×

We use cookies to help make LingQ better. By visiting the site, you agree to our cookie policy.


image

O Assunto (*Generated Transcript*), 05.06.2023 - Bruno e Dom, 1 ano do crime no Vale do Javari

05.06.2023 - Bruno e Dom, 1 ano do crime no Vale do Javari

5 de junho de 2022, o indigenista Bruno Pereira e o jornalista inglês Dom Philips foram vistos pela

última vez no Vale do Javari, descendo o rio entre a comunidade São Rafael e a cidade de Atalaia do

Javari. Dez dias depois, restos dos corpos de Bruno e Dom foram encontrados. Atingidos por tiros,

eles foram esquartejados, queimados e enterrados. O retrato da violência em uma região onde o

crime impune é a porta para a história se repetir. De certo ponto de vista, o que aconteceu com Bruno

é mais um desdobramento de um processo de violência que está instalado na região há muitas décadas.

A gente já sabia que em 2019 tinha assassinado o Maxiel, que era um companheiro aqui também que estava

fazendo esse trabalho. São 62 conflitos registrados em documentos, 40 não indígenas mortos e

um companheiro incalculável de indígenas mortos. Não tem como, o cara é indígena isolado.

O cenário não é nem um pouco favorável. O cerco está se fechando, já tem assédio rolando contra os

servidores, pedidos de cancelamento de informações técnicas e assim vai. Então depois eu converso com

mais calma, concentro nessa parte aí. Tem bastante história sobre a história do Javari e aí seria

muito divertido contar o que era e que dilema é esse que a gente vive hoje.

Caramari, caramari!

Da redação do G1, eu sou Natuzaneri e o assunto hoje é um ano da morte de Bruno e de Dom.

Um episódio para relembrar quem eram o indigenista e o jornalista britânico, o andamento das

informações e como está o Vale do Javari agora. Minha convidada é Sônia Bride, repórter do

Fantástico e diretora do documentário Vale dos Isolados, o assassinato de Bruno e Dom,

disponível no Globoplay. Segunda-feira, 5 de junho. Sônia, depois das execuções do Bruno e do Dom,

você foi ao Vale do Javari e passou mais de 70 dias lá. Então eu gostaria que você nos contasse

em qual ponto da investigação você chegou.

Quando eu cheguei, os corpos já tinham sido encontrados, já tinham se passado três meses do crime

quando eu fui pela primeira vez. Eu fiz três viagens para o Vale do Javari, cada viagem de 20, 25 dias

e o produtor Alan Ferreira, Alan Graça Ferreira e o Eugênio Senegrafista, eles foram e ficaram mais 30 e poucos dias.

Então, ao todo, o documentário teve mais de 100 dias no Vale do Javari. Então, quando eu cheguei lá,

já tinham se passado três meses do crime, o cenário da Amazônia, ele muda muito e o Vale do Javari

estava bem diferente daquele momento em que os crimes aconteceram. A água tinha baixado e os

amigos do Dom e do Bruno, que foram os responsáveis por localizar o local da emboscada, onde eles foram

postos, o local onde eles tentaram esconder os corpos num primeiro momento e onde foram encontrados

as pertences, o local onde eles foram enterrados, tudo isso estava coberto de água quando isso aconteceu.

E quando eu cheguei lá, a água tinha baixado já mais de três metros e os amigos do Bruno e do Dom

queriam fazer uma nova busca, tentar encontrar mais coisas que ajudassem a esclarecer o que

aconteceu ali naquele dia terrível em que os dois foram executados enquanto viajavam no Rio Itacoaí.

A gente não acreditou na versão dos assassinos. Uma das coisas é a história que eles falam que a arma

caiu da mão do Bruno no momento que o barco bateu na margem do rio.

Tiveram vários equipamentos que a gente não conseguiu encontrar, talvez os celulares.

Existe o risco dos moradores ali da região, que são dessas comunidades que estão envolvidos ali com o assassinato e tudo,

deles estarem indo lá e pegando esses vestígios que a gente acredita que vai encontrar.

Então é importante fazer isso pontuando.

E aí eu acompanhei uma expedição organizada pela equipe de vigilância indígena, a EVO,

que é a equipe de indígenas que foi treinada pelo Bruno e pelo Orlando Poçuelo para fazer a vigilância do território.

E nós fomos com detetor de metais até o local do crime, Natuza.

Por quê?

Porque a arma do Bruno nunca foi encontrada.

Então se a versão dada pelos assassinos fosse verdadeira, a gente encontraria essa arma nessa expedição.

Eles foram, eles abriram uma clareira, eles passaram o detetor de metais na praia que ficou, uma grande praia.

Se a arma estivesse ali, ela certamente teria sido encontrada.

E eu vou te dizer por que eu tenho essa convicção.

A arma é um objeto grande de metal.

E no outro local onde tinham sido encontrados os pertences do Bruno e do Dom,

que foi a primeira evidência de que eles realmente tinham sido mortos,

a partir daquele momento eles passaram a procurar os corpos, já não procuravam mais desaparecidos.

Nesse local, com o detetor de metais, eles encontraram o celular de trabalho do Bruno.

E esse celular de trabalho é bastante importante para a investigação.

Aí tem a imagem dele ameaçando, podia ter sido ameaçando o pessoal.

Do Bruno, por onde?

É, do Bruno, estava com o Bruno então.

Estava com os meninos e ele tentou transportar porque tinha as fotos ameaçando.

A gente espera que seja o celular que tenha as imagens do pelado mostrando a arma.

Porque a gente sabe que no celular tem registro de, tem foto dele ameaçando, tem vídeo, né?

A gente estava ali no local onde ficaram, no primeiro momento eles ocultaram os corpos ali nesse lugar,

era um igapó, uma floresta alagada.

Quando nós chegamos essa floresta estava seca.

E o chão do igapó, quando seca, ele é um chão que fica cheio de uma lama seca e muitas folhas secas, muita serrapilheira.

E a gente foi andando ali, tinha ainda as fitas postas pela polícia, né?

Tinha toda aquela cena de local do crime passados alguns meses.

E eles começaram a olhar e mexer com as folhas e mexer com as coisas e encontraram a carteira de jornalista do Dom.

Foi um momento assim muito triste, muito triste, porque dá uma materialidade a essa violência, né?

Sim, e você se enxerga nisso, né? Você se vê.

Eu sou jornalista, eu me vejo ali, né?

Eu encontrei com o Dom, a única vez que eu encontrei com ele pessoalmente foi numa viagem de trabalho para a Amazônia.

A gente se encontrou no aeroporto porque ele tinha ido reportar um pedaço da Amazônia e eu no outro,

a gente seguia o trabalho do outro, a gente se reconheceu e nós passamos três horas batendo papo e me contando do livro dele, né?

Meu nome é Dominique, eu sou um jornalista inglês, eu moro aqui no Brasil há 14 anos, eu moro em Salvador.

E agora eu estou fazendo um livro para uma editora inglesa sobre essa questão da conservação na Amazônia.

Então eu vim para acompanhar um pouco disso, aprender um pouco com vocês, como é essa cultura, como é, vocês veem a floresta,

como vocês vivem por dentro, como vocês lidam com essas ameaças que vem de invasores, de garimpeiros e tudo mais.

Aí a gente continua ali e encontra mais documentos do Bruno, a bota, um óculos, a hélice do barco, né?

Que eles estavam usando e aí de repente alguém diz assim um caderno e aí você olha e reconhece que é um bloco de anotações de um repórter.

E aí foi encontrado esse celular e aí esse celular tinha passado três meses e pouco debaixo d'água na coisa.

E a gente não sabia se ali ia ter alguma coisa aproveitável.

Eles tinham sido orientados pela perícia da Polícia Federal e então eles sabiam que não era para tocar,

se encontrasse qualquer eletrônico, botaram no saquinho, foi entregue para a polícia.

E aí a gente estava na Polícia Federal em Brasília, lá na Polícia Técnica, quando o conteúdo desse celular foi recuperado.

E parte, assim, a dinâmica do que aconteceu naqueles dias fica muito clara.

A gente vê a última selfie do Bruno, a gente vê umas imagens que o Bruno fez dos indígenas saindo com os barcos para fazer a vigilância dentro da terra indígena,

porque ele e o Dom ficaram para fora da terra indígena.

E não deixavam o Bruno entrar na terra indígena para ajudar os indígenas a fazer o trabalho da vigilância.

E a gente vê uma foto do Dom entrevistando o caboclo, que é um pescador ilegal, muito conhecido ali na região e que a gente também entrevistou no nosso documentário.

Não, senhor. Nunca, nunca, eu não tirei nem um pingo de sangue do corubo na minha vida.

Nunca, nunca, nunca, nunca, não. Pode dar pausinho lá no corubo, tudinho, me apontar, tudinho.

Nem três cortaria um dedo, não, senhor. Não aceito isso, não.

Tem um momento que é muito importante, que eu acho que ajuda a desmontar essa versão nova dos assassinos,

de que o Bruno era um cara que ficava perseguindo, ficava assediando os pescadores, que ele era agressivo e tal.

O Bruno estava ali na casa do Raimundinho, que é um ribeirinho que permite que os indígenas e o pessoal da Evo se hospede ali na casa dele, bem pertinho.

É a última casa que tem antes da entrada da terra indígena, né?

O Bruno estava ali fazendo a vigilância e o barco, o barco do pelado passa.

E esse momento é registrado?

Esse momento que ele passa não é registrado, mas o barco do pelado passa e dali até a terra indígena não tem nada, não tem o que você fazer.

Ele só foi ali para fazer uma provocação.

Ele chegou até onde estavam os indígenas e os indígenas relatam que ele levantou a espingarda e mostrou para eles.

Ou seja, foi uma intimidação, uma ameaça, portanto.

Uma intimidação, uma ameaça.

E ele viu que o Bruno estava na varanda da casa do Raimundinho.

Aí ele desceu com o motor desligado, que eles chamam lá na região de bubuia, né?

Passou de bubuia, devagarinho na frente da casa do Raimundinho.

E deu um bom dia para o Bruno.

Um bom dia que era... E o Bruno disse bom dia.

Só que o Bruno gravou isso.

Eu não tinha visto, até a imagem sem corte, né?

Olha a gente no meio, tá lavado.

Não cabia aí?

Não cabia aí.

Não, ele só era aqui toda a vida das festas.

Não sabe disso, né?

Ele era aqui da comunidade, não tem nada a ver com indígenas, não.

E a morte?

Quem que tá?

É o Jefferson aqui, é?

Aqui, ó.

Esse é o Jefferson.

Pode olhar, ó.

Todo tatuado, com aquela tatuagem ali no peito.

É o cara, ele estava aí na outra vez já.

Quer dizer, ele estava já direto vindo com o pelado.

Eu não conhecia, ninguém conhecia.

Quando aconteceu o negócio, né?

O nome do Jefferson era um nome que assim, dentro desses caras que pesca, que a galera fala, nunca era comentado.

Isso aí foi na manhã do sábado, dia 4.

E aí, no dia 5 de madrugada, o Bruno e o Dom saem da casa do Raimundinho e vão em direção à Talaia.

O Bruno chega ali, eles encostam o barco na São Rafael.

O Bruno subiu pra ir procurar o churrasco e o Dom ficou na beira.

Ali na beira, ele começa a conversar com um pescador que estava ali,

que se chama Jânio, que está preso no inquérito de pesca ilegal.

É um apontado pela polícia como um dos líderes dessa pesca ilegal.

E aí, quando o Bruno volta pra beira, que ele não encontrou o churrasco,

fala com a mulher dele, o Bruno desceu e ele fez fotos do Dom conversando com o Jânio.

A última foto é às 7h03 da manhã.

Pra chegar em Talaia, ele tinha, às 8h, que era o horário que eles tinham combinado mais ou menos,

era o momento que ele estava saindo dali.

Dali até o ponto onde eles morreram, não deu 20 minutos.

Nossa, Sônia, que relato impressionante.

Eles passaram na frente da outra comunidade, o São Gabriel, onde vivia o Pelado, o assassino.

E o Pelado e esse outro Jefferson vão atrás.

A gente já sabe que esse barco que eles estavam usando,

era um barco com motor mais potente, um barco de 60 HP, o Bruno estava com de 40.

Eles alcançaram, o Bruno nunca ouviu o outro barco se aproximando.

A perícia fez teste, sabe que você não ouve.

E eles tomaram uns tiros pelas costas.

E aí na hora que o Pelado vai passando aqui, aí o Bruno sai de lá fumando um cigarro,

e o Pelado deu as horas pra ele, deu um bom dia pra ele.

Bom dia. E o Bruno respondeu bom dia.

E o Pelado conseguiu descendo.

E quando a gente sabe a notícia, domingo, deu essa tragédia grande que o Pelado tinha matado ele.

Como é que vocês cavaram o buraco lá?

Com pá, com enxada?

Com o quê?

Enxada.

Com enxada?

Eu quero voltar, Sônia, pro momento em que você se depara com a carteirinha de jornalista do Dom

e com um bloquinho de anotações dele.

Pra tentar entender e visualizar como é que foi a reação dos próprios indígenas e indigenistas

encontrando esses objetos do Bruno e do Dom.

Foi um momento de uma tristeza que dava pra palpar no ar.

Era um dia quente, quente, quente.

Estávamos todos encharcados de suor, porque foi uma caminhada pra dentro da floresta até chegar no local.

Naquele calor opressor, foi ficando um silêncio.

E alguém dizia assim, um caderno, achei um caderno.

Olha, tem um outro caderno aqui, olha.

Olha aqui, uma capinha de celular.

Olha aqui, um papel, um documento.

Mas era assim, era aviso.

Na hora que encontra o celular, é uma sensação mais assim de celular, celular, celular.

Por que as pessoas ficam mais excitadas porque viram o celular?

Porque elas sabiam que podia ter provas maiores ali dentro daquele celular, como realmente foram encontradas.

É sempre ruim ver tudo, né? Na verdade, só ir ali no local já é ruim.

A gente ficou vários dias aí.

A gente já estava nessa de não sabia se uma hora ia pegar e encontrar o corpo do colega, sei lá, era bem tenso assim tudo.

Só depois do caso do Bruno e do Dom, a Polícia Federal voltou a um outro, que é o do Maxcel Pereira dos Santos,

um servidor da FUNAI morto justamente no Vale do Javari, só que em 2019.

E eu quero voltar ainda mais no Tempo Com Você, em 1989, porque três indígenas corubo foram mortos por seringueiros e pescadores.

Curiosamente, um dos assassinos é Sebastião da Costa, sogro de Ozenay da Costa, um dos acusados de participar do assassinato do Bruno e do Dom.

Esse ponto, esse elo é muito impressionante porque mostra algo geracional, uma série de assassinatos que mostra como a violência está presente há décadas

e como esses crimes, inclusive, se conectam de alguma maneira e a falta de solução acaba fazendo a história se repetir.

Então eu te peço para relembrar que crime foi esse de 1989 e as semelhanças entre ele, o assassinato do Maxcel e o assassinato do Bruno e do Dom.

A história do Vale do Javari é uma história de uma violência desmedida contra os indígenas.

Há mais de 40 massacres relatados e registrados.

Esse de 89 foi muito importante porque esse massacre de 89 foi registrado.

O Sidney Poçuelo já fazia incursões por ali, o Sidney viria a ser o presidente da FUNAI depois e ele foi, investigou, chamou a Polícia Federal.

Esse Sebastião da Costa, o apelido Sabá, ele conta tudo o que aconteceu.

Eles se reuniram, os pescadores, eles fizeram uma reunião, decidiram matar os índios, porque os indígenas resistiam a quê?

A invasão deles dentro do território.

E essa é uma área onde aconteceu esse massacre e onde está a base da FUNAI hoje, é muito perto de onde o Bruno e o Dom foram assassinados.

Esse lugar é o lugar dos famosos casseteiros, os índios corubus, que até então eram isolados.

E aí esse Sabá acaba confessando, mostra onde eles enterraram os corpos.

Feito uma expedição para desenterrar esses corpos, recuperar, foi feita a perícia, foi feita a investigação e nada aconteceu.

E as pessoas responsáveis por esse crime são os pescadores de Benjamin.

Pois é, mas graças ao nosso bom Deus, pra nós não aconteceu nada. Graças a Deus.

E até hoje não aconteceu nada com esse cara, infelizmente. Não vai acontecer mais em muitos anos.

Tem documentação, foi produzido, tem depoimento deles, tem tudo parecido agora.

Os envolvidos todos foram identificados. E aí? E aí o que aconteceu até hoje? Nada, nada.

E isso estimula novos massacres, isso estimula a violência na região.

Em 96, quando Sidney Possuelo faz o contato com os corubos, porque estava prestes a se deflagrar uma guerra entre os corubos e os ribeirinhos,

o Sidney vai, faz o contato e encontra vários indígenas com chumbo pelo corpo.

E eles relatam que foram mortos, familiares deles, emboscadas pelos pescadores, pelo pessoal ali da comunidade e que eles sobreviveram.

Os brancos subiam ali no Vale do Javari e muitas vezes mostravam aos índios uma rede, um facão, uma coisa assim.

E os índios apareciam na orla e eles atiravam e mataram vários indígenas assim.

E é tanto é, é verdade, que depois que eu fiz o primeiro contato com aquele grupo, eu chamei um médico, que era amigo meu, um alemão,

para ir lá só para tirar chumbo do grupo indígena.

Olha aí chumbo, chumbo de tiro.

E eles apontam quem são esses pescadores e tal.

Um dos pescadores do caso de 95 é o pai do Pelado, é o Otávio, pai do Amarildo.

Outro é o Caboclo, esse ribeirinho que o Dom entrevistou dois dias antes de morrer.

E quando você vê o relato de como aconteceram aquelas mortes, em que uma comunidade inteira se reúne, decide matar, oculta os corpos,

todo mundo faz um pacto de silêncio, acontece a ocultação dos corpos, é exatamente o que aconteceu depois com o Bruno e o Dom,

em que foi praticamente um crime de uma comunidade inteira envolvida.

Quem não puxou o gatilho ajudou a afundar o barco, a esconder os corpos, a fornecer álibi errado para o outro.

É uma coisa assustadora ver esse ciclo de violência.

E onde é que o Maxiel entra?

O Maxiel tinha feito uma apreensão grande de tracajá, que é aquela tartaruga de rio, de tracajá e de peixes ilegais, mais de uma tonelada,

e aí ele é morto em Tabatinga.

A polícia acredita que tem indícios de que o mandante que encomendou esse assassinato foi o Colômbia.

E na época, apesar de todas as denúncias feitas pelo movimento indígena, essa investigação não foi adiante.

E aí agora, né, volta-se com essa investigação, é o mesmo delegado que está investigando o assassinato,

é o mesmo delegado que está investigando o assassinato do Bruno e do Dom,

e esse inquérito ainda está em andamento e a gente pode ter mais informações.

Eles já afirmam que foi o mesmo mandante.

As circunstâncias a gente deve saber em breve.

Espera um pouquinho que eu já volto para continuar minha conversa com a Sônia.

Você menciona que os assassinatos do Maxiel, do Bruno e do Dom têm as mesmas razões e os mesmos atores.

E eu quero me deter a um deles, que você já mencionou inclusive, que é o Colômbia.

Ele é apontado pela Polícia Federal como o mandante das execuções.

Então eu te peço, Sônia, para apresentar para a gente quem é o Colômbia e a quais crimes ele está relacionado

e como foi a sua experiência ao tentar encontrá-lo no Peru.

O Colômbia eu defino inclusive no documentário como uma figura nebulosa ali da triplice fronteira.

O Colômbia tem três identidades, três nacionalidades Brasil, Peru e Colômbia.

Ele tem uma carteira de indígena emitida pela FUNAI, se identificou, autodeclarado como indígena kokama

e todo mundo sabe que ele ali é uma pessoa extremamente influente na sociedade local.

Benjamin Constant, Atalaia e Tabatinga.

Esse cara financia, é o que eles chamavam de aviamento, faz o aviamento da pesca.

Ele dá o dinheiro para comprar uma rede, barco, gasolina, motor, gelo, tudo para que a pesca ilegal seja feita

e aí ele compra o peixe.

Esse peixe geralmente é vendido dentro do Peru, mas principalmente alguma parte vai lá para Iquitos no Peru

e a outra parte para Letícia na Colômbia, onde tem grandes frigoríficos.

A gente sabe que muitos desses frigoríficos são envolvidos com a lavagem de dinheiro de droga.

Então assim, ele começou a ter informações de que agora não era um simples invasor de pesca.

Havia algo muito maior.

Havia agora quadrilhas vinculadas ao narcotráfico que financiava as invasões do Vale do Javari.

Hoje no Médio Javari nós temos esse caso muito sério com a questão do tráfico de drogas

e por uma área de fronteira que a gente está, já chegou nas nossas aldeias,

levando nossos parentes para poder trabalhar, para fazer a colheita, para trabalhar envolvidos.

Para trabalhar, envolver os parentes nessa questão da droga.

Então isso é um perigo muito grande para a gente.

A Colômbia é uma figura importante porque ele é a ligação entre esses mundos.

O mundo do tráfico de drogas, da lavagem de dinheiro e o aliciamento até desses pescadores ilegais

que vão lá para dentro da terra indígena.

Por que essa pesca está sendo feita dentro da terra indígena?

Porque os lagos que estão fora da terra indígena estão completamente vazios de peixes.

De tanta exploração que aconteceu ali.

Exploração predatória. E na Amazônia os lagos é onde eu tenho peixe.

Houve uma certa estabilidade no período que a Funai passou a atuar operacionalmente no Vale do Javari.

A gente começou a ver muito peixe em lagos que por décadas já estavam tudo detonados.

E eles não vão pegar peixe para comer, para alimentar a família ou para ganhar um dinheirinho.

Eles levam toneladas e toneladas e toneladas de peixe.

Aí eu decidi, no último dia que eu estava na região, por uma questão estratégica,

eu não queria chamar a atenção do crime organizado e depois ficar circulando por ali.

No último dia eu decidi ir até a balsa onde operava o negócio do Colômbia.

Eu cheguei lá, me apresentei como jornalista, o Paulo chegou gravando.

Como vai?

O nome é Sule?

Quem é o responsável aqui?

Bom dia.

Perguntei para o responsável, ele disse que estava no banheiro.

Eu fiquei esperando, esperando, esperando.

Uma caixa onde se guarda gelo e peixe.

Mas quando eu falo uma caixa, é uma câmara frigorífica imensa para muitas toneladas de peixe.

E dois rapazes trabalhando com os motores ali.

E aí, de repente, o rapaz que estava falando com a gente foi embora.

Saiu de barco.

Aí eu disse, olha, vamos sair também e vamos voltar mais tarde.

Avisei o outro que ficou, vou voltar.

Quando nós voltamos, tinha dois policiais peruanos com a mão na arma.

Eles não estavam com a arma em punho, mas a arma estava no codre e eles estavam com a mão na arma,

pronta para sacar.

E nós tomamos uma dura da polícia peruana, dizendo que a gente estava invadindo território estrangeiro

e fomos postos para fora do Peru, a duzentos e poucos metros da fronteira com o Brasil.

E aí, nessa fronteira, onde tudo e todos circulam à vontade,

os policiais peruanos pediram que a gente se retirasse do país.

Então, se a gente se retirasse do país, a gente se retiraria do país.

Então, se a gente se retirasse do país, a gente se retiraria do país.

Ok.

Claramente, o rapaz que saiu tinha ido chamar a polícia peruana

para nos intimidar, para dar uma dura nos jornalistas e botar a gente para fora.

Os três réus pelos homicídios do Bruno e do Dom vão à júri popular.

Em maio, começaram a ser interrogados pela Justiça Federal do Amazonas.

Nesses interrogatórios, Sônia, eles estão tentando manchar a imagem das vítimas.

Já tentaram atribuir ao Bruno uma personalidade agressiva, violenta,

negligente com os interesses dos povos indígenas.

Você, numa dessas respostas, fala que faz um relato que desmonta naturalmente essa linha de defesa.

Você conviveu muito de perto com pessoas que conheceu o trabalho do Bruno.

Então, eu queria que você nos contasse um pouco mais para nos dizer sobre essas alegações.

Olha, os relatos que eu tenho dos indígenas, quase todos me diziam, quando eu falava,

fala sobre o Bruno.

E a primeira coisa que eles diziam era, o Bruno era um de nós.

Eles reconheciam no Bruno um parente.

Eles reconheciam no Bruno um aliado, mas que não era apenas um aliado.

Era um cara que cantava com eles, que comia com eles, que ia para o mato com eles,

que ia socorrer as famílias quando precisava.

Meu nome é Bruno.

Eu sou agente indigenista da Atalaia do Norte, da FUNAI de Atalaia,

da Coordenação Regional de Atalaia do Norte.

O Bruno entrou na FUNAI no concurso de 2010.

Na época, a FUNAI mandou vários servidores da FUNAI novatos para atuar em Atalaia do Norte.

Só que o Bruno não tinha esse perfil.

Ele era grandão, ele era gordão, altão.

Não tinha como entrar no mato, né?

Ele não tinha perfil para ficar com nós no mato.

Eu pensava assim, mas o meu pai, na época, falou,

olha, ele talvez não tenha o perfil, mas ele tem alma para trabalhar com nós.

O Bruno ficou muitos anos no Vale do Javari.

Então, ele estabeleceu laços muito fortes.

E eles falam assim, ele não é como o outro pessoal da FUNAI.

Ele ficava com a gente.

Ele vivia a vida dos indígenas ali com eles.

O carinho com que eles falam do Bruno é uma unanimidade ali.

Tem muita pessoa da FUNAI que isso tem um nome, que luta pelos índios.

Mas o Bruno era uma pessoa diferente.

Era uma pessoa extraordinária, que realmente se deu com nós.

Se o Bruno foi embora de nós, mas ele é uma casa que lutou pela gente.

Então, nesse momento, a gente vai cantar a música que ele tanto adorava cantar,

junto com os caramari.

Agora, Sônia, eu queria tentar entender com você

o que mudou na região em um ano e como está a situação agora do Vale do Javari.

Em termos de segurança, praticamente nada mudou.

As pessoas ameaçadas continuam ameaçadas.

Não houve uma grande operação contra o garimpo.

Não houve uma grande operação contra o tráfico de drogas.

Não houve uma grande operação contra a pesca ilegal na região.

É verdade que hoje a Polícia Federal e o Ministério Público

estão dedicando uma atenção muito grande a essa investigação

por causa do assassinato do Bruno e do Dom.

Mas ações efetivas ali na região para combater esses crimes a gente ainda não viu.

As pessoas têm muito medo.

Há novas ameaças acontecendo, mas algumas coisas mudaram.

O que mudou, por exemplo, é que hoje há um diálogo entre a FUNAI e os indígenas.

A FUNAI, do Marcial Xavier à FUNAI no período Bolsonaro,

se tornou um órgão de repressão dos indígenas

e de supressão dos direitos conquistados pelos indígenas.

Nos primeiros meses que o governo Bolsonaro assumiu,

a invasão na terra indígena do Vale do Javari aumentou pra caramba.

O Bruno estava muito preocupado com os índios isolados.

E ele estava tendo informações do aumento de garimpeiros naquela área.

E ele conseguiu convencer a alta cúpula aqui em Brasília, da Polícia Federal e do IBAMA,

de que tinha que fazer uma operação consistente na região. E ele fez.

10-3, 10-2.

A gente teve que ir pra lá escondido, o governo. E o Bolsonaro ficou puto depois.

Quando ele voltou, nós nos encontramos.

E ele chegou e falou, rapaz, há uma grande probabilidade de eu rodar. Ele falou assim.

Deu rodar. Mas como assim? A alta cúpula, né, cara?

Meu trabalho vai de encontro ao que o presidente da República está falando.

Eu digo, não, mas, cara, uma conquista importante eles betam.

Eles acreditam nisso. E eles vão fazer isso.

Não deu outra. No outro dia, sabe, viram oficial a agendação dele.

Eu estou respondendo também já a abertura de um processo ou administrativa interna da FUNAI contra mim, né?

Mas é isso. É perseguição, é tentativa de intimidar. Não só sou eu que estou tomando essas.

E tem muita gente junto nessa.

A tentativa era desmontar a FUNAI por dentro.

Desmontar essa proteção por dentro.

Como não deu certo, mas talvez tivesse sido efetivado,

isso tivesse sido efetivado se o Bolsonaro tinha sido presidente.

Isso tivesse sido efetivado se o Bolsonaro tivesse sido reeleito.

O Congresso bolsonarista tenta fazer isso de maneira institucional pela lei agora, né? Mudando a lei.

Se você não consegue não cumprir a lei impunemente, então muda-se a lei.

Teve protesto em plenário, mas não adiantou.

Os deputados aprovaram por 283 a 155 votos a proposta que cria um marco temporal

para a demarcação de terras indígenas.

O texto aprovado pelos deputados diz que só poderão ser demarcadas terras

que já estavam ocupadas tradicionalmente pelos indígenas em outubro de 1988,

data em que foi promulgada a Constituição.

O estrago não é só contra a população indígena, é contra a República Federativa do Brasil.

Mais preocupante nessa PL490, ainda mais preocupante do que essa dificuldade,

quem demarca, quem não demarca e tal, é a tentativa de forçar o contato com indígenas isolados.

Eles não querem fazer contato. Foi uma decisão política deles,

uma decisão consciente, porque eles tiveram traumas terríveis no passado

ou porque o contato levou a doenças que quase dizimou os grupos,

ou porque o contato foi um contato violento à base de tiro,

como era dos corubus ali perto dessas comunidades, que eram atacados, caçados, igual a bicho.

Essa negativa deles de fazer contato é uma negativa que diz muito mais sobre quem nós somos,

nós, a sociedade dita civilizada, do que quem eles são.

Sônia, foi muito impactante o seu relato. Muito obrigada pela participação.

E eu aproveito para recomendar que todo mundo assista ao seu documentário.

Muito obrigada. Bom falar contigo, Tatuza.

Neste episódio, você ouviu trechos do documentário de Sônia Bride,

Válidos Isolados, o assassinato de Bruno e Dom, disponível no Globoplay.

Este foi o assunto podcast diário disponível no G1, no Globoplay ou na sua plataforma de áudio preferida.

Vale a pena seguir o podcast na Amazon ou no Spotify, assinar no Apple Podcasts,

se inscrever no Google Podcasts ou no Castbox e favoritar na Deezer.

Assim você recebe uma notificação sempre que tiver um novo episódio.

Comigo na equipe do assunto estão Monica Mariotti, Amanda Polato, Thiago Aguiar, Luiz Felipe Silva,

Thiago Kazurowski, Gabriel de Campos, Nayara Fernandes e Guilherme Romero.

Eu sou Natuzaneri e fico por aqui. Até o próximo assunto.

Legendas pela comunidade Amara.org


05.06.2023 - Bruno e Dom, 1 ano do crime no Vale do Javari 05.06.2023 - Bruno und Dom, ein Jahr nach dem Verbrechen in Vale do Javari 06.05.2023 - Bruno and Dom, 1 year after the crime in Vale do Javari 2023 年 6 月 5 日 - Bruno 和 Dom,在 Vale do Javari 犯罪一年

5 de junho de 2022, o indigenista Bruno Pereira e o jornalista inglês Dom Philips foram vistos pela

última vez no Vale do Javari, descendo o rio entre a comunidade São Rafael e a cidade de Atalaia do

Javari. Dez dias depois, restos dos corpos de Bruno e Dom foram encontrados. Atingidos por tiros,

eles foram esquartejados, queimados e enterrados. O retrato da violência em uma região onde o

crime impune é a porta para a história se repetir. De certo ponto de vista, o que aconteceu com Bruno

é mais um desdobramento de um processo de violência que está instalado na região há muitas décadas.

A gente já sabia que em 2019 tinha assassinado o Maxiel, que era um companheiro aqui também que estava

fazendo esse trabalho. São 62 conflitos registrados em documentos, 40 não indígenas mortos e

um companheiro incalculável de indígenas mortos. Não tem como, o cara é indígena isolado.

O cenário não é nem um pouco favorável. O cerco está se fechando, já tem assédio rolando contra os

servidores, pedidos de cancelamento de informações técnicas e assim vai. Então depois eu converso com

mais calma, concentro nessa parte aí. Tem bastante história sobre a história do Javari e aí seria

muito divertido contar o que era e que dilema é esse que a gente vive hoje.

Caramari, caramari!

Da redação do G1, eu sou Natuzaneri e o assunto hoje é um ano da morte de Bruno e de Dom.

Um episódio para relembrar quem eram o indigenista e o jornalista britânico, o andamento das

informações e como está o Vale do Javari agora. Minha convidada é Sônia Bride, repórter do

Fantástico e diretora do documentário Vale dos Isolados, o assassinato de Bruno e Dom,

disponível no Globoplay. Segunda-feira, 5 de junho. Sônia, depois das execuções do Bruno e do Dom,

você foi ao Vale do Javari e passou mais de 70 dias lá. Então eu gostaria que você nos contasse

em qual ponto da investigação você chegou.

Quando eu cheguei, os corpos já tinham sido encontrados, já tinham se passado três meses do crime

quando eu fui pela primeira vez. Eu fiz três viagens para o Vale do Javari, cada viagem de 20, 25 dias

e o produtor Alan Ferreira, Alan Graça Ferreira e o Eugênio Senegrafista, eles foram e ficaram mais 30 e poucos dias.

Então, ao todo, o documentário teve mais de 100 dias no Vale do Javari. Então, quando eu cheguei lá,

já tinham se passado três meses do crime, o cenário da Amazônia, ele muda muito e o Vale do Javari

estava bem diferente daquele momento em que os crimes aconteceram. A água tinha baixado e os

amigos do Dom e do Bruno, que foram os responsáveis por localizar o local da emboscada, onde eles foram

postos, o local onde eles tentaram esconder os corpos num primeiro momento e onde foram encontrados

as pertences, o local onde eles foram enterrados, tudo isso estava coberto de água quando isso aconteceu.

E quando eu cheguei lá, a água tinha baixado já mais de três metros e os amigos do Bruno e do Dom

queriam fazer uma nova busca, tentar encontrar mais coisas que ajudassem a esclarecer o que

aconteceu ali naquele dia terrível em que os dois foram executados enquanto viajavam no Rio Itacoaí.

A gente não acreditou na versão dos assassinos. Uma das coisas é a história que eles falam que a arma

caiu da mão do Bruno no momento que o barco bateu na margem do rio.

Tiveram vários equipamentos que a gente não conseguiu encontrar, talvez os celulares.

Existe o risco dos moradores ali da região, que são dessas comunidades que estão envolvidos ali com o assassinato e tudo,

deles estarem indo lá e pegando esses vestígios que a gente acredita que vai encontrar.

Então é importante fazer isso pontuando.

E aí eu acompanhei uma expedição organizada pela equipe de vigilância indígena, a EVO,

que é a equipe de indígenas que foi treinada pelo Bruno e pelo Orlando Poçuelo para fazer a vigilância do território.

E nós fomos com detetor de metais até o local do crime, Natuza.

Por quê?

Porque a arma do Bruno nunca foi encontrada.

Então se a versão dada pelos assassinos fosse verdadeira, a gente encontraria essa arma nessa expedição.

Eles foram, eles abriram uma clareira, eles passaram o detetor de metais na praia que ficou, uma grande praia.

Se a arma estivesse ali, ela certamente teria sido encontrada.

E eu vou te dizer por que eu tenho essa convicção.

A arma é um objeto grande de metal.

E no outro local onde tinham sido encontrados os pertences do Bruno e do Dom,

que foi a primeira evidência de que eles realmente tinham sido mortos,

a partir daquele momento eles passaram a procurar os corpos, já não procuravam mais desaparecidos.

Nesse local, com o detetor de metais, eles encontraram o celular de trabalho do Bruno.

E esse celular de trabalho é bastante importante para a investigação.

Aí tem a imagem dele ameaçando, podia ter sido ameaçando o pessoal.

Do Bruno, por onde?

É, do Bruno, estava com o Bruno então.

Estava com os meninos e ele tentou transportar porque tinha as fotos ameaçando.

A gente espera que seja o celular que tenha as imagens do pelado mostrando a arma.

Porque a gente sabe que no celular tem registro de, tem foto dele ameaçando, tem vídeo, né?

A gente estava ali no local onde ficaram, no primeiro momento eles ocultaram os corpos ali nesse lugar,

era um igapó, uma floresta alagada.

Quando nós chegamos essa floresta estava seca.

E o chão do igapó, quando seca, ele é um chão que fica cheio de uma lama seca e muitas folhas secas, muita serrapilheira.

E a gente foi andando ali, tinha ainda as fitas postas pela polícia, né?

Tinha toda aquela cena de local do crime passados alguns meses.

E eles começaram a olhar e mexer com as folhas e mexer com as coisas e encontraram a carteira de jornalista do Dom.

Foi um momento assim muito triste, muito triste, porque dá uma materialidade a essa violência, né?

Sim, e você se enxerga nisso, né? Você se vê.

Eu sou jornalista, eu me vejo ali, né?

Eu encontrei com o Dom, a única vez que eu encontrei com ele pessoalmente foi numa viagem de trabalho para a Amazônia.

A gente se encontrou no aeroporto porque ele tinha ido reportar um pedaço da Amazônia e eu no outro,

a gente seguia o trabalho do outro, a gente se reconheceu e nós passamos três horas batendo papo e me contando do livro dele, né?

Meu nome é Dominique, eu sou um jornalista inglês, eu moro aqui no Brasil há 14 anos, eu moro em Salvador.

E agora eu estou fazendo um livro para uma editora inglesa sobre essa questão da conservação na Amazônia.

Então eu vim para acompanhar um pouco disso, aprender um pouco com vocês, como é essa cultura, como é, vocês veem a floresta,

como vocês vivem por dentro, como vocês lidam com essas ameaças que vem de invasores, de garimpeiros e tudo mais.

Aí a gente continua ali e encontra mais documentos do Bruno, a bota, um óculos, a hélice do barco, né?

Que eles estavam usando e aí de repente alguém diz assim um caderno e aí você olha e reconhece que é um bloco de anotações de um repórter.

E aí foi encontrado esse celular e aí esse celular tinha passado três meses e pouco debaixo d'água na coisa.

E a gente não sabia se ali ia ter alguma coisa aproveitável.

Eles tinham sido orientados pela perícia da Polícia Federal e então eles sabiam que não era para tocar,

se encontrasse qualquer eletrônico, botaram no saquinho, foi entregue para a polícia.

E aí a gente estava na Polícia Federal em Brasília, lá na Polícia Técnica, quando o conteúdo desse celular foi recuperado.

E parte, assim, a dinâmica do que aconteceu naqueles dias fica muito clara.

A gente vê a última selfie do Bruno, a gente vê umas imagens que o Bruno fez dos indígenas saindo com os barcos para fazer a vigilância dentro da terra indígena,

porque ele e o Dom ficaram para fora da terra indígena.

E não deixavam o Bruno entrar na terra indígena para ajudar os indígenas a fazer o trabalho da vigilância.

E a gente vê uma foto do Dom entrevistando o caboclo, que é um pescador ilegal, muito conhecido ali na região e que a gente também entrevistou no nosso documentário.

Não, senhor. Nunca, nunca, eu não tirei nem um pingo de sangue do corubo na minha vida.

Nunca, nunca, nunca, nunca, não. Pode dar pausinho lá no corubo, tudinho, me apontar, tudinho.

Nem três cortaria um dedo, não, senhor. Não aceito isso, não.

Tem um momento que é muito importante, que eu acho que ajuda a desmontar essa versão nova dos assassinos,

de que o Bruno era um cara que ficava perseguindo, ficava assediando os pescadores, que ele era agressivo e tal.

O Bruno estava ali na casa do Raimundinho, que é um ribeirinho que permite que os indígenas e o pessoal da Evo se hospede ali na casa dele, bem pertinho.

É a última casa que tem antes da entrada da terra indígena, né?

O Bruno estava ali fazendo a vigilância e o barco, o barco do pelado passa.

E esse momento é registrado?

Esse momento que ele passa não é registrado, mas o barco do pelado passa e dali até a terra indígena não tem nada, não tem o que você fazer.

Ele só foi ali para fazer uma provocação.

Ele chegou até onde estavam os indígenas e os indígenas relatam que ele levantou a espingarda e mostrou para eles.

Ou seja, foi uma intimidação, uma ameaça, portanto.

Uma intimidação, uma ameaça.

E ele viu que o Bruno estava na varanda da casa do Raimundinho.

Aí ele desceu com o motor desligado, que eles chamam lá na região de bubuia, né?

Passou de bubuia, devagarinho na frente da casa do Raimundinho.

E deu um bom dia para o Bruno.

Um bom dia que era... E o Bruno disse bom dia.

Só que o Bruno gravou isso.

Eu não tinha visto, até a imagem sem corte, né?

Olha a gente no meio, tá lavado.

Não cabia aí?

Não cabia aí.

Não, ele só era aqui toda a vida das festas.

Não sabe disso, né?

Ele era aqui da comunidade, não tem nada a ver com indígenas, não.

E a morte?

Quem que tá?

É o Jefferson aqui, é?

Aqui, ó.

Esse é o Jefferson.

Pode olhar, ó.

Todo tatuado, com aquela tatuagem ali no peito.

É o cara, ele estava aí na outra vez já.

Quer dizer, ele estava já direto vindo com o pelado.

Eu não conhecia, ninguém conhecia.

Quando aconteceu o negócio, né?

O nome do Jefferson era um nome que assim, dentro desses caras que pesca, que a galera fala, nunca era comentado.

Isso aí foi na manhã do sábado, dia 4.

E aí, no dia 5 de madrugada, o Bruno e o Dom saem da casa do Raimundinho e vão em direção à Talaia.

O Bruno chega ali, eles encostam o barco na São Rafael.

O Bruno subiu pra ir procurar o churrasco e o Dom ficou na beira.

Ali na beira, ele começa a conversar com um pescador que estava ali,

que se chama Jânio, que está preso no inquérito de pesca ilegal.

É um apontado pela polícia como um dos líderes dessa pesca ilegal.

E aí, quando o Bruno volta pra beira, que ele não encontrou o churrasco,

fala com a mulher dele, o Bruno desceu e ele fez fotos do Dom conversando com o Jânio.

A última foto é às 7h03 da manhã.

Pra chegar em Talaia, ele tinha, às 8h, que era o horário que eles tinham combinado mais ou menos,

era o momento que ele estava saindo dali.

Dali até o ponto onde eles morreram, não deu 20 minutos.

Nossa, Sônia, que relato impressionante.

Eles passaram na frente da outra comunidade, o São Gabriel, onde vivia o Pelado, o assassino.

E o Pelado e esse outro Jefferson vão atrás.

A gente já sabe que esse barco que eles estavam usando,

era um barco com motor mais potente, um barco de 60 HP, o Bruno estava com de 40.

Eles alcançaram, o Bruno nunca ouviu o outro barco se aproximando.

A perícia fez teste, sabe que você não ouve.

E eles tomaram uns tiros pelas costas.

E aí na hora que o Pelado vai passando aqui, aí o Bruno sai de lá fumando um cigarro,

e o Pelado deu as horas pra ele, deu um bom dia pra ele.

Bom dia. E o Bruno respondeu bom dia.

E o Pelado conseguiu descendo.

E quando a gente sabe a notícia, domingo, deu essa tragédia grande que o Pelado tinha matado ele.

Como é que vocês cavaram o buraco lá?

Com pá, com enxada?

Com o quê?

Enxada.

Com enxada?

Eu quero voltar, Sônia, pro momento em que você se depara com a carteirinha de jornalista do Dom

e com um bloquinho de anotações dele.

Pra tentar entender e visualizar como é que foi a reação dos próprios indígenas e indigenistas

encontrando esses objetos do Bruno e do Dom.

Foi um momento de uma tristeza que dava pra palpar no ar.

Era um dia quente, quente, quente.

Estávamos todos encharcados de suor, porque foi uma caminhada pra dentro da floresta até chegar no local.

Naquele calor opressor, foi ficando um silêncio.

E alguém dizia assim, um caderno, achei um caderno.

Olha, tem um outro caderno aqui, olha.

Olha aqui, uma capinha de celular.

Olha aqui, um papel, um documento.

Mas era assim, era aviso.

Na hora que encontra o celular, é uma sensação mais assim de celular, celular, celular.

Por que as pessoas ficam mais excitadas porque viram o celular?

Porque elas sabiam que podia ter provas maiores ali dentro daquele celular, como realmente foram encontradas.

É sempre ruim ver tudo, né? Na verdade, só ir ali no local já é ruim.

A gente ficou vários dias aí.

A gente já estava nessa de não sabia se uma hora ia pegar e encontrar o corpo do colega, sei lá, era bem tenso assim tudo.

Só depois do caso do Bruno e do Dom, a Polícia Federal voltou a um outro, que é o do Maxcel Pereira dos Santos,

um servidor da FUNAI morto justamente no Vale do Javari, só que em 2019.

E eu quero voltar ainda mais no Tempo Com Você, em 1989, porque três indígenas corubo foram mortos por seringueiros e pescadores.

Curiosamente, um dos assassinos é Sebastião da Costa, sogro de Ozenay da Costa, um dos acusados de participar do assassinato do Bruno e do Dom.

Esse ponto, esse elo é muito impressionante porque mostra algo geracional, uma série de assassinatos que mostra como a violência está presente há décadas

e como esses crimes, inclusive, se conectam de alguma maneira e a falta de solução acaba fazendo a história se repetir.

Então eu te peço para relembrar que crime foi esse de 1989 e as semelhanças entre ele, o assassinato do Maxcel e o assassinato do Bruno e do Dom.

A história do Vale do Javari é uma história de uma violência desmedida contra os indígenas.

Há mais de 40 massacres relatados e registrados.

Esse de 89 foi muito importante porque esse massacre de 89 foi registrado.

O Sidney Poçuelo já fazia incursões por ali, o Sidney viria a ser o presidente da FUNAI depois e ele foi, investigou, chamou a Polícia Federal.

Esse Sebastião da Costa, o apelido Sabá, ele conta tudo o que aconteceu.

Eles se reuniram, os pescadores, eles fizeram uma reunião, decidiram matar os índios, porque os indígenas resistiam a quê?

A invasão deles dentro do território.

E essa é uma área onde aconteceu esse massacre e onde está a base da FUNAI hoje, é muito perto de onde o Bruno e o Dom foram assassinados.

Esse lugar é o lugar dos famosos casseteiros, os índios corubus, que até então eram isolados.

E aí esse Sabá acaba confessando, mostra onde eles enterraram os corpos.

Feito uma expedição para desenterrar esses corpos, recuperar, foi feita a perícia, foi feita a investigação e nada aconteceu.

E as pessoas responsáveis por esse crime são os pescadores de Benjamin.

Pois é, mas graças ao nosso bom Deus, pra nós não aconteceu nada. Graças a Deus.

E até hoje não aconteceu nada com esse cara, infelizmente. Não vai acontecer mais em muitos anos.

Tem documentação, foi produzido, tem depoimento deles, tem tudo parecido agora.

Os envolvidos todos foram identificados. E aí? E aí o que aconteceu até hoje? Nada, nada.

E isso estimula novos massacres, isso estimula a violência na região.

Em 96, quando Sidney Possuelo faz o contato com os corubos, porque estava prestes a se deflagrar uma guerra entre os corubos e os ribeirinhos,

o Sidney vai, faz o contato e encontra vários indígenas com chumbo pelo corpo.

E eles relatam que foram mortos, familiares deles, emboscadas pelos pescadores, pelo pessoal ali da comunidade e que eles sobreviveram.

Os brancos subiam ali no Vale do Javari e muitas vezes mostravam aos índios uma rede, um facão, uma coisa assim.

E os índios apareciam na orla e eles atiravam e mataram vários indígenas assim.

E é tanto é, é verdade, que depois que eu fiz o primeiro contato com aquele grupo, eu chamei um médico, que era amigo meu, um alemão,

para ir lá só para tirar chumbo do grupo indígena.

Olha aí chumbo, chumbo de tiro.

E eles apontam quem são esses pescadores e tal.

Um dos pescadores do caso de 95 é o pai do Pelado, é o Otávio, pai do Amarildo.

Outro é o Caboclo, esse ribeirinho que o Dom entrevistou dois dias antes de morrer.

E quando você vê o relato de como aconteceram aquelas mortes, em que uma comunidade inteira se reúne, decide matar, oculta os corpos,

todo mundo faz um pacto de silêncio, acontece a ocultação dos corpos, é exatamente o que aconteceu depois com o Bruno e o Dom,

em que foi praticamente um crime de uma comunidade inteira envolvida.

Quem não puxou o gatilho ajudou a afundar o barco, a esconder os corpos, a fornecer álibi errado para o outro.

É uma coisa assustadora ver esse ciclo de violência.

E onde é que o Maxiel entra?

O Maxiel tinha feito uma apreensão grande de tracajá, que é aquela tartaruga de rio, de tracajá e de peixes ilegais, mais de uma tonelada,

e aí ele é morto em Tabatinga.

A polícia acredita que tem indícios de que o mandante que encomendou esse assassinato foi o Colômbia.

E na época, apesar de todas as denúncias feitas pelo movimento indígena, essa investigação não foi adiante.

E aí agora, né, volta-se com essa investigação, é o mesmo delegado que está investigando o assassinato,

é o mesmo delegado que está investigando o assassinato do Bruno e do Dom,

e esse inquérito ainda está em andamento e a gente pode ter mais informações.

Eles já afirmam que foi o mesmo mandante.

As circunstâncias a gente deve saber em breve.

Espera um pouquinho que eu já volto para continuar minha conversa com a Sônia.

Você menciona que os assassinatos do Maxiel, do Bruno e do Dom têm as mesmas razões e os mesmos atores.

E eu quero me deter a um deles, que você já mencionou inclusive, que é o Colômbia.

Ele é apontado pela Polícia Federal como o mandante das execuções.

Então eu te peço, Sônia, para apresentar para a gente quem é o Colômbia e a quais crimes ele está relacionado

e como foi a sua experiência ao tentar encontrá-lo no Peru.

O Colômbia eu defino inclusive no documentário como uma figura nebulosa ali da triplice fronteira.

O Colômbia tem três identidades, três nacionalidades Brasil, Peru e Colômbia.

Ele tem uma carteira de indígena emitida pela FUNAI, se identificou, autodeclarado como indígena kokama

e todo mundo sabe que ele ali é uma pessoa extremamente influente na sociedade local.

Benjamin Constant, Atalaia e Tabatinga.

Esse cara financia, é o que eles chamavam de aviamento, faz o aviamento da pesca.

Ele dá o dinheiro para comprar uma rede, barco, gasolina, motor, gelo, tudo para que a pesca ilegal seja feita

e aí ele compra o peixe.

Esse peixe geralmente é vendido dentro do Peru, mas principalmente alguma parte vai lá para Iquitos no Peru

e a outra parte para Letícia na Colômbia, onde tem grandes frigoríficos.

A gente sabe que muitos desses frigoríficos são envolvidos com a lavagem de dinheiro de droga.

Então assim, ele começou a ter informações de que agora não era um simples invasor de pesca.

Havia algo muito maior.

Havia agora quadrilhas vinculadas ao narcotráfico que financiava as invasões do Vale do Javari.

Hoje no Médio Javari nós temos esse caso muito sério com a questão do tráfico de drogas

e por uma área de fronteira que a gente está, já chegou nas nossas aldeias,

levando nossos parentes para poder trabalhar, para fazer a colheita, para trabalhar envolvidos.

Para trabalhar, envolver os parentes nessa questão da droga.

Então isso é um perigo muito grande para a gente.

A Colômbia é uma figura importante porque ele é a ligação entre esses mundos.

O mundo do tráfico de drogas, da lavagem de dinheiro e o aliciamento até desses pescadores ilegais

que vão lá para dentro da terra indígena.

Por que essa pesca está sendo feita dentro da terra indígena?

Porque os lagos que estão fora da terra indígena estão completamente vazios de peixes.

De tanta exploração que aconteceu ali.

Exploração predatória. E na Amazônia os lagos é onde eu tenho peixe.

Houve uma certa estabilidade no período que a Funai passou a atuar operacionalmente no Vale do Javari.

A gente começou a ver muito peixe em lagos que por décadas já estavam tudo detonados.

E eles não vão pegar peixe para comer, para alimentar a família ou para ganhar um dinheirinho.

Eles levam toneladas e toneladas e toneladas de peixe.

Aí eu decidi, no último dia que eu estava na região, por uma questão estratégica,

eu não queria chamar a atenção do crime organizado e depois ficar circulando por ali.

No último dia eu decidi ir até a balsa onde operava o negócio do Colômbia.

Eu cheguei lá, me apresentei como jornalista, o Paulo chegou gravando.

Como vai?

O nome é Sule?

Quem é o responsável aqui?

Bom dia.

Perguntei para o responsável, ele disse que estava no banheiro.

Eu fiquei esperando, esperando, esperando.

Uma caixa onde se guarda gelo e peixe.

Mas quando eu falo uma caixa, é uma câmara frigorífica imensa para muitas toneladas de peixe.

E dois rapazes trabalhando com os motores ali.

E aí, de repente, o rapaz que estava falando com a gente foi embora.

Saiu de barco.

Aí eu disse, olha, vamos sair também e vamos voltar mais tarde.

Avisei o outro que ficou, vou voltar.

Quando nós voltamos, tinha dois policiais peruanos com a mão na arma.

Eles não estavam com a arma em punho, mas a arma estava no codre e eles estavam com a mão na arma,

pronta para sacar.

E nós tomamos uma dura da polícia peruana, dizendo que a gente estava invadindo território estrangeiro

e fomos postos para fora do Peru, a duzentos e poucos metros da fronteira com o Brasil.

E aí, nessa fronteira, onde tudo e todos circulam à vontade,

os policiais peruanos pediram que a gente se retirasse do país.

Então, se a gente se retirasse do país, a gente se retiraria do país.

Então, se a gente se retirasse do país, a gente se retiraria do país.

Ok.

Claramente, o rapaz que saiu tinha ido chamar a polícia peruana

para nos intimidar, para dar uma dura nos jornalistas e botar a gente para fora.

Os três réus pelos homicídios do Bruno e do Dom vão à júri popular.

Em maio, começaram a ser interrogados pela Justiça Federal do Amazonas.

Nesses interrogatórios, Sônia, eles estão tentando manchar a imagem das vítimas.

Já tentaram atribuir ao Bruno uma personalidade agressiva, violenta,

negligente com os interesses dos povos indígenas.

Você, numa dessas respostas, fala que faz um relato que desmonta naturalmente essa linha de defesa.

Você conviveu muito de perto com pessoas que conheceu o trabalho do Bruno.

Então, eu queria que você nos contasse um pouco mais para nos dizer sobre essas alegações.

Olha, os relatos que eu tenho dos indígenas, quase todos me diziam, quando eu falava,

fala sobre o Bruno.

E a primeira coisa que eles diziam era, o Bruno era um de nós.

Eles reconheciam no Bruno um parente.

Eles reconheciam no Bruno um aliado, mas que não era apenas um aliado.

Era um cara que cantava com eles, que comia com eles, que ia para o mato com eles,

que ia socorrer as famílias quando precisava.

Meu nome é Bruno.

Eu sou agente indigenista da Atalaia do Norte, da FUNAI de Atalaia,

da Coordenação Regional de Atalaia do Norte.

O Bruno entrou na FUNAI no concurso de 2010.

Na época, a FUNAI mandou vários servidores da FUNAI novatos para atuar em Atalaia do Norte.

Só que o Bruno não tinha esse perfil.

Ele era grandão, ele era gordão, altão.

Não tinha como entrar no mato, né?

Ele não tinha perfil para ficar com nós no mato.

Eu pensava assim, mas o meu pai, na época, falou,

olha, ele talvez não tenha o perfil, mas ele tem alma para trabalhar com nós.

O Bruno ficou muitos anos no Vale do Javari.

Então, ele estabeleceu laços muito fortes.

E eles falam assim, ele não é como o outro pessoal da FUNAI.

Ele ficava com a gente.

Ele vivia a vida dos indígenas ali com eles.

O carinho com que eles falam do Bruno é uma unanimidade ali.

Tem muita pessoa da FUNAI que isso tem um nome, que luta pelos índios.

Mas o Bruno era uma pessoa diferente.

Era uma pessoa extraordinária, que realmente se deu com nós.

Se o Bruno foi embora de nós, mas ele é uma casa que lutou pela gente.

Então, nesse momento, a gente vai cantar a música que ele tanto adorava cantar,

junto com os caramari.

Agora, Sônia, eu queria tentar entender com você

o que mudou na região em um ano e como está a situação agora do Vale do Javari.

Em termos de segurança, praticamente nada mudou.

As pessoas ameaçadas continuam ameaçadas.

Não houve uma grande operação contra o garimpo.

Não houve uma grande operação contra o tráfico de drogas.

Não houve uma grande operação contra a pesca ilegal na região.

É verdade que hoje a Polícia Federal e o Ministério Público

estão dedicando uma atenção muito grande a essa investigação

por causa do assassinato do Bruno e do Dom.

Mas ações efetivas ali na região para combater esses crimes a gente ainda não viu.

As pessoas têm muito medo.

Há novas ameaças acontecendo, mas algumas coisas mudaram.

O que mudou, por exemplo, é que hoje há um diálogo entre a FUNAI e os indígenas.

A FUNAI, do Marcial Xavier à FUNAI no período Bolsonaro,

se tornou um órgão de repressão dos indígenas

e de supressão dos direitos conquistados pelos indígenas.

Nos primeiros meses que o governo Bolsonaro assumiu,

a invasão na terra indígena do Vale do Javari aumentou pra caramba.

O Bruno estava muito preocupado com os índios isolados.

E ele estava tendo informações do aumento de garimpeiros naquela área.

E ele conseguiu convencer a alta cúpula aqui em Brasília, da Polícia Federal e do IBAMA,

de que tinha que fazer uma operação consistente na região. E ele fez.

10-3, 10-2.

A gente teve que ir pra lá escondido, o governo. E o Bolsonaro ficou puto depois.

Quando ele voltou, nós nos encontramos.

E ele chegou e falou, rapaz, há uma grande probabilidade de eu rodar. Ele falou assim.

Deu rodar. Mas como assim? A alta cúpula, né, cara?

Meu trabalho vai de encontro ao que o presidente da República está falando.

Eu digo, não, mas, cara, uma conquista importante eles betam.

Eles acreditam nisso. E eles vão fazer isso.

Não deu outra. No outro dia, sabe, viram oficial a agendação dele.

Eu estou respondendo também já a abertura de um processo ou administrativa interna da FUNAI contra mim, né?

Mas é isso. É perseguição, é tentativa de intimidar. Não só sou eu que estou tomando essas.

E tem muita gente junto nessa.

A tentativa era desmontar a FUNAI por dentro.

Desmontar essa proteção por dentro.

Como não deu certo, mas talvez tivesse sido efetivado,

isso tivesse sido efetivado se o Bolsonaro tinha sido presidente.

Isso tivesse sido efetivado se o Bolsonaro tivesse sido reeleito.

O Congresso bolsonarista tenta fazer isso de maneira institucional pela lei agora, né? Mudando a lei.

Se você não consegue não cumprir a lei impunemente, então muda-se a lei.

Teve protesto em plenário, mas não adiantou.

Os deputados aprovaram por 283 a 155 votos a proposta que cria um marco temporal

para a demarcação de terras indígenas.

O texto aprovado pelos deputados diz que só poderão ser demarcadas terras

que já estavam ocupadas tradicionalmente pelos indígenas em outubro de 1988,

data em que foi promulgada a Constituição.

O estrago não é só contra a população indígena, é contra a República Federativa do Brasil.

Mais preocupante nessa PL490, ainda mais preocupante do que essa dificuldade,

quem demarca, quem não demarca e tal, é a tentativa de forçar o contato com indígenas isolados.

Eles não querem fazer contato. Foi uma decisão política deles,

uma decisão consciente, porque eles tiveram traumas terríveis no passado

ou porque o contato levou a doenças que quase dizimou os grupos,

ou porque o contato foi um contato violento à base de tiro,

como era dos corubus ali perto dessas comunidades, que eram atacados, caçados, igual a bicho.

Essa negativa deles de fazer contato é uma negativa que diz muito mais sobre quem nós somos,

nós, a sociedade dita civilizada, do que quem eles são.

Sônia, foi muito impactante o seu relato. Muito obrigada pela participação.

E eu aproveito para recomendar que todo mundo assista ao seu documentário.

Muito obrigada. Bom falar contigo, Tatuza.

Neste episódio, você ouviu trechos do documentário de Sônia Bride,

Válidos Isolados, o assassinato de Bruno e Dom, disponível no Globoplay.

Este foi o assunto podcast diário disponível no G1, no Globoplay ou na sua plataforma de áudio preferida.

Vale a pena seguir o podcast na Amazon ou no Spotify, assinar no Apple Podcasts,

se inscrever no Google Podcasts ou no Castbox e favoritar na Deezer.

Assim você recebe uma notificação sempre que tiver um novo episódio.

Comigo na equipe do assunto estão Monica Mariotti, Amanda Polato, Thiago Aguiar, Luiz Felipe Silva,

Thiago Kazurowski, Gabriel de Campos, Nayara Fernandes e Guilherme Romero.

Eu sou Natuzaneri e fico por aqui. Até o próximo assunto.

Legendas pela comunidade Amara.org