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O Assunto (*Generated Transcript*), 01.06.23 - Lula, a desarticulação e o poder de Lira

01.06.23 - Lula, a desarticulação e o poder de Lira

Já eram onze e meia da noite quando os deputados aprovaram o texto principal do projeto que cria um novo regime de controle dos gastos públicos.

Os governistas comemoraram o placar folgado. Foram 372 votos favoráveis e 108 contra.

Depois da bonança, veio a tempestade.

E aqui se colocou um jabuti gigante, enorme, que é a permissão de desmontar a lei da Mata Atlântica.

Está encerrada a votação. Estão reestabelecidos os dispositivos aprovados pela Câmara.

Aprovada a matéria vai à sanção.

Requeremos com base no artigo 155 do Regimento Interno, um regime de urgência, na apreciação do projeto de lei que altera a lei nº 6.001, de 19 de dezembro de 1973, que é disponível sob o Estatuto do Índio.

O gesto que nós temos mesmo é em combater a violência dos povos indígenas.

O gesto que nós temos mesmo é de um Brasil que demorou 523 anos para ter o Ministério dos Povos Indígenas, para ter a presença dos povos indígenas aqui.

Sim, 324. Não, 131. Com abstenção está aprovado o regime de urgência.

Muita coisa aconteceu em Brasília, mas uma se impõe pelo peso histórico, de retrocesso histórico.

Eu estou falando da aprovação na Câmara do chamado Marco Temporal, no plenário da Casa.

Foi uma sessão com muitos protestos, pedindo respeito aos povos indígenas.

No fim, foram 283 votos favoráveis e 155 votos contrários.

A disputa entre governo e centrão ficou mais grave em torno da medida provisória que define o desenho do governo Lula, ou seja, a estrutura dos seus ministérios.

Errada a votação. Sim, 337. Não, 125. Com abstenção. Total 463.

Está aprovada a medida provisória na forma do projeto de lei de conversão ressalvados dos destaques.

A medida provisória que reorganiza os ministérios foi aprovada aqui na Câmara.

Então, assim, um placar bem mais largo do que se esperava, depois de um dia de muita tensão.

Tivemos agora a aprovação com essas mudanças, mas para o governo acabou saindo no lucro, porque a MP foi aprovada, correndo ainda menos risco de caducar indo agora para o Senado Federal.

Um turbilhão que expôs, de um lado, falhas do governo na articulação política e, de outro, um apetite voraz do grupo político que hoje domina o Congresso Nacional.

O governo está patinando nisso, então não consegue fazer valer o seu interesse diante de um Congresso que é diferente do executivo, diferente dele mesmo, do próprio governo.

Problema que vai muito além da falta de acordo entre os poderes.

Tem que pensar que para o parlamentar, hoje, você tem uma disputa de poder nos bastidores.

Eles perderam o orçamento secreto, o orçamento secreto que foi aprovado pelo Congresso, Câmara e Senado, incluindo hoje a base do governo Lula, parlamentares do PT.

O orçamento secreto ficou personalizado na figura do Lira.

Então, o Lira gostaria de retomar esse protagonismo que ele tinha com o orçamento secreto, que não vai mais acontecer.

Da redação do G1, eu sou Ana Tuzaneri e o assunto hoje é a articulação política do governo e a batalha entre Lula e Lira no Congresso.

Quais alertas foram acesos no Planalto? O que quer o presidente da Câmara? E como o governo pode contornar a crise?

Neste episódio, eu converso com Vera Magalhães, colunista do jornal O Globo, comentarista da rádio CBN e apresentadora do programa Roda Viva na TV Cultura.

Quinta-feira, primeiro de junho.

Vera, depois de muitos trancos, de muitos barrancos, de o próprio Palácio do Planalto, horas antes da votação da medida provisória que estrutura o governo, achar que poderia perder,

o governo acabou ganhando essa batalha com muito sufoco. Mas ganhou. O fato é que se saiu vitorioso.

Mas eu queria perguntar para você sobre um personagem importante nessa história, o presidente da Câmara, Arthur Lira.

É total, Natuza, porque a gente já viu que quando Arthur Lira quer ser um favor para facilitar, ele abre os mares, ele abre todas as portas.

Foi assim na votação do Marco Fiscal, do novo arcabouço fiscal. Ele queria entregar essa votação e entregou lindamente,

com muito mais votos do que um projeto de lei complementar necessitaria.

A última versão do texto base obteve apoios indistintamente na Câmara, de oposicionistas a integrantes da base do governo.

Se não está indo agora, ou se está emperrado, ou se está indo devagar, ou se derrotas estão sendo impostas ao governo,

é porque ele, apesar de fazer um discurso de que está tentando ajudar, de que está sendo cooperativo, está atuando nos bastidores com a outra mão.

É ele hoje quem detém a maioria da Câmara. Não são os partidos, não são os líderes, não é o governo, é uma entidade chamada Arthur Lira.

Então, se está emperrado, é por conta dele e por vários motivos, a meu ver.

Essa vontade de dominar o orçamento é o principal deles, mas a gente também tem aí uma certa vontade dele de demonstrar que ele estava certo

naquela briga pelo rito das medidas provisórias. Porque eu já ouvi de pessoas muito próximas a Lira,

olha só, está vendo como não funciona você fazer comissão mista para tratar medidas provisórias?

Olha quantas reuniões houve e foi votado só na última hora.

Então, também tem um sequerê do Lira, no sentido de que ele estava certo desde o início, quanto ao melhor trâmite das medidas provisórias.

Tem várias tentativas de passar recado em diferentes instâncias às custas do governo.

Arthur Lira ainda fez uma outra demanda, que foi uma reforma ministerial.

Ele também impõe ali mudanças de ministérios e acho que por trás disso, Vera, não sei se você concorda,

está uma ambição que o Centrão disse que não tinha mais, mas que agora está se vendo que tem,

que é ministérios sim, mas ministérios com as suas estatais, com as suas empresas públicas,

para que esses políticos indiquem os nomes para cargos de muito peso na estrutura federal.

Faz sentido para você?

Isso tudo é problema de governo fraco, né Natuza?

Governo fraco na articulação política.

Porque quando os políticos, e sobretudo o Centrão, e sobretudo o pai do Centrão, que é o Arthur Lira,

sente o cheiro de sangue na água, o apetite aumenta.

E aí é, se eu posso ter o orçamento e cargos, por que não? Não é mesmo?

E se aí, nesse processo, eu ainda posso tentar tirar um filho de um desafeto, por que não ao quadrado?

E aí entra essa suposição, que muitos confirmam, mas que ele nega,

de que Arthur Lira teria pedido a cabeça do ministro dos transportes, Renan Filho,

que vem a ser o ex-governador de Alagoas, e filho do seu maior desafeto, Renan Calheiras.

Por que essa briga paroquial vira uma briga nacional com potencial de causar um problema na própria estrutura do governo?

Porque é um governo fraco, porque é um governo que não se armou para ser forte no parlamento.

Então a gente está aí vivendo uma nova fase da República de Alagoas,

paradoxalmente no momento em que Fernando Collor é condenado, tantos anos depois,

a gente tem Alagoas com os seus problemas alçado à condição de um assunto nacional com potencial de estrago dessa natureza.

Espera um pouquinho que eu já volto para continuar minha conversa com a Vera.

Agora, ao mesmo tempo em que você deu essa deixa para mim na sua primeira resposta,

o Lira ajudou e contribuiu para uma vitória importante na semana passada,

que foi a aprovação da nova regra fiscal.

Embora tenha ali pautado, e não sei se contribuído necessariamente em alguns desses casos, mas em outros com certeza,

a derrota do Marco do Saneamento, que eu acho que era um problema maior,

porque o próprio Congresso não queria essa pauta, e eu não sei nem se o dedo dele foi o dedo que mais pesou,

mas certamente a mão dele na criação de CPIs de interesse da oposição bolsonarista.

Então, como é que a gente explica para quem nos ouve?

Se Lira entrega a regra fiscal para o ministro Fernando Haddad com uma mão,

e com a outra entrega CPIs que o governo não quer, qual é o jogo desse personagem político?

O que aconteceu?

Quais foram os erros que o governo cometeu para sofrer sucessivas derrotas de um lado no Congresso,

mas ao mesmo tempo tendo ali a regra fiscal aprovada na semana passada na Câmara?

Eu acho que o jogo aí é puramente ser muito didático ao mostrar sua própria importância.

Mostrar, olha, meu amigo, sem mim aqui dentro você não se cria.

É isso que ele está dizendo para o Lula.

Ou você faz o meu jogo, ou você não se cria, ou você joga conforme a minha regra,

dança conforme a minha música, ou vai ter muitos problemas.

E você percebe isso de uma maneira muito cristalina

quando o ministro da articulação política capitula publicamente

e diz que vai aceitar a regra nova para a estrutura do governo,

porque pode ficar muito pior e pode, inclusive, caducar a MP.

O Lira vem reclamando do que a gente está falando aqui há algumas semanas,

que o Palácio não atende aos deputados, que não cumpre acordos, não entrega as emendas.

O Lira acha que o governo, acha que vai governar sem ele,

sem ele e sem os parlamentares do Centrão,

que estarão lá, gente, independentemente do presidente da República.

Bolsonaro viu isso acontecer, Temer viu isso acontecer, Dilma pagou para ver isso acontecer.

Esse tipo de admissão de fracasso, quando ele joga a toalha publicamente,

coisa que nos bastidores já se falava, que na verdade era conversa mole para a Marina dormir,

aquela história de que o governo iria tentar voltar ao que era a MP original,

sendo que já estava dando por perdida.

Quando ele captula publicamente, ele está fazendo uma admissão

de que a função dele hoje é executada pelo Arthur Lira,

o verdadeiro responsável pela articulação política do Brasil hoje se chama Arthur Lira

e o Alexandre Padilha, o Rui Costa, todos os demais vão dançar miudinho conforme ele pautar.

E ele próprio já deixou claro, de uma maneira tentando dar um caráter republicano às suas ações,

que as pautas que sejam de interesse do Brasil, como ele diz, essas vão passar

e as que forem ideológicas não vão passar.

Então, tudo aquilo que for a plataforma de campanha do Lula vai ter muito mais dificuldade de passar

do que aquilo que for o Lula tentando fazer uma aproximação com o mercado

e com os setores do centro e da direita.

Então, o que for pauta de uma chamada frente ampla, que era como o Lula dizia que iria governar,

essas terão mais facilidade de passar.

O que for pauta Lula raiz, PT raiz, essas não vão ter uma vida fácil, principalmente na Câmara.

No Senado tem um pouco mais de nuance, mas principalmente na Câmara.

E onde é que está morando o perigo nesse caso?

Porque o que eu estou entendendo da sua fala é que Arthur Lira está tentando impor o cargo de primeiro-ministro

para ele, que era o cargo que ele tinha de maneira informal no governo Bolsonaro.

E Lula não está querendo entregar esse papel para ele porque sabe que quanto mais forte for Arthur Lira,

mais fraco é ele próprio.

Então, o que aconteceu? Porque Arthur Lira era candidato a reeleição à presidência da Câmara,

o PT lá atrás, antes de assumir o governo, antes de tomar posse, já tinha sido eleito,

Lula já tinha sido eleito presidente, o PT se apressou a apoiar Arthur Lira presidente da Câmara.

Entregou para ele esse apoio em troca da aprovação de uma emenda à Constituição

que ia dar dinheiro para o governo administrar nesse primeiro ano de gestão.

Na sua avaliação, tem havido ou houve em algum momento falta de visão do governo,

descolamento com a realidade que é completamente diferente da realidade dos governos Lula 1 e 2,

interesses exclusos de parte do Congresso ou todas essas opções?

Todas as anteriores, eu acho que sim, porque o Lula está com o software vencido

e isso está sendo visto dia após dia em muitos frontes do governo,

tudo que ele lança é uma réplica do que ele já fez no passado.

Eu escrevi uma coluna para o Globo hoje, cujo título é uma música do Belchior, que é Velha Roupa Colorida.

Mas o Lula não percebeu e ele está tentando tirar esse vestuário do armário

com toda a naftalina que ele contém na política externa, na política habitacional,

na política social e na relação com o Congresso.

Ele achou que seria possível replicar modelos que funcionaram no passado

e até os que não funcionaram no passado.

Se funcionaram no passado, o PT devia estar muito escolado com o Centrão

em razão do que aconteceu no governo Dilma.

Que Deus tenha misericórdia dessa nação. Voto sim!

Mas parece que não se fez uma análise poeril básica das urnas,

que é aquela segundo a qual ele venceu com 51% dos votos,

Bolsonaro teve 49% e no Congresso a mão se inverteu.

A centro-direita é prevalente, ela é majoritária e ninguém parece ter feito

essa conta básica para o Lula.

O Arthur Lira, que é um sujeito de extrema adaptabilidade

às conjunturas mais diferentes, tão logo o Supremo Tribunal Federal

gongou o orçamento secreto.

Os ministros consideraram, por seis votos a cinco,

que o uso indevido das emendas de relator fere a Constituição.

Ele encontrou um outro jeito de manter o mesmo protagonismo,

manter a mesma necessidade para qualquer governo.

Conseguiu obter o apoio para sua própria reeleição à custa dessa proposta

de emenda à Constituição que garantiu a transição.

Ali ele carimbou que ele seria candidato único à sua própria sucessão

e seria muito tranquilamente reeleito.

E desde então ele olhou para aquele mapa da esplanada e olhou para os votos na Câmara

e falou isso aqui é meu, não é do Lula.

E por quê?

Porque o presidente é simplesmente ausente das discussões mais importantes

de política interna, de articulação política.

Ele resolveu que o Brasil voltou, é um mantra que ele repete a todo momento,

se encantou com essa própria aura de que ele faria com que o Brasil

deixasse de ser um par em internacional, se dedicou a esse fronte externo,

e desguarneceu a articulação política.

Achou que poderia ficar ausente disso e não pode.

Essa carta de crédito extra que o governo recebeu se deve muito

aos movimentos pessoais do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

O presidente Lula que entrou de cabeça na articulação política.

A gente revelou aqui em primeira mão a conversa que ele teve

com o líder do União Brasil, Omar Nascimento, que fez toda a diferença.

Uma bancada que estava fechando voto contrário no dia de ontem

e hoje se empenha de forma majoritária para aprovação da matéria.

E a expectativa é que já de imediato o presidente Lula tenha esse tete a tete

com o deputado Arthur Lira.

Agora tem um ponto aí nesse contexto que é o poder do Lira.

Um poder inequívoco, um poder que se achava que ele ia perder

pelo menos parte dele quando o governo Bolsonaro terminasse,

porque o Bolsonaro entregou tudo para ele.

O Bolsonaro não tinha nenhum problema de ter Arthur Lira como primeiro-ministro

desde que Arthur Lira blindasse Bolsonaro de pedidos de impeachment,

aprovasse as pautas que Bolsonaro queria e por aí vai.

Mas o poder de Arthur Lira vem muito do cargo que ele tem.

Vem das benesses que ele dá e ele quer dar as benesses do governo,

mas na conta dele, ele ser o dono do cofre, embora não seja executivo.

Só que o poder dele vem do cargo que tem, enquanto ele é presidente da Câmara.

Qual é o jogo na sua avaliação do Arthur Lira para o pós-Lira?

Como é que ele vai fazer para se manter forte?

Porque tem uma maldição de ex-presidentes da Câmara dos Deputados.

Nas minhas contas aqui, a sua grande maioria, com raras exceções,

ficou muito enfraquecida e desapareceu, inclusive.

Eu acredito que só se viabilizará algum nome que tenha a benção dele,

mas até lá é muito poder para desfrutar, um ano e meio de poder para desfrutar

e a possibilidade de inviabilizar um governo na largada se as coisas se acirrarem.

Porque você falou de uma das principais armas que ele detinha contra o Jair Bolsonaro,

que era a quantidade de pedidos de impeachment que ele manteve na sua gaveta,

e pode ser que se enverede para esse momento no governo Lula.

Inclusive, essas CPIs que ele também articulou podem ser o palco para que se comece

o acúmulo de uma série de pedidos de impeachment contra o presidente da República.

Então, eu acho que essa é uma cartada que ele também está construindo

para usar se for necessário ali na frente.

O presidente Lula me ligou de manhã, nós conversamos,

eu expliquei para ele as dificuldades que o governo dele tem

e precisa que a imprensa trate isso com clareza.

O problema não é da Câmara, não é do Congresso,

o problema está no governo, na falta ou ausência de articulação.

O que há é uma insatisfação generalizada dos deputados e talvez dos senadores,

que ainda não se posicionaram, com a falta de articulação política do governo,

não de um ou outro ministro.

É incrível, tem uma data em que as medidas provisórias perdem a sua validade.

Não é possível que se tenha deixado chegar ao último dia com esse grau de risco,

vivendo perigosamente, encarecendo a fatura,

porque agora a gente está falando de uma liberação recorde de 1 bilhão e 700 em um dia,

então é uma derrama de dinheiro que vai fazer falta para outros fins.

Líderes de partidos aliados e de partidos independentes,

juntamente com o presidente da Câmara, Arthur Lira, se reuniam.

Nessa conversa, houve cobrança para que o governo acelere a liberação de emendas e de cargos.

Também houve críticas sobre a falta de diálogo entre ministros e parlamentares

e também sobre a composição da esplanada.

Agora, tem uma outra coisa surpreendente nessa coreografia governo e centrão.

É a velocidade dos problemas.

Eu não me lembro de nenhum início de governo que eu cobri,

eu comecei a cobrir no governo Lula 1,

em que os problemas tenham despencado da árvore aos montes tão rapidamente.

E eu queria saber se você se surpreende com isso e por que tanta encrenca está aparecendo.

Acho que tudo gira em torno de um ponto só, que é essa desarticulação do governo.

Mas se a gente for lembrar do caso da Dilma, por exemplo, que sofreu um impeachment,

o primeiro ano de governo Dilma estava voando,

era o ano em que ela era, aliados a chamavam de faxineira.

Mas é que a gente não está no Lula 1, a gente está no Lula 3.

E é um Lula 3 depois de impeachment, depois de Lávala Jato e depois de Jair Bolsonaro.

Eu acho que precisa se dar conta disso, gente.

O Lula não é um livro novo a ser escrito, é um livro conhecido, já lido, relido,

que está numa espécie de remake, um remake já com o herói na sua melhor forma.

Então, não é Dilma 1 a comparação, é Dilma 2.

E aí é isso, já começar no perrengue.

Outro dia eu falei, olha, para um muito influente congressista,

vocês não estão se esquecendo de que a plataforma que venceu na eleição

é uma plataforma pró-meio ambiente, pró-povos indígenas,

e que isso foi chancelado pelas urnas.

Ele falou, ganhou por 80 a 20? Não, ganhou por 51 a 49.

Então é isso que vai nortear tudo nesses quatro anos.

São esses 51 a 49, isso ditou o 8 de janeiro,

isso vai ditar as CPIs, isso vai ditar a correlação de forças no Congresso.

Ou o governo se dá conta desse placar, e introjeta esse placar,

e traz forças para o governo capazes de transformar um 51 a 49,

no mínimo num 60 a 40, ou vai ficar levando bola nas costas o tempo inteiro.

E para isso não adianta você pegar uns ministros aleatórios do União Brasil

e colocar no governo, porque eles não representam ninguém.

Você precisa trazer gente que represente alguma força que você não contou na sua eleição.

Você precisa trazer para si forças com as quais você não contou na sua eleição,

sob pena de você viver sob uma espada de Damocles eternamente apontada para a sua cabeça.

Mas não tem ninguém fazendo essa conta, que é uma conta básica,

e que leva o Lula a um dilema fundador,

que é o risco de ele ter um governo mais regressivo em pautas que lhe são caras

do que o do próprio Bolsonaro, pelo simples fato de que agora não tem o Bolsonaro para atrapalhar.

Então as pessoas estão achando mais confortável passar com a boiada

sem o Bolsonaro criando tumulto. É incrível, mas é o que está acontecendo.

E eu não queria deixar de falar que, número um, o efeito colateral disso,

o termômetro disso, é que já se fala dentro do governo em reforma ministerial,

não é só o Lira, o Centrão, que demandam uma reforma imediata, o Lira nega,

mas enfim, nos bastidores muitos dos dele dizem isso,

mas também gente de dentro do governo, que fala que está na hora de mudar,

ou seja, tudo está muito acelerado, um dia parece um ano.

Agora, entre os corpos que ficaram estendidos nessa semana,

tem o corpo da Mata Atlântica, a boiada da Mata Atlântica,

que agora tem um recurso no Supremo, e um outro que é o do Marco Temporal,

também foi apresentado um recurso no Supremo, e eu queria te perguntar

o que muda, tem um julgamento marcado, previsto para semana que vem,

no caso do Marco Temporal, e a votação que teve na Câmara, muda alguma coisa

em razão da votação do Congresso, esse julgamento marcado para semana que vem?

Você vê que eu estou te aproveitando em todos os aspectos aqui,

não é só a política estrita.

Mas é bom porque hoje eu fui apurar isso também, Natuza,

porque as coisas estão muito interligadas, e o governo conta com o Senado,

principalmente, para fazer essa história dormitar e não avançar,

essa história que eu digo é o PL 490, que estabelece a Constituição de 1988,

como o Marco Temporal, a partir do qual tem de ser definidas

as demarcações de terras indígenas.

O estrago não é só contra a população indígena,

é contra a República Federativa do Brasil.

Hoje rasgamos um contrato, hoje desrespeitamos, através do Congresso,

ignoramos solenemente uma cláusula pétrea no artigo 231 da Carta Magna,

que define os direitos indígenas, o direito à terra inalienável.

O Supremo vai analisar isso a partir do dia 7 de junho,

e a expectativa é que ele considere isso.

Um PL não pode mudar uma Constituição, e a Constituição está dizendo

que tradicionalmente ocupa, e o direito de ocuparem os seus territórios tradicionais.

Existe um processo com repercussão geral, sendo julgado no Supremo há muito tempo,

estava com pedido de vista, relatado pela presidente da Corte, Rosa Weber,

e ela colocou em pauta no próximo dia 7.

Ela se comprometeu com a ministra Sonia Guajajara e com as articulações

dos movimentos ligados à causa indígena, de manter isso na pauta,

acontecesse o que acontecesse.

Ou seja, o Supremo, para ela, tem de julgar isso mesmo com a Câmara

tendo julgado um projeto de lei a respeito.

Mas a Corte está dividida a esse respeito.

Tem um grupo que gostaria que, uma vez que o Congresso começou a se debruçar

sobre o assunto, o Supremo saísse de cena.

Nesse grupo estão o ministro Gilmar Mendes, ministro Dias Toffoli

e os ministros bolsonaristas André Mendonça e Cássio Nunes Marques.

No outro grupo, daqueles que querem que o Supremo prossiga com o julgamento,

estão o ministro Luiz Roberto Barroso, a ministra Rosa Weber, ministro Edson Fachin.

E aí a gente tem ministros que a gente não sabe que a pito estão tocando

porque estão mais discretos nesse caso.

São a ministra Carmem Lúcia, que tende a fechar com esse grupo,

que quer votar o Marco Temporal a qualquer momento,

mas que não tem se manifestado muito internamente.

O ministro Luiz Fux, que é uma incógnita.

E o ministro Alexandre de Moraes, que no início era contabilizado

como um voto favorável ao Marco Temporal,

tanto que é dele o pedido de vista que atrasou a votação

quando o placar parecia caminhar contra a tese do Marco Temporal,

mas que agora parece disposto a fechar com o governo nessa questão.

Então, se o Supremo prosseguir com a discussão,

ele pode criar um impasse com a Câmara,

porque aí teria uma tendência a votar contra o Marco Temporal.

Então, o que se considera mais confortável não se criar esse impasse

é deixar para o Senado simplesmente sentar em cima do projeto e não fazer nada.

Então, a situação atual seria o melhor para todos.

Porque o governo se indispõe com a Câmara,

o Senado segura o jogo lá sem dizer que está fazendo isso,

e o Supremo não se indispõe também com a Câmara.

Então, o que o Supremo for fazer na semana que vem

importa para a gente entender também em que pé está

essa relação entre os poderes neste momento,

no pós-8 de janeiro, pós um tumulto muito grande com o Bolsonaro e o Judiciário,

e para a gente entender o estado da arte nesse momento

da relação entre os três poderes.

Vera, um beijo para você, obrigada.

Eu sei que a gente te capturou para falar,

você estava super ocupada conversando com um monte de fontes,

mas foi muito bom ter você aqui hoje.

Eu adoro sempre participar do assunto, sou muito fã,

então o prazer foi todo meu na Tosa.

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Luiz Felipe Silva, Thiago Kazurowski, Gabriel de Campos,

Nayara Fernandes e Guilherme Romero.

Eu sou Natuzaneri e fico por aqui.

Até o próximo assunto.

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01.06.23 - Lula, a desarticulação e o poder de Lira 01.06.23 - Lula, Exartikulation und die Macht der Lira 01.06.23 - Lula, disarticulation and Lira's power

Já eram onze e meia da noite quando os deputados aprovaram o texto principal do projeto que cria um novo regime de controle dos gastos públicos.

Os governistas comemoraram o placar folgado. Foram 372 votos favoráveis e 108 contra.

Depois da bonança, veio a tempestade.

E aqui se colocou um jabuti gigante, enorme, que é a permissão de desmontar a lei da Mata Atlântica.

Está encerrada a votação. Estão reestabelecidos os dispositivos aprovados pela Câmara.

Aprovada a matéria vai à sanção.

Requeremos com base no artigo 155 do Regimento Interno, um regime de urgência, na apreciação do projeto de lei que altera a lei nº 6.001, de 19 de dezembro de 1973, que é disponível sob o Estatuto do Índio.

O gesto que nós temos mesmo é em combater a violência dos povos indígenas.

O gesto que nós temos mesmo é de um Brasil que demorou 523 anos para ter o Ministério dos Povos Indígenas, para ter a presença dos povos indígenas aqui.

Sim, 324. Não, 131. Com abstenção está aprovado o regime de urgência.

Muita coisa aconteceu em Brasília, mas uma se impõe pelo peso histórico, de retrocesso histórico.

Eu estou falando da aprovação na Câmara do chamado Marco Temporal, no plenário da Casa.

Foi uma sessão com muitos protestos, pedindo respeito aos povos indígenas.

No fim, foram 283 votos favoráveis e 155 votos contrários.

A disputa entre governo e centrão ficou mais grave em torno da medida provisória que define o desenho do governo Lula, ou seja, a estrutura dos seus ministérios.

Errada a votação. Sim, 337. Não, 125. Com abstenção. Total 463.

Está aprovada a medida provisória na forma do projeto de lei de conversão ressalvados dos destaques.

A medida provisória que reorganiza os ministérios foi aprovada aqui na Câmara.

Então, assim, um placar bem mais largo do que se esperava, depois de um dia de muita tensão.

Tivemos agora a aprovação com essas mudanças, mas para o governo acabou saindo no lucro, porque a MP foi aprovada, correndo ainda menos risco de caducar indo agora para o Senado Federal.

Um turbilhão que expôs, de um lado, falhas do governo na articulação política e, de outro, um apetite voraz do grupo político que hoje domina o Congresso Nacional.

O governo está patinando nisso, então não consegue fazer valer o seu interesse diante de um Congresso que é diferente do executivo, diferente dele mesmo, do próprio governo.

Problema que vai muito além da falta de acordo entre os poderes.

Tem que pensar que para o parlamentar, hoje, você tem uma disputa de poder nos bastidores.

Eles perderam o orçamento secreto, o orçamento secreto que foi aprovado pelo Congresso, Câmara e Senado, incluindo hoje a base do governo Lula, parlamentares do PT.

O orçamento secreto ficou personalizado na figura do Lira.

Então, o Lira gostaria de retomar esse protagonismo que ele tinha com o orçamento secreto, que não vai mais acontecer.

Da redação do G1, eu sou Ana Tuzaneri e o assunto hoje é a articulação política do governo e a batalha entre Lula e Lira no Congresso.

Quais alertas foram acesos no Planalto? O que quer o presidente da Câmara? E como o governo pode contornar a crise?

Neste episódio, eu converso com Vera Magalhães, colunista do jornal O Globo, comentarista da rádio CBN e apresentadora do programa Roda Viva na TV Cultura.

Quinta-feira, primeiro de junho.

Vera, depois de muitos trancos, de muitos barrancos, de o próprio Palácio do Planalto, horas antes da votação da medida provisória que estrutura o governo, achar que poderia perder,

o governo acabou ganhando essa batalha com muito sufoco. Mas ganhou. O fato é que se saiu vitorioso.

Mas eu queria perguntar para você sobre um personagem importante nessa história, o presidente da Câmara, Arthur Lira.

É total, Natuza, porque a gente já viu que quando Arthur Lira quer ser um favor para facilitar, ele abre os mares, ele abre todas as portas.

Foi assim na votação do Marco Fiscal, do novo arcabouço fiscal. Ele queria entregar essa votação e entregou lindamente,

com muito mais votos do que um projeto de lei complementar necessitaria.

A última versão do texto base obteve apoios indistintamente na Câmara, de oposicionistas a integrantes da base do governo.

Se não está indo agora, ou se está emperrado, ou se está indo devagar, ou se derrotas estão sendo impostas ao governo,

é porque ele, apesar de fazer um discurso de que está tentando ajudar, de que está sendo cooperativo, está atuando nos bastidores com a outra mão.

É ele hoje quem detém a maioria da Câmara. Não são os partidos, não são os líderes, não é o governo, é uma entidade chamada Arthur Lira.

Então, se está emperrado, é por conta dele e por vários motivos, a meu ver.

Essa vontade de dominar o orçamento é o principal deles, mas a gente também tem aí uma certa vontade dele de demonstrar que ele estava certo

naquela briga pelo rito das medidas provisórias. Porque eu já ouvi de pessoas muito próximas a Lira,

olha só, está vendo como não funciona você fazer comissão mista para tratar medidas provisórias?

Olha quantas reuniões houve e foi votado só na última hora.

Então, também tem um sequerê do Lira, no sentido de que ele estava certo desde o início, quanto ao melhor trâmite das medidas provisórias.

Tem várias tentativas de passar recado em diferentes instâncias às custas do governo.

Arthur Lira ainda fez uma outra demanda, que foi uma reforma ministerial.

Ele também impõe ali mudanças de ministérios e acho que por trás disso, Vera, não sei se você concorda,

está uma ambição que o Centrão disse que não tinha mais, mas que agora está se vendo que tem,

que é ministérios sim, mas ministérios com as suas estatais, com as suas empresas públicas,

para que esses políticos indiquem os nomes para cargos de muito peso na estrutura federal.

Faz sentido para você?

Isso tudo é problema de governo fraco, né Natuza?

Governo fraco na articulação política.

Porque quando os políticos, e sobretudo o Centrão, e sobretudo o pai do Centrão, que é o Arthur Lira,

sente o cheiro de sangue na água, o apetite aumenta.

E aí é, se eu posso ter o orçamento e cargos, por que não? Não é mesmo?

E se aí, nesse processo, eu ainda posso tentar tirar um filho de um desafeto, por que não ao quadrado?

E aí entra essa suposição, que muitos confirmam, mas que ele nega,

de que Arthur Lira teria pedido a cabeça do ministro dos transportes, Renan Filho,

que vem a ser o ex-governador de Alagoas, e filho do seu maior desafeto, Renan Calheiras.

Por que essa briga paroquial vira uma briga nacional com potencial de causar um problema na própria estrutura do governo?

Porque é um governo fraco, porque é um governo que não se armou para ser forte no parlamento.

Então a gente está aí vivendo uma nova fase da República de Alagoas,

paradoxalmente no momento em que Fernando Collor é condenado, tantos anos depois,

a gente tem Alagoas com os seus problemas alçado à condição de um assunto nacional com potencial de estrago dessa natureza.

Espera um pouquinho que eu já volto para continuar minha conversa com a Vera.

Agora, ao mesmo tempo em que você deu essa deixa para mim na sua primeira resposta,

o Lira ajudou e contribuiu para uma vitória importante na semana passada,

que foi a aprovação da nova regra fiscal.

Embora tenha ali pautado, e não sei se contribuído necessariamente em alguns desses casos, mas em outros com certeza,

a derrota do Marco do Saneamento, que eu acho que era um problema maior,

porque o próprio Congresso não queria essa pauta, e eu não sei nem se o dedo dele foi o dedo que mais pesou,

mas certamente a mão dele na criação de CPIs de interesse da oposição bolsonarista.

Então, como é que a gente explica para quem nos ouve?

Se Lira entrega a regra fiscal para o ministro Fernando Haddad com uma mão,

e com a outra entrega CPIs que o governo não quer, qual é o jogo desse personagem político?

O que aconteceu?

Quais foram os erros que o governo cometeu para sofrer sucessivas derrotas de um lado no Congresso,

mas ao mesmo tempo tendo ali a regra fiscal aprovada na semana passada na Câmara?

Eu acho que o jogo aí é puramente ser muito didático ao mostrar sua própria importância.

Mostrar, olha, meu amigo, sem mim aqui dentro você não se cria.

É isso que ele está dizendo para o Lula.

Ou você faz o meu jogo, ou você não se cria, ou você joga conforme a minha regra,

dança conforme a minha música, ou vai ter muitos problemas.

E você percebe isso de uma maneira muito cristalina

quando o ministro da articulação política capitula publicamente

e diz que vai aceitar a regra nova para a estrutura do governo,

porque pode ficar muito pior e pode, inclusive, caducar a MP.

O Lira vem reclamando do que a gente está falando aqui há algumas semanas,

que o Palácio não atende aos deputados, que não cumpre acordos, não entrega as emendas.

O Lira acha que o governo, acha que vai governar sem ele,

sem ele e sem os parlamentares do Centrão,

que estarão lá, gente, independentemente do presidente da República.

Bolsonaro viu isso acontecer, Temer viu isso acontecer, Dilma pagou para ver isso acontecer.

Esse tipo de admissão de fracasso, quando ele joga a toalha publicamente,

coisa que nos bastidores já se falava, que na verdade era conversa mole para a Marina dormir,

aquela história de que o governo iria tentar voltar ao que era a MP original,

sendo que já estava dando por perdida.

Quando ele captula publicamente, ele está fazendo uma admissão

de que a função dele hoje é executada pelo Arthur Lira,

o verdadeiro responsável pela articulação política do Brasil hoje se chama Arthur Lira

e o Alexandre Padilha, o Rui Costa, todos os demais vão dançar miudinho conforme ele pautar.

E ele próprio já deixou claro, de uma maneira tentando dar um caráter republicano às suas ações,

que as pautas que sejam de interesse do Brasil, como ele diz, essas vão passar

e as que forem ideológicas não vão passar.

Então, tudo aquilo que for a plataforma de campanha do Lula vai ter muito mais dificuldade de passar

do que aquilo que for o Lula tentando fazer uma aproximação com o mercado

e com os setores do centro e da direita.

Então, o que for pauta de uma chamada frente ampla, que era como o Lula dizia que iria governar,

essas terão mais facilidade de passar.

O que for pauta Lula raiz, PT raiz, essas não vão ter uma vida fácil, principalmente na Câmara.

No Senado tem um pouco mais de nuance, mas principalmente na Câmara.

E onde é que está morando o perigo nesse caso?

Porque o que eu estou entendendo da sua fala é que Arthur Lira está tentando impor o cargo de primeiro-ministro

para ele, que era o cargo que ele tinha de maneira informal no governo Bolsonaro.

E Lula não está querendo entregar esse papel para ele porque sabe que quanto mais forte for Arthur Lira,

mais fraco é ele próprio.

Então, o que aconteceu? Porque Arthur Lira era candidato a reeleição à presidência da Câmara,

o PT lá atrás, antes de assumir o governo, antes de tomar posse, já tinha sido eleito,

Lula já tinha sido eleito presidente, o PT se apressou a apoiar Arthur Lira presidente da Câmara.

Entregou para ele esse apoio em troca da aprovação de uma emenda à Constituição

que ia dar dinheiro para o governo administrar nesse primeiro ano de gestão.

Na sua avaliação, tem havido ou houve em algum momento falta de visão do governo,

descolamento com a realidade que é completamente diferente da realidade dos governos Lula 1 e 2,

interesses exclusos de parte do Congresso ou todas essas opções?

Todas as anteriores, eu acho que sim, porque o Lula está com o software vencido

e isso está sendo visto dia após dia em muitos frontes do governo,

tudo que ele lança é uma réplica do que ele já fez no passado.

Eu escrevi uma coluna para o Globo hoje, cujo título é uma música do Belchior, que é Velha Roupa Colorida.

Mas o Lula não percebeu e ele está tentando tirar esse vestuário do armário

com toda a naftalina que ele contém na política externa, na política habitacional,

na política social e na relação com o Congresso.

Ele achou que seria possível replicar modelos que funcionaram no passado

e até os que não funcionaram no passado.

Se funcionaram no passado, o PT devia estar muito escolado com o Centrão

em razão do que aconteceu no governo Dilma.

Que Deus tenha misericórdia dessa nação. Voto sim!

Mas parece que não se fez uma análise poeril básica das urnas,

que é aquela segundo a qual ele venceu com 51% dos votos,

Bolsonaro teve 49% e no Congresso a mão se inverteu.

A centro-direita é prevalente, ela é majoritária e ninguém parece ter feito

essa conta básica para o Lula.

O Arthur Lira, que é um sujeito de extrema adaptabilidade

às conjunturas mais diferentes, tão logo o Supremo Tribunal Federal

gongou o orçamento secreto.

Os ministros consideraram, por seis votos a cinco,

que o uso indevido das emendas de relator fere a Constituição.

Ele encontrou um outro jeito de manter o mesmo protagonismo,

manter a mesma necessidade para qualquer governo.

Conseguiu obter o apoio para sua própria reeleição à custa dessa proposta

de emenda à Constituição que garantiu a transição.

Ali ele carimbou que ele seria candidato único à sua própria sucessão

e seria muito tranquilamente reeleito.

E desde então ele olhou para aquele mapa da esplanada e olhou para os votos na Câmara

e falou isso aqui é meu, não é do Lula.

E por quê?

Porque o presidente é simplesmente ausente das discussões mais importantes

de política interna, de articulação política.

Ele resolveu que o Brasil voltou, é um mantra que ele repete a todo momento,

se encantou com essa própria aura de que ele faria com que o Brasil

deixasse de ser um par em internacional, se dedicou a esse fronte externo,

e desguarneceu a articulação política.

Achou que poderia ficar ausente disso e não pode.

Essa carta de crédito extra que o governo recebeu se deve muito

aos movimentos pessoais do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

O presidente Lula que entrou de cabeça na articulação política.

A gente revelou aqui em primeira mão a conversa que ele teve

com o líder do União Brasil, Omar Nascimento, que fez toda a diferença.

Uma bancada que estava fechando voto contrário no dia de ontem

e hoje se empenha de forma majoritária para aprovação da matéria.

E a expectativa é que já de imediato o presidente Lula tenha esse tete a tete

com o deputado Arthur Lira.

Agora tem um ponto aí nesse contexto que é o poder do Lira.

Um poder inequívoco, um poder que se achava que ele ia perder

pelo menos parte dele quando o governo Bolsonaro terminasse,

porque o Bolsonaro entregou tudo para ele.

O Bolsonaro não tinha nenhum problema de ter Arthur Lira como primeiro-ministro

desde que Arthur Lira blindasse Bolsonaro de pedidos de impeachment,

aprovasse as pautas que Bolsonaro queria e por aí vai.

Mas o poder de Arthur Lira vem muito do cargo que ele tem.

Vem das benesses que ele dá e ele quer dar as benesses do governo,

mas na conta dele, ele ser o dono do cofre, embora não seja executivo.

Só que o poder dele vem do cargo que tem, enquanto ele é presidente da Câmara.

Qual é o jogo na sua avaliação do Arthur Lira para o pós-Lira?

Como é que ele vai fazer para se manter forte?

Porque tem uma maldição de ex-presidentes da Câmara dos Deputados.

Nas minhas contas aqui, a sua grande maioria, com raras exceções,

ficou muito enfraquecida e desapareceu, inclusive.

Eu acredito que só se viabilizará algum nome que tenha a benção dele,

mas até lá é muito poder para desfrutar, um ano e meio de poder para desfrutar

e a possibilidade de inviabilizar um governo na largada se as coisas se acirrarem.

Porque você falou de uma das principais armas que ele detinha contra o Jair Bolsonaro,

que era a quantidade de pedidos de impeachment que ele manteve na sua gaveta,

e pode ser que se enverede para esse momento no governo Lula.

Inclusive, essas CPIs que ele também articulou podem ser o palco para que se comece

o acúmulo de uma série de pedidos de impeachment contra o presidente da República.

Então, eu acho que essa é uma cartada que ele também está construindo

para usar se for necessário ali na frente.

O presidente Lula me ligou de manhã, nós conversamos,

eu expliquei para ele as dificuldades que o governo dele tem

e precisa que a imprensa trate isso com clareza.

O problema não é da Câmara, não é do Congresso,

o problema está no governo, na falta ou ausência de articulação.

O que há é uma insatisfação generalizada dos deputados e talvez dos senadores,

que ainda não se posicionaram, com a falta de articulação política do governo,

não de um ou outro ministro.

É incrível, tem uma data em que as medidas provisórias perdem a sua validade.

Não é possível que se tenha deixado chegar ao último dia com esse grau de risco,

vivendo perigosamente, encarecendo a fatura,

porque agora a gente está falando de uma liberação recorde de 1 bilhão e 700 em um dia,

então é uma derrama de dinheiro que vai fazer falta para outros fins.

Líderes de partidos aliados e de partidos independentes,

juntamente com o presidente da Câmara, Arthur Lira, se reuniam.

Nessa conversa, houve cobrança para que o governo acelere a liberação de emendas e de cargos.

Também houve críticas sobre a falta de diálogo entre ministros e parlamentares

e também sobre a composição da esplanada.

Agora, tem uma outra coisa surpreendente nessa coreografia governo e centrão.

É a velocidade dos problemas.

Eu não me lembro de nenhum início de governo que eu cobri,

eu comecei a cobrir no governo Lula 1,

em que os problemas tenham despencado da árvore aos montes tão rapidamente.

E eu queria saber se você se surpreende com isso e por que tanta encrenca está aparecendo.

Acho que tudo gira em torno de um ponto só, que é essa desarticulação do governo.

Mas se a gente for lembrar do caso da Dilma, por exemplo, que sofreu um impeachment,

o primeiro ano de governo Dilma estava voando,

era o ano em que ela era, aliados a chamavam de faxineira.

Mas é que a gente não está no Lula 1, a gente está no Lula 3.

E é um Lula 3 depois de impeachment, depois de Lávala Jato e depois de Jair Bolsonaro.

Eu acho que precisa se dar conta disso, gente.

O Lula não é um livro novo a ser escrito, é um livro conhecido, já lido, relido,

que está numa espécie de remake, um remake já com o herói na sua melhor forma.

Então, não é Dilma 1 a comparação, é Dilma 2.

E aí é isso, já começar no perrengue.

Outro dia eu falei, olha, para um muito influente congressista,

vocês não estão se esquecendo de que a plataforma que venceu na eleição

é uma plataforma pró-meio ambiente, pró-povos indígenas,

e que isso foi chancelado pelas urnas.

Ele falou, ganhou por 80 a 20? Não, ganhou por 51 a 49.

Então é isso que vai nortear tudo nesses quatro anos.

São esses 51 a 49, isso ditou o 8 de janeiro,

isso vai ditar as CPIs, isso vai ditar a correlação de forças no Congresso.

Ou o governo se dá conta desse placar, e introjeta esse placar,

e traz forças para o governo capazes de transformar um 51 a 49,

no mínimo num 60 a 40, ou vai ficar levando bola nas costas o tempo inteiro.

E para isso não adianta você pegar uns ministros aleatórios do União Brasil

e colocar no governo, porque eles não representam ninguém.

Você precisa trazer gente que represente alguma força que você não contou na sua eleição.

Você precisa trazer para si forças com as quais você não contou na sua eleição,

sob pena de você viver sob uma espada de Damocles eternamente apontada para a sua cabeça.

Mas não tem ninguém fazendo essa conta, que é uma conta básica,

e que leva o Lula a um dilema fundador,

que é o risco de ele ter um governo mais regressivo em pautas que lhe são caras

do que o do próprio Bolsonaro, pelo simples fato de que agora não tem o Bolsonaro para atrapalhar.

Então as pessoas estão achando mais confortável passar com a boiada

sem o Bolsonaro criando tumulto. É incrível, mas é o que está acontecendo.

E eu não queria deixar de falar que, número um, o efeito colateral disso,

o termômetro disso, é que já se fala dentro do governo em reforma ministerial,

não é só o Lira, o Centrão, que demandam uma reforma imediata, o Lira nega,

mas enfim, nos bastidores muitos dos dele dizem isso,

mas também gente de dentro do governo, que fala que está na hora de mudar,

ou seja, tudo está muito acelerado, um dia parece um ano.

Agora, entre os corpos que ficaram estendidos nessa semana,

tem o corpo da Mata Atlântica, a boiada da Mata Atlântica,

que agora tem um recurso no Supremo, e um outro que é o do Marco Temporal,

também foi apresentado um recurso no Supremo, e eu queria te perguntar

o que muda, tem um julgamento marcado, previsto para semana que vem,

no caso do Marco Temporal, e a votação que teve na Câmara, muda alguma coisa

em razão da votação do Congresso, esse julgamento marcado para semana que vem?

Você vê que eu estou te aproveitando em todos os aspectos aqui,

não é só a política estrita.

Mas é bom porque hoje eu fui apurar isso também, Natuza,

porque as coisas estão muito interligadas, e o governo conta com o Senado,

principalmente, para fazer essa história dormitar e não avançar,

essa história que eu digo é o PL 490, que estabelece a Constituição de 1988,

como o Marco Temporal, a partir do qual tem de ser definidas

as demarcações de terras indígenas.

O estrago não é só contra a população indígena,

é contra a República Federativa do Brasil.

Hoje rasgamos um contrato, hoje desrespeitamos, através do Congresso,

ignoramos solenemente uma cláusula pétrea no artigo 231 da Carta Magna,

que define os direitos indígenas, o direito à terra inalienável.

O Supremo vai analisar isso a partir do dia 7 de junho,

e a expectativa é que ele considere isso.

Um PL não pode mudar uma Constituição, e a Constituição está dizendo

que tradicionalmente ocupa, e o direito de ocuparem os seus territórios tradicionais.

Existe um processo com repercussão geral, sendo julgado no Supremo há muito tempo,

estava com pedido de vista, relatado pela presidente da Corte, Rosa Weber,

e ela colocou em pauta no próximo dia 7.

Ela se comprometeu com a ministra Sonia Guajajara e com as articulações

dos movimentos ligados à causa indígena, de manter isso na pauta,

acontecesse o que acontecesse.

Ou seja, o Supremo, para ela, tem de julgar isso mesmo com a Câmara

tendo julgado um projeto de lei a respeito.

Mas a Corte está dividida a esse respeito.

Tem um grupo que gostaria que, uma vez que o Congresso começou a se debruçar

sobre o assunto, o Supremo saísse de cena.

Nesse grupo estão o ministro Gilmar Mendes, ministro Dias Toffoli

e os ministros bolsonaristas André Mendonça e Cássio Nunes Marques.

No outro grupo, daqueles que querem que o Supremo prossiga com o julgamento,

estão o ministro Luiz Roberto Barroso, a ministra Rosa Weber, ministro Edson Fachin.

E aí a gente tem ministros que a gente não sabe que a pito estão tocando

porque estão mais discretos nesse caso.

São a ministra Carmem Lúcia, que tende a fechar com esse grupo,

que quer votar o Marco Temporal a qualquer momento,

mas que não tem se manifestado muito internamente.

O ministro Luiz Fux, que é uma incógnita.

E o ministro Alexandre de Moraes, que no início era contabilizado

como um voto favorável ao Marco Temporal,

tanto que é dele o pedido de vista que atrasou a votação

quando o placar parecia caminhar contra a tese do Marco Temporal,

mas que agora parece disposto a fechar com o governo nessa questão.

Então, se o Supremo prosseguir com a discussão,

ele pode criar um impasse com a Câmara,

porque aí teria uma tendência a votar contra o Marco Temporal.

Então, o que se considera mais confortável não se criar esse impasse

é deixar para o Senado simplesmente sentar em cima do projeto e não fazer nada.

Então, a situação atual seria o melhor para todos.

Porque o governo se indispõe com a Câmara,

o Senado segura o jogo lá sem dizer que está fazendo isso,

e o Supremo não se indispõe também com a Câmara.

Então, o que o Supremo for fazer na semana que vem

importa para a gente entender também em que pé está

essa relação entre os poderes neste momento,

no pós-8 de janeiro, pós um tumulto muito grande com o Bolsonaro e o Judiciário,

e para a gente entender o estado da arte nesse momento

da relação entre os três poderes.

Vera, um beijo para você, obrigada.

Eu sei que a gente te capturou para falar,

você estava super ocupada conversando com um monte de fontes,

mas foi muito bom ter você aqui hoje.

Eu adoro sempre participar do assunto, sou muito fã,

então o prazer foi todo meu na Tosa.

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Eu sou Natuzaneri e fico por aqui.

Até o próximo assunto.

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