volta o José Celso de Novo, que é uma pessoa da juventude.

Avança, os anos 70. O que que acontece? Os anos 70, como muita gente, foi perseguido e exilado.

O Brasil saiu exilado do Brasil. Mas em 75, 76, o que que aconteceu?

Quando o grupo vai retornar pra cá em 78, o teatro tá pra ser despejado.

Você sabe que quando, se você morar numa casa e chegar o dono da casa dizer pra você que ele quer a tua casa,

que ele vai vender, você é um comprador preferencial.

E eu não participei dessa reunião, mas ela tem filmada aqui no teatro, é uma reunião assim.

O José chega e fala, gente, tem uma proposta de, se a gente quer ou não quer comprar a oficina,

quanto que tem de dinheiro no caixa?

Aí a menina fala, ah, Zé, brincadeira, né, não tem nada, né. Aquela coisa bem assim de teatro.

Aí o Zé fala, então nós vamos comprar.

Sabe o que eles fizeram? Fizeram o seguinte, juntou todo mundo, foi até o Banco Central.

Naquela época o dinheiro, não tinha cartão de crédito, era tudo feito com dinheiro, com papel mesmo.

Aí chega no Banco Central, Edmar Baixa era o presidente.

Chega, fala pro Edmar Baixa, diz pra ele assim, Edmar Baixa, nós queremos buscar o Zé,

queremos buscar o dinheiro pra comprar o teatro e a oficina.

Aí o Edmar Baixa falou assim, olha, Zé, a gente não, eles eram conhecidos,

conheciam o Edmar Baixa das arcadas, que o Zé fez direito.

Aí ele falou assim, Zé, a gente não tem, o banco pode te dar um dinheiro,

mas se você der uma hipoteca, você dá uma hipoteca, uma garantia.

O Zé falou, mas nós temos hipoteca, se não me engano.

O que vocês têm? Falaram, nós temos a história do teatro e oficina,

nós fizemos rei da velha, nós fizemos a história que eu acabei de contar.

Que incrível!

Aí o Edmar Baixa falou assim, mas Zé, infelizmente isso não serve como,

como hipoteca. Aí o Zé falou assim, mas o Silvio Santos,

que quer comprar o teatro, vendeu o carnê do baú da felicidade

e fez dinheiro pra comprar o teatro.

Que economia você quer pro Brasil?

Que economia o Banco Central quer pro Brasil?

Dos fazedores de teatro, ou economia dos fazedores de carnê do baú da felicidade?

O Silvio Santos saiu, se escondeu, né, de certa maneira, saiu da jogada,

porque, e se tratando de especulação familiar, o grupo do Silvio Santos

comprou todo o entorno, né, que o Bixiga, que é tudo comprado

nesse período que eu estava falando.

Acho que o Silvio Santos não é um inimigo, na verdade é um adversário.

Tanto que agora eu acho que, pra ser fantástico, a gente ter um gesto

do grupo Silvio Santos e oferecer pra cidade esse espaço aí, pra seu parque.

Sempre alvo de disputa entre Zé Celso e o empresário Silvio Santos,

a área onde fica a oficina foi tombada pelo patrimônio histórico em 2010.

Oito anos depois, o IFAM liberou a construção de duas torres residenciais

em torno do teatro. O oficina permanece no mesmo lugar, com sua arquitetura

imponente e seu espírito de vanguarda.

É um sítio arqueológico, no meio e passo do rio Bixiga, que nós queremos,

nós éramos pra construir um projeto maravilhoso de teatro de estádio,

mas depois a gente foi frequentando o terreno, porque teve momentos

de boas relações com o grupo Silvio Santos, ele até nos deu um comandato.

Você foi passando por momentos que vão dando ali pílulas do quão revolucionário

era o teatro oficina, mas não era revolucionário apenas por causa desses momentos.

Havia outros pontos bem específicos, como por exemplo, um estilo muito arrojado

das montagens, uma interação com o público que não era comum.

Eu queria que você falasse desse aspecto.

Olha, teatro é presença. Não dá pra fazer teatro sem você estar de corpo presente.

Então, o teatro precisa da presença, do poder da presença, do poder da presença

do corpo em cena. Não há como não ser diferente.

A música é maravilhosa e conforme ela envelhece, ela fica mais linda.

Porque toda obra de arte que consegue comer o tempo, se torna mais bela ainda.

O teatro é pra todo mundo uma eternidade presente.

É a arte do corpo se presentificar.

Quando você coloca o corpo em cena, o corpo fica em risco.

Nos anos 60, 70, 80, o corpo foi ameaçado com a tortura, com a prisão.

Você veja, as mulheres, quando o movimento feminista tirou o sutiã e mostrou as tetas, os peitos.

Isso foi atacado violentamente.

Imagina, os cacetetes caíram em cima dos cabelos, em cima das tetas, em cima dos corpos.

Então, o teatro é uma função dionisíaca porque ele é uma função de corpo, corpo presente.

Quando o Roda Viva foi atacado, lá em 1968, o ataque não foi...

Eles destruíram, por exemplo, uma mesa do cenário, destruíram um amplificador, destruíram um refletor, apauladas.

E bateram apauladas nas atrizes e nos atores, apauladas.

Então, esse ataque corporal é um risco que o ator, a atriz do teatro e o militante, e quem sai na rua, e quem vive a vida,

e quem sai de noite, a pessoa que sai de noite de madrugada para pegar um ônibus para ir trabalhar, coloca em risco.

E o que é uma sociedade?

Uma sociedade é alguém que protege as pessoas desse risco absurdo do corpo, entendeu?

O teatro, a oficina sempre teve o corpo como centro da cena, porque sempre considerou, e é verdade,

das ameaças, a maior delas é sempre sobre o corpo.

O corpo branco, o corpo feminino, o corpo negro, o corpo, sabe?

O corpo da mulher, o corpo trans, todos os corpos, entendeu?

Eu entendi bastante do que é o pudor.

O pudor, na verdade, é uma coisa que evita o corpo, como se por trás de cada um de nós

tem uma coisa que precisa comer, que precisa amar, que precisa viver, entendeu?

E o corpo sofre muito das coisas, do que nos acontece.

A gente corporalmente, veja o que nós sofremos agora, nesse período que nós atravessamos,

uma dificuldade gigantesca, o corpo da gente, sabe, sofreu demais.

E aqui no teatro, o Zé sempre fez questão da gente arreganhar o corpo, mostrar o corpo, trazer o corpo para a cena.

Às vezes, nu, entendeu?

Uma nudez, assim, que eu sempre fiz, assim, para lá da imoralidade, da moralidade sexual e tudo mais.

Uma nudez de corpo, sabe?

Um corpo aberto.

E quando a gente criou o território aqui do teatro, que a gente fazia cenas enormes,

das bacanas, com muita gente nua, era lindo.

Às vezes tinha, às vezes, que o público também tirava a roupa.

Era bonito ter todo aquele monte de gente nua.

Eu nunca vi tanta...

Lá em Canudos, quando a gente foi fazer a terra lá em Canudos,

uma mulher disse, eu nunca vi tanta gente pelada junto, como se fosse uma epifania.

Ela falou como se ela tivesse visto um milagre de corpo,

porque as pessoas são corpos, as pessoas não são outra coisa.

E a bacana, é de dia ou de noite?

É de noite, principalmente...

E para a escuridão?

A escuridão tem, não sei o que, é de santo.

Doce, veneno, perdição!

Vigia também, quem procura encontra putaria.

Agora, Pascoal, por que o Zé Celso era chamado, era apelidado de Fênix?

Tinha a ver com a resistência dele à ditadura?

Era por alguma outra razão?

O Teatro Oficina pegou fogo, cara, pegou fogo.

E o Zé falava assim, o Zé falava assim, eu sou uma resistência, vou me resistindo.

E ele falava, eu nunca tinha entendido muito bem isso,

ele falava assim, nós somos tragédia, nós não somos o drama.

O drama é uma coisa burguesa, fita francesa, é um drama de chororô,

mas nós somos tragédia, nós somos isso que nos acontece.

A gente, imagina, e é verdade, a saída do Zé de cena é uma tragédia,

que não é uma coisa com a qual a gente domina,

é que nem aquelas coisas assim que, quando se vê nas peças trágicas gregas,

assim, são os horrores.

Eu moro aqui perto da Santa Casa, às vezes eu vejo uns gritos assim,

meio gregos, assim, de dor, de gente sair gritando, sabe, assim,

pra lá do drama, sabe?

O Zé, ele se construía, ele se desconstruía, ele sempre foi essa fênix.

Então, eu acho que o mais importante agora, nesse momento,

é a gente passar pra frente o maior legado do Zé Celso, que é manter aquele teatro,

aquele terreiro vivo, funcionando, aberto pros coros,

porque o Zé, a maior descoberta do Zé foi trazer de volta o ancestral coro de teatro.

É um teatro que tem protagonista, sim, mas esses protagonistas, eles surgem,

eles emergem do coro.

O Zé falava assim, eu ia fazer uma cena, aí a gente ficava muito emocionado demais,

o Zé ficava bravo, ele falava assim,

não, em cena não vem com essa emoção, com esse drama de pessoa burguesa,

em cena é tudo, é público, é o homem público.

É o homem público, ele fala, não atua no particular, na sua vidinha,

no seu montinho de pessoa sentida, de pessoa ferida, é pra lá disso,

atua tragicamente, contrascenda tragicamente com a tragédia que a vida te esfrega na cara, sabe?

Eu acho que a fênix, não é que ela renasce das cinzas, sim, né?

A fênix, ela renasce das cinzas não porque ela é uma pessoa,

ela em si é alguma coisa que nasce,

a vida exige que ela renasça, ela tem que fazer as coisas da vida,

e do ponto de vista da fênix, do ponto de vista de nós que assistimos a fênix renascer,

é alguém que renasce de uma catástrofe,

mas do ponto de vista da fênix, é alguém que é obrigado a renascer,

é obrigado a levantar, é obrigado a sair à luta, a sair pra vida,

mesmo nascendo, mesmo queimado, isso que é a fênix.

Nesse sentido, o Marcelo, o Marcelo Drummond,

que é o grande companheiro do Zé e da gente, no certo sentido, é o cara, sabe?

O Zé falava, abre a janela, abre a janela, eu falei, já tá aberta,

segurei as duas mãos dele, e ele botou a perna em cima de mim.

Chegaram os bombeiros e foi o último momento que eu vi o Zé.

De ensaiar na minha vida

Uma festa, vai acontecer, vida.

O Zé cantava quando eu morrer, não quero choro, nem vela, quero uma fita amarela.

Vamos chorar, vamos rir, vamos cantar, vamos dançar, vamos viver.

Marcelo Drummond, que a gente vai ouvir falar muito dele também,

que tem essa potência também, que tem essa grandeza também,

de estar com o Zé desde que você começou falando do casamento.

Num palco feito passagem entre dois lances de plateia,

que no último dia 6 de junho, Zé Celso se casou com o ator Marcelo Drummond,

com quem dividiu por quase 40 anos a vida e a arte.

Não faltaram homenagens ao longo da carreira.

Eu tive a honra de Mãe Estela, da Bahia,

que me conceder a honraria de ser um Exu Senhor das Artes Cênicas.

O Zé casou com o Marcelo, e o Marcelo acaba ganhando, sabe, o presente do Zé.

O presente do Zé é um presente, não é um passado, um futuro, é um presente.

Esse é um presente.

Pascoal, eu queria muito te ver agora pra te dar um abraço bem apertado, bem forte.

Eu te agradeço demais por você ter topado prestar essa homenagem a esse cara gigante.

Eu vou te falar, eu quero agradecer muito, muito, muito, muito mesmo a nossa parceria,

a parceria com a imprensa, a parceria de todos nós, de quem tá ouvindo a gente,

essa parceria nossa, que nós somos comprometidos realmente com alguma coisa muito mais potente que a gente.

Nós temos esse compromisso.

Eu sinto na profundidade um compromisso que a gente tem com a vida, com estar vivo.

O Zé, na hora, nós estamos vivos, nós ficamos vivos, sabe.

O nosso compromisso continua.

Quero o perfume das flores, ações multicores, nesta festa colossal, eu sou o teatro brasileiro,

da vida o espelho verdadeiro, sambando nesse carnaval com a minha arte que é imortal.

Zé, muito obrigado.

Viva a vida.

Viva o teatro.

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Até o próximo Assunto.

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