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O Assunto (*Generated Transcript*), 06.06.23-Junho de 2013: as manifestações que abalaram o país

06.06.23-Junho de 2013: as manifestações que abalaram o país

Vinte centavos, vamos lutar contra isso.

Você vai se lembrar, o estopim foi o preço das tarifas de transporte.

O aumento foi adiado no início daquele ano a pedido do governo federal.

Houve só o que explicaram à época os prefeitos das duas maiores cidades do país,

Eduardo Paes do Rio e Fernando Haddad de São Paulo.

No início de 2013, ou final de 2012, acho que início de 2013, o Guido Mântega chama

a minha ou o Haddad para uma conversa, fez um pedido dizendo, olha, a inflação está

saindo um pouco de controle, o preço do ônibus em São Paulo e no Rio, nas duas capitais,

ele impacta muito no índice do IPCA, então a presidente pediu que vocês adiassem o reajuste

das passagens.

Um aumento de tarifa fora de hora, porque era para ter acontecido em janeiro, e a pedido

do governo federal foi adiado de forma quase que impositiva.

A combinação entre as táticas black bloc de parte dos manifestantes e a repressão

policial fez a violência explodir.

E as coisas aqui em Salvador acabaram seguindo rumo aos absurdos, porque foi confronto mesmo,

tiro de borracha, gás, assim como nos outros lugares do Brasil.

Saiu uma bomba, a gente acredita que de efeito moral, de dentro do palácio do Itamaraty.

As pessoas estão correndo muita fumaça agora e aparentemente estão também soltando balas

de borracha, porque a gente percebe aquelas fagulhas saindo ali das mãos dos policiais militares.

Era diferente para nós, na polícia militar, lidar com aquele tipo de movimento, porque

não era um movimento de uma classe específica.

Porque quando é assim, você tem uma liderança com quem você conversa, com quem você faz

os ajustes, os acordos.

Ali não, você não sabia quem chegaria.

Poderia chegar qualquer um.

Vocês não podem chegar lá, filha, não podem.

Não podem entrar.

Não podem entrar.

Não podem entrar.

Não podem entrar.

Não podem entrar.

50 mil pessoas.

Gente, gente, não pode passar dali, não pode.

Não tem como não.

Olha lá.

Não podem ir.

Não, não tem responsabilidade, vocês não podem entrar.

Sem lideranças e contra partidos tradicionais.

Não tem um partido, não tem um partido, não tem um partido.

O Brasil acordou.

O povo brasileiro não vai mais aceitar os governantes não fazendo o que o povo quer.

Isso aqui é uma democracia e o povo tem o poder supremo.

Não nos representam, só tem petista ali.

Eles não nos representam.

Querem virar herói dessa bosta.

Não vão virar herói, protestar lá em frente à prefeitura deles.

Só nos representam.

A prefeitura deles.

Não vai passar aqui.

E com os atos inflados, as pautas também se ampliaram.

A gente se encheu daquilo que o governo impõe pra gente.

As taxas, os juros, os altos impostos, a corrupção.

20 centavos, vamos lutar contra isso.

Cada um levava o seu cartaz.

Então não tinha aquele que podia falar pelas ruas.

Todo mundo estava com muita sede de participação política direta.

Quando tinha um milhão nas ruas, tinha um milhão de pautas.

Da redação do G1, eu sou Natuzaneri e o assunto hoje é

Junho de 2013, as manifestações que abalaram o Brasil.

Como os protestos por 20 centavos do transporte público

influenciaram profundamente a política brasileira na última década.

Neste episódio, eu converso com Roberto Andrés,

professor da Escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais

e autor do livro A Razão dos Centavos, Crise Urbana,

Vida Democrática e as Revoltas de 2013.

Terça-feira, 6 de junho.

Roberto, você no seu livro relembra uma série de revoltas urbanas

contra o aumento da passagem ao longo da história das cidades brasileiras,

antes mesmo de 2013.

Na sua visão, quais outros fatores além do preço das passagens

explicam a explosão de revolta que aconteceu dez anos atrás?

Esse é um ponto muito pouco conhecido da história urbana brasileira

e da história de lutas.

A gente tem um ciclo de revoltas contra aumentos tarifares

ou contra condições de transporte que remete, inclusive, ao período imperial.

A primeira delas foi em 1880.

Revoltas súbitas, avassaladoras, que pegaram a classe política de surpresa

e que abalaram o poder em muitos momentos,

1880, 1909, 1930 em Salvador, 1946 em São Paulo

e depois diversas outras.

Mas a gente teve um mecanismo da sociedade brasileira com essas revoltas

que é uma denegação das razões dela.

Eu discuto isso um pouco ali no livro, quer dizer, sempre se tomou...

Essa frase que se usou em 2013, não é pelos 20 centavos,

é como se ela tivesse sido repetida ao longo da história brasileira.

E com isso, a questão urbana, essa questão do transporte,

nunca foi bem endereçada no país, da mobilidade urbana,

então ela volta de tempos em tempos dessa maneira pouco compreendida.

Ali em junho de 2013, essa questão que estava muito forte,

a gente viveu uma crise de mobilidade urbana nos governos petistas,

pelo boom de automóveis que congestionou as ruas

e também pela falta de políticas para o transporte público,

que fez com que as tarifas subissem acima da inflação no período

e que o tempo de viagem dos ônibus piorasse.

Mas tiveram outras razões, algumas delas ligadas também à questão urbana,

que se somaram ali nas ruas.

Uma delas é uma certa crise de forma de vida, de modelo de vida.

Aparecia uma geração que aspirava uma vida nas cidades,

nos espaços públicos, o Ocupistelita naquele momento representa muito isso,

mas de outro lado as cidades não entregavam isso.

A primeira manifestação foi no Emeboemirim,

a gente fez uma manifestação na madrugada da segunda-feira,

dia seis, cinco, quatro, do dia três,

quando subiu o aumento da tarifa para 3,20.

Cerca de 50 pessoas.

Era uma manifestação bem regional que fechou a Avenida Emeboemirim.

E naquela noite, do dia 13 de junho,

ali se perdeu totalmente o controle.

Então, a partir daquele dia, aquele dia é um divisor de águas.

E com a Copa do Mundo, que promoveu uma série de intervenções nas cidades,

remoções de moradores,

e o sentimento da população de que isso vinha de cima para baixo,

esses fatores confluíram e acabaram aquecendo aquele caldeirão das revoltas de 2013.

Eu quero falar da importância das redes sociais na formação

e também no espalhamento dos protestos de junho daquele ano,

porque pela primeira vez um fenômeno político

teve uso intenso das redes sociais por aqui,

inclusive com a convocação pela internet.

E aí, pensando nisso, como as redes sociais e a presença digital

influenciaram os protestos e acabaram mudando a cara da política a partir dali.

Perfeito. Isso foi uma característica daquele ciclo.

Se debatia muito como que a Primavera Árabe,

os protestos na Espanha, nos Estados Unidos ou no Chile,

foram marcados pela convocação pelas redes.

E elas, de fato, trouxeram elementos novos muito significativos.

Pesquisas da época apontavam que mais da metade dos manifestantes nas ruas

se informavam dos atos pelo Facebook,

que era a rede muito usada naquele momento.

Um dos efeitos dessa possibilidade,

você pode pensar um efeito positivo de democratização,

de mais gente podendo chamar, convocar,

mas também há um efeito negativo de uma certa...

do debate ficar mais raso, mais superficial em muitas dessas convocações.

Mas, de fato, as redes sociais acabaram destronando

os líderes tradicionais de convocação para protesto.

Naquele momento, quem convocou para protesto não foram

somente as organizações mais estruturadas,

que já faziam seus trabalhos de base,

que já estavam organizadas, mas também sujeitos a avulsos.

A gente vem desde a época do Olkut.

Eu decidi botar o Revoltados Online na rede social.

E, automaticamente, o público, acho que o nome muito forte,

o público, automaticamente, começou a falar de política.

Todo esse processo dos movimentos que nasceram,

os movimentos de rua, iniciaram, nessa nova geração,

primeiro os movimentos nas redes sociais.

Então, o início de tudo começou na rede social.

O Fora do Eixo tinha 40 mil seguidores, 50 mil seguidores.

A direita estava esfacelada.

Então, 2011 e 2012 eram dois anos onde você podia estar

à esquerda da Dilma sem estar fazendo o jogo da direita.

O nosso slogan era Copa pra quem?

Copa pra quem vai desfrutar e quem vai aproveitar dessa Copa?

Agora, aquelas manifestações acabaram desencadeando

uma série de fatos e consequências políticas

que transformariam, como a gente disse um pouquinho atrás,

a cara da política brasileira.

Mas, num dos capítulos do seu livro, na terceira parte do seu livro,

você discute o depois.

Quais os principais efeitos das chamadas jornadas de junho

na política nacional, Roberto, na sua opinião?

Hoje, no Brasil, como o debate está sendo feito,

fica parecendo que o mês que veio depois de junho de 2013

foi agosto de 2016, quando a Dilma Rousseff foi empichada.

Mas foi julho de 2013.

E julho de 2013 foi o mês com o maior ciclo

de ocupações de câmaras municipais da história do Brasil.

São 30 cidades com ocupações simultâneas,

uma agenda à esquerda pelo transporte, pela educação, etc.

Que pouca gente se lembra.

Aquele segundo semestre de 2013 foi muito marcado

por uma luta popular intensa.

Foi um ciclo gigantesco também de ocupações urbanas,

ocupações de moradia.

Naquele momento que o MTST cresceu,

formou inclusive a liderança do Guilherme Boulos,

greve de professores no Rio de Janeiro,

rolézinho no final do ano, greve dos Garis

no início do ano seguinte, também no Rio de Janeiro.

E uma série de protestos que decidiram trazer

esse grito do Não Vai Ter Copa.

A repressão a esse conjunto de coisas

fez com que aqueles atores que lideraram

junho à esquerda saíssem das ruas.

Quando chega a Copa, essa repressão muito forte

gera um vácuo das ruas.

E aí eu falo no livro de uma outra desmobilização de junho,

que foi o fato de que o ator político que, em junho,

mais se beneficiou dos protestos,

mais ganhou intenção de voto nas pesquisas presidenciais,

foi a Marina Silva.

Ela dá um salto ali justamente no perfil,

inclusive, jovens de setores intermediários,

moradores dos centros urbanos,

são os que estavam mais inclinados a votar nela.

E na eleição de 2014, a gente sabe que essa alternativa

foi também soterrada, reprimida,

inclusive, com certa violência política.

Então, acho que o que vem depois de 2014

parte desse vácuo.

E assim como ontem, a passeata foi dividida.

Um grupo foi para um dos terminais de ônibus

mais movimentados da cidade.

E outro caminhou até a prefeitura,

onde queimou um boneco que simbolizava o PT e o PSDB.

E aí a gente abre em 2014 um novo ciclo

muito polarizado entre esquerda e direita,

com um antipetismo muito forte.

E ali vários atores passam a usar

esse vácuo das ruas e esse vácuo de representação

para convocar.

Depois a gente tem uma longa história até aqui.

Deixa eu te interromper um pouco,

porque eu fiquei com uma dúvida.

Você fala que das lideranças políticas,

Marina Silva foi a que mais mimetizou

o sentimento das ruas de 2013.

Mas só para lembrar que nas eleições de 2014,

depois da morte de Eduardo Campos,

ela era vice, candidata vice de Eduardo Campos,

ela de fato sobe muito,

mas ela sofre um verdadeiro bombardeio

da candidatura de Dilma Rousseff à época

e acaba desidratando.

Então eu queria só entender se a Marina

era aquele personagem, era a personagem

que tinha o sentimento da rua de junho de 2013

por que ela desidratou?

Houve uma campanha muito forte,

não foi só da campanha da Dilma Rousseff,

embora a da Dilma Rousseff tenha sido

de fato abaixo da linha da cintura,

mas houve também uma campanha muito forte

do Aécio Neves contra a Marina Silva.

Mas essa representatividade da Marina

do manifestante médio de junho,

a gente vê nas pesquisas,

nas datafolhas de 2014

ou datafolha logo depois de junho,

realmente aquele perfil de manifestante

era o mais inclinado a votar nela,

ela vencia os outros candidatos

naquele perfil de jovens,

de setores intermediários,

moradores de centros urbanos.

Era um setor que foi majoritário

talvez nas manifestações de junho,

nessa juventude,

mas certamente não era a maioria da população.

Agora quando eu te interrompi,

você falava que não só isso,

você ainda ia acrescentar mais ingredientes

a esse seu diagnóstico do depois.

Eu acho que esse depois é legal a gente olhar

para o que aconteceu no mundo.

A gente teve a crise de 2008,

depois tivemos uma série

de revoltas, de protestos,

de mobilizações de caráter

majoritariamente progressista,

o ciclo de 2011 a 2013,

com o 15M na Espanha,

o Occupy Wall Street nos Estados Unidos,

a revolta dos pinguins no Chile, etc.

Grande parte desses movimentos

não são capazes de resultar

imediatamente em transformações

institucionais que estavam

vocalizadas por eles.

Quando grande parte das mudanças

que geraram esses incômodos

desses movimentos

não foram endereçadas,

não foram tratadas institucionalmente,

na segunda metade da década

aparecem os extremistas de direita,

os autoritários da extrema direita,

dando falsas soluções

para esses mesmos problemas,

ou lidando com esse desconforto

a partir de outras respostas.

A gente viu isso nos Estados Unidos,

a gente viu crescer a extrema direita

mundialmente, e ela também cresceu no Brasil.

Mas somente no Brasil que a gente cria

essa linha direta, como se

esse sintoma que ele rompeu

na primeira parte da década,

ele fosse não um sintoma,

mas a origem do que veio em seguida.

E cada ator político tomou

suas decisões, se moveu à sua maneira,

e os eventos foram se encadeando

até que a gente chegasse aqui.

Espera um pouquinho que eu já estou

Espera um pouquinho que eu já volto

para continuar minha conversa com o Roberto.

Já que você falou

da extrema direita, você

escreve no seu livro

uma ideia muito interessante, que

grandes ciclos de revolta

são capazes

de tornar ideias

impossíveis em ideias

aceitáveis. E eu queria

entender a que tipo de ideia você

se refere. Você, nesse momento,

está falando

das ideias da extrema direita

ou de outro ponto em particular?

Ali eu estou tratando, emprestando

esse termo do David Graeber,

que desenvolve essa ideia

no livro dele sobre o Occupy Wall Street.

O Graeber mostra, por exemplo, que

quando o Occupy Wall Street passa a

fazer nos Estados Unidos

essa série de denúncias

sobre a escandalosa captura

da política pelos mais ricos,

a escandalosa concentração de renda nos Estados Unidos,

eles não conseguem nenhuma mudança institucional

imediata. Mas no período seguinte

cresce muito nos Estados Unidos

o percentual de pessoas que consideram

esse problema um problema grave.

E no Brasil,

quando os manifestantes do MPL

lá em junho de 2013

pediam por uma cidade

sem catracas, ou tarifa zero,

eles eram acusados de

cabeça vazia,

de pessoas com propostas

irrealistas, impossíveis, etc.

Em São Paulo, o movimento Passe Livre

organizou uma nova manifestação

contra o aumento das tarifas

do transporte público.

Se difundiu muito a frase que o MPL nunca disse

e, de certa forma,

tentou segurar de que não é por 20 centavos,

é por direitos, é contra a repressão

policial. E a gente conseguiu

ali, de certa forma,

manter o discurso de que sim, é por 20 centavos,

a nossa pauta é por 20 centavos.

Tem ainda uma motivação.

O movimento Passe Livre

pede o passe zero,

a taxa zero. Eu acho bem viável,

a gente tem que mesmo lutar pelos nossos direitos.

Sofre pra pegar ônibus,

sofre pra pegar metrô, sofre no

trânsito, então tá na hora da gente

dar um basta nisso. E de lá pra cá a gente

teve um salto na agenda da tarifa zero

no Brasil. Eram 10

cidades com tarifa zero

pouco antes de 2013, pouco mais

de 10 cidades, e hoje são mais de

70 cidades. O número de população

atingida cresceu em mais de 10 vezes.

População atendida

com 3 milhões e meio de pessoas, quase.

O prefeito de São Paulo,

da direita, ele cogita, ele

coloca no seu plano a possibilidade de

trazer a tarifa zero. Então, muito

nesse sentido aconteceu esse milagre que

o Guraeber trata, que uma ideia que

parecia uma coisa nonsense,

de repente ela se torna um

senso comum da política e ela vai pro centro do

debate. Mas essa ideia não abarca

também a extrema-direita,

porque parte das

bandeiras da extrema-direita acabou vencendo

as eleições de 2018, por exemplo.

A energia antissistema,

ela não é necessariamente

extremista ou autoritária.

Agora Natuza, na minha pesquisa

eu achei muito importante pro livro

voltar a 2013, olhar para as pesquisas

de todos os institutos de

pesquisa e fiz também uma

coleção primária de mais de 6 mil

cartazes que foram expostos nas ruas.

E o que isso mostra,

tanto nessa coleção dos cartazes,

quanto nas pesquisas do período,

é que o discurso extremista não

estava ali. Não havia ou eram

muito minoritários

os pedidos de intervenção militar,

eram praticamente

inexistentes esse tipo

de solução autoritária

e eles aparecem com muita força

depois do segundo turno de 2014.

Agora Roberto,

as manifestações de 2013,

elas tiveram uma característica marcante,

apesar de terem começado

com a liderança de grupos progressistas,

acabaram virando um movimento

apartidário, inclusive

com a chamada política tradicional

e os partidos sendo

muito

repelidos. Eu me lembro

de cenas em que

na Avenida Paulista

quem chegava com bandeira de partido

era rechaçado.

Como é que isso explica

os fatos políticos vividos depois

das manifestações e com a esquerda

em especial o PT

sofrendo os reflexos desse movimento?

De fato, essa

coisa antipartido foi muito forte

ali. Inclusive tem um

caso curioso, porque a gente sempre lembra

dos movimentos antipartido

contra os partidos de esquerda que eram mais

prevalentes. Mas o pessoal do

LIBER, isso vem numa entrevista

também, que veio para o LIBER. O LIBER era

um partido em criação, um partido

que seria parecido com o que virou o LIVREZ,

aquele movimento liberal.

Eles foram para a Avenida Paulista,

reuniram lá uma centena de pessoas com

cartazes, com bandeiras, e sofreram também

a hostilização dessa

ala antipartido. De fato,

nas pesquisas do período, você vê que

a grande maioria não se sentia representada

por nenhum partido político. Agora, isso

também era um sintoma do Brasil no

período. Esses manifestantes não inventaram

a aversão ao partido.

Eles respondiam

a como eles enxergavam

o sistema político. E de fato,

nós não tivemos uma

capacidade institucional de absorver

essa energia

antissistema com

proposições dentro do sistema

político, proposições democráticas ou progressistas

em sua maioria.

E essa energia antissistema foi

sim capturada

pelos equívocos da Operação Lava Jato

e depois pela extrema-direita,

sem dúvida. Agora, para terminar,

não dá para olhar

para trás sem olhar o presente

ou pelo menos tentar

explicar o presente olhando

para os últimos 10 anos.

10 anos depois

dos atos de 2013,

com o PT de volta

à presidência e tendo

substituído Bolsonaro,

quem parece ter levado

a melhor na

contestação do sistema político?

Foi Bolsonaro? Foi o

PT? Foi os dois?

Como é que a gente explica o

presente? E o presente pode incluir as eleições

também, tá? O presente do ponto de vista

histórico, assim, os últimos acontecimentos,

grandes acontecimentos políticos

desde a eleição para cá.

É, de fato,

o Celso Roger de Barros,

na coluna dele, está muito correto, quem

está melhor posicionado no Brasil hoje

é o centrão, né? E isso é muito

curioso porque o centrão era

esse, o que o Marcos Nobre

chama de PMDBismo, né?

Que era esse arranjo brasileiro

que os partidos fisiológicos tinham

um poder ali de controle muito grande, tem?

Em Brasília, multidões

pediam a saída dos presidentes

da Câmara Eduardo Cunha, do Senado

Renan Calheiros e da

Presidente da República.

Esse que era talvez um dos principais alvos

das ruas de junho, né? O Renan Calheiros

naquela época era um grande vilão.

Hoje, esse centrão

se repaginou, né? Ele conseguiu se

metamorfosear para que tudo permanecesse

como está. E durante o governo

Jair Bolsonaro, esse centrão então

cresceu, o parlamento cresceu muito

a sua capacidade de

interferir, de agir

sobre o executivo.

Eu sou do centrão, eu nasci de lá.

Com a eleição do Lula, eu acho que tem um fator

interessante, um fator importante de ser colocado,

né? Para terminar aqui,

é que havia uma

série de demandas

progressistas que aparecem,

né? Naquela geração de 2013

quando as pessoas pediam a educação

a padrão FIFA, pediam

melhorias de transporte,

né? Contra a corrupção, contra

o que estava sendo feito pela Copa do Mundo,

a percepção de algo que vinha de cima para baixo,

quer dizer, uma democratização

das decisões. E uma parte

dessas agendas não foram, não foi

ainda absorvida pela

esquerda. Acho que a gente

continua talvez repetindo alguns

modelos, como por exemplo o incentivo

ao automóvel particular,

que gerou uma grande crise do transporte

público naquele momento.

E outras investidas

da esquerda nesse

momento no governo, a questão

ambiental, elas mostram que

talvez algumas daquelas questões

que estavam ali colocadas ainda não foram absorvidas

pelo campo da esquerda. Então acho que isso é uma

tarefa ainda por se fazer.

Roberto, muito obrigada pela

participação. Está bem, Natuza, muito

obrigado, uma alegria estar aqui.

Alguns dos

áudios que você ouviu neste episódio

são do documentário Ecos de Junho.

Este foi o assunto

podcast diário disponível no G1,

no Globoplay ou na sua

plataforma de áudio preferida.

Vale a pena seguir o podcast na Amazon

ou no Spotify, assinar no

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e favoritar na Deezer. Assim você recebe

uma notificação sempre que tiver um novo

episódio. Comigo na equipe do assunto

estão Mônica Mariotti, Amanda

Polato, Tiago Aguiar, Luiz Felipe

Silva, Tiago Kazurowski, Gabriel

de Campos, Nayara Fernandes

e Guilherme Romero. Eu sou

Natuzaneri e fico por aqui.

Até o próximo assunto.

Legendas pela comunidade Amara.org


06.06.23-Junho de 2013: as manifestações que abalaram o país 06.06.23-Juni 2013: Die Demonstrationen, die das Land erschütterten 06.06.23-June 2013: the demonstrations that shook the country 06.06.23-Junio de 2013: las manifestaciones que sacudieron el país 06.06.23-Giugno 2013: le manifestazioni che hanno scosso il paese 06.06.23-2013年6月:国を揺るがしたデモ 06.06.23-Haziran 2013: Ülkeyi sarsan gösteriler 06.06.23-червень 2013: демонстрації, що потрясли країну 06.06.23-2013 年 6 月:震撼全國的示威活動

Vinte centavos, vamos lutar contra isso.

Você vai se lembrar, o estopim foi o preço das tarifas de transporte.

O aumento foi adiado no início daquele ano a pedido do governo federal.

Houve só o que explicaram à época os prefeitos das duas maiores cidades do país,

Eduardo Paes do Rio e Fernando Haddad de São Paulo.

No início de 2013, ou final de 2012, acho que início de 2013, o Guido Mântega chama

a minha ou o Haddad para uma conversa, fez um pedido dizendo, olha, a inflação está

saindo um pouco de controle, o preço do ônibus em São Paulo e no Rio, nas duas capitais,

ele impacta muito no índice do IPCA, então a presidente pediu que vocês adiassem o reajuste

das passagens.

Um aumento de tarifa fora de hora, porque era para ter acontecido em janeiro, e a pedido

do governo federal foi adiado de forma quase que impositiva.

A combinação entre as táticas black bloc de parte dos manifestantes e a repressão

policial fez a violência explodir.

E as coisas aqui em Salvador acabaram seguindo rumo aos absurdos, porque foi confronto mesmo,

tiro de borracha, gás, assim como nos outros lugares do Brasil.

Saiu uma bomba, a gente acredita que de efeito moral, de dentro do palácio do Itamaraty.

As pessoas estão correndo muita fumaça agora e aparentemente estão também soltando balas

de borracha, porque a gente percebe aquelas fagulhas saindo ali das mãos dos policiais militares.

Era diferente para nós, na polícia militar, lidar com aquele tipo de movimento, porque

não era um movimento de uma classe específica.

Porque quando é assim, você tem uma liderança com quem você conversa, com quem você faz

os ajustes, os acordos.

Ali não, você não sabia quem chegaria.

Poderia chegar qualquer um.

Vocês não podem chegar lá, filha, não podem.

Não podem entrar.

Não podem entrar.

Não podem entrar.

Não podem entrar.

Não podem entrar.

50 mil pessoas.

Gente, gente, não pode passar dali, não pode.

Não tem como não.

Olha lá.

Não podem ir.

Não, não tem responsabilidade, vocês não podem entrar.

Sem lideranças e contra partidos tradicionais.

Não tem um partido, não tem um partido, não tem um partido.

O Brasil acordou.

O povo brasileiro não vai mais aceitar os governantes não fazendo o que o povo quer.

Isso aqui é uma democracia e o povo tem o poder supremo.

Não nos representam, só tem petista ali.

Eles não nos representam.

Querem virar herói dessa bosta.

Não vão virar herói, protestar lá em frente à prefeitura deles.

Só nos representam.

A prefeitura deles.

Não vai passar aqui.

E com os atos inflados, as pautas também se ampliaram.

A gente se encheu daquilo que o governo impõe pra gente.

As taxas, os juros, os altos impostos, a corrupção.

20 centavos, vamos lutar contra isso.

Cada um levava o seu cartaz.

Então não tinha aquele que podia falar pelas ruas.

Todo mundo estava com muita sede de participação política direta.

Quando tinha um milhão nas ruas, tinha um milhão de pautas.

Da redação do G1, eu sou Natuzaneri e o assunto hoje é

Junho de 2013, as manifestações que abalaram o Brasil.

Como os protestos por 20 centavos do transporte público

influenciaram profundamente a política brasileira na última década.

Neste episódio, eu converso com Roberto Andrés,

professor da Escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais

e autor do livro A Razão dos Centavos, Crise Urbana,

Vida Democrática e as Revoltas de 2013.

Terça-feira, 6 de junho.

Roberto, você no seu livro relembra uma série de revoltas urbanas

contra o aumento da passagem ao longo da história das cidades brasileiras,

antes mesmo de 2013.

Na sua visão, quais outros fatores além do preço das passagens

explicam a explosão de revolta que aconteceu dez anos atrás?

Esse é um ponto muito pouco conhecido da história urbana brasileira

e da história de lutas.

A gente tem um ciclo de revoltas contra aumentos tarifares

ou contra condições de transporte que remete, inclusive, ao período imperial.

A primeira delas foi em 1880.

Revoltas súbitas, avassaladoras, que pegaram a classe política de surpresa

e que abalaram o poder em muitos momentos,

1880, 1909, 1930 em Salvador, 1946 em São Paulo

e depois diversas outras.

Mas a gente teve um mecanismo da sociedade brasileira com essas revoltas

que é uma denegação das razões dela.

Eu discuto isso um pouco ali no livro, quer dizer, sempre se tomou...

Essa frase que se usou em 2013, não é pelos 20 centavos,

é como se ela tivesse sido repetida ao longo da história brasileira.

E com isso, a questão urbana, essa questão do transporte,

nunca foi bem endereçada no país, da mobilidade urbana,

então ela volta de tempos em tempos dessa maneira pouco compreendida.

Ali em junho de 2013, essa questão que estava muito forte,

a gente viveu uma crise de mobilidade urbana nos governos petistas,

pelo boom de automóveis que congestionou as ruas

e também pela falta de políticas para o transporte público,

que fez com que as tarifas subissem acima da inflação no período

e que o tempo de viagem dos ônibus piorasse.

Mas tiveram outras razões, algumas delas ligadas também à questão urbana,

que se somaram ali nas ruas.

Uma delas é uma certa crise de forma de vida, de modelo de vida.

Aparecia uma geração que aspirava uma vida nas cidades,

nos espaços públicos, o Ocupistelita naquele momento representa muito isso,

mas de outro lado as cidades não entregavam isso.

A primeira manifestação foi no Emeboemirim,

a gente fez uma manifestação na madrugada da segunda-feira,

dia seis, cinco, quatro, do dia três,

quando subiu o aumento da tarifa para 3,20.

Cerca de 50 pessoas.

Era uma manifestação bem regional que fechou a Avenida Emeboemirim.

E naquela noite, do dia 13 de junho,

ali se perdeu totalmente o controle.

Então, a partir daquele dia, aquele dia é um divisor de águas.

E com a Copa do Mundo, que promoveu uma série de intervenções nas cidades,

remoções de moradores,

e o sentimento da população de que isso vinha de cima para baixo,

esses fatores confluíram e acabaram aquecendo aquele caldeirão das revoltas de 2013.

Eu quero falar da importância das redes sociais na formação

e também no espalhamento dos protestos de junho daquele ano,

porque pela primeira vez um fenômeno político

teve uso intenso das redes sociais por aqui,

inclusive com a convocação pela internet.

E aí, pensando nisso, como as redes sociais e a presença digital

influenciaram os protestos e acabaram mudando a cara da política a partir dali.

Perfeito. Isso foi uma característica daquele ciclo.

Se debatia muito como que a Primavera Árabe,

os protestos na Espanha, nos Estados Unidos ou no Chile,

foram marcados pela convocação pelas redes.

E elas, de fato, trouxeram elementos novos muito significativos.

Pesquisas da época apontavam que mais da metade dos manifestantes nas ruas

se informavam dos atos pelo Facebook,

que era a rede muito usada naquele momento.

Um dos efeitos dessa possibilidade,

você pode pensar um efeito positivo de democratização,

de mais gente podendo chamar, convocar,

mas também há um efeito negativo de uma certa...

do debate ficar mais raso, mais superficial em muitas dessas convocações.

Mas, de fato, as redes sociais acabaram destronando

os líderes tradicionais de convocação para protesto.

Naquele momento, quem convocou para protesto não foram

somente as organizações mais estruturadas,

que já faziam seus trabalhos de base,

que já estavam organizadas, mas também sujeitos a avulsos.

A gente vem desde a época do Olkut.

Eu decidi botar o Revoltados Online na rede social.

E, automaticamente, o público, acho que o nome muito forte,

o público, automaticamente, começou a falar de política.

Todo esse processo dos movimentos que nasceram,

os movimentos de rua, iniciaram, nessa nova geração,

primeiro os movimentos nas redes sociais.

Então, o início de tudo começou na rede social.

O Fora do Eixo tinha 40 mil seguidores, 50 mil seguidores.

A direita estava esfacelada.

Então, 2011 e 2012 eram dois anos onde você podia estar

à esquerda da Dilma sem estar fazendo o jogo da direita.

O nosso slogan era Copa pra quem?

Copa pra quem vai desfrutar e quem vai aproveitar dessa Copa?

Agora, aquelas manifestações acabaram desencadeando

uma série de fatos e consequências políticas

que transformariam, como a gente disse um pouquinho atrás,

a cara da política brasileira.

Mas, num dos capítulos do seu livro, na terceira parte do seu livro,

você discute o depois.

Quais os principais efeitos das chamadas jornadas de junho

na política nacional, Roberto, na sua opinião?

Hoje, no Brasil, como o debate está sendo feito,

fica parecendo que o mês que veio depois de junho de 2013

foi agosto de 2016, quando a Dilma Rousseff foi empichada.

Mas foi julho de 2013.

E julho de 2013 foi o mês com o maior ciclo

de ocupações de câmaras municipais da história do Brasil.

São 30 cidades com ocupações simultâneas,

uma agenda à esquerda pelo transporte, pela educação, etc.

Que pouca gente se lembra.

Aquele segundo semestre de 2013 foi muito marcado

por uma luta popular intensa.

Foi um ciclo gigantesco também de ocupações urbanas,

ocupações de moradia.

Naquele momento que o MTST cresceu,

formou inclusive a liderança do Guilherme Boulos,

greve de professores no Rio de Janeiro,

rolézinho no final do ano, greve dos Garis

no início do ano seguinte, também no Rio de Janeiro.

E uma série de protestos que decidiram trazer

esse grito do Não Vai Ter Copa.

A repressão a esse conjunto de coisas

fez com que aqueles atores que lideraram

junho à esquerda saíssem das ruas.

Quando chega a Copa, essa repressão muito forte

gera um vácuo das ruas.

E aí eu falo no livro de uma outra desmobilização de junho,

que foi o fato de que o ator político que, em junho,

mais se beneficiou dos protestos,

mais ganhou intenção de voto nas pesquisas presidenciais,

foi a Marina Silva.

Ela dá um salto ali justamente no perfil,

inclusive, jovens de setores intermediários,

moradores dos centros urbanos,

são os que estavam mais inclinados a votar nela.

E na eleição de 2014, a gente sabe que essa alternativa

foi também soterrada, reprimida,

inclusive, com certa violência política.

Então, acho que o que vem depois de 2014

parte desse vácuo.

E assim como ontem, a passeata foi dividida.

Um grupo foi para um dos terminais de ônibus

mais movimentados da cidade.

E outro caminhou até a prefeitura,

onde queimou um boneco que simbolizava o PT e o PSDB.

E aí a gente abre em 2014 um novo ciclo

muito polarizado entre esquerda e direita,

com um antipetismo muito forte.

E ali vários atores passam a usar

esse vácuo das ruas e esse vácuo de representação

para convocar.

Depois a gente tem uma longa história até aqui.

Deixa eu te interromper um pouco,

porque eu fiquei com uma dúvida.

Você fala que das lideranças políticas,

Marina Silva foi a que mais mimetizou

o sentimento das ruas de 2013.

Mas só para lembrar que nas eleições de 2014,

depois da morte de Eduardo Campos,

ela era vice, candidata vice de Eduardo Campos,

ela de fato sobe muito,

mas ela sofre um verdadeiro bombardeio

da candidatura de Dilma Rousseff à época

e acaba desidratando.

Então eu queria só entender se a Marina

era aquele personagem, era a personagem

que tinha o sentimento da rua de junho de 2013

por que ela desidratou?

Houve uma campanha muito forte,

não foi só da campanha da Dilma Rousseff,

embora a da Dilma Rousseff tenha sido

de fato abaixo da linha da cintura,

mas houve também uma campanha muito forte

do Aécio Neves contra a Marina Silva.

Mas essa representatividade da Marina

do manifestante médio de junho,

a gente vê nas pesquisas,

nas datafolhas de 2014

ou datafolha logo depois de junho,

realmente aquele perfil de manifestante

era o mais inclinado a votar nela,

ela vencia os outros candidatos

naquele perfil de jovens,

de setores intermediários,

moradores de centros urbanos.

Era um setor que foi majoritário

talvez nas manifestações de junho,

nessa juventude,

mas certamente não era a maioria da população.

Agora quando eu te interrompi,

você falava que não só isso,

você ainda ia acrescentar mais ingredientes

a esse seu diagnóstico do depois.

Eu acho que esse depois é legal a gente olhar

para o que aconteceu no mundo.

A gente teve a crise de 2008,

depois tivemos uma série

de revoltas, de protestos,

de mobilizações de caráter

majoritariamente progressista,

o ciclo de 2011 a 2013,

com o 15M na Espanha,

o Occupy Wall Street nos Estados Unidos,

a revolta dos pinguins no Chile, etc.

Grande parte desses movimentos

não são capazes de resultar

imediatamente em transformações

institucionais que estavam

vocalizadas por eles.

Quando grande parte das mudanças

que geraram esses incômodos

desses movimentos

não foram endereçadas,

não foram tratadas institucionalmente,

na segunda metade da década

aparecem os extremistas de direita,

os autoritários da extrema direita,

dando falsas soluções

para esses mesmos problemas,

ou lidando com esse desconforto

a partir de outras respostas.

A gente viu isso nos Estados Unidos,

a gente viu crescer a extrema direita

mundialmente, e ela também cresceu no Brasil.

Mas somente no Brasil que a gente cria

essa linha direta, como se

esse sintoma que ele rompeu

na primeira parte da década,

ele fosse não um sintoma,

mas a origem do que veio em seguida.

E cada ator político tomou

suas decisões, se moveu à sua maneira,

e os eventos foram se encadeando

até que a gente chegasse aqui.

Espera um pouquinho que eu já estou

Espera um pouquinho que eu já volto

para continuar minha conversa com o Roberto.

Já que você falou

da extrema direita, você

escreve no seu livro

uma ideia muito interessante, que

grandes ciclos de revolta

são capazes

de tornar ideias

impossíveis em ideias

aceitáveis. E eu queria

entender a que tipo de ideia você

se refere. Você, nesse momento,

está falando

das ideias da extrema direita

ou de outro ponto em particular?

Ali eu estou tratando, emprestando

esse termo do David Graeber,

que desenvolve essa ideia

no livro dele sobre o Occupy Wall Street.

O Graeber mostra, por exemplo, que

quando o Occupy Wall Street passa a

fazer nos Estados Unidos

essa série de denúncias

sobre a escandalosa captura

da política pelos mais ricos,

a escandalosa concentração de renda nos Estados Unidos,

eles não conseguem nenhuma mudança institucional

imediata. Mas no período seguinte

cresce muito nos Estados Unidos

o percentual de pessoas que consideram

esse problema um problema grave.

E no Brasil,

quando os manifestantes do MPL

lá em junho de 2013

pediam por uma cidade

sem catracas, ou tarifa zero,

eles eram acusados de

cabeça vazia,

de pessoas com propostas

irrealistas, impossíveis, etc.

Em São Paulo, o movimento Passe Livre

organizou uma nova manifestação

contra o aumento das tarifas

do transporte público.

Se difundiu muito a frase que o MPL nunca disse

e, de certa forma,

tentou segurar de que não é por 20 centavos,

é por direitos, é contra a repressão

policial. E a gente conseguiu

ali, de certa forma,

manter o discurso de que sim, é por 20 centavos,

a nossa pauta é por 20 centavos.

Tem ainda uma motivação.

O movimento Passe Livre

pede o passe zero,

a taxa zero. Eu acho bem viável,

a gente tem que mesmo lutar pelos nossos direitos.

Sofre pra pegar ônibus,

sofre pra pegar metrô, sofre no

trânsito, então tá na hora da gente

dar um basta nisso. E de lá pra cá a gente

teve um salto na agenda da tarifa zero

no Brasil. Eram 10

cidades com tarifa zero

pouco antes de 2013, pouco mais

de 10 cidades, e hoje são mais de

70 cidades. O número de população

atingida cresceu em mais de 10 vezes.

População atendida

com 3 milhões e meio de pessoas, quase.

O prefeito de São Paulo,

da direita, ele cogita, ele

coloca no seu plano a possibilidade de

trazer a tarifa zero. Então, muito

nesse sentido aconteceu esse milagre que

o Guraeber trata, que uma ideia que

parecia uma coisa nonsense,

de repente ela se torna um

senso comum da política e ela vai pro centro do

debate. Mas essa ideia não abarca

também a extrema-direita,

porque parte das

bandeiras da extrema-direita acabou vencendo

as eleições de 2018, por exemplo.

A energia antissistema,

ela não é necessariamente

extremista ou autoritária.

Agora Natuza, na minha pesquisa

eu achei muito importante pro livro

voltar a 2013, olhar para as pesquisas

de todos os institutos de

pesquisa e fiz também uma

coleção primária de mais de 6 mil

cartazes que foram expostos nas ruas.

E o que isso mostra,

tanto nessa coleção dos cartazes,

quanto nas pesquisas do período,

é que o discurso extremista não

estava ali. Não havia ou eram

muito minoritários

os pedidos de intervenção militar,

eram praticamente

inexistentes esse tipo

de solução autoritária

e eles aparecem com muita força

depois do segundo turno de 2014.

Agora Roberto,

as manifestações de 2013,

elas tiveram uma característica marcante,

apesar de terem começado

com a liderança de grupos progressistas,

acabaram virando um movimento

apartidário, inclusive

com a chamada política tradicional

e os partidos sendo

muito

repelidos. Eu me lembro

de cenas em que

na Avenida Paulista

quem chegava com bandeira de partido

era rechaçado.

Como é que isso explica

os fatos políticos vividos depois

das manifestações e com a esquerda

em especial o PT

sofrendo os reflexos desse movimento?

De fato, essa

coisa antipartido foi muito forte

ali. Inclusive tem um

caso curioso, porque a gente sempre lembra

dos movimentos antipartido

contra os partidos de esquerda que eram mais

prevalentes. Mas o pessoal do

LIBER, isso vem numa entrevista

também, que veio para o LIBER. O LIBER era

um partido em criação, um partido

que seria parecido com o que virou o LIVREZ,

aquele movimento liberal.

Eles foram para a Avenida Paulista,

reuniram lá uma centena de pessoas com

cartazes, com bandeiras, e sofreram também

a hostilização dessa

ala antipartido. De fato,

nas pesquisas do período, você vê que

a grande maioria não se sentia representada

por nenhum partido político. Agora, isso

também era um sintoma do Brasil no

período. Esses manifestantes não inventaram

a aversão ao partido.

Eles respondiam

a como eles enxergavam

o sistema político. E de fato,

nós não tivemos uma

capacidade institucional de absorver

essa energia

antissistema com

proposições dentro do sistema

político, proposições democráticas ou progressistas

em sua maioria.

E essa energia antissistema foi

sim capturada

pelos equívocos da Operação Lava Jato

e depois pela extrema-direita,

sem dúvida. Agora, para terminar,

não dá para olhar

para trás sem olhar o presente

ou pelo menos tentar

explicar o presente olhando

para os últimos 10 anos.

10 anos depois

dos atos de 2013,

com o PT de volta

à presidência e tendo

substituído Bolsonaro,

quem parece ter levado

a melhor na

contestação do sistema político?

Foi Bolsonaro? Foi o

PT? Foi os dois?

Como é que a gente explica o

presente? E o presente pode incluir as eleições

também, tá? O presente do ponto de vista

histórico, assim, os últimos acontecimentos,

grandes acontecimentos políticos

desde a eleição para cá.

É, de fato,

o Celso Roger de Barros,

na coluna dele, está muito correto, quem

está melhor posicionado no Brasil hoje

é o centrão, né? E isso é muito

curioso porque o centrão era

esse, o que o Marcos Nobre

chama de PMDBismo, né?

Que era esse arranjo brasileiro

que os partidos fisiológicos tinham

um poder ali de controle muito grande, tem?

Em Brasília, multidões

pediam a saída dos presidentes

da Câmara Eduardo Cunha, do Senado

Renan Calheiros e da

Presidente da República.

Esse que era talvez um dos principais alvos

das ruas de junho, né? O Renan Calheiros

naquela época era um grande vilão.

Hoje, esse centrão

se repaginou, né? Ele conseguiu se

metamorfosear para que tudo permanecesse

como está. E durante o governo

Jair Bolsonaro, esse centrão então

cresceu, o parlamento cresceu muito

a sua capacidade de

interferir, de agir

sobre o executivo.

Eu sou do centrão, eu nasci de lá.

Com a eleição do Lula, eu acho que tem um fator

interessante, um fator importante de ser colocado,

né? Para terminar aqui,

é que havia uma

série de demandas

progressistas que aparecem,

né? Naquela geração de 2013

quando as pessoas pediam a educação

a padrão FIFA, pediam

melhorias de transporte,

né? Contra a corrupção, contra

o que estava sendo feito pela Copa do Mundo,

a percepção de algo que vinha de cima para baixo,

quer dizer, uma democratização

das decisões. E uma parte

dessas agendas não foram, não foi

ainda absorvida pela

esquerda. Acho que a gente

continua talvez repetindo alguns

modelos, como por exemplo o incentivo

ao automóvel particular,

que gerou uma grande crise do transporte

público naquele momento.

E outras investidas

da esquerda nesse

momento no governo, a questão

ambiental, elas mostram que

talvez algumas daquelas questões

que estavam ali colocadas ainda não foram absorvidas

pelo campo da esquerda. Então acho que isso é uma

tarefa ainda por se fazer.

Roberto, muito obrigada pela

participação. Está bem, Natuza, muito

obrigado, uma alegria estar aqui.

Alguns dos

áudios que você ouviu neste episódio

são do documentário Ecos de Junho.

Este foi o assunto

podcast diário disponível no G1,

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plataforma de áudio preferida.

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uma notificação sempre que tiver um novo

episódio. Comigo na equipe do assunto

estão Mônica Mariotti, Amanda

Polato, Tiago Aguiar, Luiz Felipe

Silva, Tiago Kazurowski, Gabriel

de Campos, Nayara Fernandes

e Guilherme Romero. Eu sou

Natuzaneri e fico por aqui.

Até o próximo assunto.

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